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A APLICAÇÃO DO ART. 13 DO
CPC
NA INSTÂNCIA SUPERIOR
Ulysses Fonseca Louzada
juiz de Direito e professor do Curso de Direito da UFSM
Fernanda Figueira Tonetto
acadêmica de Direito na UFSM
1. INTRODUÇÃO O
presente estudo visa, em primeiro plano, fazer uma análise do significado e da
aplicação do art. 13 do Código de Processo Civil, com uma breve revisão dos conceitos
nele inseridos.
Em segundo plano, imbui-se no objetivo de esclarecer os motivos que levam duas
conflitantes correntes jurisprudenciais a aplicá-lo, ou não, nas instâncias superiores,
opinando, ao fim, qual a corrente que toma a decisão mais acertada, em nosso
entendimento.
2. COMPREENSÃO DO ART. 13
DO CPC Primeiramente, reza o art. 13 do Código de Processo Civil que, em havendo, no
processo, parte que não detenha capacidade processual ou cuja representação esteja
defeituosa, deverá o juiz suspender o processo, mandando que a parte sane o defeito, ao
invés de extingui-lo sem julgamento de mérito, tal como ordena o art. 267, inciso IV, do
mesmo diploma legal.
Antes de examinar-mos o referido dispositivo de lei, cumpre-nos revisar os
conceitos de capacidade processual e de representação.
Capacidade processual, também chamada capacidade para estar em juízo ou legitimatio
ad processum, é um dos pressupostos processuais de validade da relação jurídica
processual, consistente na possibilidade que têm tanto as pessoas físicas e jurídicas,
quanto as pessoas formais, de exercerem validamente seu direito de ação, de serem
demandadas judicialmente ou de intervirem no processo.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, "consiste na aptidão de participar
da relação processual, em nome próprio ou alheio" (1). Ou, "é uma qualidade
intrínseca, natural, da pessoa; dela deriva, no plano jurídico, a possibilidade de
exercer validamente os direitos processuais que a pessoa tem" (2), conforme
entendimento de Enrico Tullio Liebman.
Ocorre que muitas vezes um desses sujeitos, embora seja detentor de direitos, não
é capaz de exercê-los em juízo. Detém capacidade jurídica (em se tratando de pessoa
natural ou de pessoa jurídica) ou capacidade judiciária (no caso de ser pessoa formal),
mas não possui capacidade de exercício de direito.
No plano da Ordem Jurídica Material, passa a ter capacidade de direito aquele que
adquire personalidade jurídica ou personalidade judiciária, entendendo-se por esta a
possibilidade que a lei concede a determinados entes, verbi gratia, a massa falida,
de adquirirem direitos.
A pessoa natural passa a detê-la a partir do nascimento com vida; a pessoa
jurídica, desde o registro de seus atos constitutivos no órgão competente e, a pessoa
formal, por sua vez, desde que dispositivo legal a conceda, conforme referimos supra.
Inobstante isso, ocorre que muitas vezes, embora os sujeitos detenham direitos,
não podem exercê-los no plano do Direito Processual, porque são incapazes de estar em
juízo. Daí decorre o conceito de incapacidade processual, que resume-se na incapacidade
de exercer os direitos que se detém, em juízo.
É o que ocorre, v. g., com os incapazes, entendidos estes como os incapazes de
Direito Civil: os mesmos são detentores de direitos, mas não podem exercê-los, no caso,
por falta de capacidade civil, a qual os impede de adquirir a capacidade para estar em
juízo, somente lhes concedendo a capacidade para ser parte.
A capacidade jurídica ou judiciária, de Direito Material, corresponde, na órbita
Processual, à capacidade para ser parte. Por seu turno, a capacidade de exercício, de
Direito Material, tem correlação, no plano Processual, com a capacidade para estar em
juízo.
Em outras palavras, "a atividade que as partes desenvolvem no processo tem
sempre relevantes conseqüências práticas; por isso, a lei exige que elas tenham aquela
mesma capacidade que é necessária para realizar qualquer atividade jurídica,
disciplinando a capacidade processual mediante remissão às regras gerais sobre a
capacidade das pessoas (
) O Código Civil distingue a capacidade jurídica (art.
