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A estrutura legal do Sistema
Único de Saúde:
breve escorço sobre o
Direito Constitucional Sanitário
Sandro Alex de Souza Simões*
RESUMO
O
artigo procura traçar um panorama sobre a dimensão do Direito Sanitário
brasileiro a partir de um relato de sua evolução legislativa
infraconstitucional até o tratamento dado pela atual Constituição, sobremaneira
no âmbito federativo.
ABSTRACT
The
article makes an approuch on Brazil’s health Law since an historical point of
view over this specific legislation until the present Constitution which gives
a federalist treatment in this subject.
Conceito
e evolução do sistema através das Normas Operacionais Básicas
O
Sistema Único de Saúde – SUS é um modelo de ação social integrada e
descentralizada de matiz constitucional como visto anteriormente. O seu perfil,
como sejam os seus princípios e seus objetivos, é traçado pela Lei Fundamental
no art. 194 na ampla compreensão que dá ao direito de seguridade social no
título da Ordem Social. Seu conceito é obtido na legislação ordinária como
sendo "o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta
e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público" (Lei 8.080/90,
art. 4o ).
No
plano infraconstitucional o legislador não se esquivou da tradição de compor a
normatização do SUS através de uma lei orgânica que, como tal, pretende
sistematizar de maneira lógica e funcional os desideratos do direito à saúde
enquanto política pública em uma ordem institucional complexa, tal como o
federalismo brasileiro.
É
precisamente esse, a partir de uma perspectiva político-constitucional, o mais
delicado desafio da legislação básica de direito sanitário no país: organizar e
equilibrar coerentemente a exigência da realização do mandamento constitucional
da saúde enquanto direito fundamental, e assim sendo amplo e indefectível, com
o modelo tripartite de federalismo acolhido pela Constituição de 1988 em um
ambiente claramente assimétrico, assinalado por desigualdades inter e
intra-estaduais.
A
Lei 8.080, de 19.09.1990 irá constituir a chamada Lei Orgânica da Saúde e
buscará atacar o problema do equilíbrio federativo nos pontos mais
estrangulados pela anterior prática de excessivo centralismo, cujo modelo
paroxístico foi o INAMPS, em dois pontos: o financiamento e a gestão, de
que trataremos melhor mais adiante.
A
Lei 8.080/90 foi alvo de uma série de vetos que provocaram a necessidade de
formulação de um novo diploma para a regulação do controle do sistema por parte
da sociedade civil, como previa a Constituição de 1988 (art.194, parágrafo
único, VII), com o que surge a Lei 8.142, de 28.12.1990.
A
atividade normativa mais intensa, entretanto, revela uma característica
idiossincrática do direito sanitário, que é o ser de natureza eminentemente
regulatória, exercendo seu alcance por meio de uma significativa atividade
legiferante do Executivo, destacadamente as portarias chamadas de Normas
Operacionais Básicas (NOB) e, atualmente, Normas Operacionais de Assistência à
Saúde (NOAS).
Esse
aspecto próprio do direito sanitário é apontado pelo Professor BARROS TOJAL
(1994:22) que afirma com acerto:
"A partir do momento em
que se consolida o modelo do Estado Social, e a sua evidência resta absolutamente
clara entre nós, especialmente à luz das considerações a propósito da ordem
econômica da Constituição de 1988, o direito assume o papel de fator
implementador das transformações sociais, veiculando inclusive prestações
públicas. Por conseqüência, opera-se uma rematerialização da racionalidade
legal".
Esse
aspecto é bastante sensível no direito sanitário em função da dinâmica do seu
objeto, bem como de seus particularismos, o que o torna especialmente avesso
aos moldes de normatização estatutária do direito clássico, aos princípios de
segurança jurídica e separação de poderes analisados sob uma ótica estreita,
ponto de vista, ademais, em geral inconveniente para o cientista social.
