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Poliana Maria C. Fagundes Cunha*
Em janeiro de 2007, no dia 05.02.2007, foi publicada no DOU a Portaria
MEC no. 147/2007, que "dispõe
sobre a complementação da instrução dos pedidos de autorização de cursos de
graduação em Direito e Medicina", com previsão em seus artigos 1º e
4º:
"Art. 1º Os processos de autorização de cursos de graduação em direito e em
medicina atualmente em trâmite perante o Ministério da Educação, ainda não
decididos em virtude de parecer contrário do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil, nos termos do art. 54, XV da Lei nº 8.906, de 04 de
julho de 1994, no primeiro caso, e da ausência de parecer favorável do Conselho
Nacional de Saúde, previsto no art. 27 do Decreto nº 3.860, de 09 de julho de
2001, revogado pelo Decreto 5.773, de 2006, que manteve a exigência nos seus
arts. 28, § 2º, e 31, § 3º, terão sua
instrução complementada conforme as diretrizes fixadas nesta Portaria,
observada a legislação aplicável.
Art. 4º A complementação da instrução dos processos de que trata esta Portaria
será diligenciada pela SESu, que poderá, se necessário, contar com a
colaboração de especialistas externos, com conhecimentos reconhecidos nos
campos profissional e acadêmico, nas áreas de medicina ou direito." (gn).
A teleologia da norma é a manutenção constante da qualidade do ensino
ministrado pelas instituições de educação superior. No entanto, do disposto nos
artigos acima transcritos, emerge, sem sombra de dúvidas, a conclusão de que o
MEC pretende impor a aplicação retroativa das exigências contidas na Portaria no.
147/2007, exigindo expressamente a "complementação"
da instrução processual em procedimentos de autorização de curso que já
cumpriram todas as suas etapas, aguardado apenas a fase decisória, levando o
disposto a recair em vários vícios de legalidade.
Verificando as exigências trazidas pela égide de tal Portaria no.
147/2007, resta ilegítima a figura da "complementação
de instrução", visto que contraria os postulados da segurança
jurídica e da razoabilidade, caracteriza verdadeira afronta ao princípio da
irretroatividade presente na constituição, segundo os quais deve ser preservada
a validade dos atos praticados segundo a lei vigente ao tempo em que
realizados, mesmo quando a norma em questão não configurar-se lei, na acepção
formal do termo.
Convém lembrar que, na época dos pedidos de autorização, os requisitos
exigíveis, por disposição expressa do Decreto no. 5.773/2006, são
unicamente aqueles estabelecidos no artigo 30 da referida norma.
Ocorre que a Portaria MEC no. 147/2007 simplesmente ampliou
ilegalmente o rol de exigências a serem cumpridas pelas instituições de
educação superior que pretendam abrir cursos de graduação em Direito e
Medicina, sob o falacioso argumento de estar apresentado pedido de "complementação de informações".
[01]
Na ordem sucessiva ocorrida no processo administrativo, mister que não
se repitam atos perfeitamente realizados. Assim, pode-se concluir que as fases
do rito processual administrativo concluídas situam-se no âmbito do direito
adquirido das Instituições que galgaram tal etapa, devendo ser respeitada pela
legislação superveniente. Reportando-se ao princípio da segurança jurídica,
esse fica traduzido na interpretação da norma administrativa da forma que
melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação
retroativa de nova interpretação (art. 2º, XIII, da Lei n 9784/99)
A referida portaria configura evidente imposição de novas exigências,
não previstas na legislação vigente na época em que os processos de autorização
em comento foram apresentados perante o MEC, violando o princípio da
irretroatividade da lei. Ocorre que, no ordenamento jurídico brasileiro, o
sistema constitucional vigente determina que a eficácia retroativa de qualquer
lei somente pode existir de forma excepcional, não presumida e deverá emanar de
disposição legal expressa.
A Consultoria Jurídica do MEC já vem realçando a ilegalidade, nos quais
podemos citar o ilustre Advogado da União Dr. Moisés Teixeira de Araújo,
prolator do Parecer no. 713/2006 – CGEPD, de 26.09.2006, do qual
citamos:
"6. A propósito da diligência CNE/CES no
13/2006, permita-me trazer à colação o entendimento da então Consultoria-Geral
da República, consubstanciado no Parecer no. 65, sintetizado na
seguinte ementa:
‘- Quando
a lei estabelece todos os requisitos constitutivos de um direito, o
requerimento, de quem os atenda, vincula a Administração à lei vigente ao tempo
desse pedido, o qual é ato jurídico perfeito, e, por isso, infenso à lei
posterior que modifique ou extinga o direito deflagrado pelo ato-condição,
presente no requerimento que faz logo incidir a norma vigente, que o rege.’
