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A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO

CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA
Professor Titular de Direito Processual Civil da UFRGS



     "Une idée forte communique un peu de sa force au contradicteur. Participant à la valeur
     universelle des esprits, elle s'insère, se greffe en l'esprit de celui qu'elle réfute, au milieu
     d'idées adjacentes, à l'aide desquelles, reprenant quelque avantage, il la complète, la rectifie;
     si bien que la sentence finale est en quelquer sorte l'oeuvre de deux personnes qui
     discutaient."

     (Marcel Proust, A l'ombre des jeunes filles en fleurs, p. 128.)

     1. O direito processual, como fenômeno cultural, produto exclusivo do homem e por
     conseqüência empolgado pela liberdade, não encontrável in rerum natura, tem o seu tecido
     interno formado pela confluência das idéias, projetos sociais, utopias, interesses
     econômicos, sociais, políticos e estratégias de poder reinantes em determinada sociedade,
     com notas específicas de tempo e espaço. Impossível, portanto, assimilá-lo, apesar do seu
     caráter formal, a um mero ordenamento de atividades, dotado de cunho exclusivamente
     técnico, composto por regras externas, estabelecidas pelo legislador de modo totalmente
     arbitrário. A estrutura mesma do processo civil não é moldada pela simples adaptação
     técnica do instrumento processual a um objetivo determinado, mas especialmente por
     escolhas de natureza política, em busca dos meios mais adequados e eficientes para a
     realização dos valores que dominam o meio social, estes sim estruturando a vida jurídica de
     cada povo, de cada nação, de cada estado.1
     O mesmo se passa com os princípios, que haurem seu significado, alcance, extensão e
     aplicação nos valores imperantes no meio social, em consonância com o specificum de cada
     tempo e espaço social. O princípio do contraditório não foge à regra geral e também tem sua
     história, não se mostrando indiferente às circunstâncias e valores da época em que exercido.
     2. Constata-se essa verdade quando se examina a primitiva concepção da ação como a
     voluntária submissão da controvérsia à decisão de uma autoridade superior, em que não havia
     espaço para procedimentos contra o adversário resistente em comparecer em juízo. Nesse
     estágio mais recuado, o juiz romano mostrava-se incapaz de promover o julgamento de quem
     voluntariamente se recusasse a comparecer em juízo, se a força física do autor não era
     suficiente para tanto. Assim ocorria também no antigo direito germânico, que não dispunha
     de outro meio contra o demandado rebelde senão o de lhe obrigar, empregando medidas de
     proscrição, a fazer as pazes com o Estado ofendido, ou embargando seus bens como
     garantia de seu comparecimento. Este cenário só passou a mudar quando o pretor introduziu
     medidas de coerção como a missio in bona, a instar o comparecimento do renitente. A idéia
     de que o tribunal pode promover atos processuais e julgar a causa na ausência do
     demandado, previamente cientificado este de acordo com as formalidades estabelecidas em
     lei, efetivamente se inicia com o procedimento contumacial do direito romano postclássico,
     assim mesmo depois de uma longa e penosa batalha de superação da antiga concepção.2
     Antes, o contraditório só ocorria com a submissão voluntária da parte passiva da demanda.
     No processo comum europeu, cujo esteio era precisamente o contraditório, revelava o
     princípio sentido totalmente distinto daquele hoje dominante no cenário jurídico processual. O
     processo, fartamen- te influenciado pelas idéias expressas na retórica e na tópica aristotélica,
     era concebido e pensado como ars dissedendi e ars oponendi et respondendi, exigindo de
     ma- neira intrínseca uma paritária e recíproca regulamentação do diálogo judiciário. Dado que
     nas matérias objeto de disputa somente se poderia recorrer à probabilidade, a dialética se
     apresentava, nesse contexto, como uma ciência que ex probabilibus procedit, a impor o
     recurso ao silogismo dialético. Na lógica do provável, implicada em tal concepção, a
     investigação da verdade não é o resultado de uma razão individual, mas do esforço
     combinado das partes, revelando-se implícita uma atitude de tolerância em relação aos
     "pontos de vista" do outro e o caráter de sociabilidade do saber. A dialética, lógica da opinião
     e do provável, intermedeia o certamente verdadeiro (raciocínio apodítico) e o certamente falso
     (raciocínio sofístico). No seu âmbito, incluem-se os procedimentos não demons- trativos, mas
     argumentativos, enquanto pressupõem o diálogo, a colaboração das partes numa situação
     controvertida, como no processo. Em semelhante ambiente cultural, o contraditório
     representa o único método e instrumento para a investigação dialética da verdade provável,
     aceito e imposto pela prática judiciária à margem da autoridade estatal, decorrente apenas da
     elaboração doutrinária, sem qualquer assento em regra escrita.3
     A mudança de perspectiva, introduzi- da pela lógica de Pierre de la Ramée (século XVI), já
     antecipa uma alteração de rumo que busca incorporar ao direito os métodos pró- prios da
     ciência da natureza, um pensamento orientado pelo sistema, em busca de uma verdade
     menos provável, com aspirações de certeza, a implicar a passagem do iudicium ao
     processus. Tudo isso se potencializa, a partir do século XVII, com a estatização do processo,
     com a apropriação do ordo iudici- arius pelo soberano, pelo príncipe, que passa a reivindicar o
     monopólio da legislação em matéria processual, tendência incrementada depois pelas idéias
     do iluminismo e pelo verdadeiro terremoto produzido pela Revolução francesa.4
     Esses fatores haveriam, necessariamente, de conduzir a outra concepção do contraditório,
     que passa a perder seu originário ponto de contato com os natürliche Rechtsgrundsätze e
     deixa de ser visto como necessário e intrínseco mecanismo de investigação da "verdade",
     rebaixado a princípio externo e puramente lógico formal.5 " Daí, a menção a uma simples
     audiência bilateral (Grundsatz des beiderseitigen Gehörs), garantia considerada atendida
     quando assegurada à outra parte a devida oportunidade de ser ouvida.6 De modo significativo,
     Pimenta Bueno nos seus célebres Apontamentos sobre as Formalidades do Processo Civil,
     embora preocupado em evitar o predomínio no processo da chicana, da duplicidade, do
     arbítrio e da injustiça, só se dedicou ao exame da citação inicial para a causa, invocando o
     direito das Ordenações, os pra- xistas e a qualidade de direito natural ao chamamento inicial
     para a causa, ato que acertadamente entendia incapaz de ser suprimido, como princípio e
     fundamento do juízo.7 Claro está que essa concepção aca- nhada encontrou terreno fértil no
     chamado processo liberal, dominante no século XIX, em que a filosofia do laissez faire
     destinava ao órgão judicial um papel puramente passivo, quase de mero árbitro do litígio, cuja
     principal função era apenas a de verificar e assegurar o atendimento às determinações
     formais do processo.
