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A EFETIVAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

Bartolomeu Araújo

A Constituição cidadã (assim definida pelo saudoso Ulysses Guimarães) estabelece em seu art. 144, § 4º, que as polícias civis serão dirigidas por delegados de polícia de carreira. A eles incumbe o comando das investigações para a apuração das infrações penais comuns, ressalvada a competência da União. Esse profícuo trabalho tem sido desenvolvido com grande responsabilidade, não obstante a dificuldade do sacerdócio.

Contudo, algumas dúvidas ainda persistem nas autoridades policiais, diante do descompasso verificado entre a norma positivada (mormente o Código de Processo Penal) e a realidade ;fática. Dentre elas, a que se destaca no meio policial e merece adequação é sem dúvida o procedimento a ser adotado pelo delegado quando lhe chega ao conhecimento a notícia de um crime.

Nas prisões em flagrante e nos delitos graves, notadamente os hediondos (Lei 8.072/90) instaura-se, ab initio, o inquérito policial. Conduta que se coaduna com o disposto no art 5º, § 3º, da Lei Adjetiva Penal, in verbis: ‘‘...Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito’’.

Também quando há requisição de algum juízo ou do Ministério Público, e nesses casos deverão vir acompanhadas de informações necessárias à sua definição legal, a instauração se dá imediatamente, sem que a autoridade policial busque novos elementos de convicção ou aprecie quanto à sua oportunidade ou conveniência.

No entanto, as situações não enquadradas dentre as citadas acima é que conduzem a grande celeuma. Em regra, após o recebimento da notitia criminis, a autoridade a despacha para a seção de investigações para que os seus agentes confirmem a sua veracidade e ofereçam relatório apontando autoria a circunstâncias do crime. Uma vez apresentada tal peça, dá-se início ao inquérito pertinente, mediante a elaboração de uma portaria.

Contudo, o relatório só é oferecido, em regra, quando se consegue o deslinde do crime. E quando isso não ocorre? Nesse caso, o inquérito, normalmente, não se inicia de imediato, permanecendo o que foi produzido — ocorrência, laudo etc — sobrestado (não arquivado) na delegacia.

Isso se verifica porque não há estrutura policial (recursos materiais e humanos) suficiente para a instauração de todos os inquéritos relacionados às comunicações de crimes; pela certeza que o Ministério Público e o Judiciário não conseguiriam dar vazão a todos os processos, diante da imensurável sobrecarga que surgiria doravante; e, certamente o mais importante motivo, a busca opor um trabalho objetivo, com pouco dispêndio para o Estado, sem prejuízo da investigação policial, que prossegue até a solução do caso ou até que sobrevenha o seu desinteresse, motivado principalmente pelo decurso temporal (prescrição).

A partir dessa explanação, faz-se mister a pergunta: a autoridade policial que deixou de iniciar o inquérito à época do crime estaria cometendo algum delito? Alguma omissão? Seguramente há aqueles que entendem que sim. Mas qual o crime? Prevaricação? (Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal) Parece-me que os elementos descritivos do tipo não estão presentes nesses casos. A não ser que a autoridade policial deixe de fazer o inquérito, mesmo diante da existência da confirmação do crime, ‘‘para satisfazer interesse ou sentimento pessoal’’. O que decisivamente não ocorre, pois as razões transmudam o interesse pessoal para o social.

Além disso, não há dúvida de que existe uma aceitação tácita do quadro de todos os segmentos que lidam, direta ou indiretamente, com o problema, incluindo a Corregedoria Geral de Polícia, o órgão ministerial e o Judiciário. Não obstante essa posição, casos há em que alguns juízes e promotores têm cobrado a instauração do procedimento presecutório ao tempo do cometimento do crime, e, quando ele não foi produzido, gera desconforto para a autoridade policial. Se a requisição buscar tão-somente o esclarecimento de determinada situação jurídica, ela será legítima e estará em harmonia com a idéia espelhada pela maioria, como já esclarecido.

Uma definição torna-se necessária urgentemente. Para isso, faz-se mister a mobilização dos órgãos envolvidos na presecutio criminis para a adoção formal de um posicionamento. De antemão, sugiro duas opções: a) diante da confirmação de um crime, a autoridade policial instaurará de pronto o inquérito pertinente (nesse caso, a grande maioria das ocorrências policiais gerarão tal procedimento persecutório); b) ao contrário, fará ab initio a instauração para apurar crimes graves, após uma triagem, ou com indícios de autoria, sem prejuízo da continuidade das investigações, que poderão conduzir a uma futura elucidação do crime e à elaboração do tempestivo inquérito. Não se pode olvidar que essa última opção já vem sendo adotada, em que pese a negativa da maioria das autoridades, pois, como se vê, os inquéritos em sua maioria servem, basicamente, para formalizar o que já foi investigado.

Além da Polícia Federal, na Polícia Civil está normatizado o procedimento definido como investigação policial preliminar — IPP, previsto na portaria de dezembro/94, do Exmo. Sr. Secretário de Segurança Pública do DF, em seu art. 81, inc. III, que tem como objetivo uma investigação prévia que serve para instruir o inquérito policial, após a confirmação da existência do crime e indícios de sua autoria.

Se, porém, houver necessidade de um projeto de lei para a adaptação do Código de Processo Penal à realidade atual, que se faça, sob pena de tornarem-se letra morta e, por conseguinte, inaplicáveis os artigos que estejam comprometidos. O próprio Legislativo já criou instrumentos recentes para desafogar o Judiciário. A Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Civis e Criminais) se destaca como seu maior exemplo. É sem duvida o mais importante mecanismo de adequação da norma à realidade social do final do milênio. Essa norma, com seus princípios (informalidade, oralidade, etc), dispensando inclusive inquérito policial em crimes de menor potencial ofensivo, é, notadamente, o grande avanço que o Estado busca e o respeito que a sociedade merece.

Bartolomeu Araújo
Delegado de Polícia no Distrito Federal
 
 

Extraído do site do jornal Correio Braziliense