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A advocacia pública no processo civil.
lara de Toledo Femandes
Procuradora do Estado. Mestra e Doutora em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Professora de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito de Bauru ITE para os cursos de Graduação e Mestrado.
 
 

INTRODUÇÃO

      Ares novos, venturosos ares novos impulsionaram a Ciência do Direito Processual Civil pátrio. Edifício sofisticado e complexo, com artífices geniais, primorosos, fiéis ao eloqüente brado de que "forma é segurança", propendeu-se para a exacerbação do mecanismo processual em detrimento do direito material (civil, comercial, tributário, agrário, ambiental etc...). Era a versão patológica do processo, subvertendo sua essência de "vivificação do direito". Ao contrário de "dar vida" punha-se o processo a lesionar ou até mesmo a "matar" o direito. Dados estatísticos estarrecedores apontaram, nos julgamentos dos tribunais, a supervalorização das formas - vencia-se ou sucumbia-se numa demanda, em grande parte, com lastro em argumentações processuais. Da constatação de tal realidade, partiu-se, impropriamente, num movimento pendular, para o refortalecimento do direito material. Ao invés de um evoluir equilibrado, propende-se da exacerbação do direito processual para uma temerária exacerbação do direito material, como soe acontecer em toda mudança. Há quem, a voz miúda, soturna, já profetize que "os processualistas vão destruir o processo".

      Some-se, a esse prosaico apanágio, uma tendência assustadora de pretender-se solucionar todas as mazelas da função jurisdicional através do refazimento do processo.

      Soluções podem perpassar pela reengenharia da ciência processual civil, mas, incontestável que nela não se circunscrevam. Também propulsora desse caminhar propenso à perigosa fragmentação dos institutos e figuras processuais, põe-se a teoria dos Juizes políticos, ainda a carecer de aprofundamento científico na literatura pátria.

      Aceitável, a mitigar riscos, afastando a postura tradicional negatória a julgamento político, a tese possibilista firmada nos lindes de quadros problemáticos, na qual aos juízes não remanesça outra opção a não ser inovar usando o próprio julgamento político, nos moldes propostos por Ronald Dworkin.

      Aspectos positivos, aspectos negativos; aplausos, críticas; receios, desafios; o certo é que o evolver do processo engajou mentes laboriosas dispostas a rescrever o processo em prol da superação das angústias sociais. Rasga-se o modelo tradicional estruturado nos operadores do direito, para redesenhá-lo tendo como centro magnético o consumidor de justiça, aquele que bate às portas do Poder Judiciário (autor, réu, interveniente) sedento de um julgar justo. Tornou-se audível o reclamo do homem comum do povo, estratificado em ditos significativos, tais como "Os jurisdicionados de hoje não se contentam com uma justiça "pro forma" ou com sentenças líricas", "Fazer ciência processual útil". Assim, sob a emblemático refrão "Efetividade do Processo, a enfeixar o "acesso à justiça", a deformalização, a busca da verdade real e sob a principiologia da "ordem jurídica justa", postula-se a publicitação do processo e a socialização do Direito.

      Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco "Presencia-se ao que sugestivamente Kazuo Watanabe denominou "molecularização da tutela jurisdicional. Ao tradicional trato dos conflitos isoladamente, como "átomos" de uma realidade muito mais ampla, acosta-se agora o exercício da jurisdição em face das "moléculas" em que os átomos se aglutinam. O estilo de vida contemporâneo, solidário por excelência e por imposição das necessidade e aspirações comuns na "sociedade de massa" deste fim de século, impõe o trato coletivo de interesses que se somam e se confundem quase que destacando-se dos indivíduos a que tradicionalmente se reportavam com exclusividade. É o "direito de massa", resultante dessa nova realidade social, e que por sua vez impõe rumos novos ao processo civil, o qual também se vai então modelando como um "processo civil de massa".
 

I - A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A ADVOCACIA PÚBLICA

     Tendo como nascedouro a Associação dos Magistrados Brasileiro e o Instituto Brasileiro de Direito Processual (seção de Brasília), sendo em 1992, reunificados à Escola Nacional de Magistratura, o movimento reformista do C.P.C. capitaneado pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira vem buscando "o consenso nas alterações propostas, democratizando o debate, fazendo da reforma não uma manifestação isolada da Magistratura mas uma reivindicação uníssona de todos os segmentos interessados, nela integrando foro e Universidade, professores e profissionais, juízes, advogados, defensores e representante do Ministério Público.

      As mini-reformas, respeitadoras da fisionomia estrutural - sistemática do C.P.C. vigente, não obstante passadas alargadas, progressistas, Haja vista a introdução de figuras novas como a tutela antecipada e a ação monitória, já estão a reclamar reformas das reformas sendo sugestivos o Esboço de Projeto da Lei e os audaciosos posicionamentos como, ilustrativamente, de Régis Fernandes de Oliveira; no sentido da extirpação do livro III, relativo ao processo cautelar como tutela autônoma - entendendo suficiente o poder geral de cautela do juiz de Luiz Guilherme Marinoni; sugerindo a eliminação dos embargos infringentes no sistema processual civil brasileiro; de J.E. Carreira Alvim, que após chamar de verdadeira praga nos sistemas processuais latinos-americanos o número excessivo de recursos, escreve pela eliminação do recurso de agravo de instrumento.

      Nesse painel legislativo-reformista vigente e frente às novas reformas das reformas, requerem percuciente análise as interrogações:

      Como se põe esse novo processo civil frente à Advocacia Pública?
      Há harmonização desse ideário do Processo Civil Social (ou de massa) ao exercício da Advocacia Pública?
      Deverá esse Processo Civil Social se fazer servil ao interesse público alicerçador da Advocacia Pública?

      Repudia a excelência dessas interrogações qualquer verberação ligeira, simplista. Imprescindível, ao raciocínio, trilhar bravamente sobre os princípios processuais-constitucionais da isonomia e do interesse público.