No
direito sanitário a tendência comumente apontada pelos publicistas desde
LOEWENSTEIN, consoante noticia Clèmerson Clève (1993:49) quanto ao
robustecimento do Poder Executivo em face da nova e volátil dinâmica da
sociedade pós-moderna e pós-industrial, é destacada. O Estado passa a assumir a
função de suprir demandas que antes eram resolvidas no espaço individual ou
familiar. A saúde é um exemplo mais do que claro do argumento, pois se doenças
menos ofensivas ainda se prestam aos preparos medicamentosos caseiros, as
epidemias e a saúde preventiva apresentam espectro meta-individual e
meta-familiar.
Dessa
maneira é que em 08.01.1991 a Secretaria Nacional de Assistência à Saúde do
Ministério da Saúde reúne as Portarias de 15 a 20 na forma da NOB 01/91 e a
Resolução 258, do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
- INAMPS, norma administrativa editada com vistas a regulamentar e dar
cumprimento à disciplina constitucional e legal sobre a ação sanitária do
Estado na forma do Sistema Único de Saúde.
Essa
importante norma administrativa será a primeira de uma série de NOBs que
traçarão o desenvolvimento e a implementação do ideal de proteção integrada à
saúde no Brasil. A NOB 01/91 destaca-se pela criação do SISTEMA DE INFORMAÇÃO
HOSPITALAR (SIH/SUS) e do SISTEMA DE INFORMAÇÃO AMBULATORIAL (SAI/SUS) que
serão os mecanismos, doravante, de organização e operacionalização dos
pagamentos dos serviços hospitalares e ambulatoriais.
A
NOB 01/91 irá adotar alterar o critério para distribuição das AIH (autorizações
de internamento hospitalar) e UCA (Unidade de Cobertura Ambulatorial), que
antes era baseado na relação direta entre os serviços prestados pelos Estados e
Municípios. O critério da produtividade, por assim dizer, é comutado pelo
parâmetro de atendimento de 10% da população-ano. Dessa forma, a Portaria 19,
de 08.01.91, que integra a NOB 01/91 definiu para o Estado do Pará,
ilustrativamente, 35.945 AIH-ano por um critério populacional e não mais de
volume de internações feitas anteriormente.
É
de se observar que com a NOB 01/91 é clara a intenção de estruturar o serviço
de saúde pública em outras bases e voltados a outros objetivos, desta vez
profundamente influenciados pela política sanitária sugerida pela Constituição
Federal, qual seja a da gestão descentralizada da saúde. Em insistindo na
continuidade do critério produção-pagamento a relação entre a União e Estados e
Municípios seria sempre a de prestadores de serviço de saúde, o que nitidamente
é a intenção da Constituição de 1988, nem a da Lei 8.080/90, a qual se preocupa
expressamente ao estabelecer as diretrizes do SUS em acentuar a capacidade de gestão*
em cada esfera federativa, senão vejamos:
"Art. 7º. As ações e serviços
públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as
diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos
seguintes princípios:
...
IX - descentralização
político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na
descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e
hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível
executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos
financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à
saúde da população;
XII - capacidade de
resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos
serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins
idênticos" (Grifos nossos).
A
evolução do aparato regulatório do SUS vai apresentar uma linha extremamente
coerente no sentido de realizar o preceito da gestão descentralizada. A
Resolução 258, de 07.01.91 que irá compor o texto da NOB 01/91, entretanto, não
escapou às críticas pela marca centralista que ainda sugeria ao colocar o
INAMPS como controlador do SUS. De fato, a posição do INAMPS no processo é
ambígua porque por um lado representa uma estrutura centralizada, nacional,
diretamente ligada ao Governo Federal e que nas reformulações pelas quais passa
a Seguridade Social na década de 1990 perde completamente o significado, mais
precisamente após a extinção do SINPAS e a criação do INSS. Com a Lei 8.080/90,
art. 39, §5º todo patrimônio imobiliário do INAMPS passa a ser transferido para
os órgãos que integram o SUS. Ademais a Constituição Federal atribui a
competência para ação sanitária (art.198) ao SUS, perdendo o sentido a presença
extemporânea do INAMPS na dita Resolução. Nesse diploma administrativo é
reconhecida a necessidade da descentralização pelo que cabe ao INAMPS, quanto à
supervisão das atividades de saúde "conceder um crédito de confiança
aos Estados e Municípios, sem prejuízo do acompanhamento a ser exercido pelos
mecanismos de controle e avaliação que estavam sendo desenvolvidos". Além
do que a transferência dos recursos do INAMPS para as unidades federativas
dar-se-ia mediante celebração de convênios. Sobre isso observa com acidez
SANTOS citado por MONTEIRO DE ANDRADE (2001:37):
"O Sistema Único de
Saúde de repente passou a ser controlado pelo INAMPS, que num ‘crédito de
confiança’, resolveu delegar competências ‘suas’(?) aos Estados e Municípios, o
que é um absurdo jurídico!...Não podemos esquecer que o INAMPS não pode mais
ser tido como o organismo nacional de assistência médica. Deve ser definido
(pois ele não foi extinto)...É de se mencionar, também, que não há mais como
alocar recursos para serviços de assistência à saúde no orçamento do INAMPS,
uma vez que não lhe cabe mais prestar serviços (...)A União, os Estados, O
Distrito Federal e os Municípios têm a sua competência determinada pela
Constituição da República. Portanto, estão em pé de igualdade entre si, porque
nenhuma destas esferas recebe sua competência da outra, mas da Constituição.