1o.), da capacidade de agir (art. 2º)
A capacidade jurídica é a aptidão a ser
sujeito de direitos. A ela corresponde logicamente a aptidão a ser parte em um processo
(capacidade de ser parte), de que dispõem todas as pessoas físicas e jurídicas e
também algumas coletividades organizadas e patrimônios autônomos..." (3)
No que se refere ao Direito de ação, o incapaz civilmente não tem aptidão para
atuar judicialmente, sozinho. Mister algo mais. No caso dos incapazes, esse algo mais é a
representação válida, bem como no caso das pessoas jurídicas que, se ingressarem em
juízo, representadas irregularmente, deixam de ter legitimação para o processo.
Em outros casos, o CPC exige que se supra a incapacidade processual de forma
diversa, não através da representação válida, tal como quando impõe o consentimento
do cônjuge da pessoa casada, quando esta deseja ser autora em ações que versem sobre
direitos reais imobiliários. Nesse caso, o legislador impõe um óbice à capacidade
processual dessas pessoas.
Entretanto, vamos nos deter somente nos casos em que a lei exige a representação
para que seja sanada a incapacidade para estar em juízo, bem como para que seja sanada a
incapacidade postulatória, da qual falaremos a seguir.
O art. 13 do Código de Processo Civil fala em incapacidade processual e em
irregularidade na representação.
A representação existente nos autos de um processo pressupõe, em se tratando de
Direito Processual Civil, ou a falta de legitimatio ad processum, ou a ausência de
capacidade postulatória, que é a aptidão conferida pela lei aos advogados (e ao
Ministério Público, em hipóteses expressamente previstas) de falar e pedir em juízo,
em nome da parte que representa. Para tanto, ao causídico é outorgado um mandato, uma
representação.
Como a representação é o instituto que visa suprir a incapacidade processual
e/ou a incapacidade postulatória, em havendo irregularidade na representação,
consequentemente, subsiste a ausência de um ou de ambos aqueles pressupostos.
Assim, na redação do art. 13 do Código de Processo Civil, a expressão
"irregularidade na representação" é supérflua, pelo menos no que se refere
à incapacidade processual, pois se há irregularidade na representação, por
conseguinte, haverá incapacidade processual, se da representação depender a legitimatio
ad processum. Já no que tange à incapacidade postulatória, a expressão serviu para
diferenciar o art. 13 do art. 37 do CPC, eis que aquele trata da representação irregular
e este, por sua vez, diz respeito à ausência de representação.
Como, pela redação do referido art. 13, muitas vezes se geram dúvidas quanto à
sua aplicabilidade, ou não, à representação por advogado, acreditamos que sua melhor
redação seria:
"Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a incapacidade
postulatória, por irregularidade na representação, das partes, o juiz, suspendendo o
processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito..."
O simples termo "incapacidade processual" se refere a todos os casos em
que esta se dá, seja por irregularidade na representação, seja por incapacidade da
parte, seja por ausência de consentimento de um dos cônjuges quando o outro deseja
propor ação real imobiliária.
Aplica-se também às pessoas jurídicas e aos entes despersonalizados, os quais
são trazidos no art. 12 do CPC, já que somente possuem capacidade para estar em juízo
quando, ao proporem uma ação (ou ao serem réus ou terceiros em uma ação),
encontram-se regularmente representados.
Já a incapacidade postulatória, no artigo sub analise, dar-se-ia, para
fins de suspensão do processo e sanação do defeito, somente nos casos em que a
representação conferida ao advogado fosse irregular.
3. APLICABILIDADE Dito
isso, passamos a tratar do tema da aplicabilidade, ou não, do art. 13 do Código de
Processo Civil, nas instâncias superiores.
Ao analisarmos o citado dispositivo, podemos concluir que o legislador, ao
redigi-lo, imbuiu-se em aplicar, de modo concreto, um dos princípios informativos do
Direito Processual, qual seja, o princípio da economia.
