Laércio Alexandre
Becker
Mestrando em
Direito Processual na Universidade Federal do Paraná
Versão de monografia
apresentada à disciplina "Origens Romano-Canônicas do Processo
Civil Moderno", dos Professores Ovídio A. Baptista da Silva e Luiz
Guilherme Marinoni, Curso de Mestrado, Setor de Ciências Jurídicas,
Universidade Federal do Paraná, 1° Semestre de 1995.
SUMÁRIO: 1. Apresentação;
2. Introdução à mitologia jurídica; 2.1. Mito
da neutralidade científica; 2.2. Mito da neutralidade do direito;
2.3. Mito da neutralidade do processo civil; 2.4. Mito da neutralidade
do Judiciário; 3. Neutralização política; 3.1.
A tripartição dos poderes; 3.2. A concepção
sistêmica; 3.3. Politização do juiz; 4. Neutralidade
do juiz na aplicação da lei; 4.1. Legalidade e legalismo;
4.2. A garantia da imparcialidade: mito ou possibilidade; 5. Neutralidade
do juiz na instrução; 5.1. O dogma do princípio dispositivo;
5.2. A face lúdica do processo civil; 5.3. Crítica da passividade
judicial na instrução do processo; 6. Antecipação
da tutela e neutralidade; 6.1. A ideologia do procedimento ordinário;
6.2. Origens romanas; 6.3. O problema da verdade na ciência; 6.4.
O problema da verdade no processo; 7. Para concluir; 8. Bibliografia.
1. APRESENTAÇÃO
"A venda sobre os olhos da Justiça não significa apenas que
não se deve interferir no direito, mas que ele não nasceu
da liberdade."
Theodor Adorno e Max Horkheimer
O presente trabalho tem por objetivo
uma análise crítica da polêmica questão da neutralidade
do juiz no processo civil. Se uma análise se pretende crítica,
antes de tudo é preciso que ela ao menos se reporte à Teoria
Crítica, de preferência à sua formulação
original, qual seja, a que resultou das pesquisas sociológicas e
filosóficas da Escola de Frankfurt. Por isso, nas páginas
seguintes será possível encontrar várias referências
a Max HORKHEIMER e Theodor W. ADORNO, que notoriamente lideraram o Institut
fur Sozialforschung, e apresentaram mais afinidades entre si do que com
outros grandes pensadores que, em determinados momentos, divergiram das
origens frankfurtianas, como Walter BENJAMIN, Herbert MARCUSE, Erich FROMM
e Jürgen HABERMAS.
A par das referências à
Escola de Frankfurt, será necessário, em algumas ocasiões,
buscar esclarecimentos em autores de outras correntes do pensamento filosófico,
como o estruturalismo (principalmente Jacques LACAN) e o pós-estruturalismo
(se é que há condições de colocar este rótulo,
ou qualquer outro, nas idéias de Michel FOUCAULT). Todas essas referências
(Escola de Frankfurt, LACAN e FOUCAULT), acabam traduzindo o evidente esforço
no sentido da interdisciplinariedade, já que a crítica à
neutralidade não se fará somente com argumentos intrassistemáticos,
mas também com aportes de autores que raramente figuram no discurso
jurídico.
Cuidou-se, entretanto, para que estes
aportes externos à Teoria Crítica não lhe fossem incompatíveis,
o que sem dúvida não é de todo difícil. Por
um lado, as referências a conceitos lacanianos tendem a abrir a perspectiva
psicanalítica sobre os pontos que se colocarão em questão,
sem fechar a perspectiva crítica, e mais: colocando em relevo as
mesmas e outras contradições daquilo que HORKHEIMER chama
de "teoria tradicional". Por outro lado, se Michel FOUCAULT apresenta divergências
em relação a HABERMAS, há que se ter em conta que
as críticas habermasianas foram feitas após a Teoria do Agir
Comunicativo - qual seja, quando HABERMAS já havia proclamado sua
independência em relação às formulações
originais da Escola -, e que a crítica de FOUCAULT é em muitos
aspectos complementar à desenvolvida por ADORNO e NIETZSCHE.
No campo processual, as referências
a CARNELUTTI, CHIOVENDA, CALAMANDREI e LIEBMAN se fazem por indispensáveis
em qualquer escrito sobre processo civil. Caso haja desconforto com relação
à presença de LUHMANN, há que se lembrar que, embora
sua concepção sistêmica, enquanto justificativa conformista
do estabelecido, mereça a crítica feita a partir do agir
comunicativo, é necessário que se recorde aquilo que há
eventualmente de pertinente em suas análises, na medida em que é
inegável que o processo civil ainda está marcado mais pela
instrumentalidade do que por Lebenswelt. Nos temas específicos,
outros processualistas despontam, conforme a área em que suas contribuições
mais se pronunciaram (principalmente BAPTISTA DA SILVA, MARINONI, BARBOSA
MOREIRA, DINAMARCO, CAPPELLETTI, etc). Não nos foi possível
olvidar outros juristas não identificados com o Processo Civil (v.g.,
ZAFFARONI e FARIA), mas cujas contribuições em suas respectivas
áreas foram de grande valia para uma crítica do processo
sob o prisma da sociologia da administração da Justiça.
O plano do trabalho desenvolve-se em
cinco momentos distintos, interligados pela crítica à neutralidade.
Num primeiro momento ("Introdução à mitologia jurídica"),
faz-se uma exposição dos mitos de neutralidade que assolam
a ciência, e por conseguinte, o direito, o processo civil e o juiz.
O que nos interessa mais diretamente é, se dúvida, o mito
da neutralidade do juiz, cuja análise se desdobra nos quatro momentos
seguintes. No segundo momento é preciso averiguar de que forma se
operou a neutralidade política da função jurisdicional,
o que sem dúvida nos remonta imediatamente à teoria da repartição
dos poderes e à questão, mais do que polêmica, da viabilidade
de um movimento de politização do juiz. Num terceiro momento,
deve-se pesquisar de que formas opera-se a neutralização
do juiz frente à aplicação da lei (qual seja, sua
vinculação ao legalismo), sob o argumento de que há
que se conservar sua imparcialidade diante da causa. O quarto momento é
reservado à verificação da neutralidade judicial no
que tange à fase instrutória do processo: trata-se do desvendamento
da face lúdica que o princípio dispositivo confere ao processo
civil e da crítica à passividade judicial diante das desigualdades
entre os litigantes. Num quinto momento, é preciso denunciar a omissão
judicial diante das possibilidades de antecipação da tutela,
quando a essa omissão está subjacente o mito de que o juiz
omisso é o juiz neutro, porque está serenamente em busca
da verdade. Para isso é preciso remontar às origens romanas
dessa ideologia, além de traçar algumas linhas sobre os problemas
que tem enfrentado a verdade, tanto na ciência em geral como no processo
em particular.
2. INTRODUÇÃO À
MITOLOGIA JURÍDICA
Existe o juiz neutro? Se acreditarmos
na neutralidade do juiz, precisamos acreditar na neutralidade do processo
civil, do direito e da ciência. Hoje é difícil acreditar
cegamente em todas essas neutralidades, sem incorrer em equívocos
graves, e até certa ingenuidade. Veremos, portanto, que é
impossível o juiz ser neutro, basicamente porque nem a ciência,
nem o direito, nem o processo civil estão isentos de ideologia.
Todas essas categorias foram dotadas de mitos, aperfeiçoados enormemente
pelo positivismo, donde costumam ser chamados "mitos positivistas da ciência".
Ora, perguntaria alguém: como o positivismo pode desenvolver mitos,
se ele próprio foi um movimento contra os mitos religiosos que obstaculizavam
o desenvolvimento da ciência? A resposta quem dá é
ADORNO: enquanto o positivismo critica a visão não-sistêmica,
contraditória, da totalidade, como sendo metafísica, como
"retrocesso mitológico, pré-científico, ele próprio
mitologiza a ciência em sua luta permanente contra o mito".
Antes de mais nada, o que é mito?
Comecemos com duas definições estruturalistas, uma no campo
psicanalítico, outra na antropologia, para então partirmos
para uma definição semiológica.
Na psicanálise de orientação
freudiana e método lingüístico-estruturalista (leia-se
LACAN), considera-se mito "a tentativa de dar forma épica ao que
se opera na estrutura". Nessa perspectiva, é o mito "que confere
uma fórmula transmitida na definição da verdade, porque
a definição da verdade não se pode apoiar senão
em si mesma, e é enquanto a palavra progride que ela a constitui".
Já na antropologia, ainda dentro
do movimento estruturalista, temos que Claude LÉVY-STRAUSS define
o mito enquanto linguagem, "mas uma linguagem que tem lugar em um nível
muito elevado, e onde o sentido chega, se é lícito dizer,
a decolar do fundamento lingüístico sobre o qual começou
rolando".
Luiz Alberto WARAT, já no plano
da semiótica, e pretendendo afastar-se do estruturalismo antropológico
e psicanalítico, faz uma brilhante síntese entre as categorias
mito e ideologia: "o mito é uma forma específica de manifestação
do ideológico no plano do discurso"; é "esteriotipação
semiológica da ideologia".
Com esta conceituação
de mito, percebemos a importância da ideologia na elaboração
dos mitos da neutralidade da ciência, do direito, do processo e do
juiz. Para a abordagem desses mitos, não podemos nos furtar ao desvendamento
ideológico que se fizer necessário, principalmente tendo
em vista que "o ponto de partida do pensamento crítico vem a ser
a questão da ideologia". A partir de agora, o esclarecimento do
perfil ideológico desses institutos implica na derrubada dos mitos
em que se erigiram suas pretensas neutralidades. Qual seja: é da
pretensa desideologização desses institutos que os juristas
têm haurido os fundamentos para uma concepção politicamente
asséptica de direito, jurisdição e ciência,
concepção essa que não passa de mito.
2.1. Mito da neutralidade
científica
Ainda tendo em mente a conceituação
de mito fornecida por WARAT, devemos insistir que o direito processual
civil, por influência basicamente positivista, vem normalmente cercado
de uma série de mitos. O primeiro deles é o mito da neutralidade
científica, qual seja: o mito de que a ciência está
livre de ideologias.
Por que a neutralidade científica
é um mito? Há duas respostas, que interligadas representam
duas faces da mesma moeda: 1) A neutralidade científica é
um mito porque, como "não há ciência pura, autônoma,
e neutra", pode-se dizer tranqüilamente que "o mito está muito
mais próximo da ciência do que se poderia esperar". 2) A neutralidade
científica é um mito porque no Ocidente o conceito de ideologia
"dissolveu-se no desgaste do mercado científico, perdendo todo o
seu conteúdo crítico e, portanto, a sua relação
com a verdade". Cabe perguntar, então, em face da resposta n°
2: por onde entra a ideologia na ciência? Ou melhor: quais são
as relações entre ciência e ideologia?
Há quem entenda que as relações
entre ciência e ideologia decorrem de um elemento ideológico
subjetivo existente no momento da cognição e interpretação
científicas. Nesse ponto é que, ao observar as relações
entre ciência, magia (enquanto falsa ciência, ou ciência
menor) e religião (em conflito de verdade com a ciência),
LACAN percebe que para o objeto da ciência, magia e religião
seriam somente sombras, mas não para o sujeito da ciência.
Já outros, como FEYERABEND, entendem
que a ideologia que permeia a ciência provém da ligação
entre ciência e Estado, e por isso chama de conto de fadas aquele
pelo qual "se a ciência encontrou método que transforma concepções
ideologicamente contaminadas em teorias verdadeiras e úteis, a ciência
não é [seria] mera ideologia, porém medida objetiva
de todas as ideologias." Ainda diante das relações entre
ciência e Estado é que GUSDORF afirma a utilidade da neutralidade
axiológica da ciência para o poder político de plantão:
afinal, é justamente essa neutralidade axiológica da ciência
que a torna predisposta a ser utilizada "pelo poder político para
todos os fins úteis ou inúteis, salutares ou nefastos".
Para esclarecermos melhor a questão
da neutralidade científica, devemos nos remeter ao célebre
debate ocorrido entre Karl POPPER e Theodor ADORNO em torno das teses sobre
a lógica nas ciências sociais. Embora nem POPPER se considerasse
um positivista de carteirinha, não há como negar sua proximidade
a certas conseqüências da concepção positivista
da ciência. Para POPPER, a ciência se desenvolvia através
de sentenças gerais nas quais se integram os fatos particulares
- o que é típico no direito. Para isso, haveria de respeitar
a lógica formal (indução-dedução), privilegiando
a dedução. No máximo, poderia acrescentar à
lógica formal uma "lógica situacional" (decorrente da "compreensão
objetiva" de WEBER), segundo a qual os elementos psicológicos em
questão sejam reduzidos ao exame da situação. A crítica,
para POPPER, deveria se limitar a demonstrar erros de dedução,
da montagem de hipóteses ou nos dados empíricos, pois o sujeito
do conhecimento não podia se envolver axiologicamente com o objeto
de seu conhecimento - o que lhe garantiria neutralidade e objetividade
científicas. Por essa ausência de juízos de valor,
o cientista devia apreciar somente o ser, e silenciar quanto ao dever ser
e ao poder ser.
ADORNO estabeleceu sua polêmica
com POPPER por este privilegiar o método no processo de conhecimento.