Conseqüência disso: a) a descentralização estabelecida pela Constituição
da República é essencialmente política, ou político-administrativa; b) sendo
política, deve-se concretizar sem nenhum entrave, requisito ou pressuposto
administrativo; c) o convênio é instrumento de descentralização administrativa;
d) logo, a efetivação da descentralização política não pode depender de
convênio, que é instrumento administrativo de atuação; e) não se
opera a descentralização por convênio, uma vez que a descentralização é
política nascida da Constituição da República; f) a Lei Orgânica da Saúde é o
instrumento nacional garantidor da unicidade conceitual e operativa do sistema".
Dessa
maneira cabe relativizar a presença dos Convênios como instrumentos componentes
da estrutura legal do SUS durante a vigência da NOB 01/91. Hodiernamente, como
veremos adiante os convênios são formulados para o financiamento de projetos e
programas específicos na área de saúde.como os de qualidade do sangue, para
garantia de qualidade e auto-suficiência de sangue, componentes e derivados
sanguíneos com a implantação de unidades de hematologia e hemoterapia, o
programa de saúde mental para atenção extra-hospitalar ao portador de
transtorno mental, programa de valorização do idoso, mantidos pelo Ministério da
Saúde e outros às expensas da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, como os
sistemas de abastecimento de água, serviços de drenagem para o controle da
malária, unidades de zoonoses e fatores biológicos de risco etc.
Sucedeu
a NOB 01/91 a NOB 01/92 e NOB 01/93. Quanto à primeira cabe destacar que ela
avançou na seara do financiamento ao alocar os recursos do INAMPS para o Fundo
Nacional de Saúde, superando assim a crítica de centralismo e a aura de
inconstitucionalidade do controle estabelecido pela Norma Operacional anterior,
tal como exposto acima. A NOB 01/92 acena com um mecanismo bastante peculiar de
incentivo e estímulo à descentralização que são os FEM e FEGE (Fator de
Estímulo à Municipalização e fator de Estímulo à Gestão Estadual, respectivamente),
bem como o Pró-Saúde o qual buscava a realização da gestão de referência
regionalizada referida na LOS, art. 7o, IX, "b". Tal
Norma, contudo, não conseguiu tornar efetivas tais previsões, mas ampliou o
número de municípios credenciados para gestão municipalizada da saúde para
1.074, mais que o triplo do obtido em 1991 (321).