Este resume-se na busca de realização do maior número de atos processuais,
dentro do menor espaço temporal, com o menor esforço possível, ou, o máximo
resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades
processuais (4).
O legislador pátrio ordenou ao juiz que, ao invés de, inopinadamente, extinguir o
processo, sem julgamento do mérito, com base no art. 267, inciso IV, do CPC, o suspenda,
para que a falha seja sanada.
Desse modo, evita-se um grande número de atos processuais outros, quando na
verdade pode-se realizar apenas um, consistente no suprimento da falha, no lugar de haver
a extinção liminar do processo e a eventual propositura de nova ação, se possível.
Na instância inicial, é pacífico o entendimento de que, em ocorrendo a
incapacidade processual e/ou a incapacidade postulatória (por motivo de representação
irregular), seja do autor, do réu ou do terceiro, o processo deve ser suspenso e o prazo
do art. 13 deve ser aberto à parte imediatamente.
Ocorre que muitas vezes esta condição da parte passa despercebida, ou, em outros
casos, surge justamente na interposição do recurso, e só é constatada em segunda
instância, como por exemplo, no caso de o advogado que atuou no processo substabelecer
seus poderes a um colega, para que esse recorra, sendo que confere substabelecimento
irregular, ou então no caso de o próprio instrumento de mandato do causídico apresentar
defeitos e os mesmos não terem sido constatados até a prolação da sentença
definitiva.
Aqui não se fala em recurso sem instrumento de mandato, porque então
recorreríamos ao art. 37. No caso de ausência de representação, não sendo o recurso
considerado um ato urgente, inesperado, não cabe prorrogação de prazo para que a
ausência seja sanada, cabendo, isto sim, o indeferimento do recurso, com observância da
Súmula 115, do STJ, que reza:
"Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem
procuração nos autos."(DJU, 07.11.94)"
Fala-se, isto sim, da existência de representação, porém sendo a mesma
irregular.
Pois bem: se em segunda instância subsistir a incapacidade processual ou a
incapacidade postulatória (por motivo de representação falha e não inexistência de
representação) de qualquer das partes, é cabível a suspensão do processo para que
haja a regularização, mesmo que o recurso seja interposto após a sentença de mérito?
Ou, ao contrário, o recurso não deve sequer ser conhecido?
Existem duas teorias a respeito:
A primeira defende o indeferimento do recurso, afirmando que o art. 13 do CPC
destina-se tão-somente ao juízo de primeiro grau.
Assentou-se o entendimento na jurisprudência no sentido da inaplicabilidade do
art. 13 em sede de Recurso Especial.
Além disso, existem decisões que pugnam também pela inaplicabilidade da referida
norma legal por qualquer Tribunal ad quem, em grau de recurso, zelando pelo não
conhecimento, ao invés de abertura de prazo para sanação da irregularidade. Nesse
sentido, JTJ 165/103.
O argumento utilizado é o de que, oportunizando-se o saneamento da falha,
estar-se-ia conhecendo de matéria não analisada pelo juízo a quo, o que
acarretaria a supressão de um grau de jurisdição.
Por outro lado, há aqueles que se filiam a uma Segunda corrente, qual seja, a de
que, neste caso, deve ser aberto o prazo do art. 13 para que a parte sane o defeito.
Fazem-no baseados no já mencionado princípio da economia processual, bem como na
circunstância de que a disciplina dos pressupostos processuais são matéria de ordem
pública, devendo, destarte, ser conhecidas de ofício a qualquer tempo e grau de
jurisdição, não sendo aplicáveis, no caso, as regras pertinentes à preclusão, com
exceção da preclusão máxima
4. CONCLUSÃO Resumidas
as duas correntes jurisprudenciais existentes nos Tribunais do país, passamos a tecer
comentários sobre ambas, revelando para qual das duas se inclina nossa modesta opinião.
É compreensível o posicionamento dos partidários da primeira corrente, vez que
hoje, com a crescente propositura de demandas judiciais, os Tribunais brasileiros
encontram-se assoberbados de processos, cujas pautas de julgamento vêm-se lotadas.
