A
EFICÁCIA DO PROCESSO FACE À CITAÇÃO EDITALÍCIA
I. AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS
Tal inovação
legislativa, de profunda coragem e com salutar caráter garantista,
foi justificada pelo diagnóstico de que a hipótese de citação
por edital "... leva à incerteza quanto ao conhecimento, pelo acusado,
da acusação a ele imputada, o que pode motivar a alegação
posterior, de cerceamento de defesa. Com efeito, os princípios da
ampla defesa e do contraditório, adotados no ordenamento jurídico
brasileiro, e a previsão da Constituição Federal de
que ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal (art. 5 º, LVI) conferem o respaldo legal
à nova pretensão do art. 366, ainda mais quando a ela se
acrescenta (§ 1 º) a autorização para que se produzam,
antecipadamente, as provas consideradas de maior urgência" (Justificação
à Mensagem n º 1.269, de 1994, do Poder Executivo).
II. SITUAÇÕES DE REVELIA NO PROCESSO PENAL PÁTRIO
A primeira
delas, talvez a mais frequente, verifica-se quando o réu, conquanto
interrogado durante as investigações preliminares à
ação penal, não é localizado, por motivo de
mudança, no endereço fornecido por ocasião de seu
interrogatório policial.
Outra hipótese,
também muito encontradiça no dia-a-dia do fórum, refere-se
à situação em que, desde o início das investigações
policiais, não se logrou descobrir o endereço ou o paradeiro
do investigado.
Não
raras vezes, outrossim, o réu, sabendo que contra ele instaurou-se
um processo criminal, deliberadamente foge para não ser alcançado
pela Justiça, ou, então, evita, com uso de subterfúgios
e com muita astúcia, ser pessoalmente citado, aguardando eventual
condenação para, ante a prova de que jamais deixou de residir
no endereço onde fora inicialmente procurado, obter, em grau de
recurso, revisão criminal, ou mesmo através de habeas corpus,
e com muito provável sucesso, a anulação do processo
por vício da citação promovida por edital.
Por último,
há a situação menos ocorrente em que o réu,
após ser regularmente citado, foge para evitar os efeitos decorrentes
da ação penal, ou simplesmente muda de endereço sem
informar o fato ao juízo processante.
Mostra-se evidente
que, nesta derradeira hipótese, nada mudará com a novel lei,
porquanto a citação do réu operou-se por mandado e
não por edital, devendo o processo, conseguintemente, seguir à
sua revelia.
Afigura-se,
por sua vez, elogiável a opção legislativa de suspender
o curso do processo quando ocorre alguma das duas primeiras situações,
nas quais a revelia do réu derivou quer de um mero comportamento
desidioso ou comodista - quando muda de endereço e não faz
a devida comunicação ao juízo processante - quer de
um total desconhecimento de que o Estado o processa criminalmente.
Com efeito,
aliando-se aos países de legislação processual moderna
e de inspiração democrática, corrige-se uma situação
que, a par de resvalar em garantias constitucionais do réu no processo
criminal, gerava toda uma atividade processual inútil, porquanto
de nada adiantava processar e condenar alguém que não tinha
conhecimento da acusação, se, ao cabo de toda a atividade
persecutória, a eficácia da prestação jurisdicional
dependia de ser o condenado preso por força de mandado judicial.
Parece-nos,
entretanto, que não se pode dar o mesmo tratamento àquelas
situações em que o réu foge ou evita a sua citação
pessoal, pois a suspensão do processo até que seja o réu
pessoamente citado premiará a sua astúcia, em prejuízo
do interesse estatal e societário em que a conduta ilícita
seja devidamente apurada. Em outras palavras, o Estado terá o exercício
de sua jurisdição penal sobrestada simplesmente porque o
réu, deliberadamente, "driblou" a lei penal, valendo-se de uma alternativa
criada pela lei instrumental.
Desafortunadamente,
o novo diploma legal não percebeu esta realidade, involuntariamente
estimulando, por consequência, a fuga e a chicana processual, e gerando,
ipso facto, a impunidade daqueles a quem a lei não procurou defender
(lembremo-nos da justificativa ao projeto de lei, em que se evidencia a
intenção de proteger os acusados que não têm
conhecimento de que estão sendo processados).
III. CITAÇÃO POR HORA CERTA ?
Deveras, observa-se
que o anacronismo do processo penal brasileiro engendra algumas perplexidades.