A
NOB 01/93, criada pela Portaria 545, de 20 de maio de 1993, é sob muitos
aspectos divisora de águas no plano do desenvolvimento da política sanitária
brasileira desde a CF/88. Primordialmente por ter sido concebida em um amplo
debate nascido na IX Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, de 9 a 14 de
agosto de 1992. Nesse momento, as avaliações dos gestores e secretários de
saúde, assim como técnicos dos Estados e Municípios já permitia antever, diante
da mudança de administração no Ministério da Saúde, a verticalização do
processo de municipalização. Em 24 de maio de 1993 é publicado o documento A
ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei, uma exposição de motivos que
compõe a NOB 01/93, a qual nos referiremos com mais acuro adiante. Importa
notar agora que a NOB 01/93 perfilou situações transacionais para o processo de
municipalização plena da gestão, estabelecendo três situações distintas: a
transacional incipiente, parcial e semiplena. A NOB 01/93 também acentuou a
importância da implantação de uma política de formação de recursos humanos na
área de saúde, o efetivo funcionamento dos Conselhos de Saúde e Conferência de
Saúde criados pela Lei 8.142/90, e a implantação das Comissões Intergestores
tripartite (federal) e bipartite (estadual) e, last but not least, o
aporte de recursos para o Fundo Nacional de Saúde pelas três esferas de
governo. Cabe observar que a NOB 01/93 resulta de um processo de convicção de que
os objetivos já desenhados pelos Constituição, Lei 8.080/90 e 8.142/90 estavam
corretos e provocariam as mudanças desejadas para uma situação ideal de
"política sanitária cidadã" para o Brasil. Mister recordar, contudo,
que apenas em novembro de 1994 com o decreto 1.232, de 30 de agosto daquele ano
foi regulamentada e viabilizada operacionalmente a transferência automática e
direta de recursos para os municípios em gestão semiplena.
Por
maior que tenha sido o avanço técnico proposto pela NOB 01/93, noticia MONTEIRO
DE ANDRADE (2001:58):
"Pode-se constatar que,
dos 4.976 municípios brasileiros, apenas 3.127 (62.84%) estavam enquadrados em
algum tipo de gestão. Ressalte-se que, destes, 2.367 (47,56%) achavam-se em
gestão incipiente, 616 (12,38%) na parcial e somente 144 (2,89%) em gestão
semiplena. Isto demonstra que, mesmo com a NOB 01/93, a grande maioria dos
municípios brasileiros, 97,7%, encontravam-se na condição de prestadores de
serviço de saúde.
"Outras limitações que
podem ser percebidas na NOB 01/93 seriam a ausência de definições acerca da
vigilância sanitária, epidemiológica e de endemias como também quanto ao
estímulo para inversão do modelo de atenção".
A
NOB 01/96 editada pela Portaria MS 2.203, publicada no DOU a 6 de novembro de
1996 por sua vez amplia em consonância com a LOS a atuação da política de saúde
em três áreas, quais sejam a assistência, as intervenções ambientais e as
políticas externas ao setor saúde, in verbis:
"A atenção à saúde, que
encerra todo o conjunto de ações levadas a efeito pelo SUS, em todos os níveis
de governo, para o atendimento das demandas pessoais e das exigências
ambientais, compreende três grandes campos, a saber:
a)o da assistência, em que as
atividades são dirigidas às pessoas, individual ou coletivamente, e que é
prestada no âmbito ambulatorial e hospitalar, bem como em outros espaços,
especialmente no domiciliar;
b)o das intervenções
ambientais, no seu sentido mais amplo, incluindo as relações e as condições
sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho, o controle de vetores e
hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento ambiental (mediante o pacto
de interesses, as normalizações, as fiscalizações e outros); e
c)o das políticas externas
ao setor saúde, que interferem nos determinantes sociais do processo
saúde-doença das coletividades, de que são partes importantes questões
relativas às políticas macroeconômicas, ao emprego, à habitação, à educação, ao
lazer e à disponibilidade e qualidade dos alimentos."
Lembra
o já aludido MONTEIRO DE ANDRADE (2001:61) que essa norma irá fazer
expressamente a diferença entre a gerência e a gestão do sistema de saúde. É a
própria NOB que com perspicácia pontifica:
"Assim, nesta NOB
gerência é conceituada como sendo a administração de uma unidade ou órgão de
saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.), que se caracteriza
como prestador de serviços ao Sistema. Por sua vez, gestão é a atividade e a
responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou
nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação,
negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria. São,
portanto, gestores do SUS os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde e o
Ministro da Saúde, que representam, respectivamente, os governos municipais,
estaduais e federal.
A criação e o funcionamento
desse sistema municipal possibilitam uma grande responsabilização dos
municípios, no que se refere à saúde de todos os residentes em seu território.