Quanto maior o número de juízos negativos de admissibilidade, menor o número de
processos a ensejarem análise.
No entanto, se a decisão de primeiro grau que se busca reformar não julgou o
mérito, mas sim, foi do tipo sentença definitiva, a parte que se achou prejudicada
poderá propor nova ação e, consequentemente, novo recurso, e assim por diante, batendo
às portas do Tribunal por mais uma vez, que ao invés de ter proferido somente aquele
primeiro julgamento, agora terá de proferir dois.
Assim, a não aplicação do art. 13 do CPC, nesse particular, atenderá mais ao
"princípio da não-economia".
Àqueles que afirmam haver suprimento de um grau de jurisdição, rebate-se com o
parágrafo terceiro do art. 267, do mesmo diploma legal:
"O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição,
enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante nos ns. IV, V e
VI..."
No caso de a irregularidade ou a incapacidade existir desde momento processual
anterior à sentença de mérito, a mesma somente não foi conhecida do ofício pelo juiz
por puro descuido seu, nada mais. Por omissão do juiz de primeiro grau não se pode
deixar de aplicar um artigo de lei que tem o fito de tornar válido um ato processual.
Com mais razão, no caso de a incapacidade sobrevir à sentença , não se está,
da mesma forma, e com mais razão, suprimindo um grau de jurisdição, já que a
circunstância a ser apreciada passou a existir somente depois que o juiz de primeira
instância já esgotou sua jurisdição.
Assim, como já se pode perceber, acreditamos ser mais acertado o entendimento que
prega pela aplicação incondicional do art. 13 do CPC, seja na instância primeira, seja
na superior, ou, nas palavras contidas no seguinte acórdão do STF (AI n. 950047688-6/PR,
DJU 5.12.95):
"Inocorrência de oportunidade para regularização em primeira instância
propicia, nos termos do art. 13 do Código de Processo Civil, tal regularização mesmo em
grau de recurso."
Ou:
"É sanável o defeito a qualquer tempo, inclusive na instância superior
ordinária, nos termos do art. 13 do CPC, que não contém comando dirigido só ao juiz de
1º grau, mas ao juiz em sentido mais amplo, ao órgão jurisdicional."
(Embargos Infringentes n. 596110866, do 4º Grupo de Câmaras Cíveis do
TJRGS).
E esse parece ser o entendimento mais correto na medida em que se elegeria
formalismo exacerbado em não aplicar-se o art. 13 do CPC, não se conhecendo do recurso
impetrado, correndo-se, nesse caso, o risco de ser mantida alguma decisão injusta por
parte do juiz de primeiro grau ( o que porventura acontece, já que tantas decisões
vêm-se reformadas), enquanto que, ao invés, bastando suspender o processo e conceder
prazo à parte, poder-se-ia, tão facilmente, sanar irregularidade, o que representaria
inegável economia de tempo, de custos e de esforços para os operadores do Direito.
Definitivamente, é preciso deixar de lado o tecnicismo rigoroso que por vezes
apresenta nosso Diploma Legal de Processo Civil, já que muitas vezes, ignora, como no
caso, tão importante princípio, o que é imperdoável, mormente nos dias de hoje, quando
nosso Judiciário encontra-se abarrotado de pedidos de manifestação da tutela
jurisdicional do Estado.
BIBLIOGRAFIA 1. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R., Teoria geral do Processo, 7a. Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990. 2. LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1984. 3. MARQUES, José Frederico, Manual de Direito Processual Civil, 1o. Vol., 9a. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1982. 4. NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade, Código de Processo Civil Comentado, 2a. Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996. 5. THEODORO Jr, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 18a. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1996.
NOTAS (1) THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 18a. Ed. Rio de Janeiro. Forense. 1996. Pg. 78. (2) LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de Direito Processual Civil, 1a. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, Pg. 92. (3) LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de Direito Processual Civil, 1a. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, Pgs. 90/91. (4) CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 12ª edição. São Paulo. Malheiros Editores. 1996. Pg. 73.
retirado de -
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