ADORNO contesta a neutralidade e objetividade científicas, que se
pretende através do rigor metodológico. Contesta até
mesmo a obtenção da verdade, pela preponderância dada
ao método. Para ADORNO, deve o teórico crítico não
perder a perspectiva do todo, evitar o fragmentarismo da crítica
nos moldes de POPPER, que é a mais freqüente entre os juristas:
a crítica dos erros isolados, ainda dentro do paradigma, não
a crítica do paradigma, feita "de fora para dentro". A crítica
deve ser, então, "o elemento que permeia todo o processo de conhecimento,
(...) sucitando uma atitude de desconfiança face ao conhecimento
como tal", sempre guiada pela perspectiva do todo e não da parte
(fato isolado). As fissuras e contradições do mundo real
significavam que nenhuma metodologia harmoniosamente concebida poderia
ser adequada ao seu objeto. As técnicas empíricas se limitam
à apreensão de algumas verdades limitadas. "O todo pode ser
o 'falso', mas ainda é necessário combinar abordagens de
forma a capturar suas dimensões fragmentadas. A combinação,
todavia, não poderia ser uma mediação uniformemente
unificada de abordagens, mas uma mediação de campo de força
ou de constelação que registrasse as tensões não-resolvidas,
ocultas sob a fachada da harmonia." ADORNO defende, frente a POPPER, uma
ciência social politicamente comprometida. "Isso se explica porque,
enquanto os popperianos afirmavam que os cientistas, numa 'sociedade aberta',
poderiam engajar-se na busca da verdade científica (ou, mais precisamente,
no falseamento do erro científico), ADORNO continuava a insistir
em que 'a idéia de verdade científica não pode ser
separada da idéia de uma sociedade verdadeira'." ADORNO não
perdoa o positivismo por não refletir sobre "a origem histórica
do seu pensamento", e por aceitar implicitamente "a divisão de trabalho
imposta pelas relações de produção capitalista,
refugiando-se em suas subáreas do saber" (que de per si configuram
reflexos da divisão do trabalho), ignorando que atende a "interesses
políticos específicos e que se presta à apropriação
de poderes econômicos e políticos que desconhece", "ignorando
as relações de troca e os interesses de lucro e dominação
que condicionam e manipulam sua própria área de saber": a
ciência - exatamente o que ocorre no direito. Interessante notar
o amplo leque de perspectivas que poderiam abrir essa concepções
de ADORNO sobre o problema do conhecimento científico e seu método,
se projetados para o campo do processo civil - em especial, no que tange
à cognição no processo.
Pelo mito da neutralidade científica,
busca-se evitar a consciência crítica dentro da ciência,
sob a alegação de que crítica é subjetivismo.
Entretanto, ciência sem espírito crítico não
passa de mera duplicação da Realidade no pensamento. Não
há subjetivismo na crítica quando ela significar "o confronto
da coisa com seu próprio conceito (...), e quem não compara
as coisas humanas com o que elas querem significar, vê-as não
só de uma forma superficial mas definitivamente falsa."
O conhecimento científico não
é puro, livre de interesses externos, ao contrário do que
se pretende pelo mito da neutralidade científica. Por isso é
que HABERMAS fala no binômio conhecimento-interesse, encarando o
interesse como guia do conhecimento: "a partir das experiências do
dia-a-dia, sabemos que as idéias servem muitas vezes bastante bem
para mascarar com pretextos legitimadores os motivos reais das nossas ações.
O que e a este nível se chama racionalização chamamos-lhe,
no plano da ação coletiva, ideologia." Estando o conhecimento
(científico) condicionado ao interesse, não há como
esquecer a advertência de NIETZSCHE, para quem "não há
ciência incondicional; tal ciência é absurda, paralógica:
a ciência supõe uma filosofia, uma fé que lhe dê
direção, finalidade, limite, método, direito à
existência," caso contrário estará entregue tão
somente às ideologias.
Ao contrário de todos os autores
citados acima, para FOUCAULT a influência da ideologia sobre o discurso
científico e o funcionamento ideológico das ciências
não se articulam no nível de sua estrutura ideal (ADORNO),
nem no nível de sua utilização técnica em uma
sociedade (HABERMAS, GUSDORF), nem no nível da consciência
dos sujeitos que a constroem (LACAN), mas sim no nível em que a
ciência se destaca sobre o saber. Assim, a questão da ideologia
proposta à ciência "é a questão de sua existência
como prática discursiva e de seu funcionamento entre outras práticas".
Se a neutralidade científica
em si já é questionável, quanto mais a neutralidade
científica do direito, cujo caráter científico também
é questionável. Na verdade, já os romanos viam no
direito a prudência em vez da jurisciência. Essa perspectiva
a-científica de prudência e arte foi retomada, com maior vigor
retórico, por KIRCHMANN, tendo passado inclusive por RIPERT, chegando
a autores da atualidade, para se concluir, em recente estudo com base em
FOUCAULT, que o direito é saber destituído de real cunho
científico, pois busca seus fundamentos em outras ciências,
apesar de insistentemente afirmar sua autonomia.
Por outro lado, há que se considerar
a advertência feita por José Eduardo FARIA, para quem o dilema
"hamletiano" do direito, de ser arte ou ciência, deve ser posto da
seguinte forma: direito-arte significa direito enquanto "tecnologia de
controle, organização e direção social", ao
passo em que direito-ciência deve significar direito enquanto "atividade
verdadeiramente científica, eminentemente crítica e especulativa",
que exige uma abordagem, entre outras coisas, "sobre a natureza ideológica
de toda e qualquer ordem jurídica".
2.2. Mito da neutralidade do direito
O mito da neutralidade do direito caiu
por terra no momento em que ficou bem claro seu caráter ideológico.
O direito está tão eivado de características ideológicas
que há autores que fazem uma completa identificação
entre direito e idologia. Por exemplo, Roberto A.R. AGUIAR afirma categoricamente
que "falar de direito e ideologia é tautológico", pois o
direito "é a expressão mais alta da tradução
ideológica do poder", qual seja: "é a ideologia que sanciona,
é a linguagem normativa que instrumentaliza a ideologia do legislador
ou a amolda às pressões contrárias, a fim de que sobreviva".
Aliás, Luiz Fernando COELHO afirma ser fácil "verificar que
a ideologia é o próprio direito, o qual se mantém
como instrumento de ocultação daquela estrutura real e, mais
ainda, de manipulação do imaginário social no sentido
de manter como legítima a distribuição de quotas de
poder na sociedade". Também Antônio Carlos WOLKMER faz essa
identificação, ao definir o direito como "a projeção
lingüístico-normativa que instrumentaliza os princípios
ideológicos e os esquemas mentais de um determinado grupo social
hegemônico".
Embora esses e vários outros
autores tenham reforçado essa identificação entre
direito e ideologia, há que se ressaltar que a noção
de ideologia não é unívoca, tanto que Raymond GEUSS
fala em três sentidos de ideologia: descritivo, pejorativo e positivo.
Tendo em vista essa pluralidade de sentidos da palavra ideologia, além
da notória "anemia semântica" da palavra direito, Juan Ramon
CAPELLA diz que pode trazer equívocos "afirmar-se que o direito
é ideológico", e é preocupado em evitar esses eventuais
equívocos que o autor espanhol desenvolveu seu polêmico texto.
Clèmerson Merlin CLÈVE
prefere encarar o direito não como mero "instrumento ideológico
a serviço da dominação da classe dominante", mas sim,
como espaço de lutas, entre a visão do direito sob a perspectiva
das classes dominantes e a das classes desfavorecidas. Entende que a compreensão
do direito enquanto espaço de lutas serve a uma nova compreensão
do jurídico. É nesse sentido que podemos entender a ordem
jurídica enquanto espaço principal em que o capitalismo busca
nas teses contrárias elementos de reforço à sua resistência.
Por outro lado, enquanto o direito se
utiliza da ideologia e vice-versa, a ideologia, enquanto justificação,
se utiliza da categoria jurídica da justiça, na medida em
que pressupõe "quer a experiência de uma condição
social que se tornou problemática e como tal reconhecida mas que
deve ser defendida, quer, por outra parte, a idéia de justiça
[grifo nosso] sem a qual essa necessidade apologética não
subsistiria e que, por sua vez, se baseia no modelo de permuta de equivalentes".
2.3. Mito da neutralidade do processo
civil
Se o direito não está
livre de ideologias - isto é, se sua neutralidade não passa
de mito -, o mesmo pode ser dito do direito processual civil.
A doutrina insiste em proclamar a "neutralidade
do instrumento processual", o qual seria "um mecanismo que serve para chegar
à verdade do fatos" e que "deve prescindir da qualidade das partes"
ou seja, "do tipo de sujeitos que estão em juízo." Entretanto,
como diria Mauro CAPPELLETTI, essas afirmações teriam sido
compreensíveis e aceitáveis há um século atrás,
mas não hoje.
Segundo Cândido DINAMARCO, a consideração
de que o processo civil seria um mero instrumento técnico e que
o direito processual civil seria uma ciência ideologicamente neutra
"é, na realidade, sobrecapa de posturas ou intuitos conservadores."
Mas o próprio caráter instrumental do processo civil - objeto
recorrente das considerações de DINAMARCO - presta-se à
sua vinculação a ideologias. Tanto assim se passa que CAPPELLETTI
afirma que é justamente a instrumentalidade a grande porta por onde
as ideologias penetram o processo civil.
A doutrina tem buscado soluções
para que essa instrumentalidade não se traduza em tutela jurisdicional
de quaisquer interesses - com o que se compararia à razão
instrumental tão criticada pela Escola de Frankfurt, à qual
contrapunha a razão emancipatória. Para tanto, a doutrina
procura vincular o processo a escopos políticos e sociais, além
do jurídico - basicamente, é a tese de DINAMARCO. Em que
pese os méritos da difícil empreitada, podemos dizer, seguindo
HABSCHEID que não é o suficiente, pois "o escopo do processo
civil liberto de toda ideologia, no sentido de sua determinação
formalista, ou, então, empírica, não oferece proteção
alguma contra um abuso político do direito processual civil."
2.4. Mito da neutralidade do Judiciário
Ninguém está imune à
ideologia. Segundo Wilhelm REICH, mesmo numa perspectiva psicanalítica,
ninguém estaria imune à ideologia porque é na família,
célula ideológica da sociedade, que se transmite a ideologia
patriarcal burguesa através do recalcamento sexual (dupla moral,
Édipo, etc.), "um dos pilares das numerosas ideologias conservadoras".
Não existe o juiz neutro, pois
não está imune às ideologias. Conforme assinala ZAFFARONI,
"o juiz não pode ser alguém 'neutro', porque não existe
a neutralidade ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo,
ou decadência do pensamento, que não são virtudes dignas
de ninguém e menos ainda de um juiz." O magistrado João Baptista
HERKENHOFF, com base em pesquisa realizada em Vitória e no interior
do Espírito Santo, nos anos 70, afirma que "a ideologia dos juízes
é assinalada por moderado conservadorismo, zelo pela ordem, senso
de legalidade, preferência pelo formal e solene". Nos capítulos
subseqüentes trataremos mais detalhadamente do mito da neutralidade
do juiz. Por enquanto, deter-nos-emos em questões preliminares que
envolvem o Poder Judiciário.
Pode-se falar em ideologia do Judiciário?
Segundo FOUCAULT, o "aparelho judiciário teve efeitos ideológicos
específicos sobre cada uma das classes dominadas. Há em particular
uma ideologia do proletariado que se tornou permeável a um certo
número de idéias burguesas sobre o justo e o injusto, o roubo,
a propriedade, o crime, o criminoso."
"O tribunal, arrastando consigo a ideologia
da justiça burguesa e as formas de relação entre juiz
e julgado, juiz e parte, juiz e pleiteante, que são aplicadas pela
justiça burguesa, parece-me ter desempenhado um papel muito importante
na dominação da classe burguesa. Quem diz tribunal, diz que
a luta entre as forças em presença está, quer queiram
quer não, suspensa; que, em todo caso, a decisão tomada não
será o resultado deste combate, mas o da intervencão de um
poder que lhes será, a uns e aos outros, estranho e superior; que
este poder está em posição de neutralidade entre elas
e, por conseguinte, pode, ou em todo caso deveria, reconhecer, na própria
causa, de que lado está a justiça."
Mesmo a arquitetura do Forum pode ser
uma decorrência da ideologia do Judiciário. Segundo FOUCAULT,
até o final do século XVIII a arquitetura "respondia sobretudo
à necessidade de manifestar o poder, a divindade, a força",
e a partir de então, "trata-se de utilizar a organização
do espaço para alcançar objetivos econômico-políticos".
Nesse sentido, FOUCAULT refere-se até mesmo à "disposição
espacial do tribunal, a disposição das pessoas que estão
em um tribunal", que "pelo menos implica uma ideologia".
Observe-se a imagem que a população
faz do Judiciário - que não tem sido das melhores principalmente
no que se refere às diferenças de tratamento entre ricos
e pobres. As pesquisas a respeito apresentam números eloqüentes.
Senão, vejamos.
Em pesquisa realizada no interior do
Espírito Santo em 1975, 27,8% dos entrevistados achavam que a Justiça
nunca tratava ricos e pobres com igualdade. Esse número aumenta
para 61,4% quando a mesma pergunta foi feita na capital.
Vinte anos depois, em pesquisa feita
pelo Instituto Vox Populi, na qual foram ouvidas 3.075 pessoas distribuídas
entre as cinco regiões do país, foi possível chegar
a conclusões já esperadas, com relação à
neutralidade do Judiciário. Apesar de já esperadas as conclusões,
os números impressionam: para 80% dos entrevistados, a Justiça
é mais rigorosa para os pobres do que para os ricos, e para 61%,
é mais rigorosa para os negros do que para os brancos.
Por isso já dizia MENGER, há
muito tempo, que não é de surpreender "que las clases pobres
de todos los Estados civilizados miren con gran desconfianza la administración
de la justicia civil. Paréceles ésta como un sistema de argucias
jurídicas, en el cual el espíritu del individuo sencillo
no puede penetrar."
3. NEUTRALIZAÇÃO POLÍTICA
Até aqui, percebe-se que a preocupação
fundamental do presente texto é com a neutralidade, e não
com a imparcialidade do juiz. Juiz neutro, como vem sendo insistentemente
repetido, não existe, pois não há como se desvincular
das ideologias. Já a questão do juiz imparcial refere-se
ao favorecimento a uma das partes, e sem dúvida nenhum processualista
sério poderia defender a figura do juiz parcial. O fato do juiz
não ser neutro não implica necessariamente em sua parcialidade
diante da causa, mas muitas vezes hemos de convir que há relações.
