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A PRIMEIRA LEI ESTADUAL QUE DÁ PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS

 

Claudio Vereza
Deputado Estadual - PT/ES

 Um ditado popular diz que pior do que ser assassinado, é ser testemunha do crime. Com certeza, quem já passou pela experiência de testemunhar um crime pode confirmar a veracidade da sabedoria popular. Medo, perseguição, desamparo da sociedade e do poder público, fazem parte da rotina destas pessoas que, de uma hora para outra, vêem suas vidas, literalmente, viradas de cabeça para baixo.
Esta situação não é novidade para ninguém. Com a escalada da violência no Brasil, e mais acirradamente em alguns Estados, assistimos a toda hora, relato de casos de chacinas, crimes de mando, de grupos de extermínio, que se perpetuam, sem que ninguém possa fazer nada. A punição dos criminosos sempre é dificultada devido à falta de provas, o que gera mais violência e falta de punição.
Esta ausência de provas é gerada, em muitos casos, pelo medo das testemunhas de se exporem diante de quem já matou e pode voltar a fazê-lo, sem mudar de camisa. Daí ganhamos um título que nenhum brasileiro tem orgulho de ostentar, o de país onde reina a impunidade.
O que mais tem chocado é que esta violência tem ganhado contornos de organização, cometida por grupos muito bem estruturados, que envolve membros das polícias, dos poderes públicos, empresários. É o que vemos no Espírito Santo, por exemplo. São inúmeros os casos de crimes em que envolve membros de uma entidade chamada Scuderie Detetive Le Coq, que tem registro legal e sede própria de conhecimento público.
Em quase todo o país, quem se encontra na triste situação de ser testemunha de um crime, esta sozinho. Encher-se de coragem e expor-se para alcançar justiça é um passo que deve ser muito bem pensado. Mas acreditamos que esta realidade possa mudar em breve. Com o exemplo bem sucedido que vem do Estado de Pernambuco, é bem provável que estejamos a um passo de encararmos este problema de frente.
Se queremos restabelecer a justiça neste país, para que haja mais respeito aos direitos humanos, experiências como a do Gajop - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, que desenvolve no Estado de Pernambuco o Programa de Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas (Provita), precisam ser apoiadas e multiplicadas.
Experiência pioneira no Brasil, baseada em projetos similares de países como EUA, Inglaterra e Itália, o Provita já tem em sua rede de proteção 60 pessoas que foram vítimas ou testemunhas de crimes. Alguns dos casos em que estas pessoas estão envolvidas já foram a julgamento.
A experiência do Gajop tem méritos que precisam ser destacados. A proteção às testemunhas sempre foi protelada pelas autoridades com a justificativa de que um projeto desta natureza ficaria muito caro. Entretanto, em  Pernambuco a experiência tem se viabilizado a custos bem acessíveis. A alternativa tem sido utilizar o trabalho voluntário e o apoio de pessoas e entidades já engajadas na luta pela defesa e promoção dos direitos humanos.
Entidades e pessoas estas que, na luta pela defesa da vida, e também em outros momentos da história do País, já passaram pela experiência de ter que ajudar a esconder pessoas que estavam sendo perseguidas. Fugir de criminosos não é muito diferente de fugir de regimes políticos baseados no autoritarismo e na perseguição.
Outro mérito é a partilha de responsabilidades. Não há um órgão, pessoa ou setor que responda sozinho pelo programa. Mas uma ação conjunta de órgãos públicos, entidades governamentais, e pessoas que, mesmo não estando vinculadas a nenhuma entidade, contribuem de alguma forma na rede de proteção. É claro que, pelo sigilo necessário que exige um programa desta natureza, determinadas atividades tenham que ser concentradas em algumas pessoas.
Apoiado pelo Ministério da Justiça, o programa vem sendo implantado também em cinco outros Estados: Ceará, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Norte. Representantes destes Estados participaram do I Encontro Interestadual Sobre Proteção a Testemunhas, realizado no Recife, em junho de 1997, onde foram debatidas as metas para ampliação do programa.
Ficou claro que a necessidade de ações de proteção às pessoas que se encontram nesta situação é comum a todos estes Estados, mesmo com características peculiares e próprias de cada região.  Há ainda o fato de que o Governo Federal  também tenha o seu programa específico para os casos de pessoas envolvidas em crimes de nível federal. E o Ministério da Justiça também já vem se movimentando neste sentido.

O caso do Espírito Santo
O Espírito Santo, apesar do nome biblíco da Santíssima Trindade, que lembra proteção, e de ser pequeno perto dos seus vizinhos da região sudeste, é um Estado onde a violência tem crescido assustadoramente. Um estudo recente dos organismos de direitos humanos revelou que está ocorrendo um assassinato a cada seis horas no Estado, o que tem levado a população a confiar cada vez menos na polícia e na justiça.
 