No entanto, possibilitam, também, um elevado risco de atomização desordenada
dessas partes do SUS, permitindo que um sistema municipal se desenvolva em
detrimento de outro, ameaçando, até mesmo, a unicidade do SUS. Há que se
integrar, harmonizar e modernizar, com eqüidade, os sistemas municipais."
A
NOB 01/96 vai definir com maior clareza o papel dos gestores nas três esferas
de governo, pela primeira vez quanto à União, ademais. Demonstra, como visto
acima, uma preocupação legítima com a necessidade de integrar as ações de
maneira a evitar o enfraquecimento global do SUS na assimetria dos municípios
brasileiros, com a manutenção do papel das Comissões bipartite e tripartite e
os Conselhos de Saúde como órgãos de programação e pactuação entre os gestores.
Deve-se
assinalar a criação da proposta do cartão sus municipal que permitiria a
identificação simultânea do cidadão com seu sistema municipal de saúde e o
sistema nacional e o incentivo ao modelo de agentes comunitários de saúde no
combate aos riscos epidemiológicos. A NOB 01/96 vai instituir o Piso
Assistencial Básico – PAB que garantirá o repasse automático para ações básicas
em saúde.
Serão
definidos pela NOB 01/96 os denominados tetos financeiros, quais sejam o teto
financeiro global (TFG), o teto financeiro da assistência (TFA), o teto
financeiro global do Estado (TFGE), o teto financeiro de vigilância sanitária
(TFVS), o teto financeiro de epidemiologia e controle de doenças (TFECD), o
teto financeiro global do município (TFGM), o teto financeiro da assistência ao
município (TFAM) e o teto financeiro de assistência ao Estado (TFAE), o que
permitiu maior transparência e controle gerencial das transferências e repasses
automáticos.
Para
os municípios que adotem os programas de saúde da família e agentes
comunitários ficaram garantidos acréscimos percentuais ao montante do PAB, o
que revela a clara intenção do Ministério da Saúde em minimizar os obstáculos
ao estabelecimento do paradigma ético-participativo na gestão sanitária em
substituição ao modelo assistencial-curativo.
A
NOB 01/96 propôs dois modelos de gestão aos quais habilitaram-se 99% dos
municípios brasileiros conforme notícia do Ministério da Saúde. São eles a
Gestão Plena da Atenção Básica e a Gestão Plena do Sistema Municipal. Sendo
norma atualmente em vigor permito-me transcrever sua disciplina para cada
modelo quanto às responsabilidades e prerrogativas em que importa cada qual, e
os critérios para habilitação:
A
Gestão Plena da Atenção Básica:
"Responsabilidades
a)Elaboração de programação
municipal dos serviços básicos, inclusive domiciliares e comunitários, e da
proposta de referência ambulatorial especializada e hospitalar para seus
munícipes, com incorporação negociada à programação estadual.
b)Gerência de unidades
ambulatoriais próprias.
c)Gerência de unidades
ambulatoriais do estado ou da União, salvo se a CIB ou a CIT definir outra
divisão de responsabilidades.
d)Reorganização das unidades
sob gestão pública (estatais, conveniadas e contratadas), introduzindo a
prática do cadastramento nacional dos usuários do SUS, com vistas à vinculação
de clientela e à sistematização da oferta dos serviços.
e)Prestação dos serviços
relacionados aos procedimentos cobertos pelo PAB e acompanhamento, no caso de
referência interna ou externa ao município, dos demais serviços prestados aos
seus munícipes, conforme a PPI, mediado pela relação gestor-gestor com a SES e
as demais SMS.
f)Contratação, controle,
auditoria e pagamento aos prestadores dos serviços contidos no PAB.
g)Operação do SIA/SUS quanto
a serviços cobertos pelo PAB, conforme normas do MS, e alimentação, junto à
SES, dos bancos de dados de interesse nacional.
h)Autorização, desde que não
haja definição em contrário da CIB, das internações hospitalares e dos
procedimentos ambulatoriais especializados, realizados no município, que
continuam sendo pagos por produção de serviços.
i)Manutenção do cadastro
atualizado das unidades assistenciais sob sua gestão, segundo normas do MS.
j)Avaliação permanente do
impacto das ações do Sistema sobre as condições de saúde dos seus munícipes e
sobre o seu meio ambiente.
k)Execução das ações básicas
de vigilância sanitária, incluídas no PBVS.
l)Execução das ações básicas
de epidemiologia, de controle de doenças e de ocorrências mórbidas, decorrentes
de causas externas, como acidentes, violências e outras, incluídas no TFECD.
m) Elaboração do
relatório anual de gestão e aprovação pelo CMS.