Qual seja, sua ideologia acabará muitas vezes se refletindo na direção
do processo e na decisão (em que a ideologia de esquerda reflete
uma maior condescendência com a parte economicamente mais fraca,
e vice versa).
Como a ausência de neutralidade
muitas vezes implicará na parcialidade do juiz, é melhor
não tratarmos das duas categorias, neutralidade e imparcialidade,
separadamente, embora primeiramente analisaremos a questão da neutralização
política do juiz.
A doutrina tradicional entende que a
maior garantia de imparcialidade do juiz é a separação
entre o momento legislativo e o jurisdicional - a separação
dos poderes. E isso por dois motivos: no momento legislativo, o legislador
obedece a critérios políticos sem ter como prever quais serão
as pessoas prejudicadas ou beneficiadas pela lei (!); por outro lado, no
momento jurisdicional, ao caso concreto o juiz só pode aplicar a
lei, sem modificá-la por motivos pessoais como simpatia ou hostilidade
a qualquer das partes. É essa a justiça simbolizada com venda
nos olhos.
Diante dessa exigência de imparcialidade,
CALAMANDREI pergunta se é humanamente possível ao juiz sentir-se
imparcial diante de um litígio no qual se encontram os mesmos interesses
coletivos da vida política da sociedade, da qual o mesmo juiz faz
parte. Em outras palavras, como pode o juiz que, enquanto cidadão,
participa dos conflitos políticos de sua sociedade, sentir-se imparcial
diante de uma projeção in vitro desses conflitos, no caso
individual que deverá julgar? E mais: reforçando observação
semelhante de CAPOGRASSI, CALAMANDREI pergunta como pode sentir-se imparcial
o juiz diante de questões que envolvem a ordem, a propriedade, a
vida e o pensamento.
Diante dessas questões, o processualista
italiano entende que a neutralidade e mesmo "imparcialidade política"
do juiz é mais aparente que real.
Quarenta anos depois, Márcio
PUGGINA afirma que sob o pretexto de se exigir a imparcialidade do juiz,
o sistema acaba por exigir dele uma postura não ideológica
e apolítica. Na verdade, segundo o juiz do Tribunal de Alçada
do Rio Grande do Sul, confunde-se imparcialidade na condução
do proceso, com neutralidade política no exercício da função
jurisdicional. Enquanto condutor do processo, deve ser imparcial, já
no momento da sentença o juiz se parcializa, pois "a sentença
que dá pela procedência (total ou parcial) ou improcedência
da ação é ato por excelência de parcialização
do Juiz frente à causa."
"Nenhum cientista político, com
um mínimo de seriedade, ousaria afirmar que os membros do Poder
Judiciário são apolíticos. Isto soaria tão
absurdo quanto a ciência afirmar que os religiosos, aos quais se
impõe o dever de castidade, são assexuados."
Para Cláudio SOUTO, diante da
exigência de neutralidade política, o juiz imparcial torna-se,
"por um cruel paradoxo, o servidor fiel - embora freqüentemente inconsciente
disso - dos intereses dos donos do poder econômico e do poder político,"
pois na verdade "não se pode pretender do juiz - ou de quem quer
que seja - uma neutralidade ideológica absoluta, pois isso seria,
paradoxalmente, ideológico."
O ius-sociólogo pernambucano
vê a raiz do problema no ensino jurídico convencional, que
em virtude de uma "cegueira secundum legem", conduz "a uma parcialidade
real dos efeitos da atuação do poder judiciário. Já
que a missão do juiz não era criar regras, mas aplicá-las,
teria de aplicar regras que beneficiam, sem qualquer imparcialidade, muito
mais aos detentores do poder econômico e do poder político
que todas as outras pessoas da sociedade."
3.1. A tripartição
dos poderes
Pode-se dizer que o mito da neutralidade
do juiz pode ser situado tanto no Direito Romano quanto na Revolução
Francesa. Em Roma, o iudex apenas decidia, sem dar ordens às partes,
pois esta era a função do praetor - esse assunto está
abordado infra. No momento, referir-nos-emos à Revolução
Francesa enquanto fato político determinador da idéia de
neutralidade política do juiz, a partir do momento em que a Assembléia
determinou que os juízes - do Rei - não poderiam julgar a
legalidade dos atos revolucionários, o que acabou isolando politicamente
o Judiciário.
Tércio Sampaio FERRAZ JR. entende
que a neutralização política do Judiciário
é conseqüência da divisão dos poderes e espinha
dorsal do Estado de direito burguês. A teoria clássica da
tripartição dos poderes, com a finalidade de implodir o sistema
mono-hierárquico do Ancien Régime, acaba por garantir uma
progressiva separação entre política e direito. Na
concepção de MONTESQUIEU, que na verdade não era de
separação, mas de inibição de um poder pelo
outro, coube ao Judiciário o papel com menor força política
- por isso mesmo teria dito que "dos três poderes mencinados, o de
julgar é em certo modo nulo".
A partir de então, a neutralização
política do Judiciário assume grande importância para
a consolidação do Estado burguês. Como frisa Tércio
FERRAZ JR., tal neutralização política "assinalará
a importância da imparcialidade do juiz e o caráter necessariamente
apartidário do desempenho de suas funções."
Juntamente com a neutralização
do Judiciário, ocorreu uma desvinculação entre o direito
e suas bases sociais (pois passou-se ao privilégio da lei enquanto
fonte de direito), como exigência da separação entre
direito e moral (KANT). Com esse legalismo é reforçada ainda
mais a neutralidade política do Judiciário, pois exige-se
do juiz o método da subsunção, para aplicação
da lei: "neutraliza-se para o juiz o jogo dos interesses concretos na formação
legislativa do direito (se esses interesses serão atendidos ou decepcionados
não é problema do juiz, que apenas aplica a lei)."
Tércio FERRAZ JR., contudo, não
vê a neutralização política do Judiciário
como um tipo de "indiferença genérica", mas uma "indiferença
controlada" às expectativas de influência. Logo, essa neutralização
política não seria capaz de imunizar de fato o Judiciário
às pressões políticas, posto que está direcionada
tão somente ao nível das expectativas institucionalizadas.
Na verdade, o levantamento da questão das expectativas revela o
viés sistêmico adotado pelo ilustre jurista, como veremos
a seguir.
3.2. A concepção sistêmica
Pela construção sistêmica
luhmanniana, cujo fiel seguidor no Brasil é Tércio FERRAZ
JR., diz-se que a jurisdição apresenta uma função
instrumental, de aplicação de normas preestabelecidas abstratamente
na lei, e uma função expressiva, de satisfação
das necessidades concretas por meio da subsunção. Assim,
para a concepção liberal, a combinatória das duas
funções, instrumental e expressiva, é garantida pelo
papel instrumetal do juiz que, caracterizado pela neutralidade (distância
das partes, imparcialidade, serenidade, posição dominante
mas apartidária), torna-se o instrumento capaz de realizar a divisão
dos poderes.
"Nesse sentido, o processo judicial
deve ser funcional, enquanto um sistema capaz de determinar o futuro na
medida em que o mantém incerto, isto é, os procedimentos
jurisdicionais permitem que os atingidos por decisões vivenciem
um futuro incerto (a realização abstrata da segurança
jurídica), mas sentido-se seguros, desde o presente, por força
dos procedimentos nos quais se engajam."
Nesse passo, disse LUHMANN que o procedimento
torna-se irrelevante se as decisões concretas e únicas existem
e podem ser encontradas, pois "a certeza da decisão não depende
da forma como foi alcançada. O procedimento, como sistema social,
só tem um espaço de manobra de desenvolvimento por motivo
da existência da incerteza em questões de direito e de verdade
e só na medida do alcance dessa incerteza."
"Antes encarava-se o direito como uma
expectativa ética de padrão de comportamento, predeterminado
por valores-fins, donde o juízo como um ato da razão e a
jurisdição como uma atividade decorrente da virtude da justiça;
agora o direito é visto como um programa funcional, hipotético
e condicional, donde uma certa automaticidade do julgamento, que se libera
de complicados controles de finalidades de longo prazo e se reduz a controles
diretos, caso a caso. Só assim é possível lidar-se,
no Judiciário do Estado de direito burguês, com altos graus
de insegurança concreta de um forma suportável: a segurança
abstrata, como valor jurídico, isto é, como certeza e isonomia,
é diferida no tempo pela tipificação abstrata dos
conteúdos normativos e pela universalização dos destinatários,
aparecendo como condição ideologicamente suficiente para
a superação das decepções concretas que as
decisões judiciais trazem para as partes."
À teoria dos sistemas há
várias críticas, entre as quais podemos elencar: "conservadorismo
implícito e dificuldade de conceptualizar os processos históricos;
seu conformismo explícito, ao postular, como comportamento social
mais adequado, aquele institucionalizado pelo sistema; seu positivismo
disfarçado, ao atribuir ao que é, valor superior ao que deixou
de ser, e poderia vir a ser" [grifos nossos]. Por hora é preciso
frisar que a concepção luhmanniana tem por conseqüência
um isolamento histórico do processo - bem como do direito - frente
ao processo histórico global, o que pode denotar alienação
tanto da ciência quanto dos cientistas. Diz LUHMANN expressamente
que "para o caráter metódico do procedimento e sua relativa
autonomia é significativo, que cada processo tenha a sua própria
história, que se difencia da história geral."
Se procuramos fazer uma abordagem crítica
do processo, é óbvio que tal concepção não
poderia escapar a, no mínimo, duas observações. A
primeira pode ser encontrada em HORKHEIMER, e serve de advertência
àqueles que pensam que um esforço crítico pode ser
satisfeito com histórias individuais - como pretendeu LUHMANN, tempos
depois. Para o fundador da Escola de Frankfurt, "a tarefa da reflexão
crítica não é simplesmente compreender os diversos
fatos em seu desenvolvimento histórico - e mesmo isso tem implicações
incomensuravelmente maiores do que o escolasticismo positivista jamais
sonhou - mas também ver através da noção do
próprio fato, em seu desenvolvimento e, portanto, em sua relatividade"
[grifo nosso].
A segunda observação extraímos
de Plauto Faraco de AZEVEDO, que ressalta as conseqüências da
visão do direito como ser em si mesmo, isolado do processo histórico
global. Segundo o professor do Rio Grande do Sul, tal visão confere
ao direito e ao processo uma pretensão de neutralidade que é
na verdade alienante, posto que se orienta "por uma ideologia que, no fundo,
outra coisa não pretende além da manutenção
do status quo, ainda que possa ele ser, ou efetivamente seja, insustentável."
3.3. Politização do
juiz
É claro que, para solucionar
a questão da neutralização política do Judiciário,
costuma ser proposta a politização do juiz.
Em que pese as interessantes conclusões
(embora de cunho conservador) sobre a neutralização política
do juiz, a que chegou Tércio FERRAZ JR. por intermédio da
teoria luhmanniana, o ilustre jurista permanece fiel a esse conservadorismo,
ao negar validade à politização do juiz. Para ele,
a neutralização política do Judiciário acaba
sendo necessária para mantê-lo como um regulador do uso político
da violência pelo Executivo. Outrossim, entende que com sua politização,
o Judiciário pode acabar enveredando pelas figuras odiosas do juiz-justiceiro
e dos tribunais de exceção, todos eles manipulados pelo "marketing
das opiniões" e pelo jogo de interesses.
"A neutralização política
do Judiciário é que institucionaliza a prudência como
uma espécie de guardião ético dos objetos jurídicos.
Ora, com a politização da Justiça tudo passa a ser
regido por relações de meio e fim. O direito não perde
sua condição de bem público, mas perde o seu sentido
de prudência, pois sua legitimidade deixa de repousar na concórdia
potencial dos homens, para fundar-se na coerção da eficácia
funcional. Ou seja, politizada, a experiência jurisdicional torna-se
presa de um jogo de estímulos e respostas que exige mais cálculo
do que sabedoria. Segue-se daí uma relação tornada
meramente pragmática do juiz com o mundo. Pois, vendo ele o mundo
como um problema político, sente e transforma sua ação
decisória em pura opção técnica, que deve modificar-se
de acordo com os resultados e cuja validade repousa no bom funcionamento."
Até mesmo Mauro CAPPELLETTI mostra-se
preocupado diante do que pode acontecer às idéias tradicionais
a respeito do juiz neutro e apolítico - qual seja, a respeito de
suas virtudes passivas - quando se fala em politização e
responsabilidade do juiz. Para o processualista italiano, não há
como se negar o perigo emergente da hipótese de politização
dos juízes, embora "ignorar o problema equivaleria a fechar os olhos
para a realidade, tal como fizeram e fazem os tradicionalistas, que só
querem ver o aspecto técnico e formal do fenômeno jurisdicional."
Apesar de todas essas ressalvas, Tércio
FERRAZ JR. não se mostra completamente inflexível à
questão da neutralidade política do juiz, principalmente
em se tratando dos chamados "novos direitos". Entende mesmo que com o surgimento
dos direitos coletivos, difusos e sociais (cujo caráter, para ele,
não é meramente normativo, mas sim promocional prospectivo),
cabe ao Judiciário ir além da responsabilidade condicional
do juiz politicamente neutro (que apenas julga), partindo para uma responsabilidade
finalística do juiz repolitizado, desneutralizado (que examina "se
o exercício discricionário do poder de legislar conduz à
concretização dos resultados objetivados"), e que na verdade
acaba assumindo uma função socioterapêutica.
Eugenio Raúl ZAFFARONI não
discorda que o juiz não possa corresponder às ordens de um
partido político, o que seria anedótico numa sociedade democrática.
Entretanto, entende que "é insustentável pretender que um
juiz não seja cidadão, que não participe de certa
ordem de idéias, que não tenha uma compreensão do
mundo, uma visão da realidade (...), por pífia e errada que
possa ser julgada."