Indíce Geral de Homicídios no Espírito Santo
         ANO Nº HOMÍCIDIOS MÉDIA MENSAL
         1995                           636              53
         1996                           670              55,83
         1997 (jan-abril)         432              36
Fonte: Relatório de Estatísticas Operacionais da PMES

Homícios com assassinatos de menores de 18 anos
          ANO       Nº. homicídios Variação Percentual
           1994              77           --
           1995              88          17%
           1996             127          42%

Você confia na polícia?
          SIM        NÃO Não respondeu
         41%        55,50%     2,82%

Você confia na Justiça?
            SIM               NÃO   Não respondeu
             44,63%             53,23%          2,15%

De quem é a culpa da violência?
    Da Polícia    Da Justiça    Não Respondeu
      42,06%      45,47%         8,41%

Pequisa feita pelo Jornal A Gazeta, o de maior circulação no Estado, em 11 maio de 1997, revelou dados importantes para avaliar a situação da segurança, não só no nosso Estado, mas também é um reflexo para o restante do país. Foram ouvidas 750 pessoas em quatro municípios da Grande Vitória, região metropolitana do Espírito Santo.

É a guerra pelo tráfico de drogas, a ação de gangues, e o pior de todos, os crimes de mando patrocinados por grupos de extermínio e pelo crime organizado. Na lista dos mortos estão sindicalistas como Verino Sossai, Leo, Francisco Domingos, Purinha, a jornalista Maria Nilce, o biólogo Paulo César Vinha, o padre Gabriel Maire, o menor Jean Alves da Cunha, do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, o prefeito do município da Serra, José Maria Feu Rosa, além de muitos outros.
Também estão relacionados nas teias desta violência o assassinato ou desaparecimento de pistoleiros, advogados como Carlos Batista e outras pessoas ligadas a estes grupos de extermínio, que assustam os mais desavisados sobre a nossa realidade. As entidades e movimentos de direitos humanos do Estado tem lutado pelo esclarecimento destes crimes na justiça.
 Mas este desejo tem esbarrado exatamente na falta de provas, o que permite que poucos dos culpados sejam punidos e paguem pelos seus crimes. Diante desta realidade já estamos discutindo há bastante tempo uma forma de ajudarmos na proteção de pessoas envolvidas nestes casos e que são ameaçadas constantemente.
 Quando assumi meu segundo mandato na Assembléia Legislativa, em 95, apresentei o projeto de Lei que criava no Estado o Programa de Proteção às Vítimas e Testemunhas de Crimes. Na verdade, estávamos iniciando esta discussão.
 O projeto foi aprovado e com isso, o Espírito Santo, passou a ser o primeiro Estado brasileiro a ter legislação específica sobre este assunto. A lei obriga o Estado a implantar o programa em parceria com entidades da área de defesa e proteção dos direitos humanos, com o Poder Judiciário, Ministério Público, Igrejas e voluntários. E também prevê a parceria com outros Estados e a União.
 Outro passo importante que o nosso Estado já deu nesta direção foi a formação do Conselho Estadual de Direitos Humanos. Estes dois instrumentos são de fundamental importância para dar sustentação necessária ao programa.

Após debates com representantes do Gajop, através de sua advogada Kátia Costa Pereira, que tivemos o prazer de receber em nosso Estado, o Espírito Santo já está em fase de implantação, de fato, do Provita. Alguns profissionais já foram selecionados para trabalhar e em pouco tempo, acredito, estaremos ajudando as vítimas de violência a se protegerem, para que possam colaborar mais no esclarecimento de muitos crimes.
 Achamos que temos tudo para desenvolver bem o programa em nível estadual, já que nas reuniões de discussão do projeto têm participado representantes de todos setores: Secretaria de Justiça e Cidadania, Secretaria de Segurança Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), Ministério Público, Poder Judiciário, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH/Regional Leste I) Comissão de Justiça e Paz de Vitória (CJP), Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH/Serra), e ainda representação de outros movimentos.

O futuro
A proteção às testemunhas e vítimas da violência ganhou folêgo neste contexto em que varios Estados se mostram, de fato, preocupados com esta questão. Acreditamos que daqui para a frente, todas as ações devam ser pensadas coletivamente, num fórum interestadual para debater e planejar soluções que possam contribuir para reduzir a violência e a impunidade.
 A união de esforços de todos os Estados pode criar um programa quase que único e, com isso, economizar esforços e alcançar mais sucesso e segurança  em todas as atividades. É claro que aqueles que estão iniciando agora suas ações precisam amadurecer, adquirir mais confiança para alçar vôos maiores.
 Mas, como atitude concreta para combater a violência e a impunidade no Brasil, é preciso apoio e investimentos nesta área.

Com isso, estará sendo assegurado um dos princípios constitucionais do Brasil, que é o direito de ir e vir de todo o cidadão, que hoje, diante do quadro já desenhado anteriormente, não vem sendo respeitado.
 Acreditamos que o Estado, que hoje já investe tão pouco no cidadão, a exemplo do que vemos em setores prioritários como educação, saúde, assistência social, não vá se furtar a apoiar iniciativas que se propõem a garantir, no mínimo, a vida de quem está sob o pânico de uma ameaça. A sociedade, principalmente aquela parcela que sempre esteve á frente da luta pela dignidade humana, já está de fato envolvida nesta tarefa.

Artigo retirado do endereço: http://www.elogica.com.br/pj/gajop