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Fábio de Sousa Santos*
É recorrente na
mídia, geral e especializada, o debate a respeito da necessidade, utilidade,
legalidade, constitucionalidade ou mesmo a moralidade da exigência da aprovação
no exame de ordem para o ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Atualmente, diante
de recente decisão da juíza da 23° Vara Federal do Rio de Janeiro, que permitiu
que 6 bacharéis se inscrevessem como advogados, sem serem aprovados no referido
exame, e, apesar da imediata cassação pelo TRF da 2° região, o debate ganhou
força.
Os argumentos
contra o exame são dos mais diversos, desde ofensa ao princípio da isonomia, ao
questionamento da "competência" da OAB para avaliar a qualidade dos
bacharéis, passando pela falta de fundamento legal e constitucional para tal
exigência, da inconstitucionalidade da regulamentação do exame pela própria
instituição ou ainda da contrariedade às normas constitucionais relativas à
educação e, por fim, a, no mínimo, curiosa alegação de que o exame é uma forma
de dificultar o aumento da concorrência na atividade.
É imperioso
destacar que tramitam no congresso nacional projetos de lei com o intuito de
abolir a exigência do exame de ordem para a inscrição nos quadros da Ordem,
dentre os quais destacamos o PL 186/06 do Senado Federal, de autoria do Senador
Gilvam Borges, que se encontra sob a relatoria do Senador Magno Malta.
Com o devido
respeito aos que defendem a extinção do exame de ordem, tal posição nos parece
de todo inaceitável diante do ordenamento jurídico vigente e diante da lógica
do razoável.
A Constituição
Federal, em seu artigo 5, XIII diz que:
"XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer;"
Trata-se de norma
constitucional de eficácia contida que, no ditame de José Afonso da Silva, são
espécies de normas em que
"o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos
a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da
competência discricionária do poder público nos termos que a lei
estabelecer(...)" [01]
Pois bem, como
destaca o ilustre doutrinador, a Constituição deixou nas mãos do legislador a
atribuição de estabelecer os requisitos para o exercício de qualquer ofício, o
que, no caso da advocacia, foi feito pela lei n°8906/94 – O Estatuto da
Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
O referido diploma
legal estabelece, em seu artigo 8°, os requisitos para inscrição nos quadros da
OAB como advogado, dentre os quais: "IV
– a aprovação em Exame de Ordem;".
Note-se que a lei
9394/96, invocada pelos que defendem a inadmissibilidade do exame de ordem como
diploma legal que estabeleceria os requisitos para o exercício da advocacia,
destina-se a estabelecer as "diretrizes
e bases da educação nacional" e em seu artigo 48 diz:
"Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando
registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu
titular."
O diploma, segundo
o dispositivo legal acima disposto, é prova de que aquele cidadão preencheu
todos os requisitos para a conclusão de um curso superior. No caso do graduado
em Direito, o diploma prova sua condição de bacharel em direito – não de
advogado.
Convém esclarecer
ainda que a lei 9394/96 não revoga o Estatuto da OAB, eis que a primeira trata
de da formação educacional no Brasil, sob todas as suas formas e aspectos,
enquanto o último trata da atuação de um segmento específico dos graduados em
direito – o advogado.
Neste
entendimento, as suposta afronta aos artigos 205, 207 e 209, II da Constituição
não se sustentam, eis que, como dito, o exame de ordem é um instrumento de
avaliação profissional - e não educacional - estando, portanto fora da órbita
da regulamentação relativa ao ensino e educação.
Não custa lembrar
ainda que a OAB, por determinação do art. 44, II do seu Estatuto, destina-se à:
" II - promover,
com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos
advogados em toda a República Federativa do Brasil."
Passando ao
argumento seguinte, alega-se a inconstitucionalidade do §1° do artigo 8° do
referido estatuto, vez que quando diz que "§ 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho
Federal da OAB" estaria contrariando o disposto no art. 84, IV da
CF.
O citado
dispositivo constitucional reserva ao presidente a competência para editar
decretos e regulamentos das leis. De início, note-se que o dispositivo legal
destacado não afasta a competência constitucional atribuída ao presidente: ela
não nega a este o exercício de tal atribuição.
A OAB tem
competência decorrente do poder regulamentar, para instruir a execução, nas
balizas legais, dos atos de sua alçada. O dispositivo apenas explicitou na lei
que a OAB deve "expedir instruções para a execução" [02]
do exame de ordem, o que foi efetivamente feito por meio do provimento
n°.109/05 do Conselho Federal da OAB.
Ante o exposto,
tendo ficado claro que a exigência da aprovação no exame encontra claro
respaldo no ordenamento jurídico vigente, dediquemo-nos a analisá-lo sob o
prisma da isonomia.
Celso Antônio
Bandeira de Mello usa de sua habitual maestria pra nos ensinar que:
"Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:
I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário
determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas ou uma pessoa futura
e indeterminada;
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de
diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou
pessoas por tal modo desequiparadas. (...)
III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a
fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência
lógica coma disparidade de regimes outorgados.
IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato,
mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo
dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens,
desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro,
ainda que por via implícita." [03]
Na esteira do
ilustre doutrinador vemos que a distinção estabelecida (Inscrição como advogado
nos quadros da OAB) atinge uma categoria de pessoas (bacharéis em direito) e
reside, também, no fato de ter
sido este bacharel aprovado no exame de ordem.
Aqui cabe lembrar
que o bacharel em direito é habilitado para o exercício das mais diversas
atividades, dentre as quais destacamos: o ministério público, a magistratura,
magistério e, também, a advocacia. O
curso de direito não forma advogados, forma cientistas do direito, que, dentre o leque de opções do
mercado profissional, podem ou não, optar pela advocacia.
Tal realidade não
se dá com os graduados em outros cursos, tal qual, por exemplo, medicina (eis
que a única profissão para o qual foi treinado e habilitado foi a de médico) ou
engenharia (eis que o graduado em engenharia é, necessariamente, um
engenheiro).
Um promotor ou um
juiz não podem ser advogados. Um professor de direito não precisa. São
realidades profissionais diversas, que implicam em atribuições diversas e em
maneiras diferentes de se vivenciar o mundo jurídico.
A carta magna, em
seu artigo 133, é clara ao dizer que "O
advogado é indispensável à administração da justiça...", afirmação
reproduzida no caput artigo 2°
do Estatuto da OAB, que acrescenta em seus parágrafos:
"§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função
social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de
decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público. (...)"
O Código de Ética
e disciplina da OAB, diz ainda que
"O advogado (...) é
defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública,
da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu ministério privado
à elevada função pública que exerce"
Destaque-se ainda
que o Brasil possui mais da metade dos cursos jurídicos do mundo, cerca de 1.000, muitos de qualidade duvidosa,
demonstrado pelo fato de que, nos últimos anos, o índice das aprovações no
exame de ordem em alguns estados do país não supera 10%. Diante de tal
realidade, e da importância da função do advogado é absolutamente razoável,
senão lógico, pensar que, para as nobres funções elencadas acima houvesse, uma
forma de seleção, de "separar o joio do trigo".
Nesta análise,
pode-se afirmar que a exigência do exame de ordem não contraria o princípio da
isonomia ou quaisquer outros princípios constitucionais.
Em tempo,
observa-se que o estatuto estabelece distinção clara e não oferece margem a
qualquer outro tipo de desequiparação subjacente, preenchendo, portanto, o
último requisito da doutrina de Celso Antônio.
Por fim, resta o
argumento, diga-se, absurdo, de que o exame de ordem visa criar um "nicho
de mercado" aos advogados aprovados no exame, diminuindo a competição
dentro da profissão.
De início, cumpre
destacar que, conforme o artigo 5° do já citado código de ética e disciplina da
OAB, "O exercício da Advocacia é
incompatível com qualquer procedimento de mercantilização." Assim,
a princípio, não há que se falar em "competição", no sentido
comercial ou capitalista da palavra, dentro da atividade advocatícia.
Discussões
filosóficas a parte, devemos lembrar que o exame de ordem não é um concurso, é,
tautologicamente, um exame: visa somente auferir a capacidade do graduado, não
classificá-los em ordem ou qualidade. Basta que ele atinja um percentual mínimo
de conhecimento e de capacidade para o exercício da advocacia. É suficiente que
o examinado acerte 50% das questões na primeira fase e atinja um percentual de
acerto de 60% na segunda etapa para que seja considerado apto ao exercício da
advocacia. Nada que algum tempo de dedicação, esforço e uma boa dose de
tranqüilidade não atinjam.
Por exemplo, se
todos os examinados de um dado exame atingirem os percentuais mínimos de
acerto, todos os examinados serão considerados aptos e todos serão bem vindos à
"Casa do Advogado", desde que preencham os outros requisitos do art.
8° do Estatuto.
Os argumentos
expostos evidenciam que o Exame de ordem é absolutamente compatível com o
ordenamento jurídico constitucional, além de ser medida imperiosa para a manutenção
da qualidade da atividade advocatícia e judicante.
Bibliografia:
Bandeira de Mello, Celso
Antônio. Conteúdo jurídico do
princípio da igualdade - 3° edição (15° Tiragem). São Paulo : Malheiros,
2007;
Bandeira de Mello, Celso
Antônio. Curso de Direito
Administrativo. 23° edição. São Paulo : Malheiros, 2007.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas Constitucionais. São Paulo : Revista
dos Tribunais, 1982;
Notas
01 Aplicabilidade das normas Constitucionais.
São Paulo : Revista dos Tribunais, 1982. P. 89-91
02 Expressão
utilizada no voto do ministro Carlos Velloso quando do julgamento da ADI 1511 -
DF.
03 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade
- 3° edição (15° Tiragem). São Paulo : Malheiros, 2007, Pag. 47/48.
* Advogado, Graduado em Direito pelo Instituto
de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho - ICF, pós graduando em
direito Civil e Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco – MS.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10864
Acesso em: 14 out.
2008.