"Um juiz não é parcial
porque tenha uma filiação política, mas porque depende
para sua nomeação, permanência, promoção
e demissão de um partido político ou de um grupo de poder."
4. NEUTRALIDADE DO JUIZ NA APLICAÇÃO
DA LEI
4.1. Legalidade e legalismo
Como foi brevemente referido supra,
o princípio da legalidade - a partir do momento em que está
inserido na problemática tripartição dos poderes -
tem sido utilizado como argumento para a garantia de imparcialidade do
juiz. Acontece que, segundo CALAMANDREI, para os processualistas, justiça
tem significado, até hoje, tão somente legalidade: aos fatos
determinados conforme a verdade apurada, deve ser aplicada a lei, seja
ela boa ou má. Com isso, querem dizer que os questionamentos relativos
à eficácia social da lei e à sua eqüidade (se
é justa ou injusta), não são passíveis de apreciação
pelo processualista. Isso porque o processualista deve apenas estudar os
métodos de que o juiz se utilia para traduzir em verdade material
a verdade abstrata da lei, contudo, tomando o cuidado de não se
pronunciar sobre os valores sociais e humanos dessa vontade abstrata.
... "se la imparzialità è
un requisito inseparabile dall'idea stessa di giudice, non ugualmente è
indispensabile, perchè si abbia un giudice, che esso sia chiamato
a decidere secundum leges. Il giudizio secundum leges è uno dei
modi, il più perfezinato e 'razionalizzato', di far giustizia."
Mas, conforme refuta o próprio
processualista italiano, ainda que assim fosse, qual seja: ainda que o
escopo do direito processual civil fosse tão somente o de traduzir
as leis abstratas em legalidade concreta, esse escopo jamais poderia projetar-se
sobre os estudos dos processualistas, eclipsando as demais questões
que ele deverá analisar. Ademais, no sistema da legalidade, se o
juiz não é politicamente parcial, ao menos a lei o é,
posto que configura normalmente a síntese de uma luta política,
com o triunfo de uma corrente política.
Bom tempo antes, já se dizia
na Escola do Direito Livre (frontal e notoriamente contra os rigores da
legalidade) que a parcialidade não era fruto da má vontade
dos juízes, mas sim do "puro desconocimiento de los hechos sociales
y concepciones y de ingenuos prejuicios de clase que radican precisamente
en aquel desconocimiento y que con él puden ser excusados." Por
isso KANTOROWICZ entende que o lema do juiz deve ser: especialista dos
fatos, não mago das disposições jurídicas.
Nota-se que, com isso, a Escola refutava a legalidade enquanto método
de preservação da imparcialidade do juiz, pois ele, enquanto
"mago das disposições jurídicas", não teria
como conhecer os fatos sociais e problemas de classe, e esse desconhecimento
fatalmente implicaria em parcialidade.
Mesmo Tércio FERRAZ JR., ainda
dentro daquela concepção sistêmica de que tratamos
supra, admite que a vinculação do juiz à lei, base
da sua neutralização, tem gerado "para o homem comum um tipo
de insegurança até então insuspeitado: a insegurança
gerada pelo próprio direito!"
Hoje, superadas em parte as questões
do desconhecimento ou má vontade (KANTOROWICZ), da insegurança
jurídica (FERRAZ JR.) e do processo enquanto estudo da subsunção
(CALAMANDREI), há estudos que visam denunciar o caráter ideológico
da exigência de rigorosa legalidade na jurisdição como
método garantidor da imparcialidade do juiz.
Nessa nova linha, temos atualmente que
ao ficar adstrito à ordem jurídica, o juiz se limita a "aplicar
a ideologia vigente, no máximo reinterpretando-a e atualizando-a".
Ampliando a crítica de CALAMANDREI ao caráter falsamente
apolítico da lei, pode-se perceber que "o juiz que abre mão
de ditar a norma justa ao caso concreto, para aplicar lei injusta (...),
abre mão da essência da função judicante e submete-se
ideológica e politicamente ao legislador." Com isso podemos concordar
com Márcio PUGGINA que "nada mais longe da neutralidade do que o
Juiz positivista".
Também nessa linha, afirma Clèmerson
Merlin CLÈVE que o discurso mistificador da neutralidade serve justamente
para juízes camuflarem suas preferências, já que "na
verdade, aplicam o direito tal como o compreendem, ajustando-o à
sua professada ideologia, todavia argumentando que o fazem com apoio unicamente
na lei."
"Pior, todavia, do que o que pretende
decidir ocultando a sua ideologia é aquele que decide ideologicamente
imaginando que age de modo neutro, imparcial e coerente com a verdade.
(...) Este juiz é perigoso, porque age ideologicamente, acobertando
certos interesses com a plena convicção de que não
fez mais do que aplicar a lei. Mas, de que modo foi aplicada a lei? A compreensão
literal do texto normativo nem sempre significa plena compreensão
do direito."
Exemplo eloqüente de juiz que se
pretende neutro por se apoiar exclusivamente na lei, sem considerar as
conseqüências políticas de suas decisões, é
o da recente chacina de posseiros em Rondônia. O juiz Glodner Luiz
Paoletto afirma ter "a consciência tranqüila", pois teria agido
dentro da lei, e que não aceitava ser usado "politicamente, como
bode expiatório". Com esse tipo de atitude, o eminente julgador
não nota o caráter político de sua decisão,
recusa-se a aceitar o nexo causal entre a "legalidade" da decisão
e as suas conseqüências nefastas, e identifica sua responsabilidade
política com uma falsa condição de "bode expiatório"
da mídia e da opinião pública.
Nota-se, pela exposição
supra, o caráter ideológico da tese de que só o legalismo
pode garantir a neutralidade do juiz. Assim é que a afirmação
de que a estrita vinculação à lei torna o juiz neutro
não passa de uma falácia, que a rigor serve basicamente para
consolidar a estratificação social e seus desníveis,
o modo de produção e os aparelhos repressivos do Estado,
enfim: o status quo.
4.2. A garantia da imparcialidade:
mito ou possibilidade?
Além do legalismo (supra), outra
forma que a doutrina tradicional encontrou para torná-lo imune às
paixões e pressões no momento da aplicação
da lei (não só na sentença, mas também no curso
do processo), é a garantia de sua imparcialidade. Mas a questão
que podemos colocar - sem perspectivas nítidas de resposta satisfatória
a todos - é a seguinte: seria a imparcialidade mais um mito dentro
do quadro geral de mitos que vem sendo exposto nesse trabalho? ou é
possível garantir efetivamente sua imparcialidade? e como?
O problema da imparcialidade dos juízes
foi objeto de preocupação de todas as épocas. No Direito
Romano Clássico, a solução foi buscada através
da eleição do praetor e da escolha do iudex pelas partes.
Caso o iudex agisse com parcialidade, lesionando dolosa ou culposamente
uma das partes - diziam os romanos: "fazendo sua a lide" -, havia uma ação
específica de responsabilização do iudex: a actio
si iudex litem suam fecerit.
Como lembra CALAMANDREI, historicamente
a imparcialidade é a qualidade que tem-se mostrado inseparável
da própria idéia de juiz. Isso porque trata-se de um terceiro
estranho à causa, inter partes, ou melhor supra partes. O interesse
que o move, teoricamente é um interesse superior: "l'interesse a
che la contesa sia risolta civilmente e pacificamente, ne ciues ad arma
ueniant, per mantenere la pace sociale."
Segundo José Eduardo FARIA, a
raiz do problema da imparcialidade do juiz está no saber "tecnológico",
que empresta a categorias vazias de conteúdo (como os estereótipos
de que fala WARAT) uma aparência de sistematicidade, do que resulta
a apriorização da linguagem jurídica, a neutralização
do discurso jurídico e a universalização das normas.
Assim, obtem-se categorias dogmáticas, gerais e abstratas como o
"fato jurídico", que na verdade serve para a "des-realização"
do "fato social".
Esse movimento de des-realização
do fato social, dentro do processo civil, na verdade está inserido
num movimento maior, de camuflagem ideológica dos problemas decorrentes
dos desníveis sociais característicos da sociedade industrial.
É nesse sentido que Soveral MARTINS entende que o processo civil
do sistema liberal-burguês foi ideologicamente concebido para "ocultar
a própria conflituosidade social, através de processamentos
técnicos de valorações imparciais onde a luta de classes
freqüentemente se transmuda em mero contraditório de partes
que, pelo toque mágico da sua transmutação em sujeitos
jurídicos, tal como gatas borralheiras, se tornam iguais, pelo menos
enquanto não soarem as badaladas da meia-noite desmistificadora."
Através desses artifícios
(qual seja: apriorização da linguagem jurídica, neutralização
do discurso jurídico e universalização das normas),
"a administração da justiça acaba sendo reduzida a
uma simples administração da lei por um poder tido como neutro,
imparcial e objetivo, ficando o intérprete/aplicador convertido
num mero técnico do direito positivo." O que importa não
é a explicação, compreensão ou orientação
do comportamento das pessoas, mas sim sua tipificação para
sistematizar as hipóteses normativas. Portanto, diz FARIA, ao agir
tecnicamente - em tese, alheio à política e isento de juízos
axiológicos -, o juiz não limita sua atividade à simples
consecução das garantias formais (como a certeza jurídica,
a legalidade). Sua tendência é de ir além, na medida
em que busca mostrar competência e profissionalismo no exercício
do cargo.
"Sua neutralidade e sua imparcialidade,
conjugadas com uma hermenêutica positivista que o obriga a interpretações
restritivas e objetivas dos códigos, convertem-se em condição
básica para a legitimação de uma concepção
específica de ordem e segurança. Trata-se, pois, de uma concepção
passiva de instituição judicial, expressa pela postura formal
conferida a um magistrado enquadrado por uma relação de dimensão
exegética com a legislação em vigor e de contato distanciado
com os fatos, sobre os quais faz incidir estritos juízos de constatação,
excluindo quase por completo os diferentes matizes de caráter histórico,
ideológico e sociológico que particularizam o processo em
julgamento."
Já Eugenio Raúl ZAFFARONI
entende que a causa principal do surgimento da idéia de juiz imparcial
(que ele chama de "politicamente asséptico") é o ambiente
criado pelo Poder Judiciário de modelo tecno-burocrático
- tal qual o brasileiro - que provoca uma "burocratização
subjetiva" (deterioração burocratizante a nível pessoal)
dos juízes, como mecanismo de fuga desse ambiente. Da burocratização
subjetiva decorre: 1) a ritualização do comportamento (que
consiste em "cumprir de modo reiterativo, obsessivo e submisso as mesmas
formas, esquecendo ou relegando os conteúdos e objetivos da função");
2) a fuga consciente ou inconsciente das decisões sucetíveis
de gerar conflitos (v.g., apelando para conflitos de competência
ou questiúnculas procedimentais); 3) a progressiva perda da originalidade
e criatividade, de modo a assegurar que "o operador que chega à
cúpula esteja completamente incapacitado para inovar".
Há bom tempo que vem paulatinamente
a doutrina criticando o dogma da imparcialidade. Assim é que já
denunciava a Escola do Direito Livre, a imparcialidade do juiz supõe
independência, da qual não se pode falar na medida em que
sua carreira depende do governante político. Pouco tempo depois,
sob a influência (negada por ENGELS, KAUTSKY e STUCKA) das idéias
marxistas, o jurista austríaco Anton MENGER vinha a entender que
a parcialidade do juiz, no processo civil, é revelada na medida
em que "el juez más justo decidirá en muchos casos injustamente
con relación a los pobres, porque no saberá comprender e
interpretar de un modo exacto sus internas condiciones".
Também CARNELUTTI já havia
notado o caráter paradoxal da exigência de imparcialidade
de alguém que, pela própria condição humana,
é parcial, e para resolver essa situação, exigia do
juiz uma "super-humanidade" - da qual, aliás, ZAFFARONI não
compartilha, mesmo porque denota sua concepção mais autoritária
de processo, segundo ANDRINI, conforme será referido infra.
Segundo Mauro CAPPELLETTI, embora a
secular garantia da imparcialidade do juiz tem provado ser importante conquista
da civilização, trata-se de conquista por si só insuficiente
e freqüentemente ilusória.
O direito a um juiz imparcial corresponde
à garantia da independência da magistratura frente ao poder
político. "Isso não significa que o juiz deva ser um sujeito
inerte e passivo. Na realidade, é preciso distinguir entre imparcialidade
e passividade. O juiz deve ser imparcial em relação ao conteúdo
[grifo no original] da controvérsia, mas não quanto à
relação processual propriamente dita." Afinal, inexiste o
juiz neutro, "ideologicamente indefinido, distanciado das realidades e
dos valores sociais. O juiz é homem de seu tempo, vinculado às
circunstâncias históricas de sua época. Nem seria bom
juiz aquele imune às vicissitudes humanas, cadinho de onde pode
haurir o temperamento de seus instintos e o lavor de sua personalidade."
LIEBMAN, por sua vez, obviamente não
concorda com afirmação supra, de CAPPELLETTI, para quem o
juiz deve ser imparcial em relação ao conteúdo da
lide - qual seja, "rispetto all'azione e quindi rispetto al diritto fatto
valere ed all'atto (demanda, eccezione) di farlo valere" - mas que não
pode ser passivo "rispetto al processo, né, tanto meno, rispetto
al giudizio, ossia rispetto alla giustizia della decisione". Em resposta
a essa afirmação de CAPPELLETTI, LIEBMAN anota que, com relação
ao processo, o julgamento não será correto, nem a decisão
justa, se o juiz for parcial; com relação à ação,
"il domandare e l'eccepire sono attività rispetto a cui non si può
porre un problema d'imparzialità del giudice". Diante do exposto,
conclui que a imparcialidade é exigível do juiz em todas
as etapas e todos os momentos do processo.
Segundo Cândido DINAMARCO, "o
juiz moderno compreende que só se lhe exige imparcialidade no que
diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e
recusa a estabelecer distinções em razão das próprias
pessoas ou reveladoras de preferências personalíssimas. Não
se lhe tolera, porém, a indiferença" [grifos no original].