7. Diante de tal princípio, a decisão SESu de
01 de dezembro de 2004 (INFORMAÇÃO – MEC/SESu/DESUP/CGAES no. 30/2004),
proferida na vigência dos Decretos 3.860/2001 e 4.914/2003, constitui-se em ato
jurídico perfeito e acabado." (Parecer no. 713/2006 – CGEPD, extraído
do corpo do Parecer CNE/CES no. 264/2006 – Anexo IV-F -, aprovado em
09/11/2006 – gn).
Neste sentido José Adércio Sampaio, in Direito Adquirido e Expectativa de Direito, Del Rey, 2005, ao
discorrer sobre o direito adquirido em situações de fato complexas, assim se
coloca;
"Podemos diminuir o grau de incerteza, se tomarmos hipóteses de
eventos regulados por lei antiga diante da superveniência de nova lei, como
seguem: a) os elementos do pressuposto fático e da estatuição se verificaram
inteiramente no passado: a situação se acha consolidada, não podendo o novo
regramento se aplicar, a menos que se trate de lei penal mais favorável; b) os
elementos do pressuposto fático se realizaram plenamente, havendo alguns
efeitos por verificar-se: garante-se a estabilidade do já ocorrido, a menos que
se trate de lei penal mais favorável ou de conseqüências que dependiam, de
acordo com a lei velha, de termo ou eram de trato sucessivo. Termo prefixado
está a salvo diz a Lei de Introdução; já os termos pendentes se regem pela lei
velha; c) se a norma jurídica contempla um pressuposto complexo, desdobrado em
diversos ato, alguns tendo se completado, enquanto outros não, deve-se, no
geral, respeitar a regulação dos atos praticados, aplicando-se a lei nova aos
atos por se realizarem, assim como às respectivas conseqüências
estatuídas".
No caso, as novas exigências fazem com que as Instituições de Ensino
Superior praticamente voltem à fase inicial, pois exige-se a alteração no
projeto pedagógico do curso, já adaptado as exigências vigentes na época da
visita da Comissão de Avaliadores do INEP.
De outra forma, refazer atos administrativos já concluídos, sem a
indicação específica dos motivos que o justificam e com prejuízo ao direito
destas, caracteriza ofensa aos postulados da segurança jurídica, da legalidade
e da duração razoável do processo.
Visto que previsto em quais seriam os requisitos para concessão da
autorização do funcionamento do curso, o ato da administração pública fica
limitado a este.
Tem-se que o ato de concessão de autorização para o funcionamento de
curso de ensino superior em instituição credenciada perante o Ministério da Educação
não se reveste de discricionariedade, na medida em que, uma vez preenchidas as
exigências legais estabelecidas pela Administração Pública - inclusive no que
concerne ao ato de fiscalização de instalações prediais e outras, onde deverão
funcionar os cursos em comento, que receberam a aprovação da Comissão designada
para esse fim no âmbito do Ministério da Educação -, tem o administrado direito
à obtenção da autorização requeri da na espécie.
De fato, em matéria de ato discricionário, a doutrina administrativista
brasileira se mostra unânime ao assentar que a liberdade de decisão do
administrador não é absoluta, estando sujeita à satisfação do princípio da
legalidade - a dizer que a escolha acerca da oportunidade e conveniência da
prática do ato está subordinada aos limites impostos pela lei quanto ao mais,
afastado qualquer conteúdo de subjetividade na escolha do momento adequado à
prática de determinado ato, nas relações da Administração com o interesse
privado.
Na realidade, todo e qualquer ato discricionário praticado pela
Administração estará necessariamente jungido à supremacia do interesse público
- quando, então, e em razão do que a lei autoriza, o Administrador avalia os
fundamentos atinentes à conveniência e oportunidade para a prática do ato em
questão.
Nessa linha de raciocínio está assentado o ensinamento de Hely Lopes
Meirelles, in ''Direito Administrativo Brasileiro'', ed. Malheiros, 173 ed.,
1992, págs. 150 e seguintes, como adiante se vê:
''Atos discricionários são os que a
Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu
destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua
realização. A rigor, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas
sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que
repute mais convenientes ao interesse público. (...) Já temos acentuado, e
insistimos mais uma vez, que ato discricionário não se confunde com ato
arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição
é a liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contrária ou
excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo Direito,
é legal e válido; ato arbitrário é, sempre e sempre,ilegítimo e inválido.