     3. No transcurso do século XX, outros valores passaram a influenciar a conformação da
     garantia, especialmente a necessidade de um maior ativismo judicial, a ânsia de efetividade -
     a exigir mais do que a simples proclamação formal das garantias pro- cessuais - e a
     revitalização do caráter problemático do direito.
     Realmente, a aspiração de se fazer a justiça mais acessível e efetiva revela-se como
     importante faceta da orientação que tem marcado os mais avançados sistemas legais de
     nosso século. Esse reclamo espelha-se de maneira bastante acentuada na maioria das
     Constituições do mundo ocidental, ca- racterizadas pelo esforço de integrar as tradicionais
     liberdades "individuais" - incluindo aquelas de natureza processual - com direitos e garantias
     de caráter "social", que em essência buscam não só torná-las acessíveis a todos como
     também assegurar uma real e não meramente formal igualdade das partes em face da lei e
     na sua atividade concreta processual.8
     Tal modo de ver reflete-se, indiscuti- velmente, no alcance do princípio do contraditório, pois
     obra com que este ultrapasse o momento inicial de contraposição à demanda e comece a
     constituir um atributo inerente a todos os momentos relevantes do processo. Determina,
     assim, uma mudança de sentido, que de modo nenhum pode ser ignorada, instando a que o
     princípio deixe de ser meramente formal, no intuito de atender aos standards necessários
     para o estabelecimento de um processo justo, para além de simples requisito técnico de
     caráter não essencial.
     Esse novo enfoque, não por acaso, surge a partir dos anos cinqüenta deste século, momento
     em que amplamente se renovam os estudos da lógica jurídica,9 e se revitaliza, com novas
     roupagens e idéias, o sentido problemático do direito, precisamente quando - já prenunciando
     o pós-modernismo - mais agudos e prementes se tornavam os conflitos de valores e mais
     imprecisos e elásticos os conceitos.10 Recupera-se, assim, o valor essencial do diálogo
     judicial na formação do juízo, fruto da colaboração e cooperação das partes com o órgão
     judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo.
     Ao mesmo tempo, nessa mesma linha de evolução, consentânea com a consciência do
     caráter público do processo, com a necessidade de uma solução mais eficiente e rápida do
     litígio, insere-se o valor da efetividade. O seu reflexo na extensão do contraditório é imediato e
     de largo espectro, porquanto encontra seu melhor instrumento técnico na possibilidade de
     concessão de medidas conservativas ou mesmo antecipatórias dos efeitos da futura sentença
     de mérito, antes do término normal do processo e até liminarmente, mesmo antes de ser
     ouvida a parte demandada sobre a pretensão exercida em juízo.
     4. No tocante ao princípio da colaboração ou da cooperação, não se pode deixar de perceber
     que a extensão dos poderes do juiz vincula-se estreitamente à natureza e à função do
     processo civil e à maior ou menor eficiência desse instrumento na realização de seus
     objetivos. Verifica-se com clareza essa conseqüência ao se examinar, por exemplo, a
     concepção ínsita ao processo liberal. Esta, ainda não imbuída claramente do caráter público
     do processo, não só atribuía às partes amplos poderes para o início e fim do pro- cesso e o
     estabelecimento de seu objeto, como também sujeitava à exclusiva vontade destas o seu
     andamento e desenvolvimento, assim como a própria instrução probatória, restringindo por via
     de conseqüência de ma- neira significativa os poderes do órgão judicial.11 Como em outros
     campos da vida em sociedade, acreditava-se no livre jogo das forças sociais, conquistando
     corpo a idéia de que o próprio interesse da parte litigante no direito alegado constituiria eficaz
     catalisador para a mais rápida investigação da situação jurídica.12
     Para o tema do presente ensaio, é importante ressaltar contudo que outra é, nos tempos
     atuais, a concepção dominante sobre a natureza e função do processo civil, principalmente
     porque a experiência desmentiu a crença na eficiência do trabalho desenvolvido somente
     pelos participantes do processo.13 Basta pensar em que a aplicação do princípio dispositivo
     em sua concepção clássica, impondo exclusiva contribuição das partes no aporte ao
     processo do material fático, relativiza para além do desejável a apreciação da verdade pelo
     juiz, forçando-o a se contentar passivamente com a versão necessariamente parcializada
     trazida tão-só pelos interessados.