Para DINAMARCO, imparcialidade não pode significar indiferença
axiológica ou insensibilidade social.
Eugenio Raúl ZAFFARONI entende
que o juiz imparcial acaba sendo marginalizado pela sociedade, "asséptico",
ou como diria GRIFFITH, um "eunuco político, econômico e social".
O jurista argentino entende que as diferentes interpretações
das normas jurídicas, quando causadas por divergências ideológicas
entre juízes, não constituem uma "patologia institucional",
mas obedecem "a uma certa coerência necessária e saudável
entre a concepção do mundo de cada um e a sua concepção
do direito (que é algo que 'está no mundo')."
Segundo ZAFFARONI, os sistemas autoritários
preferem a parcialidade dos juízes, e incomodam-se com sua imparcialidade,
embora proclamem o contrário; por isso a preocupação
com a imparcialidade é algo que só interessa aos regimes
democráticos. Nesse passo, entende que a única condição
de imparcialidade decorre da pluralidade: só com um Judiciário
plural (em pessoas e opiniões) e democrático é que
se pode obter imparcialidade.
"Em oposição à
imparcialidade garantida pelo pluralismo ideológico dentro da magistratura,
a única coisa que se oferece como alternativa é a falsa imagem
de um juiz ideologicamente asséptico, o que não passa de
uma construção artificial, um produto da retórica
ideológica, um homúnculo repelido pela sociedade. (...) Se
a estrutura judiciária estiver muito deteriorada e já nem
sequer tratar de produzir juízes assépticos no sentido burocrático,
mas homens completamente submetidos aos desígnios do poder de plantão,
com o conseqüente efeito corruptor, a 'assepsia' passa a ser a máscara
ou o pretexto para os comportamentos mais incofessáveis."
Como foi dito no início deste
capítulo, há algumas conclusões possíveis,
embora de aceitabilidade restrita às tendências críticas
dentro da processualística. Eis algumas delas: 1) nenhum processualista
pode defender, em sã consciência, a parcialidade do juiz;
2) a passividade judicial não é garantia de imparcialidade;
3) o legalismo não é garantia de imparcialidade; 4) a indiferença
política diante do conflito não é garantia de imparcialidade.
Então trata-se de um mito? Se a imparcialidade for pensada somente
em termos de passividade, legalismo, indiferença e inércia,
é um mito.
Para a desmitização da
imparcialidade, é preciso: 1) romper com a idéia de que imparcialidade
se consegue através desses atributos negativos elencados supra;
2) romper com a idéia de que a neutralidade do juiz é condição
sine qua non da imparcialidade, senão seria impossível o
juiz imparcial, da mesma forma que não existe o juiz neutro; 3)
pensar numa forma de efetivar a independência do juiz frente ao governante
que o nomeia (em especial nas instâncias superiores), eliminando
a odiosa figura do juiz comprometido politicamente com o poder político
de plantão; 3) enfrentar o tabu da politização do
juiz, de modo que, se encarada em termos de pluralidade democrática
dentro do Judiciário e responsabilidade judicial frente às
causas e frente à sociedade, possa tornar-se não um problema,
mas uma solução.
5. NEUTRALIDADE DO JUIZ NA INSTRUÇÃO
5.1. O dogma do princípio
dispositivo
Podemos dizer tranqüilamente que
o principal fundamento de toda a ideologia da neutralidade do juiz na fase
instrutória é o princípio dispositivo. Entretanto,
há que se ressaltar que o princípio dispositivo, na prática,
não se acha completa e absolutamente aplicado - aliás, nem
o princípio inquisitório -, já que só em termos
meramente abstratos é que podemos "conceber o juiz como investido
de todos os poderes necessários para descobrir a verdade (princípio
inquisitório) ou como constantemente sujeito à iniciativa
da parte (princípio dispositivo)".
Para tratar do princípio dispositivo,
CARNELUTTI faz uma distinção entre fonte de prova e meio
de prova. Nesse sentido, fonte de prova é o fato diverso do fato
a provar (objeto da prova), que serve ao juiz para deduzir o fato que há
que provar (v.g.: a testemunha, o documento). Para CARNELUTTI, em relação
às fontes de prova, o poder do juiz está limitado pela iniciativa
das partes, não podendo de per si buscar testemunhas ou documentos,
posto que deve limitar-se às testemunhas e documentos indicados
pela parte. Meio de prova é a atividade, de percepção
ou dedução, pela qual o juiz conhece o fato. Para CARNELUTTI,
em relação aos meios de prova, o poder do juiz é ilimitado:
"una vez puesto ante el hecho que debe conocer, el juez es enteramente
independiente de las partes en lo que atrañe al ejercicio de su
actividad perceptiva y deductiva". Portanto, em face da distinção
carneluttiana entre fonte e meio de prova, na aplicação do
princípio dispositivo em matéria de prova documental, teríamos
que o juiz não poderia buscar o documento, mas quando este estivesse
em suas mãos, não haveria limites para o seu exame.
De forma semelhante à distinção
carneluttiana no que concerne à instrução da causa,
CHIOVENDA distingue a atividade de seleção e declaração
dos fatos.
Quanto à seleção
dos fatos, CHIOVENDA observa que, mesmo que seja inadmissível imaginar-se
um juiz "fechado nos limites da vontade dominadora das partes", deve-se
considerar, ao menos, uma questão de ordem prática: "que
as partes são os melhores juízes da própria causa
e que ninguém pode conhecer melhor que elas, quais fatos deve alegar
e quais não." Além disso, "as esferas do juiz e do advogado
devem estar nitidamente separadas porque existe uma verdadeira incompatibilidade
psicológica entre o ofício de julgar e o de buscar os elementos
de defesa das partes." Qual seja, CHIOVENDA entende que, ao investigar
os fatos, o juiz estará assumindo o papel de advogado da parte,
e assim acabará violando o princípio da igualdade das partes.
Na verdade, o processualista italiano
considera realmente inadmissível é que o juiz assuma um fato
não alegado como base de sua decisão. Por outro lado, admite
que "si en un caso concreto aparece notoria una deficencia en la defensa",
pode-se discutir se o juiz pode, e em que limites, "proveer a ella con
oportunos interrogatorios, de un modo compatible con la naturaleza del
procedimiento".
Quanto à declaração
dos fatos, embora ninguém seja melhor juiz que a parte a respeito
das provas de que pode dispor, na defesa de seus interesses individuais,
"no puede desconocerse que la actitud pasiva del juez en la formación
de las pruebas puede aparecer menos justificada que en la selección
de los hechos porque, fijados los hechos a declarar, la manera de declararlos
no puede depender de la voluntad de las partes, siendo la verdad una sola."
Além dos argumentos de que "a
parte é o melhor juiz da própria causa" no que diz respeito
às provas de que pode dispor, e de que é preciso preservar
a isonomia processual e a imparcialidade, o discurso de defesa do princípio
dispositivo se faz também mediante denúncias do passado antidemocrático
do sistema inquisitório. A própria palavra "inquisitório"
tem toda uma carga histórica, que remete à Santa Inquisição
e Torquemada, além das versões mais modernas desses mesmos
exemplos.
Nesses termos é que se percebe
a crítica de CALAMANDREI ao sistema inquisitório, quando
critica-o como reflexo do autoritarismo, em que as partes não passam
de elementos figurativos necessários "per render più spettacoloso
il rito", mas o juiz é tudo e sua vontade é única,
e a sentença não é o produto final elaborado do encontro
dialético das vontades contrapostas, mas é o arbítrio
solitário de uma só vontade, "che inscena il processo come
un artificio che dia una illusoria giustificazione retrospettiva a una
decisione già presa." Nesse passo, CALAMANDREI afirma que hoje,
em respeito ao contraditório e à dialética do processo,
"la volontà del giudice non è mai sovrana assoluta, ma sempre
condizionata alla volontà e al comportamento delle parti, cioè
alla iniziativa, allo stimolo, alla resistenza o all'acquiescenza di esse."
Para LIEBMAN, o mais sólido fundamento
para o princípio dispositivo é o seguinte: quando se controverte
em torno de relações jurídicas da plena disponibilidade
da autonomia privada, é inevitável que - para deixar o juiz
na sua posição de rigorosa imparcialidade - seja conferido
às partes o ônus e a inteira responsabilidade de fornecer
ao processo os elementos de juízo, porque nesses casos o Estado,
enquanto ordenamento jurídico, não se sente suficientemente
interessado no resultado final do processo. É o contrário
do que ocorre quando as relações jurídicas controvertidas
são de ordem pública, pois então o Estado não
pode desinteressar-se do modo com o qual se fará a instrução
da causa, "dovendo sempre restar fermo il divieto per il giudice di assumere
funzioni instruttorie attive, à costretto a far intervenire nel
processo un suo organo apposito": o Ministério Público.
LIEBMAN entende que as restrições
ao princípio dispositivo, aliadas ao aumento dos poderes instrutórios
do juiz, significam na verdade uma atenuação na distinção
entre função jurisdicional e função administrativa
e 'introdurre nel processo una tendeza paternalistica che non merita alcun
incoraggiamento", e por isso mesmo admite expressamente o inegável
caráter "liberal" do princípio dispositivo.
Bem longe de ser uma "arcaica reminiscência
os ordenamentos primitivos", como quer GUASP, LIEBMAN afirma que, na verdade
o princípio dispositivo constitui uma necessária garantia
do correto funcionamento da jurisdição, assim como esta deve
ser modernamente considerada.
Ainda segundo LIEBMAN, o reexame profundo
do problema dos poderes do juiz na instrução do processo
(tanto civil quanto penal e administrativo) deve levar em conta que "l'imparzialità
del giudice è il bene prezioso che deve essere preservato in ogni
caso, anche col sacrificio dei poteri d'iniziativa istruttoria del giudice
(sebbene possano talvolta, da altri punti di vista, apparire utili e convenienti),
con la conseguenza che dove il principio dispositivo non si adatti al tipo
di processo o alla materia controversa, quei poteri debbano essere piuttosto
conferiti a un apposito e distinto organo pubblico requirente ed inquirente":
o Ministério Público. (Veremos infra um desdobramento dessa
tese, quanto à infervenção do Ministério Público,
em que Afrânio JARDIM defende essa intervenção de forma
mais ampla, justamente para mitigar a disparidade de armas entre as partes,
entretanto, preservando ainda a inércia judicial.)
Fiel aos ensinamentos de LIEBMAN, a
Escola de São Paulo segue dizendo que, embora diante de uma concepção
publicista do processo não seja mais posível "manter o juiz
como mero espectador da batalha judicial", a regulamentação
dos poderes do juiz no processo não pode perder de vista "o mais
importante dogma relativo ao juiz, que é o zelo pela sua imparcialidade".
Já SILVA PACHECO, para reforçar
a idéia de que os poderes instrutórios do juiz podem ofender
a sua imparcialidade, lança mão do argumento da experiência.
Assim, mesmo admitindo que o juiz deve ter poderes para instruir o processo
- pois "a prestação jurisdicional consiste em realizar o
Direito, para que o ordenamento jurídico seja mantido incólume"
-, afirma que "a experiência tem ensinado que toda vez que ao juiz
se atribui todos os poderes, liga-se ele à pretensão de uma
das partes, colocando-se em posição propensa a julgar favoravelmente
a ela." O argumento da experiência, a par de um discutível
valor retórico, não subsiste, pois modernamente já
se sabe que em geral se presta à consolidação das
posições conformistas - da tradição, do hábito,
dos bons costumes, etc.
Mesmo José Renato NALINI, em
trabalho recente, inobstante afirme que o distanciamento do juiz em relação
à causa não contribui para o acesso à Justiça,
e que nem a indiferença pelo resultado da demanda é pressuposto
de uma decisão justa, observa que é justificável o
receio de que o juiz produtor da prova pode perder a serenidade e imparcialidade.
5.2. A face lúdica do processo
civil
O principal pensador ocidental a cogitar
do caráter lúdico do processo foi o historiador holandês
Johan HUIZINGA, para quem o processo "é extremamente semelhante
a uma competição, e isto sejam quais forem os fundamentos
ideais que o direito possa ter". Segundo HUIZINGA, esse lado agonístico
está longe de caracterizar tão somente o processo primitivo
- já que começou como competição -, mas é
conservado até hoje, pois as partes continuam apresentando um irrefreável
desejo de ganhar a causa (o jogo).
Nas culturas primitivas, a jurisdição
pode ser considerada: um jogo de azar (vontade divina, destino, sorte,
sortilégio, oráculos, ordálias, prova de fogo), uma
competição (aposta, corrida), ou uma batalha verbal (dos
concursos de ultrajes até os primórdios da oratória
jurídica), pois o que lhes interessa não é tanto o
problema abstrato do bem e do mal, mas sim a idéia pura e simples
de ganhar ou perder. "Dada a esta fraqueza dos padrões éticos,
o fator agonístico vai ganhando imenso terreno na prática
judicial à medida que recuamos no tempo."
Naquele tempo, conforme observa CALAMANDREI,
"il giudice si confonde col sacerdote o coll'aruspice, che chiede aiuto
e ispirazione alla superstizione e alla magia: e lègge la motivazione
della sua sentenza nel volo degli uccelli o nelle viscere papitanti della
vittima immolata." Sua imparcialidade era garantida justamente pelo fato
de que não era ele quem decidia, mas "forze superiori ad ogni calcolo
umano e ad ogni cura terrestre, come la indifferenza degli dei o la sorte
cieca". Em suma, a decisão estava nas mãos de Deus - que,
como observa ZAFFARONI, era nada menos do que o máximo da imparcialidade
possível -, "e os juízes limitavam-se a garantir as condições
de que não houvesse interferência nesta decisão, para
a qual necessitavam da devida independência das partes".