      Assim, como proposta metodológica, dada a singeleza do presente estudo, após breves anotações sobre os temas postos como imprescindíveis, estruturantes, serão confrontados com a Fazenda Pública os novos dispositivos legais pertinentes à liquidação da sentença à tutela antecipada, à execução provisória e à ação monitória.
 

II - O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E A ADVOCACIA PÚBLICA

      Imperioso o alerta traçado por Alice Bianchini de ter sofrido o termo igualdade "diversas modificações, conforme o tempo e o lugar em que se buscou atribuir seu significado, sendo que até os dias de hoje ainda não se estabeleceu um consenso acerca da matéria". Adotando em seu trabalho a classificação de Felix E. Oppenheim, escreve serem de dois tipos (de distribuição e de nivelamento) as regras igualitárias, com base no tratamento conferido à pessoa humana. Leciona a monografista em tema de igualdade, ao tratar da sub-categoria das regras de distribuição denominada "Distribuições desiguais correspondentes a diferenças relevantes", que "Uma regra de distribuição é igualitária se, e apenas se, as diferenças na distribuição correspondem a diferenças relevantes das características pessoais", e repetindo Oppnheim, explicita "se a característica especificada é relevante em relação ao gênero de benefícios ou encargos a distribuir".

      Celso Antonio Bandeira de Mello, no prestigioso livro Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, ao traçar os critérios para identificação do desrespeito à isonomia professora ter-se que "investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existem é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles". Ainda magistral o ensinamento do mesmo jurista ao enfocar a "cautela na interpretação das leis em atenção à isonomia" afirmando "o que se encarece, neste passo, é que a isonomia se consagra como o maior dos princípios garantidores dos direitos individuais. "Praeter legem" a presunção genérica e absoluta é a da igualdade, porque o texto da constituição o impõe. Editada a lei, aí sim, surgem as distinções (que possam se compatibilizar com o princípio máximo) por ela formulados em consideração à diversidade das situações. Bem por isso, é preciso que se trate de desequiparação querida, desejada pela lei, ou ao menos, pela conjugação harmônica das leis".

      Em seara estritamente processual, Ada Pellegrin Grinover, em sua monumental obra "Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil", ao analisar o princípio da igualdade, no item "prerrogativas da Fazenda Pública" doutrina: "Assim sendo, ao analisar as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública, como exceções ao regime comum da igualdade substancial, há que se ter em mente que o ordenamento jurídico exige, por vezes, que o indivíduo ceda o passo à avultação do interesse público ou social: justificam-se tais prerrogativas, em geral, em razão da natureza, da organização e dos fins do Estado moderno".

      O memorável e saudoso mestre Pontes de Miranda, em comento ao art. 188, explicita: O fundamento hodierno da exceção está em precisarem os representante de informações e de provas que, dado o vulto dos negócios do Estado, duram mais do que as informações e provas de que precisam os particulares.

      J. M. Arruda Alvim em sua primorosa obra "Manual de Direito Processual Civil", vol I, ao discorrer sobre os princípios informativos do processo e dos prazos, (p. 273/275), leciona: "O principio da paridade de tratamento inspira-se em princípio político-jurídico fundamental do Direito moderno: o da igualdade de todos perante a lei. Se todos são constitucionalmente iguais, perante a lei, projetada esta idéia no processo, o legislador processual tem, necessariamente, que propiciar um tratamento igual ao autores, de um lado, e aos réus, de outro, ou seja, todos os autores serão igualmente tratados, e, assim, todos os réus (igualdade formal) e tendente, quanto possível, atualmente, para a própria igualdade entre o autor e o réu, antagonista daquele (igualdade substancial)... Assim, por exemplo, temos como exceção aparente ao princípio da paridade de tratamento, em nossa lei processual, o art. 188, que atribui à Fazenda Pública e ao Ministério Público, quando partes no processo, o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer". Após afirmar não concordar ser o referido artigo derrogador do princípio da paridade de tratamento, fundamenta: "Nossa posição origina-se da própria conceituação de "paridade". Esta consiste em tratar os iguais de forma igual. Ora, o art. 188 do Código vigente não retrata partes em posições iguais; devem, ou pelo menos podem, portanto, por lei, receber tratamento diferente".

      Essa tela retratando pensamentos de juristas de escol sobre o princípio da isonomia, seja na esfera constitucional-filosófica, seja na principiologia constitucional-processual, permite expungir, "permissa venia", raciocínios comprimidos, estreitos, afeiçoados a premissas circunstanciais quiçá utilitaristas e oportunistas, tendentes a um impossível nivelamento simétrico-processual, mormente em institutos novos, frente aos elevados interesses entregues à Advocacia pública.
 

III - PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO

      O princípio do interesse público conecta-se de maneira incindível com o princípio excelso da República Compreensivelmente estabelecido no pórtico da Constituição Federal e irradiando-se, projetando-se sobre os artigos e princípios que a compõe. Ensina Geraldo Ataliba Sobre a "res publicae", "A República é a institucionalizadora das formas pelas quais os mandatários do povo administram - "sensu lato" - a coisa pública". No "Estado de Constitucionalidade" pátrio, com uma Constituição diretiva voltada à implementação de políticas públicas, ou seja, concretização de programas pelo Estado e pela sociedade, ressalta-se o ideário fundamental da Lei Maior; erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nesse quadrante, como eixo gravitacional, insere-se o princípio do interesse público, a mesclar-se com a concepção contemporânea, vitoriosamente abraçada pelo texto magno, de Direitos Humanos, agregadora da Liberdade e da Igualdade. Até porque, como profissão de fé, presente aos pensadores e operadores da Ciência Jurídica, põe-se a oração científica-poética do jurisfilósofo Márcio Sotelo Felippe "Sujeitos livres e iguais é a condição para pensar o Direito e é o seu objeto. A razão alça vôo livre como pássaro do amanhecer, distante do crepuscular vôo da coruja impedida de compor o dia luminoso porque só comparece quando ele já se pôs, e tudo está feito".