     Além disso, principalmente em função da tomada de consciência de que o juiz é também um
     agente político do Estado, portador do poder deste e expressão da demo- cracia indireta nos
     estados ocidentais contemporâneos, inexistindo portanto razão para enclausurá-lo em
     cubículos formais do procedimento, sem liberdade de movimentos e com pouquíssima
     liberdade criativa,14 coloca-se no tablado das discussões o problema fundamental da
     dimensão dos poderes de iniciativa do juiz e das partes.
     Como confluência desses fatores, des- ponta como resultante da evolução social, política e
     cultural de nossa época, o incremento do ativismo judicial, já agora tornado "chose faite", e
     que realmente pode contribuir para mais acabada realização da tutela jurisdicional.15
     Semelhante cooperação, além disso, mais ainda se justifica pela complexidade da vida atual,
     mormente porque a interpretação da regula iuris, no mundo mo- derno, só pode nascer de
     uma compreensão integrada entre o sujeito e a norma, geralmente não unívoca, com forte
     carga de subjetividade. Entendimento contrário padeceria de vício dogmático e positivista.
     Exatamente em face dessa realidade, cada vez mais presente na rica e conturbada
     sociedade de nossos tempos, em permanente mudança, ostenta-se inadequada a investiga-
     ção solitária do órgão judicial. Ainda mais que o monólogo apouca necessariamente a
     perspectiva do observador e em contraparti- da o diálogo, recomendado pelo método dialético,
     amplia o quadro de análise, cons- trange à comparação, atenua o perigo de opiniões
     preconcebidas e favorece a forma- ção de um juízo mais aberto e ponderado.16
     A faculdade concedida aos litigantes de pronunciar-se e intervir ativamente no processo
     impede, outrossim, sujeitem-se passivamen- te à definição jurídica ou fáctica da causa
     efetuada pelo órgão judicial. E exclui, por outro lado, o tratamento da parte como simples
     "objeto" de pronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e
     construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado, desenvolvendo antes da decisão
     a defesa das suas razões. A matéria vincula-se ao próprio respeito à dignidade humana e aos
     valores intrínsecos da democracia, adquirindo sua melhor expressão e referencial, no âmbito
     processual, no princípio do contraditório, compreendido de maneira renovada, e cuja
     efetividade não significa apenas debate das questões entre as partes, mas concreto exercício
     do direito de defesa para fins de formação do convencimento do juiz, atuando, assim, como
     anteparo à lacunosidade ou insuficiência da sua cognição.
     Essas considerações bem demonstram não só o inafastável caráter dialético do pro- cesso
     atual como também um novo alcance do antigo brocardo da mihi factum dabo tibi ius. Antes
     de nada, afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a disquisição ou o juízo sobre o
     fato, como totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exibe artificial a
     distinção entre fato e direito - porque no litígio fato e direito se interpenetram, mas perde força
     sobretudo no tema ora em exame, em virtude da necessidade do fato na construção do direito
     e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato.17
     Ademais, mostra-se evidente a relatividade da primeira parte do aforismo. A formação do
     material fáctico da causa deixou de constituir tarefa exclusiva das partes. Muito embora
     devam elas contribuir com os fatos essenciais, constitutivos da causa petendi, não se mostra
     recomendável proibir a apreciação dos fatos secundários pelo juiz, dos quais poderá, direta
     ou indiretamente, extrair a existência ou modo de ser do fato principal, seja porque constem
     dos autos, por serem notórios, ou pertencerem à experiência comum.18 Por outro lado,
     conveniente se processe a apreciação dos fatos principais por iniciativa exclusiva do órgão
     judicial quando se refiram: a) a situação de direito público ou de ordem pública (assim, v.g., a
     matéria concernente aos pressupostos pro- cessuais e às chamadas condições da ação); b)
     a fatos jurídicos extintivos e impeditivos, incompatíveis com a pretensão exercida (v.g.,
     pagamento, confusão etc.), salvo se representativos de verdadeira exceção em sentido
     substancial.19 Isto sem falar dos fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito,
     capazes de influir no julgamento da lide, passíveis de consideração pelo juiz, conforme
     determinado pelo art. 462 do CPC, até de ofício no momento de proferir a sentença.