Com o estoicismo, entratanto, teve início
uma tendência a depurar a oratória jurídica do seu
caráter agonístico, balizando-a agora com os severos padrões
de verdade e dignidade, tipicamente estóicos. Observa HUIZINGA que
o primeiro romano a tentar pôr em prática essa nova orientação
foi Rutilius Rufus, que perdeu a causa e foi obrigado a exilar-se.
O importante é frisar que, se
num primeiro momento o juiz mantinha sua imparcialidade às custas
do juízo divino, depois essa mesma imparcialidade passou a apresentar
novo fundamento: a lei. A lei deixou de ser tão somente o guardião
da regra do jogo judicial; o juiz deixou de simplesmente assistir à
instrução sem poder decidir, já que quem decidia era
Deus, ou a sorte, ou a destreza. O juiz passou a decidir, mas também
a fundamentar suas decisões na lei - "sucessora" de Deus. As decisões
secundum leges precisavam de reforço à garantia de imparcialidade
na fase instrutória, e chegou-se a um princípio dispositivo
de caráter lúdico: na instrução, as próprias
partes disputavam seus direitos, e o juiz simplesmente assistia, de sua
posição privilegiada - como um juiz de duelo. Assim é
que, sob o pretexto de se manter sua neutralidade, e com o argumento do
princípio dispositivo, o sistema processual na verdade perpetuava
o caráter lúdico que lhe é característico desde
as ordálias.
Essas analogias entre o processo e o
jogo, feitas por HUIZINGA, foram apreciadas e elogiadas por CALAMANDREI
(em "Il processo como giuoco") e questionadas por CARNELUTTI (em "Giuocco
e processo"). Tais diferenças entre os famosos processualistas,
segundo ANDRINI, refletem suas concepções de juiz: enquanto
CALAMANDREI continua fiel a uma concepção mais liberal de
processo, em que o juiz apresenta-se como "guardião das regras",
CARNELUTTI se ressente de uma concepção mais autoritária,
que desemboca no juiz enquanto "personagem metafísico", dotado da
"super-humanidade" com a qual não concordava ZAFFARONI, conforme
referido supra.
Esse caráter lúdico do
processo, cujo modelo é o de vencedor/vencido, segundo José
Eduardo FARIA tende a ser ultrapassado por uma concepção
moderna, em que "os juízes deixam de ser meramente reativos e passivos,
no sentido de se limitar a dizer o direito aplicável ao objeto em
litígio, passando, em várias situações, a estimular
os fatos e a organizar o procedimento para facilitar o encontro de soluções
viáveis e factíveis."
5.3. Crítica da passividade
judicial na instrução do processo
Dentre os filósofos que se preocuparam
com o fenômeno jurídico, destaca-se HEGEL que dizia que "o
processo dá às partes as condições para fazerem
valer os seus meios de prova e motivos jurídicos e ao juiz as de
conhecer o assunto". A princípio poderíamos até pensar
que HEGEL estaria sendo guiado pelo princípio dispositivo, pois
fala em dar condições às partes para fazerem valer
seus meios de prova, mas a ressalva com relação ao juiz (que
teria condições de conhecer o assunto) é tão
significativa, que o filósofo alemão a reforça em
seguida, afirmando que "a direção do conjunto do processo,
da investigação e de todos aqueles atos jurídicos
das partes que são eles mesmos direitos, bem como o julgamento jurídico,
cumprem sobretudo ao juiz qualificado" [grifos nossos]. Não se vê
nessas idéias hegelianas qualquer crítica direcionada aos
defensores do sistema acusatório, nem uma defesa incisiva do sistema
inquisitório, mas sem dúvida podemos entender sua posição
como mais compatível com o segundo.
Até mesmo CHIOVENDA, que se dispôs
a defender o princípio em questão, no que tange ao que chama
de "seleção dos fatos", não se mostra completamente
isolado da crítica à passividade judicial, chegando inclusive
a identificar a passividade do juiz com as formas do processo escrito.
Aliás, entendia que a tendência mais moderna, já à
sua época, era a de aceitação mais ampla do princípio
da oralidade, enquanto reação contra o princípio dispositivo
e a favor da iniciativa do juiz.
Não se pode confundir a crítica
que é feita ao princípio dispositivo com o que se fala a
respeito do princípio da demanda. Nesse sentido é que MENGER
critica o primeiro mas reconhece a importância do segundo. Segundo
o polêmico civilista austríaco, o juiz não poderia
obrigar ninguém a defender seus interesses privados, "pero cuando
el interesado ha presentado al Juez una demanda manifestando así
la voluntad de defender su derecho, parece que éste debía
aplicar todos los meios legales para hacer triunfar el derecho lesionado."
Contudo, lucidamente MENGER admite que os tribunais não têm
aplicado todos os meios legais para fazer triunfar o direito lesionado,
como pretendia.
"El Tribunal, según la legislación
procesal civil vigente en todos los Estados civilizados, aun después
de iniciado el litigio, debe ser impulsado particularmente a realizar todos
los actos más importantes, como el mecanismo de un reloj."
Apesar dos protestos dos autores marxistas,
não há como negar o cunho socialista da crítica de
MENGER às conseqüências da radicalização
do princípio dispositivo, na medida em que ele entende que elas
"son cómodas y beneficiosas para las clases ricas, porque cultas
como son y bien acondicionadas, si hace falta, pueden tomar oportunamente
la iniciativa. En cambio las pobres, que para defender su derecho tropiezan
con un mecanismo tan complicado como es el procedimiento, sin consejo e
malamente representadas, deben recoger de la pasividad judicial gravísimos
perjuicios."
Na Áustria, a discussão
a respeito do princípio dispositivo não se restringiu a MENGER,
já que foi assunto presente nos debates em torno da elaboração
do CPC de 1895, anteprojeto de Franz KLEIN - que, aliás, reconhecidamente
concebia o processo civil como um instituto para o bem estar social (Wohlfahrtseinrichtung).
Durante esses debates chegou-se à conclusão de que "la imparcialidad
del juez no chocaba con un directo y activo contacto suyo con las partes
en el desarrollo del juicio" (lembre-se a relação entre princípio
dispositivo e oralidade, notada por CHIOVENDA e referida supra), sem que
com isso o Código tenha ofendido o princípio da demanda.
Nesse mesmo sentido é que Mauro CAPPELLETTI vem afirmando que "sem
comprometer em nada a importância essencial da imparcialidade do
juiz, é perfeitamente admissível e até necessário
que o julgador, diante da parte indefesa ou mal assistida, ao invés
de permanecer passivo e até complacente diante dos erros, omissões,
deficiências de tal parte, assuma um papel ativo."
Ressalte-se, nesse momento, a posição
de Afrânio JARDIM, processualista brasileiro que procura um meio
termo entre a concessão de poderes instrutórios ao juiz e
a passividade judicial frente à disparidade de armas. Esse meio
termo é a tese de que os defeitos do princípio dispositivo
não devem ser solucionados com o aumento dos poderes do juiz, mas
sim com a maior participação do Ministério Público
no processo civil.
Para chegar a essas conclusões,
Afrânio JARDIM primeiramente destaca que a premissa que fundamenta
o princípio dispositivo é falsa, pois quando a parte não
exercita uma faculdade processual ou não se desincumbe de um ônus,
isso ocorre freqüentemente "mais em razão de sua debilidade
econômica ou cultural do que em razão de aceitação
de uma situação que lhe é adversa."
"Não basta que se dê igualdade
de oportunidade às partes, é preciso que se criem mecanismos
processuais que venham mitigar a sua desigualdade substancial, patente
e evidente em muitos processos cíveis. A boa decisão estatal
não pode ficar dependente do preparo dos profissionais contratados
pelas partes ou mesmo da malícia destas."
Segundo o autor, o aumento dos poderes
instrutórios do juiz não é a melhor solução,
pois acarretaria um processo inquisitorial, condenado historicamente em
face das concepções mais democráticas de jurisdição.
Além disso, entende que "ao juiz não deve caber a relevante
missão de procurar a verdade real dos fatos alegados pelas partes,
pois, se assim o fizer, poderá comprometer seriamente a sua neutralidade".
Assim, para evitar a iniqüidade da aplicação radical
do princípio dispositivo, sem com isso afetar a imparcialidade do
juiz, os poderes instrutórios suplementares deveriam ser delegados
não ao juiz, mas ao Ministério Público, de modo a
compatibilizar a busca da verdade com a indispensável imparcialidade
do juiz, já que este poderia ficar comprometido com a causa, na
medida em que se vinculasse psicologicamente aos interesses em litígio.
Apesar da interessante tentativa Afrânio
JARDIM, de solucionar a questão da pretensa incompatibilidade entre
imparcialidade e poderes instrutórios do juiz, com ela não
concorda o processualista brasileiro que mais vem se dedicando ao tema:
José Carlos BARBOSA MOREIRA. Se tomarmos em conta o que disse este
eminente jurista em diversas oportunidades (contamos, no mínimo,
seis delas), a tese de Afrânio JARDIM não tem cabimento porque
não há incompatibilidade entre imparcialidade e poderes instrutórios.
O ilustre processualista apresenta, em resumo, cinco razões para
essa afirmação:
1) À alegação de
que a iniciativa probatória do juiz pode comprometer sua imparcialidade
e beneficiar uma das partes, BARBOSA MOREIRA responde que, ao determinar
a realização de uma prova, o juiz ("não dispondo de
bola de cristal, nem sendo futurólogo") não pode prever com
segurança o resultado dessa prova nem a quem ela vai beneficiar.
Pode conjecturar sobre isso, mas jamais terá certeza. Ademais "é
claro que o resultado da prova vai beneficiar alguém, mesmo porque,
se não beneficiasse ninguém, ela teria sido inútil..."
Mas a não produção da prova também vai beneficiar
um dos litigantes. Diante das duas hipóteses, BARBOSA MOREIRA prefere
ser parcial atuando do que se omitindo, porque ao menos estaria tentando
aproximar-se da verdade real.
2) Se a iniciativa probatória
oficial realmente ofendesse a imparcialidade do juiz, "as leis deveriam
proibir de modo absoluto quaisquer iniciativas oficiais em matéria
de prova, o que provavelmente jamais ocorreu e não é propugnado
sequer pelos mais radicais representantes do 'dispositivismo' na ciência
processual civil" - aliás, como já notara CHIOVENDA, citado
supra.
3) Supor que a iniciativa probatória
ex officio implica na parcialidade do juiz, significaria reconhecer que
o juiz é parcial nos processos em que essa atividade judicial é
admitida. Por exemplo: no processo penal é possível a inciativa
probatória ex officio, e nem por isso se diz que o juiz prescinde
de sua imparcialidade.
4) Ao juiz não importa quem vença
o litígio, se A ou B, mas deve importar que vença quem tem
razão, e nesse ponto "não há neutralidade possível":
"sua 'neutralidade' não o impede de querer que sua sentença
seja justa". "Ao juiz, como órgão do Estado, interessa, e
diria que a ninguém interessa mais do que a ele, que se faça
justiça, isto é, que vença aquele que efetivamente
tenha razão" - e este será o beneficiado pela prova determinada
pelo juiz.
Com relação a esse argumento,
em favor dos poderes instrutórios do juiz, de que o juiz deve ter
"interesse" na justiça da decisão, LIEBMAN responde que o
juiz "non ha altro 'interesse' nell'esercizio della sua funzione, all'infuori
di quello di sentirsi in tutti i sensi veramente disinteresato." DINAMARCO
interpreta que "desinteressado", nesse contexto, não significa axiologicamente
neutro, mas imparcial: "o juiz, ser vivente na sociedade de onde vêm
os fatos e pretensões em exame, há de ser o porta-voz dos
sentimentos que ali preponderam e, portanto, interessado em soluções
condizentes com eles" [grifo nosso]. BARBOSA MOREIRA vê nessa mentalidade
que preconiza a preservação da imparcialidade do juiz através
da omissão judicial em face da instrução do processo,
a propaganda de uma espécie de distanciamento que se confunde "com
a mais gélida indiferença pelo curso e pelo resultado do
pleito".
5) Há que se distinguir o juiz
que, movido pela consciência de sua responsabilidade, procura sentenciar
conforme o direito no caso concreto, do juiz que, movido por interesses
pessoais, beneficia deliberadamente um dos litigantes. De fato, há
o risco do juiz se utilizar de poderes instrutórios para beneficiar
uma das partes. Mas o risco da parcialidade ronda o juiz durante todas
as fases do processo, e não é sua omissão na fase
instrutória que servirá de garantia de imparcialidade - mesmo
porque, se quiser beneficiar uma das partes, poderá fazê-lo
até mesmo nas provas requeridas pelas partes. É, sim, através:
da observância do contraditório na instrução
do processo e do exame objetivo dos fatos, não importando quem traga
as provas aos autos; é proibindo-o de levar em conta qualquer elemento
probatório colhido sem que se dê oportunidade à participação
das partes na sua colheita e à manifestação sobre
seus resultados; é obrigando-o a motivar suas decisões, mediante
a apresentação da "análise cuidadosa da prova produzida
e a indicação das razões de seu convencimento acerca
dos fatos"; é através da aplicação do direito
a fatos efetivamente verificados, sem se deixar influenciar por outros
fatores que não os seus conhecimentos jurídicos. Fora essas
hipóteses, a única forma de eliminar completamente o risco
de parcialidade seria "confiar a uma máquina a direção
do processo".