Requisitos
a)Comprovar o funcionamento do
CMS.
b)Comprovar a operação do
Fundo Municipal de Saúde.
c)Apresentar o Plano
Municipal de Saúde e comprometer-se a participar da elaboração e da
implementação da PPI do estado, bem assim da alocação de recursos expressa na
programação.
d)Comprovar capacidade
técnica e administrativa e condições materiais para o exercício de suas
responsabilidades e prerrogativas quanto à contratação, ao pagamento, ao
controle e à auditoria dos serviços sob sua gestão.
e)Comprovar a dotação
orçamentária do ano e o dispêndio realizado no ano anterior, correspondente à
contrapartida de recursos financeiros próprios do Tesouro Municipal, de acordo
com a legislação em vigor.
f)Formalizar junto ao gestor
estadual, com vistas à CIB, após aprovação pelo CMS, o pleito de habilitação,
atestando o cumprimento dos requisitos relativos à condição de gestão
pleiteada.
g)Dispor de médico
formalmente designado como responsável pela autorização prévia, controle e auditoria
dos procedimentos e serviços realizados.
h)Comprovar a capacidade
para o desenvolvimento de ações de vigilância sanitária.
I)Comprovar a capacidade
para o desenvolvimento de ações de vigilância epidemiológica.
j)Comprovar a
disponibilidade de estrutura de recursos humanos para supervisão e auditoria da
rede de unidades, dos profissionais e dos serviços realizados.
Prerrogativas
a)Transferência, regular e
automática, dos recursos correspondentes ao Piso da Atenção Básica (PAB).
b)Transferência, regular e
automática, dos recursos correspondentes ao Piso Básico de Vigilância Sanitária
(PBVS).
c)Transferência, regular e
automática, dos recursos correspondentes às ações de epidemiologia e de
controle de doenças.
d)Subordinação, à gestão
municipal, de todas as unidades básicas de saúde, estatais ou privadas
(lucrativas e filantrópicas), estabelecidas no território municipal."
Gestão
Plena Do Sistema Municipal :
"Responsabilidades
a)Elaboração de toda a
programação municipal, contendo, inclusive, a referência ambulatorial
especializada e hospitalar, com incorporação negociada à programação estadual.
b)Gerência de unidades
próprias, ambulatoriais e hospitalares, inclusive as de referência.
c)Gerência de unidades
ambulatoriais e hospitalares do estado e da União, salvo se a CIB ou a CIT
definir outra divisão de responsabilidades.
d)Reorganização das unidades
sob gestão pública (estatais, conveniadas e contratadas), introduzindo a
prática do cadastramento nacional dos usuários do SUS, com vistas à vinculação
da clientela e sistematização da oferta dos serviços.
e)Garantia da prestação de
serviços em seu território, inclusive os serviços de referência aos
não-residentes, no caso de referência interna ou externa ao município, dos
demais serviços prestados aos seus munícipes, conforme a PPI, mediado pela
relação gestor-gestor com a SES e as demais SMS.
f)Normalização e operação de
centrais de controle de procedimentos ambulatoriais e hospitalares relativos à
assistência aos seus munícipes e à referência intermunicipal.
g)Contratação, controle,
auditoria e pagamento aos prestadores de serviços ambulatoriais e hospitalares,
cobertos pelo TFGM.
h)Administração da oferta de
procedimentos ambulatoriais de alto custo e procedimentos hospitalares de alta
complexidade conforme a PPI e segundo normas federais e estaduais.
i)Operação do SIH e do
SIA/SUS, conforme normas do MS, e alimentação, junto às SES, dos bancos de
dados de interesse nacional.
j)Manutenção do cadastro
atualizado de unidades assistenciais sob sua gestão, segundo normas do MS.
k)Avaliação permanente do
impacto das ações do Sistema sobre as condições de saúde dos seus munícipes e
sobre o meio ambiente.
l)Execução das ações
básicas, de média e alta complexidade em vigilância sanitária, bem como,
opcionalmente, as ações do PDAVS.
m)Execução de ações de
epidemiologia, de controle de doenças e de ocorrências mórbidas, decorrentes de
causas externas, como acidentes, violências e outras incluídas no TFECD.