      Com esse norte, possível enfocar-se o princípio do interesse público. Com autoridade escreve Sueli Solange Capitula no estudo "Interesse Público - Princípio Constitucional Implícito", após advertir cuidar-se de "tema raramente abordado pela doutrina nacional", constituir o interesse público "a base dos princípios fundamentais, sendo-lhes transcendente". Concluindo que "aflora a sociedade política, de regras gerais de conduta, como instrumento de concretização dos interesses gerais", sintetiza o seu pensamento: "Por fim, é lógico afirmar, por todo o exposto, que o interesse público aqui estudado é anterior ao direito, pois consiste em um valor querido pela maioria dos comprovantes da nossa sociedade que se configura através de noções e princípios não jurídicos. Assim para que cada indivíduo conserve plenamente a sua aspiração de usufruir efetivamente de direitos e liberdades impõe-se o reconhecimento de que o interesse público é princípio implícito nas fórmulas que prescrevem os princípios fundamentais relacionados em nosso Texto Constitucional. O respeito simultâneo dos interesses individuais e público somente se realiza através da execução do verdadeiro interesse público, aquele definido pelo cidadão e praticado e exercido nos moldes por ele traçado. (...) Sendo objeto de compromisso popular, o interesse público, ao lado dos princípios fundamentais, é base do sistema jurídico e condição necessária à execução do projeto político consignado na Constituição. Assim, como princípio implícito nos comandos dos princípios fundamentais, o interesse público constitui uma peça essencial para a correta e razoável interpretação constitucional. (...) Em síntese, o interesse público enquanto resultado de vontades livres e voluntariamente formuladas pelos componentes da sociedade é anterior aos princípios fundamentais prescritos na Constituição brasileira e, por expressar o querer nacional, fundamenta-lhes as bases. (...) Assim, junto com a definição de interesse público emerge o "verdadeiro conteúdo da liberdade, a qual significa participação na coisa pública ou admissão ao mundo político" utilizando a autora, neste pensamento último, o ensino de Maria Garcia.

      Por esse impecável e lúcido diagrama do princípio constitucional implícito do interesse público, possibilita-se, num corte metodológico, o exame dos temas objeto deste trabalho, que, reverentemente, tem por pretensão lançar idéias que, se merecedoras de aprovação, poderão ser amadurecidas, aformoseadas propendendo-as a resultados positivos aos necessários avanços da Advocacia Pública, nos seus rumos políticos, jurídicos-sociais, em prol da mitigação das angústias sociais e do tão buscado bem comum.

      São, em visão breve. Estes os temas: a) "A liquidação por cálculo do contador e a Advocacia Pública", b) A execução provisória e a Advocacia Pública", c) "A antecipação da Tutela e a Advocacia Pública", d) "A ação monitória e a Advocacia Pública", "Esboço de Anteprojeto da advocacia Pública no CPC", todos sub-temas do título central "A Advocacia Pública no Direito Processual Civil".
 

IV- A LIQUIDAÇÃO POR CÁLCULO DO CONTADOR E A ADVOCACIA PÚBLICA

      No labor legislativo reformista do Código de Processo Civil não houve preocupação com os misteres entregues à Advocacia Pública - até porque centrada no acesso à justiça e na efetividade do processo - todavia, o ente público como consumidor de justiça na defesa do interesse público, "datissima venia", não pode ficar à margem das reflexões. E já a liquidação por cálculo do contador - art. 604 do CPC - com a nova roupagem trazida pela Lei nº 8898 de 29 de junho de 1994, é demonstradora dessa desatenção. "Teve por principais objetivos", explicita sobre a alteração o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira em apontamento ao art. 604 no "Código de Processo Civil Anotado" de sua autoria: "a) eliminar a modalidade de liquidação por cálculo, buscando prestigiar os princípio da celeridade e da economia; b) diminuir a divergência, ensejadora de tantos incidentes e recursos, sobre a necessidade ou não de citação nas outras modalidades de liquidação; c) diminuir a dúvida sobre a possibilidade de observar-se o procedimento sumário (art. 275) na liquidação por artigos".

      Cândido Rangel Dinamarco entende ser a "mais importante das inovações que a lei nº 8898, de 29 de junho de 1994, trouxe ao sistema brasileiro de liquidar sentenças genéricas foi a eliminação da modalidade consistente em liquidação por cálculo do contador (...) Bastando fazer contas, era uma superfetação exigir os trâmites de ida ao contador, contraditório entre as partes, às vezes volta ao contador, e depois sentença homologatória sujeita a apelação, etc... A todo esse tormento veio a lei nº 8898 pôr fim, banindo pura e simplesmente a liquidação pelo contador".

      Conquanto respeitáveis as doutrinas expostas, a temática apresenta desdobramentos no que toca às responsabilidades funcionais do Advogado Público. Assim, por exemplo, no dia a dia, o Procurador do Estado se depara com expressões numéricas gigantescas, astronômicas, em ações de responsabilidade do Estado - desapropriações (direta ou indireta); repetição de indébito tributário; indenizatórias; benefícios de funcionários ou servidores públicos; trabalhistas, etc... e caberá a ele concordar ou apresentar embargos. O imperativo do interesse público, primordialmente, trouxe com a sepultura, dos cálculos pelo contador do juízo, angústia ao profissional da Advocacia Pública, mormente porque habitual o litisconsórcio multitudinário, a complexidade freqüente dos cálculos, a tender, por zelo e responsabilidade à Instituição, a interposição dos embargos asseguratórios do contraditório (negado no bojo da ação de liquidação) e da fixação do legal e escorreito valor. Pergunta-se: onde a propalada celeridade visada com a reforma, quando sabido que com os embargos suspende-se a execução e proibida a expedição do oficio requisitório até serem os embargos decididos?