Sobre a necessidade de fundamentação,
enquanto instrumento sugerido por BARBOSA MOREIRA para evitar a parcialidade
dos juízes, CALMON DE PASSOS se mostra cético: "Estamos todos
acostumados, neste nosso país que não cobra responsabilidade
de ninguém, ao dizer de magistrados levianos, que fundamentam seus
julgados com expressões criminosas como estas: 'atendendo a quanto
nos autos está fartamente provado...', 'à robusta prova dos
autos', 'ao que disseram as testemunhas...' e outras leviandades dessa
natureza que, se fôssemos apurar devidamente, seriam, antes de leviandades,
crimes, irresponsabilidade e arbítrio, desprezo à exigência
constitucional de fundamentação dos julgados, cusparada na
cara dos falsos cidadãos que somos quase todos nós." Aliás,
o próprio BARBOSA MOREIRA também lembra que não basta
usar essas fórmulas ritualísticas, que configuram uma "homenagem
puramente formal que se presta ao dever de motivação, sem
nenhum alcance concreto". Márcio PUGGINA entende que no momento
da sentença o juiz inevitavelmente se parcializa, e "não
obscurece esta parcialidade sequer o dever de fundamentação,
ao contrário, o julgamento, quanto mais fundamentado, mais se solidifica
no beneficiamento do vencedor". Arruda CAMPOS mostra-se mais intolerante,
e numa crítica que beira a leviandade, afirma que os juizes que
fundamentam a sentença acórdãos, brocardos latinos
("que, regra geral, não entendem") e citações de autores
estrangeiros ("que nada sabem da realidade brasileira"), o fazem por simples
vaidade - sabe-se, todavia, que a não fundamentação
da decisão é que realmente dá margem ao arbítrio.
Hoje, a crítica da passividade
judicial na instrução do processo também continua
sendo feita do ponto de vista político - seguindo, e de certa forma
superando, a linha de MENGER. Nesse sentido é que Lédio Rosa
de ANDRADE critica os problemas sociais perpetuados pelo magistrado que,
no ânimo de garantir sua imparcialidade e pretensa neutralidade,
na fase instrutória limita-se a efetuar o levantamento dos fatos
para adequá-los às normas vigentes. Ainda dentro desse prisma,
o prof. Luiz Guilherme MARINONI afirma que "na ideologia do Estado Social
o juiz é obrigado a participar do processo, não estando autorizado
a desconsiderar as desigualdades sociais que o próprio Estado visa
a espancar. Portanto, e isto de certa forma soará curioso àqueles
que não costumam ligar a teoria do processo à ideologia,
o juiz imparcial de 'ontem' é exatamente o juiz parcial de 'hoje'."
6. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
E NEUTRALIDADE
6.1. A ideologia do procedimento
ordinário
Tem-se a idéia falsa de que o
juiz omisso é um juiz neutro. Na verdade, a omissão judicial
diante de uma situação em que deve conceder uma liminar e
não o faz, não configura qualquer indício de que tenha
sido neutro. Ao contrário: sua omissão, nesse caso, denota
justamente sua falta de neutralidade e de sensibilidade para exercer a
jurisdição.
Segundo o prof. Ovídio BAPTISTA
DA SILVA, a antecipação da tutela é vista com má
vontade pela doutrina tradicional porque é fundada em juízo
de verossimilhança. O procedimento ordinário, fundado no
juízo de certeza que se busca justificar na neutralidade do juiz,
oculta a ideologia "dramática e perversa" subjacente à glorificação
da ordinarização do processo civil.
Referindo-se a GADAMER, o prof. Ovídio
BAPTISTA DA SILVA observa a verdadeira "aversão que a ciência
processual tem por todas as formas de juízos fundados em simples
verossimilhança". Tal aversão "é fruto da herança
cartesiana, com sua conhecida desconfiança contra toda e qualquer
espécie de 'prejuízos', contra a autoridade e a tradição.
(...) O juiz do procedimento ordinário pretende ser um Juiz sem
qualquer 'prejuízo', ou compromisso prévio com alguma das
versões que lhe sejam postas em causa", e com isso acaba conservando
o status quo ante, na demora das suas investigações (juízo
de certeza).
Segundo o prof. Luiz Guilherme MARINONI,
há que se atentar para o fato de que um dos fundamentos da proibição
dos juízos de plausibilidade é o princípio da nulla
executio sine titulo, na medida em que dá sustentação
à separação entre processo de conhecimento e de execução.
Qual seja: enquanto a doutrina tradicional sustenta essa separação
entre processo de conhecimento e de execução - mediante o
argumento da nulla executio sine titulo -, está simultaneamente
impedindo a utilização de medidas executivas e mandamentais
durante a cognição, sob o pretexto de que essa mistura pode
prejudicar a neutralidade do juiz. Como essa colocação de
medidas executivas e mandamentais durante o processo cognitivo está
associada aos procedimentos especiais - que respondem à necessidade
de tutelas diferenciadas conforme o direito material a ser tutelado -,
fica claro que a defesa da separação entre conhecimento e
execução corresponde a uma tendência de ordinarização
do processo civil. Nota-se, portanto, que a ordinarização
do processo civil reflete o verdadeiro descaso com que é tratada
a necessidade de adequação do processo às diversas
e novas situações carentes de tutela jurisdicional, e que
essa universalização do procedimento ordinário na
verdade é conduzida pela ideologia da neutralidade do processo em
relação ao direito material.
A tendência à universalização
do procedimento ordinário, segundo MARINONI, é comprometida
com a visão legalista da atividade jurisdicional - enquanto atividade
de mera subsunção -, na medida em que "o mito que dá
suporte à figura do juiz como bouche de la loi, sem qualquer poder
criativo ou de imperium, é o da neutralidade, supondo de um lado
ser possível um juiz despido de vontade inconsciente, e de outro
ser a lei - como pretendeu MONTESQUIEU - uma relação necessária
fundada na natureza das coisas."
MARINONI também ressalta que,
além do legalismo subjacente à ordinarização
do processo civil, é possível encontrar um certo preconceito
contra os juízos de verossimilhança, porque entendia-se que
o julgamento com base em juízo de verossimilhança dá
margem ao subjetivismo do juiz, sendo portanto incompatível com
a neutralidade do julgamento - "o que evidencia uma nítida relação
entre 'busca da verdade' e 'neutralidade'." É justamente devido
a essa articulação entre busca da verdade e neutralidade
que, após um breve interlúdio versando sobre as origens históricas
da neutralidade em face da antecipação da tutela, teremos
de verificar a questão da busca da verdade - primeiro em termos
filosófico-científicos, depois em termos de processo civil.
6.2. Origens romanas
Como bem nota FOUCAULT, o legislador
romano, juntamente com o sábio grego e o profeta judeu, "são
sempre modelos que obsecam os que, hoje, têm como ocupação
falar e escrever". De fato, o Direito Romano acaba tornando-se uma referência
quase que obrigatória para as investigações dentro
da assim chamada "ciência do direito". E por isso não podemos
nos furtar ao examine desse modelo.
Pode-se dizer que o mito da neutralidade
do juiz hodierno tem origens no direito romano, mais especificamente no
iudex. Para se fazer essa afirmação, é preciso recordar
a bipartição de funções entre o praetor e o
iudex: enquanto o praetor (eleito pelo povo) dá ordens (ato volitivo),
o iudex (escolhido pelas partes) declara direitos (ato intelectivo); enquanto
o praetor exerce imperium, o iudex exerce jurisdição. Enquanto
o sistema common law parece ter adaptado a figura do praetor, nos países
que seguiram o sistema da Europa continental o juiz se assemelha mais à
figura do iudex, a princípio inclusive desvinculado da execução
(de competência de funcionários administrativos) e de qualquer
medida mandamental - tanto que LIEBMAN dizia que não é função
do juiz expedir ordens às partes, mas só declarar a situação
entre elas e o direito aplicável.
Note-se que essa neutralidade está
mais declarada a nível de mandamentalidade dos atos do iudex, já
que no campo probatório, como afirma SURGIK, vigorava a livre apreciação
da prova, inclusive no sentido de ônus da prova. Assim, considera-se
pouco provável que no período clássico os romanos
formulassem um princípio geral, como necessitas probandi incumbit
illi qui agit, aliás, de fonte pós-clássica.
É de se lembrar a ressalva feita
por SURGIK, de que o imperium do praetor decorria do fato de ele era eleito,
e que por isso tinha legitimidade para exercer seu poder. Seria interessante
deixar em aberto, então, a seguinte questão: que legitimidade
teria um juiz do sistema europeu continental, nos moldes do iudex, porém
não escolhido pelas partes, para exercer imperium nos moldes do
praetor, sem ter sido sequer eleito, como este era! Pode-se argumentar
facilmente com a legitimidade decorrente do sistema de concurso público,
de caráter marcadamente tecno-burocrático, mas não
é argumento suficiente para tirar o desconforto da questão.
A pandectística não reconhecia
no interdito um processo, mas medida administrativa, fase da actio. Com
a evolução do direito romano, houve a perda da imperatividade
da jurisdição, que foi se tornando arbiral: o juiz somente
exorta, recomenda que se cumpra a sentença.
A absorção dos interditos
pela actio se deu, no período justinianeu, pela ampliação
do conceito de obrigação - tanto que "a cada direito corresponde
uma obrigação": onde antes um direito impunha um dever, por
força de lei passa a impor uma obrigação (ex lege).
O direito continental preservou a actio (para preservar a divisão
entre cognitio e executio) e suprimiu os interditos (que implicavam em
ordens do pretor).
Para a doutrina dominante, a ordem não
é conteúdo do ato jurisdicional, mas efeito. Isso decorre
da separação do mundo dos fatos e do mundo normativo, dentre
outras classificações - fato e direito, jurisdição
e poder, ser e dever-ser, substância e forma, etc. Podemos enumerar,
dentre as conseqüências dessa separação, a dificuldade
na introdução da atividade executiva (mundo dos fatos) na
órbita da jurisdição (FOSCHINI chegava a afirmar que
o juiz não devia se imiscuir na execução "odiosa",
mas tão somente no direito puro); a resistência às
categorias de ações mandamentais (v.g.: BUZAID e SCHÖNKE)
- já que a ordem é efeito; e a concepção carneluttiana
de que só há jurisdição na sentença
declaratória.
Tendo em vista a bipartição
de funções entre praetor e iudex, poderíamos dizer
que no contexto do direito romano só o julgamento da actio, pelo
ordo iudiciorum priuatorum, seria jurisdicional, sendo impossível
considerar que os interditos configurassem jurisdição, mas
sim exercício de imperium. Entretanto, diz MURGA que a qualificação
dada aos interditos, de atos magis imperii quam iurisdictionis é
"ambígua e pouco feliz", não querendo indicar que os interditos
"sejam de natureza especial e distinta, mas simplesmente que neles se manifesta
mais aquele aspecto de mando que constituía como que a base genética
de todo ato político" [grifos nossos].
Diz a doutrina tradicional que: se a
definitividade do interdito depende da outra parte (LUZZATTO); e se o interdito
depende da discricionariedade do pretor, que só examina as circunstâncias
- sem o escopo da busca da verdade (BONFANTE) -, não há julgamento
e não se pode falar em jurisdição.
Com relação à polêmica
divisão entre a esfera pública e a privada, diz-se que os
interditos normalmente se aplicavam a questões de ordem pública
(de ordem privada: na posse). Por conseqüência, DE MARTINO entende
que o interdito não é jurisdição pois só
há um vínculo de direito público com o pretor - entretanto,
não se pode esquecer que é absolutamente criticável
a expressão ius publicum em Roma, visto que àquela época
nem se podia falar em Estado. O direito privado não diz "eu te ordeno"
ou "eu te proibo de fazer isso": o direito privado diz "eu reconheço
em ti a existência desse poder". Esse reconhecimento é a jurisdição.
Em conseqüência dessa desvinculação entre o interdito
e a esfera privada, temos hodiernamente que o mandado de segurança
ainda não se estende às relações jurídicas
de direito privado.
Para encerrarmos esse interlúdio
histórico, seria interessante lembrar a quem interessou a reativação
do Direito Romano, e em conseqüência, também a reativação
dessa separação entre cognição e medidas executivas,
na forma de uma corruptela do ordo iudiciorum priuatorum. Segundo FOUCAULT,
essa ressurreição, realizada no século XII, significou
o ressurgimento de "um dos instrumentos técnicos e constitutivos
do poder monárquico autoritário administrativo e finalmente
absolutista". Através dessa revigoração do direito
romano, diz GRAMSCI, "o direito romano foi manipulado pelas novas classes
dominantes, a ponto de transformar-se de técnica em código
de normas, a serviço da propriedade burguesa".
"... os estudos jurídicos, renascidos
pela necessidade de dar ordem às novas e complexas relações
políticas e sociais, voltaram-se, é verdade, para o direito
romano, mas rapidamente degeneraram na casuística mais minuciosa,
justamente porque o direito romano 'puro' não pode ordenar a nova
complexidade das relações: na realidade, através da
casuística dos glosadores e dos pós-glosadores formam-se
as jurisprudências locais, nas quais tem razão o mais forte
(o nobre ou o burguês) e que é o 'único direito' existente:
os princípios de direito romano foram esquecidos ou superpostos
pela glosa interpretativa, que, por sua vez, passa a ser interpretada como
um resultado final, no qual de direito romano não havia mais nada
a não ser o princípio puro e simples da propriedade."
6.3. O problema da verdade na ciência
Como o proceso de conhecimento tem por
escopo a solução do conflito de interesses "com base num
denominado 'juízo de certeza', derivado daquilo que alguns processualistas
costumam chamar de busca da verdade", é preciso averiguar o problema
da verdade na ciência e no direito processual civil - quer ele seja
ou não ciência. Mesmo porque, como já foi mencionado
supra, existe uma nítida relação (de cunho ideológico,
é claro) entre busca da verdade e neutralidade do juiz.
Desde o início desse trabalho,
estamos falando das questões epistemológicas relativas àquilo
que se convencionou chamar de "ciência do direito", justamente para
enquadrar o problema da neutralidade do juiz num quadro geral de mitos
positivistas da ciência.
A questão da verdade no processo
civil também não poderia deixar de figurar dentro dessa preocupação
epistemológica, tanto que é ineludível a importância
da questão da verdade para a "neutralidade" do cientista.