Requisitos
a)Comprovar o funcionamento
do CMS.
b)Comprovar a operação do
Fundo Municipal de Saúde.
c)Participar da elaboração e
da implementação da PPI do estado, bem assim da alocação de recursos expressa
na programação.
e)Comprovar capacidade
técnica e administrativa e condições materiais para o exercício de suas
responsabilidades e prerrogativas quanto à contratação, ao pagamento, ao
controle e à auditoria dos serviços sob sua gestão, bem como avaliar o impacto
das ações do Sistema sobre a saúde dos seus munícipes.
e)Comprovar a dotação
orçamentária do ano e o dispêndio no ano anterior correspondente à
contrapartida de recursos financeiros próprios do Tesouro Municipal, de acordo
com a legislação em vigor.
f)Formalizar, junto ao
gestor estadual com vistas à CIB, após aprovação pelo CMS, o pleito de
habilitação, atestando o cumprimento dos requisitos específicos relativos à
condição de gestão pleiteada.
g)Dispor de médico
formalmente designado pelo gestor como responsável pela autorização prévia,
controle e auditoria dos procedimentos e serviços realizados.
h)Apresentar o Plano
Municipal de Saúde, aprovado pelo CMS, que deve conter as metas estabelecidas,
a integração e articulação do município na rede estadual e respectivas
responsabilidades na programação integrada do estado, incluindo detalhamento da
programação de ações e serviços que compõem o sistema municipal, bem como os
indicadores mediante dos quais será efetuado o acompanhamento.
i)Comprovar o funcionamento
de serviço estruturado de vigilância sanitária e capacidade para o
desenvolvimento de ações de vigilância sanitária.
j)Comprovar a estruturação
de serviços e atividades de vigilância epidemiológica e de controle de
zoonoses.
k)Apresentar o Relatório de
Gestão do ano anterior à solicitação do pleito, devidamente aprovado pelo CMS.
l)Assegurar a oferta, em seu
território, de todo o elenco de procedimentos cobertos pelo PAB e, adicionalmente,
de serviços de apoio diagnóstico em patologia clínica e radiologia básicas.
m)Comprovar a estruturação
do componente municipal do Sistema Nacional de Auditoria (SNA).
n)Comprovar a
disponibilidade de estrutura de recursos humanos para supervisão e auditoria da
rede de unidades, dos profissionais e dos serviços realizados.
Prerrogativas
a)Transferência, regular e
automática, dos recursos referentes ao Teto Financeiro da Assistência (TFA).
b)Normalização complementar
relativa ao pagamento de prestadores de serviços assistenciais em seu
território, inclusive quanto a alteração de valores de procedimentos, tendo a
tabela nacional como referência mínima, desde que aprovada pelo CMS e pela CIB.
c)Transferência regular e
automática fundo a fundo dos recursos correspondentes ao Piso Básico de
Vigilância Sanitária (PBVS).
d)Remuneração por serviços
de vigilância sanitária de média e alta complexidade e, remuneração pela execução
do Programa Desconcentrado de Ações de Vigilância Sanitária (PDAVS), quando
assumido pelo município.
e)Subordinação, à gestão
municipal, do conjunto de todas as unidades ambulatoriais especializadas e
hospitalares, estatais ou privadas (lucrativas e filantrópicas), estabelecidas
no território municipal.
f)Transferência de recursos
referentes às ações de epidemiologia e controle de doenças, conforme definição
da CIT.