      Semelhante angústia perscruta o espírito do julgador, mesmo que a preocupação volte-se, também, para o interesse do particular nessas demandas. Merecedora de reprodução a exposição e sugestão do Juiz de Direito da vara da Fazenda Pública em São Paulo, Wanderley José Federighi Sobre a nova redação do art. 604 do C.P.C.: "Desastrosa a mudança, contudo, na medida em que as ações em que é parte a Fazenda Pública simplesmente parecem não sido consideradas. Existem, como já foi referido em outra parte deste trabalho, ações propostas por multilitisconsórcios de funcionários e servidores públicos, que, quando estes se sagravam vencedores às vezes, em número superior a quinhentos..., redundavam em cálculos de liquidação simplesmente formidáveis. (...) As ações mencionadas tratam, como se sabe e já se observou em outra parte deste estudo, de interesses indisponíveis não mais cabendo a liquidação por meio de cálculo do contador (procedimento este que estava longe de ser perfeito, mas que caminhava a passos seguros no sentido de uma pacificação de critérios), a Fazenda Pública, não podendo mais manifestar-se a respeito do cálculo apresentado (pois não haverá mais liquidação, nem homologação da mesma), acabará, fatalmente por apresentar embargos a execução, quando for citada para pagamento, com a "memória" do cálculo feito pelos exequentes acompanhando o mandado. O resultado disso, já se fez sentir: as Varas especializadas encontram-se atualmente, abarrotadas de embargos à execução, o que contribui sensivelmente para a morosidade da Justiça. Se a intenção do legislador era a celeridade processual, o que ocorreu foi exatamente o reverso, quiçá pela falta de vivência do legislador com a matéria aqui entelada. Ou seja, o tiro saiu pela culatra." (...). As soluções para o problema não são fáceis. A mais corajosa seria, indubitavelmente, que o legislador tivesse a humildade de reconhecer que errou, e voltasse atrás, restabelecendo-se o sistema anterior - o que, talvez, se pudesse fazer apenas para as ações em que a Fazenda é parte. Certamente, entre os privilégios processuais de que a mesma goza, este não consistiria em nenhum absurdo. Outra, que a meu ver seria a melhor, estaria no estabelecimento de um sistema específico de execução, apenas para a Fazenda Pública, o que poderia ser feito por lei ordinária. (...) Enquanto isso não ocorre (e tenho fortes dúvidas de que venha a ocorrer...), cada magistrado vem interpretando a nova legislação à sua maneira, conduzindo as execuções contra a Fazenda Pública diversamente."

      É verdade que alguma mudança já se faz sentir, pois o legislador reformista do CPC publicou no D.ºE. de 07 de outubro de 1996, no Caderno 1 - Parte I, p. 31, "Esboço de Anteprojeto da Lei" remodelando o artigo em comento, "verbis", "art. 604... Parágrafo Único - Quando a determinação do valor da condenação depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz a requerimento do credor, poderá requisitá-los, bem como valer-se do contador do juízo nos casos de cálculo complexo".

      É um primeiro passo posta `a análise da comunidade jurídica revitalizando a figura do cálculo pelo contador do juízo.

      Pergunta-se: resguardado, por conta desse texto de reforma da reforma, o interesse público entregue à Advocacia Pública? Evidente que não. A simplicidade da interpretação literal sugere pretender o legislador solucionar dificuldades do credor quanto à memória do cálculo. A parte final do texto, relativa ao contador prende-se ao início da redação como uma segunda opção (requisitam-se os dados ou, sendo complexo o cálculo, remete-se ao contador). Mas, nem tudo está perdido. Surge a oportunidade à Advocacia Pública para corrigenda, na feliz proposta do juiz da Fazenda Pública retro transcrita. Acrescente-se parágrafo específico, alusivo à remessa ao contador para os cálculos relativos a interesses indisponíveis ou mesmo específico para a Fazenda Pública, ou amplie-se a redação deste parágrafo único.

      Sobreleva notar a quebra do refrão irrealístico, dito e repetido, "não existe mais cálculo do contador no sistema processual pátrio". Nada obstante, vários juízes respeitosos ao princípio constitucional-processual do contraditório para a ação de liquidação da sentença; atentos às ações em que a Fazenda Pública é parte, pela defesa do interesse público e ao modelo da efetividade do processo com aceleramento da máquina judiciária (reduzindo ações de embargos) dão vista dos autos à outra parte, após a apresentação da memória discriminada e atualizada do cálculo.

     Terminado este texto, recebemos exemplar de anteprojeto trazendo melhoria no instituto da liquidação por cálculo. Tranqüiliza contemplar a preocupação da Comissão Reformista com o exercício da Advocacia Pública, veladora do interesse público. Reza, mais aperfeiçoado, o art. 604:

     "Art. 604........

     § 1º Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-lo, fixando prazo até trinta dias para o cumprimento da diligência. Se os elementos do cálculo não forem apresentados no prazo assinado, ou no de eventual prorrogação, aplica-se o disposto no art. 601.

     § 2º Poderá o juiz valer-se do contador do juízo nos casos de cálculos complexos ou quando o devedor for a Fazenda Pública e, ainda, nos casos de justiça gratuita. O cálculo do contador equivalerá, então, á memória referida no "caput".

     Na exposição de motivos, lê-se:

     "Art. 604 - Em decorrência da Lei nº 8898, de 29-06-94, a determinação do valor da condenação quando dependente apenas de cálculo aritmético, não mais exige um "calculo do contador", o credor ingressará diretamente com a petição de execução da sentença, "instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo". Ou seja, o cálculo é efetuado e apresentado pelo próprio exequente - art. 614, II, podendo ser impugnado pela via dos embargos do devedor (art. 741, IV). Vantagens: abolição do cálculo do contador, de sua homologação pelo juiz e dos novos, sucessivos e demorados recursos daí recorrentes.

     O presente anteprojeto busca sanar alguns problemas que a nova sistemática suscitou. Assim, torna explícita a possibilidade de o credor solicitar ao juiz a requisição de dados existentes em poder do devedor, ou de terceiros, a fim de habitá-lo, a ele credor, a proceder à memória discriminada do cálculo; fixará então o magistrado prazo adequado para o atendimento da diligência, sob a sanção do art. 601.