Para LACAN, "la verdad no es otra cosa
sino aquello de lo cual el saber no puede enterarse de que lo sabe sino
haciendo actuar su ignorancia." Segundo LACAN, a verdade para a ciência
não passa de objeto de um jogo de valores, que lhe retira sua potência
dinâmica. É essa a forma de sustentação da ciência
na lógica. Através do discurso da lógica proposicional
- aliás, fundamentalmente tautológico - são ordenadas
proposições "compostas de maneira tal que elas sejam sempre
verdadeiras, seja qual for, verdadeiro ou falso, o valor das proposições
elementares." Pergunta LACAN nesse passo, se "não será isso
livrar-se do que chamava há pouco de dinamismo do trabalho da verdade?"
A verdade tem origem grega, em alhqeia
- termo, aliás que mereceu toda a especulação de HEIDEGGER.
Como lembra LACAN, o termo hebreu, emet, "tem, como todos os usos do termo
verdade, origem jurídica", tanto que ainda hoje, à testemunha
é solicitado dizer a verdade - embora LACAN entenda ser impossível
dizer toda a verdade, posto que o que é de fato procurado "no testemunho
jurídico, é do que poder julgar o que é do seu gozo."
HORKHEIMER observa que a divisão
da verdade em ciências físicas e humanas configura um produto
da organização das Universidades e das escolas filosóficas
de RICKERT e WEBER, principalmente. "O chamado mundo prático não
tem lugar para a verdade, e portanto a divide em frações
para conformá-la à sua própria imagem: as ciências
físicas são dotadas da chamada objetividade, mas esvaziadas
de conteúdo humano; as humanidades preservam o conteúdo humano,
mas só enquanto ideologia, a expensas da verdade."
HORKHEIMER questiona a possibilidade
de se determinar o que é ciência e o que é verdade,
se o próprio fato de se determinar isso pressupõe a existência
prévia de métodos de alcançar a verdade científica.
Essa mesma questão é colocada em relação à
observação: quando se pergunta a um positivista por que a
observação é a garantia adequada da verdade, ele apela
novamente para a observação, descrevendo como esta funciona,
sem atentar para o automatismo da pesquisa, "os mecanismos de localização,
verificação e classificação de fatos, etc.
e refletir sobre o seu significado e relação com a verdade".
Tudo isso sob a incrível justificativa de que "não é
da sua competência justificar ou testar o princípio de verificação".
É fácil transportar essa questão para o processo,
pois da mesma forma o processualista tradicional prefere fazer uma descrição
detalhada do procedimento e suas filigranas, a ter de criticar o método
de cognição do processo civil brasileiro.
Já para FOUCAULT, a passagem
(poderíamos dizer jurisdicional!) da verdade/prova à verdade/constatação
não se trata de efetiva passagem, pois a verdade/constatação
não passa de um caso particular de verdade/prova na forma do acontecimento,
que ademais pode ser sempre repetido. Essa passagem forma um ritual instrumentalizado
de produção de verdades, que progressivamente vai recobrindo
as outras formas de produção da verdade, impondo sua forma
como universal. "A história deste recobrimento seria aproximadamente
a própria história do saber na sociedade ocidental desde
a Idade Média: história que não é a do conhecimento
mas sim da maneira pela qual a produção da verdade tomou
a forma e se impôs a norma do conhecimento," e que acompanha as mutações
essenciais das sociedades ocidentais ("emergência de um poder político
sob a forma do Estado, expansão das relações mercantis
à escala do globo, estabelecimento das grandes técnicas de
produção").
6.4. O problema da verdade no processo
Como foi visto supra, com relação
ao conhecimento científico, a questão da verdade tem sido
apresentada normalmente em relação ao método e à
neutralidade do sujeito. Por isso é de se ressaltar que CALAMANDREI
articula a questão da verdade no processo não com seu método,
mas com seus escopos. Assim, se o processo devesse servir somente para
garantir a paz social, acabando a todo custo com o litígio, mesmo
com uma solução de força, qualquer procedimento com
certa solenidade pode servir a esse escopo: até o juízo de
Deus, o sortilégio, ou o método do juiz de RABELAIS, que
solenemente pesava as petições dos litigantes, dando ganho
de causa à petição mais pesada. Mas se o escopo do
processo for a decisão segundo a verdade e a justiça, o interesse
do processo se concentra nos métodos da pesquisa da verdade, e sem
mais se contentar com as formas externas, procura investigar os meandros
lógicos e psicológicos da lide.
Embora CALAMANDREI admitisse que o escopo
do processo não é somente a busca da verdade, mas também
a justiça da qual a verdade seria uma premissa, aqui podemos notar
o quanto o célebre processualista prezava a verdade em detrimento
do escopo da pacificação social (mesmo porque se tratava
de premissa), quando hoje temos exatamente o contrário, em face
dos conflitos da sociedade industrial e da emergência dos novos direitos,
sem que com isso o processo civil se valha de ordálias e juízos
de Deus, mas sim promova sua deformalização e celeridade.
Hoje podemos dizer que a verdade não é premissa para a decisão
justa, não só porque a decisão mesmo com base na verdade
pode chegar atrasada e não ser justa, como também é
possível obter decisões justas com base em simples verossimilhança
ou probabilidade.
CALAMANDREI entende que é preciso
tornar a considerar o processo como instrumento da razão, e portanto,
como método de conhecimento da verdade, e não como árido
jogo de força e destreza. Essa visão instrumentalista do
processo poderia ser objeto da mesma crítica que a Escola de Frankfurt
fez à instrumentalidade da razão, mas infelizmente não
há espaço para digreções sobre esse assunto
no momento.
Para CALAMANDREI, a crise do proceso
é substancialmente a crise da verdade (no que concorda com CAPOGRASSI),
e que é preciso voltar a "crer na verdade", habituar-se novamente
a levar a sério a idéia de verdade. De fato, trata-se de
uma crise que devastou o campo filosófico - como já vimos,
supra - e penetrou o direito processual.
O eminente autor italiano identifica
a tendência a se colocar num mesmo plano sistemático o processo
de conhecimento e o de execução forçada, com essa
tendência filosófica, que invadiu o processo, de se privilegiar
a vontade em detrimento da inteligência, e a autoridade em detrimento
da razão. Quanto à crença na verdade, embora seja
um slogan bonito, pode trazer suas conseqüências - entre as
quais, a inviabilização dos juízos de verossimilhança
e de probabilidade, e por conseguinte, as tutelas de urgência - como
já referido supra. Quanto à vinculação entre
filosofias de caráter autoritário e o colocar num mesmo plano
sistemático o processo de conhecimento e a execução
forçada, parece-nos um equívoco devido à ideologia
da separação entre cognição e execução
- o que impede a utilização de medidas executivas no curso
do processo de conhecimento, e ordinariza todo o procedimento.
Segundo LUHMANN, a posição
central do valor verdade e do conhecimento orientado para ele tem raízes
antigas na história. Especificada a verdade no contexto da ciência,
e vinculada a rígidos pressupostos metodológicos, acabou
fundamentada em torno dos processos de decisão. Com isso tornou-se
difícil discordar de que "o conhecimento verdadeiro e a verdadeira
justiça constituem o objetivo e conjuntamente a essência dos
procedimentos juridicamente organizados (...). Segundo esta opinião,
um procedimento constituiria, entre os outros papéis sociais, uma
estrutura separada, com relativa autonomia, em que seria acionada uma comunicação
com o objetivo de decisão certa (orientada para a verdade, legítima,
justa)."
Para LUHMANN, é impossível
"negar ao problema da verdade qualquer sentido prático para o procedimento
jurídico ou contestar à verdade o seu valor. O que falta
é uma teoria que possa pôr em dúvida o problema da
verdade, tal como acontece no procedimento e que não aceite, a priori,
que o procedimento preste serviço à verdade." Segundo a teoria
sistêmica luhmanniana - cuja grande e reconhecida colaboração
no campo sociológico está na categoria da complexidade -,
a função da verdade no sistema social seria justamente a
transmissão de reduzida complexidade. Nessa função,
nenhum procedimento pode prescindir da verdade, sob pena de perder-se "num
poço sem fundo de possibilidades sempre diferentes."
Paulo de Tarso Ramos RIBEIRO questiona
a possibilidade da concepção luhmanniana "garantir a verdade
das decisões judiciais em um contexto de grande complexidade das
relações sociais, intensa reflexividade das normas e um número
não quantificável de demandas de origem multifária,
que precisam ser decididas ou pelo menos encaminhadas, de sorte a que o
sistema não se veja interrompido em sua dinâmica funcional".
O autor adverte, nesse passo, que "a necessidade de garantir a possibilidade
das decisões não pode chegar ao ponto de inviabilizar a obtenção
simultânea da verdade das opções".
Como a verdade e a certeza são
conceitos absolutos, DINAMARCO afirma categoricamente que é impossível
ter-se a segurança de se atingir a verdade, e de se obter a certeza
em qualquer processo. "O máximo que se pode obter é um grau
muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas,
seja quanto aos fatos, seja quanto à subsunção destes
nas categorias adequadas. No processo de conhecimento, ao julgar, o juiz
há de contentar-se com a probabilidade, renunciando à certeza,
porque o contrário inviabilizaria os julgamentos. A obsessão
pela certeza constitui fator de injustiça, sendo tão injusto
julgar contra o autor por falta dela, quanto julgar contra o réu
[grifos do autor]." Observe-se que o alto grau de probabilidade exigido
por DINAMARCO no processo de conhecimento não se confunde com o
juízo de probabilidade, característico das tutelas de urgência
- caso contrário, seria incoerência do autor, aqui defender
juízos de probabilidade (característicos das tutelas diferenciadas),
e em outra obra, defender a universalização do procedimento
ordinário de conhecimento, sob o argumento de que os procedimentos
especiais são incompatíveis com a modernidade, posto que
correspondem a "ações processuais substancializadas". Trata-se
de argumento intrassistemático (qual seja, absorto dentro do sistema
processual civil, destituído de qualquer fundamento ou justificativa
social, ou que corresponda a um efeito social favorável, posto que
fundado apenas na necessidade - discutível - de se dar autonomia
científica ao direito processual), preocupado apenas com a teorização
eivada de artificialismo que é a utopia de uma ação
processual única (em termos de rito procedimental) e abstrata para
quaisquer tipos de conflitos.
Com relação à obsessão
pela certeza, de que fala DINAMARCO, completa José Eduardo FARIA
afirmando que se trata de preocupação típica das cúpulas
judiciais, porém preocupação insuficiente para atingir
largas parcelas da população, dando origem a uma simbiose
perversa entre lei e arbítrio, "em que o Estado de direito retrocede
para o estado da natureza, em que a lei acaba valendo para alguns segmentos
sociais mas não para todos, em que o Judiciário não
se mostra capaz de universalizar a aplicação dos mais elementares
direitos humanos e sociais."
O magistrado Lédio Rosa de ANDRADE
entende que a busca da verdade não passa de um pretexto de que o
juiz se utiliza para não decidir desde logo, enquanto "vai moldando
a prova segundo seu desejo", já prevendo a decisão que tomará.
Por isso, os meios de prova não seriam jamais idôneos para
a busca da verdade, "bem como não existe a possibilidade dos fatos
serem reconstituídos da forma como se deram no passado, sem qualquer
interferência de conceitos pessoais."
A busca da verdade, no processo civil,
é um mito que tem se prestado à obstaculização
de medidas de antecipação da tutela (quando aliada ao mito
da neutralidade do juiz e do processo). A grande contradição
da doutrina tradicional tem sido a seguinte: por um lado, defendem o mito
da busca da verdade quando se trata de inviabilizar as tutelas de urgência;
por outro lado, defendem o princípio dispositivo, em detrimento
da busca da verdade, que é a grande bandeira do princípio
inquisitório.
É preciso dizer, então,
que sendo mito, não há que se falar mais em busca da verdade.
Logo, abre-se a possibilidade das tutelas de urgência, com base em
verossimilhança e probabilidade. Isso não deve significar,
no entanto, que deve-se manter o princípio dispositivo em matéria
probatória. Só é preciso dizer que a possibilidade
de medidas instrutórias ex officio não têm mais por
fundamento a busca da verdade, mas sim um maior grau de verossimilhança
na decisão.
7. PARA CONCLUIR
Disse Walter BENJAMIN que, enquanto
existir um único mendigo, existirão mitos, e que só
a desaparição do último mendigo significaria a reconciliação
do mito.
Se existe uma idéia que tenha
atravessado todo esse trabalho, essa idéia é a do mito. O
assunto obviamente era a neutralidade, mas encarada como mito, e inserido
num quadro geral de mitos positivistas da ciência, relacionados à
neutralidade em seus vários aspectos. Esse prisma de estudo, que
privilegia o aspecto mítico da neutralidade, teve a vantagem de
permitir uma análise crítica - no caso, crítica stricto
sensu, já que com constantes aportes da Teoria Crítica da
Escola de Frankfurt - e tendente à multidisciplinariedade - justamente
na medida em que promoveu esses aportes.
Ao finalizar um trabalho, a tendência
é a de apresentar soluções. Não iremos, agora,
retomar ponto por ponto, e sequer resumiremos em poucas linhas todas as
soluções apontadas pela doutrina, topicamente, a cada um
desses pontos. Soaria descontextualizado, artificial, além do que
seria uma redundância terrível.
Então teríamos de apresentar
soluções gerais? Não. Além de ser impossível
imaginá-las de modo a serem aplicáveis às diversas
situações que se apresentaram - o que violaria suas particularidades,
em nome de um princípio de identidade diversas vezes atacado pelos
frankfurtianos -, soaria extremamente demagógico.
Entretanto, isso não é
justificativa para o silêncio. E, por hora, basta uma só consideração:
BENJAMIN está certo. Mendigos e mitos. A reconciliação
do mito parece cada vez mais distante, e a solução obviamente
não está no processo civil. Isso significa que, mais do que
nunca, é impossível abandonar agora as tarefas que nos foram
postas pela Teoria Crítica. Ao menos a essas tarefas o presente
trabalho, com todas as suas limitações, permaneceu fiel até
o fim.
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Arquivo retirado do endereço:
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