     O mesmo sucede em relação ao aforismo iura novit curia, a impor ao juiz, na sua
     conceituação tradicional, conhecer o direito e investigá-lo de ofício, caso não o conheça,
     tornando-o também totalmente independente na sua aplicação dos pedidos e alegações das
     partes a respeito,20 permitindo-lhe extrair do material fático trazido pelas partes conclusões
     jurídicas não aportadas por elas aos autos.21
     Todavia, nada obstante a liberdade desfrutada pelo órgão judicial nessa matéria, podem e
     devem as partes aportar a sua cooperação também quanto à valorização jurídica da realidade
     externa ao processo, investigação que hoje de modo nenhum pode cons-tituir labuta exclusiva
     do órgão judicial.22
     Entendimento contrário significaria transformar o juiz numa máquina, pois, como já se
     ressaltou com agudeza, dentro de uma concepção puramente silogística, diria às partes date
     mihi factum e às leis date mihi jus e, recebidos tais elementos, emitiria a decisão com
     mecânica indiferença, como um aparelho emissor de bilhetes a toda introdução de duas
     moedas.23
     A expectativa de sucesso final na causa evidência, na verdade, o interesse primor- dial da
     parte em dar conhecimento ao tribunal da norma jurídica a ser aplicada, segundo sua visão
     particular. O mesmo se passa em relação ao convencimento do órgão judicial, quanto à
     bondade da solução jurídi- ca preconizada. E isto porque pode haver o risco, mesmo em se
     tratando de direito nacional, risco esse intensificado pela complexidade da vida moderna, de o
     juiz não "descobrir" a norma jurídica favorável ao litigante, ou de não a interpretar
     corretamente. 24 Aqui, a colaboração das partes com o juízo encontra sua razão de ser num
     plano mais amplo, na medida em que não importa apenas a investigação da norma aplicável
     ao caso concreto, mas estabelecer o seu conteúdo e alcance, evitando surpresas e as
     conseqüências negativas daí decorrentes para o exercício do direito de defesa e a tutela de
     outros valores como a concentração e celeridade do processo e a qualidade do
     pronunciamento judicial.25
     Demais disso, inadmissível sejam os litigantes surpreendidos por decisão que se apóie, em
     ponto fundamental, numa visão jurídica de que não se tenham apercebido. O tribunal deve,
     portanto, dar conhecimento prévio de qual direção o direito subjetivo corre perigo,
     permitindo-se o aproveitamen- to na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes
     tenham tomado posição, possibilitando-as assim melhor defender seu direito e influenciar a
     decisão judicial.26 Dentro da mesma orientação, a liberdade concedida ao julgador na eleição
     da norma a aplicar, independentemente de sua invocação pela parte interessada,
     consubstanciada no brocardo iura novit curia, não dispensa a prévia ouvida das partes sobre
     os novos rumos a serem imprimidos ao litígio, em homenagem ao princípio do contraditório.27
     A hipótese não se exibe rara porque freqüentes os empeci-lhos enfrentados pelo operador do
     direito, nem sempre de fácil solução, dificuldade geralmente agravada pela posição
     necessariamente parcializada do litigante, a contribuir para empecer visão clara a respeito
     dos rumos futuros do processo. Aliás, a problemática não diz respeito apenas ao interesse
     das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na medida em que
     qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na
     administração da justiça.28
     O diálogo judicial torna-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de
     democratização do processo, a impedir que o poder do órgão judicial e a aplicação da regra
     iura novit curia redundem em instrumento de opressão e autoritarismo, servindo às vezes a
     um mal explicado tecnicismo, com obstrução à efetiva e correta aplicação do direito e à
     justiça do caso.
     Ora, o concurso das atividades dos sujeitos processuais, com ampla colaboração tanto na
     pesquisa dos fatos quanto na valorização jurídica da causa, constitui dado que influi de
     maneira decisiva na própria extensão do princípio do contraditório. Basta pensar que essa
     colaboração só pode ser realmente eficaz se vivificada por permanente diálogo, com a
     comunicação das idéias subministradas por cada um deles: juízos históricos e valorizações
     jurídicas capazes de ser empregados convenientemente na decisão.29
     Dentro dessas coordenadas, o conteúdo mínimo do princípio do contraditório não se esgota
     na ciência bilateral dos atos do processo e na possibilidade de contraditá-los, mas faz
     também depender a própria formação dos provimentos judiciais da efetiva participação das
     partes.30 Por isso, para que seja atendido esse mínimo, insta a que cada uma das partes
     conheça as razões e argumentações expendidas pela outra, assim como os motivos e
     fundamentos que conduziram o órgão judicial a tomar determinada decisão, possibilitando-se
     sua manifestação a respeito em tempo adequado (seja mediante requerimentos, recursos,
     contraditas etc.). Também se revela imprescindível abrir-se a cada uma das partes a
     possibilidade de participar do juízo de fato, tanto na indicação da prova quanto na sua
     formação, fator este último importante mesmo naquela determinada de ofício pelo órgão
     judicial. O mesmo se diga no concernente à formação do juízo de direito, nada obstante
     decorra dos poderes de ofício do órgão judicial ou por imposição da regra iura novit curia, pois
     a parte não pode ser surpreendida por um novo enfoque jurídico de caráter essencial tomado
     como fundamento da decisão, sem ouvida dos contraditores.31
     5. Mas, assim como a necessidade de cooperação das partes com o juiz e destes com as
     partes passou a intensificar a necessidade do contraditório, a alargar o seu alcance, um
     movimento não menos poderoso, dando relevo ao valor da efetividade, tende a fazê-lo diminuir.
     A efetividade não tem só assento no sadio intento de tornar mais prestadio, mais rápido e
     eficaz o instrumento processual. O movimento nessa direção também se agiganta - e parece
     ser esta uma causa nada desprezível - em razão das notórias deficiências da administração
     da Justiça brasileira, agoniada cada vez mais pela intensificação dos litígios, após o processo
     de redemocratização iniciado com a promulgação da Cons- tituição de 1988.