     De outra parte, visa o projeto atender a casos especiais em que ocorra maior dificuldade na própria feitura da "memória de cálculo", prevendo-se a intervenção do contador do juízo a fim de "auxiliar" o credor na confecção da memória a ser apresentada com a inicial do processo de execução. Assim nas hipóteses de cálculos de maior complexidade, ou quando o devedor seja a Fazenda Pública (casos, por exemplo, de crédito contra o INSS), ou quando o credor for beneficiário da assistência judiciária.

     Claro está que o cálculo feito pelo contador equivalerá à "memória" prevista no caput e, portanto, não estará sujeito à homologação judicial. Evidente, ainda, que o juiz pode e de, nos casos de cálculos absurdos - quer se apresentados diretamente pelo exeqüente, quer quando resultante de intervenção do contador do juiz - tomar as providências corregedoras, na via processual e na via censória, que lhe parecerem adequadas".
 

V - A ADVOCACIA PÚBLICA E A EXECUÇÃO PROVISÓRIA

     Sob a batuta do refrão "incrivelmente lenta a execução contra o Estado", há doutrina e jurisprudência a lecionar e julgar possível a execução provisória na área da Advocacia Pública. Muito embora não seja afrontatória aos ditames dos arts. 587, 588, 730 e 731 do C.P.C. e, também ao art. 100 da C.F. essa linha de pensamento, a verdade é que essa tendência à flexibilização das regras impeditivas à execução provisória frente ao ente público, com a caricaturização os mitos da era renovatória do sistema processual civil pátrio - como por exemplo, a efetividade e deformalização do processo, entre outros - pode conduzir a desacertos maculadores do princípio do interesse público.

     Ilustrativos, em prol de uma visão panorâmica, alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e páginas doutrinárias. Em tela de reenquadramento de servidores, decisão monocrática deferindo o apostilamento independentes de caução, teve em grau de Recurso Especial, por unanimidade, o seguinte julgamento:

     No Recurso Especial nº 56.239-2/PR, da Primeira Turma do STJ, julgado ao 15 de março de 1995 - D.J.U. I, 24-4-95, votação unânime, e figurando como Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, consignou-se:      Na Relatoria do Ministro Milton Luiz Pereira, lê-se no acórdão:      Caminhando para uma linha de risco ao interesse público tutelado no exercício da Advocacia Pública, outro julgado permitiu a possibilidade de levantamento parcial de depósito efetuado pela Fazenda Pública, em execução contra ela movida, independentemente da prestação de caução, sob o argumento:      Na ação de execução proposta por Fazenda Municipal em face da Fazenda do Estado de São Paulo, textualmente o acórdão frisa "abrandamento" na aplicação das regrações legais pertinentes, permitindo, uma vez mais, levantamento, sob o fundamento "in verbis".      A nível doutrinário, numa linha de raciocínio radicalizada, há proposta de nova redação ao art. 100 "caput" da Lei Maior, extirpando-se a forma de pagamento por precatório, sugerindo-se os pagamentos ao seus titulares de forma atualizada até o mês da liquidação, exclusivamente, na ordem cronológica da apresentação das contas devidamente homologadas e à conta dos créditos respectivos, a curto prazo do trânsito em julgado da decisão de mérito, sob pena de responsabilidade da autoridade responsável pela liberação dos recursos, além de outras regrações relativamente aos parágrafos.

     Argumenta-se não se hegemonizar com o momento histórico brasileiro de florescimento da cidadania e de preparação do homem, nesta última década do séc. XX. Para a convivência com a democracia do século XXI, o modelo do precatório requisitório, além da sempre repetitiva e propalada idéia da infringência aos princípios da igualdade e da segurança jurídica.

     Com apego à racionalidade e à técnica jurídica, constitucional e infra- constitucional, instrumentais indispensáveis ao jurista em análise aprofundada, importa assentar, em resgate ao acima exposto, inexistir execução propriamente dita contra o Estado, porém, simples meio de coação. O alheamento a essa "ratio essendi", desnorteia o raciocínio conduzindo o discurso jurídico a planos sociais, filosóficos e metajurídicos, louváveis até, porque permeados por lições de Estado Democrático de Direito, dignidade do homem, Poder Judiciário livre, inconstitucionalidade da lei injusta e quejandos, contudo desagregados do tema da execução contra a Fazenda Pública. Lapidar o esclarecedor ensino de Cândido Rangel Dinamarco, ao compatibilizar seu pensamento ao de Chiovenda, Liebman, Costa Manso, Brandão Cavalcanti, Seabra Fagundes, Lopes da Costa:

     Este o rumo à reflexão, sendo inversão de princípio a gerar pensamento falacioso, extrair-se das normas do art. 100 da C.F., 730 e 731 do C.P.C., aviltamento à cidadania e quiçá prevalência da supremacia do Estado contra o jurisdicionado.

     No que concerne à celebração de acordos, tópico e tangenciar com a execução contra a Fazenda Pública, é lição primeira, em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público, estar o Advogado Público impedido de realizar acordos, salvo situações especialíssimas, estando o Procurador responsável pelo feito munido de poderes para transigir, e, é incontestável, com observância à ordem de pagamento dos precatórios.