(...)
A discricionariedade está - doutrina Fleiner
- em permitir o legislador que a autoridade administrativa escolha, ''entre as
várias possibilidades de solução, aquela que melhor corresponda, no caso
concreto, ao desejo da lei''. Mas deverá sempre estrita observância à lei, porque
a exorbitância do poder discricionário constitui ato ilícito, como toda ação
voluntária carente de direito. A esse propósito escreveu Goodnow que o poder
discricionário não autoriza nem legitima ''medidas arbitrárias, caprichosas,
inquisitórias ou opressivas'', o que corresponde à afirmativa de Nunes Leal:
''Se a Administração, no uso de seu poder discricionário, não atende ao. fim
legal, a que está obrigada, entende-se que abusou do poder''.
Assim, caberia ao MEC unicamente decidir pelo deferimento ou não de tais
autorizações tendo como referencial o relatório de avaliação do INEP, sobretudo
diante da manifestação favorável emitida pelo órgão responsável pela avaliação.
Neste sentido, art. 31, Decreto 5773/06:
Art. 31. A Secretaria competente receberá os
documentos protocolados e dará impulso ao processo;
§ 4º A Secretaria procederá à análise dos
documentos sob os aspectos da regularidade formal e do mérito do pedido, tendo
como referencial básico o relatório de avaliação do INEP, e ao final decidirá o
pedido.
Verifica-se, portanto, que a Portaria MEC nº. 147/2007, ao formular
novas e serôdias condições para autorização de cursos de graduação em Direito e
Medicina, extrapolou, indevidamente suas atribuições de ato normativo derivado,
afastando-se da obrigação legal de apenas explicitar a forma de execução da
lei, inovando no mundo jurídico, criando exigências não previstas no ato
originário, ilegalidade esta que impõe a pronta intervenção do Poder Judiciário
como única via apta ao restabelecimento da normalidade e legalidade no caso
presente.
Resumindo, é de todo evidente que os processos de autorização de
funcionamento de cursos de graduação em Medicina e Direito protocolizados
perante o sistema SAPIEnS/MEC antes da publicação da Portaria MEC no
147, de 02 de fevereiro de 2007, não podem ser atingidos pela indevida
aplicação retroativa desta norma não cogente.
Nota
01 "Art. 2º Os pedidos de
autorização de cursos de graduação em medicina que careçam de parecer favorável
do Conselho Nacional de Saúde deverão ser instruídos com elementos específicos
de avaliação, nos termos do art. 29 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999,
indicados em diligência da Secretaria de Educação Superior (SESu), com base no
art. 31, § 1º do Decreto 5.773, de 2006, que possam subsidiar a decisão
administrativa em relação aos seguintes aspectos:
I - demonstração da
relevância social, com base na demanda social e sua relação com a ampliação do
acesso à educação superior, observados parâmetros de qualidade;
II - demonstração
da integração do curso com a gestão local e regional do Sistema Único de Saúde
- SUS;
III - comprovação
da disponibilidade de hospital de ensino, próprio ou conveniado por período
mínimo de dez anos, com maioria de atendimentos pelo SUS;
IV - indicação da
existência de um núcleo docente estruturante, responsável pela formulação do
projeto pedagógico do curso, sua implementação e desenvolvimento, composto por
professores:
a) com titulação em
nível de pós-graduação stricto sensu;
b) contratados em
regime de trabalho que assegure preferencialmente dedicação plena ao curso; e
c) com experiência
docente.
Art. 3º Os pedidos de autorização de cursos
de graduação em direito que careçam de parecer favorável da Ordem dos Advogados
do Brasil deverão ser instruídos com elementos específicos de avaliação, nos
termos do art. 29 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, indicados em
diligência da SESu, com base no art. 31, § 1º do Decreto 5.773, de 2006, que
possam subsidiar a decisão administrativa em relação aos seguintes aspectos:
I - a demonstração
da relevância social, com base na demanda social e sua relação com a ampliação
do acesso à educação superior, observados parâmetros de qualidade;
II - indicação da
existência de um núcleo docente estruturante, responsável pela formulação do
projeto pedagógico do curso, sua implementação e desenvolvimento, composto por
professores:
a) com titulação em
nível de pós-graduação;
b) contratados em
regime de trabalho que assegure preferencialmente dedicação plena ao curso; e
c) com experiência
docente na instituição e em outras instituições;". (gn).
* advogada, professora, mestre pela PUC/PR
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10721
Acesso em: 25 ago.
2008.