     Dentro desse quadro atuam como reagentes a permanência do entulho legislativo autoritário,
     as dificuldades de ordem econômica, política e social por que atravessa a Nação, os anseios
     de grande parcela da po- pulação, a recorrer em desespero ao Judiciá- rio para solução de
     conflitos agudos, que normalmente deveriam ser resolvidos pelos demais órgãos do Estado,
     as contradições cada vez maiores entre a velha ordem e as idéias neoliberais, intensificadas
     pelo fenômeno da globalização, pregando a redução do aparelho estatal, mesmo a preço de
     afrontas ao direito adquirido de grandes parcelas da população brasileira. Certamente, tudo
     isso colabora para o descrédito da jurisdição e acarreta a demora excessiva do processo,
     fazendo com que se forme um caldo de cultura propício à quebra do contraditório,
     estimulando as liminares conservativas ou antecipatórias, correndo-se o risco de que a tutela
     de urgência passe a ser a Justiça tout court.
     Nessa matéria, ainda mais ressalta o princípio geral da adaptação, de tal modo que só se
     poderá adiar o contraditório para um momento posterior na justa medida em que o provimento
     judicial, emitido inaudita altera parte, seja idôneo para atingir a finalidade a que se propõe a
     lei e em consonância com os pressupostos nela estabelecidos. Essa idoneidade decorre
     principalmente da proporcionalidade entre o prejuízo processual causado pela inobservância
     do princípio e o provável prejuízo que a outra parte poderá sofrer sem o deferimento da cautela
     ou da tutela cuja antecipação se pretende, condicionada ainda à provável existência do direito
     afirmado.
     Assim, quanto mais funda for a intervenção da ordem judicial no patrimônio jurídico do
     demandado como ocorre na antecipação do efeito executivo ou mandamental para a
     prevenção do dano, mais acurado deve ser o exame dos pressupostos para a concessão da
     providência não precedida de prévio contraditório. Não por outra razão, a lei brasileira reclama
     nessa hipótese prova robusta dos pressupostos, insta a que se não conceda a antecipação
     se houver perigo de o provimento antecipado provocar situação fática irreversível e insiste em
     que a decisão do juiz a tal respeito deva conter de modo claro e preciso as razões de seu
     convencimento (CPC, art. 273 e respectivos §§ 1º e 2º).
     Quando a urgência não se revele com todas as galas da evidência, quando o direito alegado
     não for suficientemente evidente e débil se apresente a prova trazida pelo requerente da
     antecipação e principalmente não houver perigo a prevenir, a postergação do contraditório não
     estará autorizada, ilação que naturalmente não desautoriza o deferimento da antecipação em
     momento posterior, se surgirem elementos novos para tanto. Somente com o atendimento
     desses requisitos, insista-se, tanto de natureza formal quanto material, pode se dar
     interferência no princípio do contraditório. Além disso, o rigorismo aqui preconizado tem
     assento em considerações de ordem prática, pois a experiência brasileira mostra que a
     liminar tende a se perpetuar pela lei da inércia, passando de regulação provisória a regulação
     definitiva da lide. Por outro lado, o contraditório imediato possibilitado pelo emprego do agravo
     de instrumento, embora permita a imediata revisão do provimento cautelar ou antecipatório
     por tribunal de segundo grau, também por provimento liminar, age por meio de juízo de
     aparência, sem tempo suficiente de maturação. Trata-se, portanto, de um contraditório
     imediato, mas de certa forma mitigado em razão dessas circunstâncias.
     Conquanto se possa afirmar a priori tenha o legislador estabelecido uma relação específica de
     prevalência do direito fundamental à efetividade do processo sobre o da segurança jurídica,32
     mesmo assim hipóteses haverá em que o juiz haverá de ponderar, em face das
     circunstâncias específicas do caso concreto, a melhor maneira de harmonizar eventualmente
     o conflito axiológico entre a garantia de acesso à jurisdição (art. 5º, XXXVI, da Constituição) e
     a garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição). Pense-se, por
     exemplo, na hipótese de não ser concedida ordem liminar pela possibilidade de causar um
     dano irreversível na situação fática de interesse do demandado e a sua vez o requerente da
     providência corresse o risco de padecer um dano de natureza irreversível. Aí o conflito
     axiológico imporia uma minudente ponderação das circunstâncias do caso concreto, de
     molde a permitir, estando presente o pressuposto da aparência do direito, o sacrifício do
     direito improvável no altar do direito provável. Nem se argumente com a restrição contida no
     art. 273, § 2º, do CPC, porque o poder do legislador infraconstitucional não chega ao ponto de
     pretender interferir em direitos fundamentais, reduzindo ou enfraquecendo algum em
     detrimento de outro. O conflito, por isso mesmo, só pode ser equacionado pela aplicação do
     princípio da proporcionalidade, que consiste em assegurar a eficácia dos direitos e em dar
     proteção aos interesses daí decorrentes, mediante a técnica da ponderação dos valores e o
     equilíbrio dos interesses em jogo no caso concreto. 33
     E um elemento decisivo, sem dúvida, nesse contexto, é a prevalência do direito provável.
     6. Está longe de terminar a dissonância entre o fortalecimento do contraditório pela
     cooperação e o seu enfraquecimento determinado pela urgência.
     Numa época em que não se pode mais aspirar a certezas, impõe-se perseverar em busca do
     ponto de equilíbrio, porque tanto a colaboração dos sujeitos do processo quanto a efetividade
     mostram-se realmente importantes para que o Poder Judiciário melhor se legitime junto à
     sociedade civil. O verdadeiro equacionamento do problema só começará a surgir com a
     radical transformação da sociedade brasileira, quando forem superadas as causas materiais
     mais profundas que determinam a demora irrazoável e exasperante da duração do processo e
     se obtiver prestação jurisdicional de qualidade. Esse é o grande desafio do novo milênio.