     Escreve sobre a matéria, Wanderley José Federighi, Juiz de Direito em São Paulo, atuando na Vara da Fazenda Pública desde 1986:

     Após externar a obrigatoriedade da ordem de pagamento dos precatórios, apesar da concordância das partes, alerta:      Observa Vicente Greco filho, citado pelo autor;      Em resumo, a temática da execução contra a Fazenda Pública, em que pese algumas posições mais radicais, tem-se pacificado, seja na doutrina, sejam nos tribunais, em torno das seguintes teses:

     1 - A execução contra a Fazenda Pública é sempre definitiva;

     2 - Não há execução provisória contra a Fazenda Pública;

     3 - A execução contra a Fazenda Pública têm rito próprio previsto nos arts. 730 e 731 do C.P.C., que guardam conformidade com a norma constitucional do art. 117 da CF/69 e ar. 100, da CF/88;

     4 - A norma constitucional exige para a execução contra a Fazenda Pública sentença judicial transitada em julgado;

     5 - A execução contra a Fazenda Pública caracteriza-se como uma de suas prerrogativas processuais e justifica-se pela impenhorabilidade dos bens públicos, que, por extensão, decorre da inalienabilidade dos mesmos. Assegura-se, desse modo, a continuidade, sem interrupções, dos serviços públicos;

     6 - O modelo constitucional-processual da execução diferenciada em face à Fazenda Pública (União, Estados e Municípios) e autarquias tem sua "ratio essendi" no princípio da indisponibilidade do interesse público;

     7 - O sistema vigente da execução contra a Fazenda Pública é também forma de resguardar os direitos dos credores da Administração Pública;

     8 -Há sensível evolução na Constituição de 1988 relativamente ao tema, haja vista as primeiras constituições pátrias que nenhuma normatização trazia;

     9 - Por determinação constitucional, tornou-se obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público da verba necessária ao pagamento dos seus débitos constantes dos precatórios judiciais apresentados até 1º de julho;

     10 - O desatendimento pela Administração da ordem de pagamento, além de ensejar ao credor preterido, seqüestro da quantia necessária à satisfação do seu crédito, e a possibilidade de intervenção federal no Estado que deixa de pagar seus débitos (ou, do Estado no Município, pela mesma razão), ainda há o risco, pela preterição no pagamento, de processo por crime de responsabilidade ante à autoridade do Executivo responsável.
 

VI -A TUTELA ANTECIPADA FRENTE À ADVOCACIA PÚBLICA

     Ponto de vanguarda das inovações introduzidas pela Comissão Reformista do Código de Processo Civil, a antecipação da tutela desenhada no art. 273, consoante a redação ditada pelo art. 1º da Lei nº 8.952/94, suscita necessária reflexão quanto a sua aplicabilidade em seara da Advocacia Pública.

     No exemplar ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco, tem-se os principais contornos da novel figura processual:

     Dentro desse apanágio geral da teoria da antecipação da tutela, setorizando a questão posta do seu cabimento ou não, em se tratando de causas relativas a interesses das pessoas jurídicas de direito público, no exercício, portanto, da Advocacia Pública, sustenta Antonio Carlos Cavalcanti Maia, Procurador do Estado do Rio de Janeiro:      Francisco Conte, também Procurador do Estado do Rio de Janeiro, escreve sobre o tema:      Tão lapidares doutrinas, de clareza e compreensibilidade dedutíveis até mesmo de singelo bom senso e do sentimento inato do justo, a defluir, serenamente, dos textos processuais e constitucional, contudo, já se fazem vilipendiadas. Precedente infeliz, ameaçador por infringência do princípio constitucional do devido processo legal, incito no art. 475, II do C.P.C., e por conseguinte vulnerador do Estado democrático de direito e da ordem pública, além de outras máculas, encontra-se na momentosa ação proposta pela Associação dos Juízes Federais relativa à diferença de 11,98% decorrente da conversão de vencimentos para URV em 1994 (a alastrar-se em centenas de ações de servidores do Judiciário, Legislativo e Ministério Público federais), com concessão da antecipação dos efeitos de tutela pleiteada. O Jornal "A folha de São Paulo", de Domingo, dia 03 de agosto de 1997, 2º caderno, pág. 1, em matéria assinada pelo jornalista Gabriel J. de Carvalho, com o título em letras garrafais "Justiça dá reajuste de 12% a si mesma", noticia:      Porque decisões inconstitucionais, ilegais (além de infelizes nos âmbitos social e político, pois fazem soar no sentimento do homem comum o jargão que se populariza de "Justiça Vip"), aguarda-se dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Superiores, com a prudência, cautela e sabedoria que os estigmatizam, reforma quanto ao efeito imediato, encaixando-as nos trilhos da ordem jurídica-legal-constitucional, ou na expressão, ideário das reformas, do "acesso à ordem jurídica justa".
 

VII - A AÇÃO MONITÓRIA E A ADVOCACIA PÚBLICA

     Na experimentação de caminhos novos em prol da efetividade do processo civil, a Lei nº 9079, de 14 de julho de 1995 disciplinou a ação monitória, acrescentando ao Livro IV, Título I do Código de Processo Civil, o Capítulo XI, com os arts. 1102a, 1102b e 1102c. Em linha gerais, optando o credor, apoiado em prova escrita, pelo procedimento monitório (afastando, pois, o procedimento comum, ordinário ou sumário) possível ser-lhe-á obter de pronto, uma ordem, seja de pagamento de uma soma em dinheiro, seja de entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel, no prazo de quinze dias.

     Salvatore Satta sintetizou a existência da ação monitória - "ingiunzione" no Direito Italiano - nestes termos:

     Muito embora idealizada a ação monitória pelos autores do Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Civil de 1985; não obstante o sucesso do modelo monitório alemão, existente desde 1879 e com mais de uma centena de modificações, de tamanha aceitação a ponto de o interessado adquirir formulários de ajuizamento nas papelarias, para propositura direta, sem necessidade de advogado, olvidadas não devem ser as disputas teóricas no direito alienígena (como por exemplo, as ocorridas com Cristofolini, Segni, Carnelutti e Calamandrei sobre a natureza do provimento judicial definitivo), a estenderem-se na interpretação da regração do processo monitório pátrio. E mais. Complexidades interpretativas poderão, e isso já se observa, minguar os resultados esperados. De fato, extensas e plúrimas polêmicas teoréticas fragilizarão a via monitória, induzindo o credor a por ela não optar, por dolorosa que seja a eleição do procedimento comum. Daí porque oportuna a advertência de Vicente Greco Filho:      Problemática paramenta-se a questão da monitoria na Advocacia Pública. Pela tese possibilista posicionam-se Luis Fux, Cândido Rangel de Dinamarco e José Eduardo Carreira Alvim.