Pelo sistema não mais vigente, o réu que se ocultava para
não ser citado, ou que fogia, era "punido" com uma citação
ficta e uma condenação à sua revelia. Com o advento
da Lei 9.271/96, embora ainda citado por edital, passa a ser "premiado"
com a suspensão do processo. Será que a citação
com hora certa - forma de citação que, se não atende
plenamente à certeza do chamamento, confere uma dose razoável
de probabilidade do atingimento do fim daquele ato, infinitamente maior
da que decorre de um edital publicado, em pequenas letras, na imprensa
escrita - não constituiria um caminho alternativo para compatibilizar
os interesses do réu com os da sociedade, naquelas específicas
situações em que aquele se oculta para não ser citado,
ou que foge para não ser alcançado pela Justiça?
O fato é
que, na sistemática ora adotada pela recente lei, será muito
mais vantajoso àquele que não confia na sua própria
inocência furtar-se à lei, a exemplo do que já ocorre
há com os réus pronunciados por crimes dolosos contra a vida
inafiançáveis, cujo julgamento se condiciona à colaboração
do pronunciado em apresentar-se ao juízo da causa, ou à eficiência
da Polícia em capturar o foragido.
IV. INSTRUMENTOS ÚTEIS PARA A EFICÁCIA DO SISTEMA
Aparenta, contudo,
óbvio que a suspensão do prazo prescricional relativo ao
ilícito imputado ao réu não evitará que, dependendo
da duração da suspensão do processo, reste prejudicado
o encontro da verdade material, face à dificuldade de se reunirem
provas idôneas a lastrear a narrativa constante da peça acusatória,
ou mesmo a versão apresentada pelo réu. É evidente
que, após alguns anos, será muito pouco provável que
as eventuais testemunhas do delito, ou mesmo a vítima, consigam,
se ainda estiverem vivas ou se localizadas, recordar-se de um fato tão
longínquo no tempo. Logo, estará preservada, apenas, a prova
pericial ou documental eventualmente já colhida antes da suspensão
do processo, insuficientes, muitas das vezes, para firmar a convicção
judicial acerca do fato objeto da ação penal.
A sua vez,
também não será difícil imaginar o nonsense
jurídico de uma sentença condenatória prolatada após
longos anos de suspensão do processo, quando, então, já
terá a reprimenda penal se despido de todo o seu sentido pedagógico,
máxime naqueles casos em que o réu demonstrou comportamento
social adequado, sem qualquer outro registro criminógeno a caracterizá-lo
como merecedor de uma pena "perdida" no tempo.
Certamente
será muito mais fácil, doravante, postular e obter o encarceramento
cautelar do réu "para assegurar a aplicação da lei
penal" (dada a sua possível ineficácia e inutilidade se aplicada
muito tempo depois dos fatos) ou mesmo "por conveniência da instrução
criminal" (prejudicada enquanto durar a suspensão do processo).
No entanto, não se poderá esquecer que a restrição
da liberdade do cidadão é medida excepcional, adotada apenas
como ultima ratio, quando presente a necessidade imperiosa da medida
(periculum libertatis).
Minimizando
os efeitos deletérios dessa suspensão do processo, quer-nos
parecer, portanto, conveniente adotar-se uma interpretação
flexível da expressão "provas urgentes", de tal sorte a que
não apenas enquadremos nesse conceito aquelas provas ditas irrepetíveis,
mas também todas as provas que se revelarem passíveis de
um enfraquecimento pela ação do tempo, justificando, dessarte,
a sua produção ad perpetuam rei memoriam.
Nessa linha
de raciocínio, deve qualificar-se como prova urgente também
a testemunhal, já que, como ressaltado, o depoimento de uma testemunha
ocular, pela sua relevância e pelo risco de que venha a faltar ou
fragilizar-se com o tempo, não pode ser transferido para uma data
futura e incerta.
O fundamento
legal dessa produção antecipada da prova testemunhal seria
encontrada no artigo 225 do Código de Processo Penal ( ... receio
de que ao tempo da instrução criminal já não
exista ... - a testemunha), com apoio subsidiário no art. 92 do
mesmo Código, onde, acerca de questões prejudiciais, o legislador
qualificou a prova testemunhal também como urgente.
São
essas algumas das preocupações que nos ocorreu externar acerca
de uma das modificações introduzidas pela Lei no sistema
processual penal pátrio, e que hão de merecer acréscimos
ou críticas dos aplicadores do direito, em prol da otimização
e credibilidade da Justiça.
Rogério
Schietti Machado Cruz
Promotor de
Justiça do MPDFT
RETIRADO DE www.geocities.com/CapitolHill/Lobby/1647