 

     1 Maior desenvolvimento dessas idéias em Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo
     no processo civil, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 74-76, 125-126, passim. Como bem assinala
     Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 2ª ed., São Paulo, RT, 1990, p.
     318, o direito, assim como os valores e princípios que o informam, revela-se inconfundível
     com a técnica, pois, enquanto sistema de atribuição de bens e organização social, implica no
     fundo a positivação do poder.
     2 Acerca do tema, Robert Wyness Millar, The formative principles of civil procedure, in A
     History of Continental Civil Procedure, Arthur Engelman et al., 1927, reprinted por Augustus
     M. Kelly, New York, 1969, § 2º, pp. 6-7, com ampla referência bibliográfica, e Leopold
     Wenger, Institutionen des römischen Zivilprozessrechts, München, Max Hueber, 1925, pp.
     92-94. Arangio-Ruiz, Istituzioni di Diritto Romano, 9ª ed., Napoli, Jovene, 1947, p. 116,
     abordando a ação sacrementi in personam, esclarece que, no estágio preparatório da actio,
     as partes não se apresentavam ao magistrado de comum acordo, mas era o autor que in ius
     vocatio o demandado, e este salvo raríssimas exceções não era obrigado a atendê-lo.
     3 A respeito, a obra fundamental de Alessandro Giuliani, Il concetto di prova (contributo alla
     logica giuridica), Milano, Giuffrè, 1961, pp. 145-146, passim. Ver, ainda, do mesmo autor,
     Logica del diritto (teoria dell'argomentanzione), in Enciclopedia del Diritto, XXV (1975) 13:34.
     Instigante e por demais reveladora a admirável síntese de Nicola Picardi, Processo Civile (dir.
     moderno), in Enciclopedia del Diritto, XXXVI (1987):101-118.
     4 Sobre isso, Nicola Picardi, Processo Civile (dir. moderno), cit., pp. 110-117.
     5 Cf. Sobre o ponto, Nicola Picardi, L'esame di coscienza del vecchio maestro, in Rivista di
     Diritto Processuale, XLI (1986):536-543, esp. p. 542. Significativa evidência desse modo de
     ver o problema estampa-se no entendimento de Emilio Betti (Diritto processuale civile, 2ª ed.,
     Roma, 1936, p. 89, apud Picardi, ob. e loc. cits.), quando pondera que "a falta efetiva do
     contraditório não está exatamente em contraste lógico com o fim do processo, porque a
     atuação da lei, por meio de uma decisão justa, pode ser também obtida sem a cooperação
     das partes.
     6 Assim, por exemplo, Robert Wyness Millar, The formative principles, cit., § 2º, p. 6. Não
     substancialmente diferente é a posição defendida por Joaquim Canuto Mendes de Almeida, A
     contrariedade na instrução criminal, 1938, p. 110, apud José Frederico Marques, Instituições
     de Direito Processual Civil, vol. II, 4ª ed., revista, Rio de Janeiro, Forense, 1971, nº 311, p. 97
     e nota 114, por muito tempo imperante no direito brasileiro, a definir o contraditório como
     mera ciência bilateral dos atos do processo e a possibilidade de contraditá-los.
     7 José Pimenta Bueno, 3ª ed., corrigida e aumentada por João de Sá e Albuquerque, Rio de
     Janeiro, Ribeiro dos Santos, 1911, pp. 10, 121-122, passim.
     8 Cf., a respeito, o ainda atual relatório geral de Mauro Cappelletti in Fundamental Guarantees
     of the Parties in Civil Proceedings, Milano, Giuffrè, 1973, pp. 661-773, esp. pp. 726-727, 740,
     744, 746, 751-752, passim.
     9 Assim a obra de Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz (Ein Beitrag zur
     rechtswissenchaftlichen Grundgenforschung), cuja 1ª edição data de 1953, de Giuliani, acima
     citada, e posteriormente de Chaïm Perelman (v.g., Tratado da Argumentação (a nova retórica),
     em colaboração com Lucie Olberechts-Tyteca, trad. de Maria Ermantina Galvão G. Pereira,
     São Paulo, Martins Fontes, 1996).
     10 Por isso, já em 1973 observava Fritz Baur, Les garanties fondamentales des parties dans
     le procès civil en Rèpublique Fédérale d'Allemagne, in Fundamental Guarantees, cit., pp.
     3-30, esp. p. 19, que "um sobrevôo da jurisprudência dos tribunais alemães, em particular do
     Tribunal constitucional federal, no que concerne ao direito de ser ouvido perante os tribunais,
     permite dizer que essa máxima ofereceu e sempre oferece a possibilidade de permitir a
     aplicação dos princípios de um processo leal e justo, matéria em que precisamente os
     códigos de processo são incompletos ou lacunosos."
     11 Sintomaticamente Adolf Wach, Conferencias sobre la ordenanza procesal civil alemana,
     trad. de Ernesto Krotoschin, Buenos Aires, Ejea, 1958, pp. 60-61, um dos mais
     representativos expoentes do processo civil do século XIX, época de completa aceitação
     deste modelo, principalmente em razão de ser então concebido o processo como instituição
     destinada à realização de direitos privados, acentuava produzir o domínio das partes sobre o
     objeto do litígio, o domínio das partes sobre a relação de litígio, seu começo, continuação e
     conteúdo, justificando o princípio dispositivo exclusivamente pela falta de interesse do Estado
     no objeto da controvérsia!