     Esposando idéia em sentido contrário, leciona José Rogério Cruz e Tucci:

     Alinha-se a esta corrente o Desembargador Antônio Raphael Silva Salvador, que ressalta enfaticamente:      Humberto Theodoro Júnior, entendendo que se torna realmente inviável, entre nós, a aplicação da ação monitória contra a Administração Pública, elucida:      Vicente Greco Filho, reiterando posição sustentada em sua obra "Execução contra a Fazenda Pública", no artigo intitulado "Considerações sobre a ação monitória", propõe descaber a ação monitória conta a Fazenda      Parece firmar-se em campo do processo monitório a posição negatória do seu cabimento face à Fazenda Pública. Todavia, segue veloz a busca de argumentos a instrumentalizar o seu cabimento. Basta lembrar, a propósito, a tendência do Professor Carreira Alvim em acolher a ação monitória para restituição do indébito, após ter verificado que a jurisprudência italiana admite esse procedimento para "reembolso de quantias indebitamente pagas".
 

VIII - ESBOÇO DE ANTEPROJETO DE LEI - ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

     Somente algumas alterações ao Código de Processo Civil, e o momento é oportuno, poderão resguardar os elevados interesses patrocinados pela Advocacia Pública, contribuindo para efetividade do processo, tornando célere a prestação jurisdicional, descomplicando a cognição da demanda com superação de questões polêmicas em torno de figuras potencialmente geradoras de pensamentos conflitantes relativamente à Fazenda Pública.

     Com reverência, apresenta-se um mero esboço para análise dos ilustres membros da Comissão Reformista do Código de Processo Civil, exemplarmente presidida pelo Excelentíssimo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e composta por Juristas de escola engalarem a Ciência do Processo Civil; também para estudo dos insignes Congressistas do "XXIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado", promovido pela Procuradoria Geral do Estado do Maranhão, neste ano de 1997, bem como por toda Comunidade Jurídica.
 

ESBOÇO DE ANTEPROJETO DE LEI

     Altera dispositivos da Lei nº 6.869, de 11 de janeiro de 1973, - Código de Processo Civil.

     Art. 1º. Os artigos a seguir mencionados, da Lei nº 5.869, de 11-1-1973, que instituiu o Código de Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS

     Artigo 1º do Esboço de Anteprojeto

     São as seguintes as alterações propostas ao Código de Processo Civil:

     Art. 38 - Parágrafo único - A criação deste parágrafo único procura assentar posição uniforme na doutrina e jurisprudência, como se vê, ilustrativamente, no Ag. I 253833, TJSP, Rel. Tito Hesketh, RT 495/86 (citado em nota ao art. 38 pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira na Sexta edição do "Código de Processo Civil anotado", Ed. Saraiva, p. 36), com a seguinte compreensão: "Os procuradores da Fazenda Pública e das autarquias não necessitam de juntar procuração em processos judiciais, por se presumir conhecido o mandato pelo seu título de nomeação". Enfatiza-se, na redação, "título de nomeação" com o intuito de restringir-se aos nomeados por concurso público.

     A não inserção das autarquias decorre de que estas possam ser representadas também por advogados e estes, por não comporem os quadros de servidores, deverão apresentar instrumento do mandato, sob pena de serem considerados inexistentes os atos por eles praticados (a propósito, Bol. TRF - 3º Região 9/79, maioria). Já no que concerne a explicitação dos atos de receber e dar quitação, e lançar e arrematar, deve-se à necessidade de superar dissidências jurisprudenciais como as exibidas em RJTESP 109/262, por maioria e bol. AASP 1502/234, esta última exigindo apresentação de procuração com poderes expressos aos procuradores de órgãos públicos.

     Art. 246 a - propõe-se a expressão "É nulo o processo" para poder inseri-la na seara das nulidades absolutas, porque cominada, o que é bastante compreensível à vista do interesse público.

     Repete-se e encarta-se entre os arts. 246 e 247, por harmonia do sistema ao usar a mesma linguagem relativamente à atuação do Ministério Público. A experiência comprova não serem as prerrogativas da Fazenda Pública (impropriamente chamadas de "privilégios", bem compreendidas pelos operadores do Direito, esquecidos de que o "Estado somos todos nós", e quão significativo ao bem comum é o exercício da Advocacia Pública.

     Art. 273 § 6º - A antecipação da tutela, instituto modelar, salutar às premissas informadoras do trabalho de reforma do Código de Processo Civil, corre o risco de padecer do fenômeno que contaminou as cautelares inominadas. Conquanto o zelo legislativo, inclusive, neste momento, aprimorando o instituto no recente Anteprojeto de Lei com nova redação ao seu § 3º "in verbis". "A efetivação do provimento observará, no que couber, o disposto no art. 588" e justificada pela compatibilização às mudanças sugeridas para o art. 588, há uma "febre" desmedida em, desde logo, no pórtico da demanda, solicitar-se-a entrega da pretensão de mérito requerida. O dia-a-dia forense traz à lembrança situações nas quais o juiz fora induzido a erro por argumentos arficiosos, maliciosos e a irreversibilidade (muito embora protegida no § 2º) chegar a graus desastrosos, com prejuízos milionários aos interesses da Fazenda Pública e, em decorrência, da comunidade, principalmente em matéria tributária quanto ao recolhimento do I.C.M. (que é bom lembrar é pago pelo consumidor e o contribuinte não repassa aos cofres públicos, e desse valor, indevidamente, se apropria), matéria, sobre a qual há acentuado desconhecimento por parte dos magistrados.

     Art. 588, § 2º - Por coerência à alteração proposta ao art. 273, e como dito e redito existir uma união xifópaga de cognição e execução, na antecipação dos efeitos da tutela, miscigenação a escorregar no art. 588 por expressa determinação legal, há que se proteger textualmente os interesses do ente público. Por que a alteração ao ainda "nascituro" § 2º? Porque a sua interpretação conjugada ao inciso II, leva à inteligência da não permissibilidade, "sem prestação de caução, de levantamento de depósito em dinheiro ou a prática de atos que importem...........ou dos quais possa resultar grave dano ao executado", contudo, podendo essa caução "ser dispensada nos casos de tutela antecipada para atender necessidade causada por ato ilícito, ou sempre que o juiz entenda plenamente justificável a dispensa". Ou seja, cria-se uma regra no inciso II e exceptua-a no § 2º. Como se põe essa exceção à Fazenda Pública? Bem, ao Advogado Público é preocupante. Protege-a e desprotege-a, ao mesmo tempo. Tão claro, tão encaixado ao mero bom-senso (se quiser "esquecer" (sic) o gradil legal do art. 575 do C.P.C.) de somente ter eficácia o ato decisório após a sentença ser reapreciada no duplo grau obrigatório, e, portanto, de ser definitiva a execução da Fazenda Pública, como esposada pela melhor e aprofundada doutrina e referendada na maioria os julgados, que, "data venia", as açodadas idéias, fruto do momento histórico do processo civil pátrio, prenhe de busca de caminhos à caótica realidade jurisdicional, no qual perdoáveis (e daí o zelo do julgador) certos arroubos, dourando o discurso jurídico com apressadas lições sob a alcatifa do mito da efetividade do processo. Alguns chegam mesmo a requintadas construções pretendendo ampará-las em dogmas de cidadania, aprimoramento democrático e quejandos... O que sobressai, no entanto, o "punctum saliens", de tão simplista frente a tantos rebuscos argumentativos, chega a surpreender. Por todos, a frase, escrita retro, de Vicente Greco Filho, que em magia de síntese, condensa o essencial, ao ensinar que contra a Fazenda Pública "deve haver título sentencial, com duplo grau de jurisdição para pagamento por meio de ofício requisitório como previsto no art. 100 da Constituição da República e por meio de dotação orçamentária. Contra a Fazenda não se admite ordem, mas processo de conhecimento puro, com sentença em duplo grau de jurisdição e execução nos temos do art. 100 da Constituição e art. 733 do Código". Tão clara e perfeita lição resultante do arquétipo constitucional-processual, merece ser repetida, e se necessário, em alto e bom som, para que não se façam ouvidos moucos. Pagamentos na "boca do forno", em face à Fazenda Pública, "datissima venia", é retórica inconstitucional, à margem do Direito, só tolerada por circunstancial emocionalismo, ao qual julgador deverá estar precavido para o exercício do excelso e quase divinatório mister de "dizer o Direito".

     Art. 1102 a - A ação monitória por ensejar acalourada polêmica, poderá ter sua utilização reduzida pelo receio à opção pelo novel procedimento. Quanto à Fazenda Pública raríssimos autores deixam de contemplar o tema, e seguindo o estigma de controvérsias, as opiniões se dividem, sendo possível avaliar-se como tese vencedora a da impossibilidade, como demonstrado retro. Todavia, em prol da suavização do "terçar lanças" judiciário a celebrar benefícios ao demandante e aos demais operadores da arena jurídica, salutar a proibição propugnada expressa.
 

IX - APRECIAÇÃO CONCLUSIVA

      Salpicam aqui a acolá, com fervor, pensamentos extremosos, fruto de mentes laboriosas, prodigiosas que se propuseram a reescrever o Direito, e na área processual civil, com sacerdotal dedicação, vislumbrando a redenção, no ordenamento pátrio, de uma ordem jurídica justa, suplantando as aflições sociais e propondo-se a tornar o homem um pouco mais feliz. Espelham esse "agora" de reconstrução social-política-jurídica, especialmente, estudos inseridos na micro-sociologia da tutela judicial, no poder político do juiz, no princípio da intervenção mínima, nos direitos das futuras gerações, na ideologia mudancista. Por conseguinte e preconizada "crise do Poder Judiciário no Brasil" é face dessa era fértil, renovadora, empreendedora, valorizadora do papel do Estado-Juiz e das funções da Advocacia Pública. Se, por exemplo, em momento de infeliz inspiração, o magistrado monocrácito fixar horas o prazo para que o órgão da Administração cumpra a ordem judicial a representar prejuízo ao ente público de um milhão de reais, em temática de transferência de crédito tributário (a qual, uma vez concretizada, meios inexistirão a sua recuperação), e o Procurador consegue inibir a pretensão maliciosa do contribuinte com a sensatez de decisão superior, é porque há "aprimoramento". Nesses momentos, não raros, de desespero do defensor do interesse público, Judiciário e Advocacia Pública se aperfeiçoam, se completam. No Poder Judiciário, última e mais forte pilastra em defesa do cidadão e do interesse público, não pode haver "crise".

Consolidar as Instituições, prioritariamente a advocacia Pública que tão de perto toca o "bem comum", compartilhando da revitalização das várias áreas e segmentos políticos-sociais a comporem essa nova "Ordem Jurídica Justa", numa linha de cooperação homogênea e próxima com o funcionamento do Poder Judiciário, é "palavra de ordem" para remodelação do "Processo Civil Social". João Almino, Cônsul Geral do Brasil em São Francisco (EUA), em página memorável intitulada "Das Miragens do Paraíso à Construção do presente - por uma nova ordem política", instiga à responsabilidade, professando confiança na ideologia mudancista. São suas palavras:

     Parodiando a idéia final, para a Advocacia Pública frente ao Processo Civil, no labor por essa nova Ordem em construção, a "responsabilidade aumenta, pois além de cidadãos, temos por missão institucional a defesa do interesse público, e sobre as rançosas desconfianças da Administração Pública, tem o Advogado Público um mundo a construir".
 

BIBLIOGRAFIA

Extraído de: http://www.ite.com.br/revista/rev_23/rev_23_1.htm