     12 Walther J. Habscheid, Richtermacht oder Parteifreiheit Über Entwicklungstendenzen des
     modernen Zivilprozessrechts, in Zeitschrift für Zivilprozess, 81 (1968): 175-196, esp. pp.
     186-187.
     13 Cf. a crítica do próprio Habscheid, Richtermacht, cit., p. 187.
     14 Cândido R. Dinamarco, A Instrumentalidade, cit., p. 182.
     15 Marcel Storme, em relatório sobre o ativismo judicial, oferecido no IX Congresso Mundial
     de Direito Judiciário, realizado em Coimbra-Lisboa, de 25 a 31 de agosto de 1991, pp.
     484-486 dos anais, extrai da situação atual, em consonância com as perspectivas
     assinaladas no texto, as seguintes conclusões: a) declina o sistema inquisitorial de tipo
     socialista, enquanto aumenta de maneira contínua o poder do juiz (na direção do processo,
     no seu ordenamento e no domínio das provas); b) é confirmado, por quase todos os relatores
     nacionais, o crescimento do ativismo do juiz em seu sistema processual nacional, com
     manutenção do princípio dispositivo; c) verifica-se uma aproximação dos sistemas
     anglo-americano e europeu no domínio da "richterliche Rechtsforbildung" e o mesmo
     fenômeno ocorre no âmbito do processo; d) o ativismo do juiz exibe-se perfeitamente
     conciliável com o ativismo das partes, conscientes e cooperadoras.
     16 "É o diálogo que corrige continuamente a lógica e não a lógica que controla o diálogo",
     assim se pronuncia, depois de tecer as considerações reproduzidas no texto, A. Arndt, Die
     Verfassungsbeschwerde wegen Verletzung des rechtlichen Gehörs, pp. 1297 e segs., 1301,
     apud Nicolò Trocker, Processo Civile e Costituzione (problemi di diritto tedesco e italiano),
     Milano, Giuffrè, 1974, pp. 644-645; para outras referências bibliográficas, esp. p. 645, nota 9.
     17 Assim também Marcel Storne, L'activisme du juge, cit., p. 430, ressaltando ainda estar
     ultrapassada a distinção entre o fato e direito, especialmente no concernente à divisão do
     trabalho entre o órgão judicial e as partes, inspirada no velho aforismo "da mihi factum, dabo
     tibi ius". Entre nós, Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. V, São Paulo,
     RT, 1979, p. 267, reportando-se à obra de Castanheira Neves, considera como indiscutível
     tendência contemporânea a inviabilidade de distinção, pelo menos do ponto de vista
     ontológico ou intrínseco do problema, entre fato e direito, à luz das repercussões na ordem
     jurídica.
     18 Importante assinalar que no direito brasileiro, como decorre do artigo 131 do CPC, o órgão
     judicial apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos
     autos, "ainda que não alegados pelas partes", com o que o legislador manifestamente tomou
     partido pela possibilidade de o juiz, até de ofício, levar em consideração fatos secundários. A
     doutrina de modo geral conceitua como fatos secundários aqueles suscetíveis de ter em juízo
     alguma relevância, não como fatos constitutivos, extintivos ou impeditivos da relação ou do
     estado de quo agitur (fatos "principais" ou "jurídicos"), mas enquanto fatos dos quais, direta
     ou indiretamente, possa deduzir-se a existência ou inexistência ou o modo de ser dos fatos
     jurídicos. Cf., por todos, Cappelletti, La testimonianza della parte nel sistema dell'oralità
     (contributo alla teoria della utilizzazione probatoria del sapere delle parti nel processo civile),
     2ª ed., Milano, Giuffrè, 1974, vol. I, p. 340.
     19 Cf. Mauro Cappelletti, La testimonianza, cit., vol. I, pp. 343-350. Ainda a respeito do ponto,
     Antonio Janyr Dall'Agnol Júnior, "O princípio dispositivo no pensamento de Mauro Cappelletti",
     in Ajuris, 46 (1989): 97-115. No mesmo sentido a doutrina francesa, a exemplo de Henry
     Motulsky, Le rôle respectif du juge et des parties dans l'allégation des faits, in Études et
     notes de procèdure civile, Paris, Dalloz, 1973, pp. 38-57, a colocar temperamentos ao
     princípio de que o juiz deva fundar sua decisão exclusivamente nos fatos regularmente
     introduzidos pelas partes.
     20 Cf., por todos, Leo Rosenberg, Die Veränderung des rechtlichen Gesichtspunkts im
     Zivilprozesse, in Zeitschrift für Deutschen Zivilprozess, 49 (1925):38-73, esp. pp. 38-39.
     21 Este é o entendimento tradicional da doutrina alemã, expresso por Wolfgang Bernhardt,
     Die Aufklärung des Sachverhalts im Zivilprozess, in Beiträge zum Zivilprozessrecht - Festgabe
     zum siebzigsten Geburtstag von Leo Rosenberg, München, Beck, 1949, pp. 9-50, esp. p. 18.
     Alerta, porém, que abordada a questão pelo tribunal de ponto de vista jurídico diverso daquele
     suscitado pelas partes, cumpre-lhe, nos termos do § 139 da ZPO, informá-las a respeito,
     evitando causar surpresa.
     22 Assim, a intervenção do revel no processo, por exemplo, apesar, do reconhecimento aí
     implicado da verdade dos fatos alegados pelo autor (CPC, art. 322, 2ª parte), ocorre
     exatamente porque a revelia é restrita à matéria de fato, com abstração das questões de
     direito, em relação às quais permite-se à parte procurar persuadir o órgão julgador. Do ius
     fornecido pelos próprios litigantes, e não só pelo juiz, trata expressamente o art. 300 do CPC,
     determinando competir ao réu, na contestação, a alegação de toda a matéria de defesa,
     "expondo as razões de fato e de direito". Na mesma linha, admitem-se alegações das partes
     sobre questões de fato e de direito (v.g., art. 454, § 3º, do CPC).
     23 Guido Calogero, La logica del giudice e il suo controllo in cassazione, Padova, Cedam,
     1937, nº 37, pp. 108-109.
     24 A respeito, as interessantes observações de Fritz Baur, Da importância da dicção Iura
     Novit Curia, in Repro, 3 (1976):169-177.
     25 Cf., a respeito, Nicolò Trocker, Processo Civile, cit., pp. 680-681.
     26 Cf. Wolfgang Grunsky, Grundlagen des Verfahrensrechts (Eine vergleichende Darstellung
     von ZPO, FGG, VwGO, FGO, SGG), 2ª ed., Bielefeld, Gieseking, 1974, § 25, III, pp. 232-234.
     Aliás, em atenção a esses conceitos, amplamente pacificados na doutrina e na
     jurisprudência da então Alemanha Federal, quando da reforma processual de 1977 foi
     incorporado ao seu direito positivo o § 278, II, da Ordenança Processual Civil (ZPO), a seguir
     reproduzido em tradução livre: "O juiz só pode apoiar sua decisão em um aspecto jurídico
     considerado insignificante pela parte, ou que lhe tenha passado desapercebido, se lhe tiver
     dado oportunidade de manifestar-se a respeito, salvo quando se tratar de uma questão
     meramente acessória."
     27 Veja-se, ainda aqui, Eduardo Grasso, La Collaborazione nel Processo Civile, in Rivista di
     Diritto Processuale, XXI(1966):580:609, esp. p. 605.
     28 Cf. a certeira ponderação de Nicolò Trocker, Processo Civile, cit., p. 669.
     29 Assim, Grasso, La collaborazione nel processo civile, cit., esp. p. 587. Nesse ensaio, a
     idéia de colaboração é largamente desenvolvida com vistas a que o processo, ultrapassando
     o simples escopo da paz jurídica, seja também inspirado pela busca da verdade e da justiça,
     só alcançável mediante a colaboração entre as partes e o juiz.
     30 Ver a respeito, no plano doutrinário, por exemplo, Vittorio Denti, "Questioni rilevabili
     d'ufficio e contradditorio", in Rivista di Diritto Processuale, XXIII(1968):217-231, esp. p. 224.
     Mais recentemente, conferir as interessantes observações de Baldassore Pastore, Giudizio,
     prova, ragion pratica (un approccio ermeneutico), Milano, Giuffrè, 1996, pp. 220-251.
     31 Nesse sentido, de modo expresso, v.g., o § 278, III, da Ordenança Processual alemã,
     citado anteriormente, o art. 183, alínea 3, do Código de Processo Civil italiano (com a redação
     da Lei nº 353, de 26.11.90) e o art. 16 do Novo Código de Processo Civil francês. Referência
     especial merece a reforma recentemente introduzida no Código de Processo Civil português,
     em conseqüência dos Decretos-leis nºs 329-A, de 12.12.95, e 180, de 25.9.96, em que se
     afirmam como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios
     do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação. Como dimensão do princípio do
     contraditório, prescreve-se envolver a proibição de prolação de decisões-surpresa, não sendo
     lícitos aos tribunais decidir questões de fato ou de direito, mesmo que de conhecimento
     oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se
     pronunciarem (CPC português, art. 3º, nº 3). Essa era, por sinal, a posição predominante na
     jurisprudência e doutrina européias, mesmo antes da edição de regras expressas a respeito,
     por exclusiva aplicação da garantia do contraditório assegurada no plano constitucional.
     Significativa, v.g., a decisão nº 6 de 18.6.57 do Tribunal Constitucional Federal alemão, apud
     Walter Zeiss, Zivilprozessrecht, 7ª ed., Tübingen, J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1989, p. 75.
     Interessante é a norma contida no art. 184 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Rio
     Grande do Sul, a impor prévia discussão com as partes das preliminares suscitadas durante
     o julgamento. O 2º Grupo de Câmaras Cíveis do TJRS de maneira inovadora deu por infringido
     o princípio em caso em que o órgão judicial surpreendeu a parte, sem ouvi-la previamente, em
     questão de fato fundamental para a decisão (Ação Rescisória nº 595132226, j. em 10.5.96,
     redator designado Des. José Maria Rosa Tesheiner, com substancioso voto de vista do Des.
     Araken de Assis, Revista Forense, 338(abr.mai.jun/1997), pp. 301-309).
     32 Cf., Teori Albino Zavascki no excelente ensaio intitulado "Antecipação de Tutela e Colisão
     de Direitos Fundamentais", in Ajuris, 64(jul./95), 395-417, esp. p. 402.
     33 A respeito do princípio da proporcionalidade são valiosas, embora desenvolvidas na
     perspectiva do processo penal, as considerações de Nicolas Gonzalez-Cuellar Serrano,
     Proporcionalidad y Derechos Fundamentales en el Proceso Penal, Madrid, Colex, 1990,
     passim.

retirado de: http://www.forense.com.br/