Para
a regulamentação da NOB 01/96 o Ministério da Saúde editou a Instrução
Normativa nº 01/98 de 02 de janeiro de 1998 que regulamenta os conteúdos,
instrumentos e fluxos do processo de habilitação de Municípios, de Estados e do
Distrito Federal às novas condições de gestão criadas pela Norma Operacional Básica
do Sistema Único de Saúde - NOB SUS 01/96. Nesse diapasão, tomando-se por base
que a NOB 01/96 foi bem sucedida na expansão da municipalização da gestão, já
que cerca de 99% dos municípios brasileiros já eram participantes de alguma das
formas de gestão estabelecidas, mas que ainda restava a regionalização e
hierarquização preconizada pela Lei 8.080/90. Assim sendo, postulou-se na
NOAS-SUS 01/2001 a elaboração por parte dos Estados-membros e Distrito Federal
do Plano Diretor de Regionalização que em harmonia com o plano estadual de
saúde deve assegurar o mais amplo acesso possível do cidadão às atividades de
proteção à saúde em qualquer nível de complexidade. São os PDRs os documentos
que devem prever e estabelecer as regiões ou microrregiões de saúde que serão
divididas pelo critério de melhor atendimento administrativo a situações comuns
a diversos municípios e estados-membros; os módulos assistenciais, que são
unidades com poder de resolução no plano básico de assistência abrangendo um ou
mais municípios, que nesse caso deverá eleger uma sede e4 as unidades
territoriais de qualificação na assistência à saúde, nas Unidades da federação
em que o modelo de regionalização não permitir microrregiões de saúde.
Para
finalizar esse capítulo sobre a estrutura legal do SUS devo ainda aduzir algum
comentário sobre a Emenda Constitucional 29, de 13.09.2000. Tal modificação à
Lei Fundamental de 1988 pretendeu vincular percentual das receitas tributárias
à política de saúde, assim como o constituinte originário houvera feito com a
educação.
A
EC 29, de 13.09.2000 alterou os artigos 34, 35,156,160,167 e 168 e acrescenta o
art. 77 ao ADCT, afirmando as bases fundamentais dos valores a serem repassados
pelos entes federativos na constituição de um piso orçamentário para as
atividades de saúde. Dessa maneira, o art.77 do ADCT estabelece o ano de 2004
como termo final para os ajustes orçamentários a serem introduzidos com
acréscimos de 5% para a União em relação ao exercício de 2000 reajustado consoante
a variação nominal do PIB entre 2001 e 2004. Para os Estados e Distrito federal
até 2004 o aumento orçamentário com a saúde deve ser de 12% e para os
Municípios de 15%.
PRINCÍPIOS
REGULAMENTADORES DO SUS: COMPETÊNCIA DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO
Sobre
o conceito de autonomia e descentralização:
Ensina
RAUL MACHADO HORTA, maior autoridade sobre federalismo na doutrina jurídica
nacional, citando farta bibliografia alienígena, que a jurisprudentia atribui
inúmeros e multifários sentidos ao termo "autonomia", ora alargando-o
ora restringindo-o. Não há um modelo próprio de federação no direito comparado,
ressaltando apenas algumas condições objetivas para uma caracterização mínima
capaz de identificar a forma de Estado mencionada, tais como:
"1. A decisão
constituinte criadora do Estado-federal e de suas partes indissociáveis, a
federação ou União, e os Estados-membros;
2.A repartição de
competências entre a federação e os Estados-membros;
3.O poder de
auto-organização constitucional dos Estados-membros, atribuindo-lhes autonomia
constitucional;
4.A intervenção federal,
instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo, em casos
constitucionalmente definido;
5.A câmara dos Estados, como
órgão do poder legislativo federal, para permitir a participação do
Estado-membro na formação da legislação federal;
6.A titularidade dos
Estados-membros, através de suas Assembléias Legislativas, em número
qualificado, para propor emenda à Constituição Federal;
7.A criação de novo Estado
ou modificação de Estado existente dependendo da aquiescência da população do
Estado afetado.
8.A existência no Poder
Judiciário Federal de um Supremo Tribunal ou Corte Suprema, para interpretar e
proteger a Constituição Federal, e dirimir litígios ou conflitos entre a União,
os Estados, outras pessoas jurídicas de direito interno, e as questões
relativas à aplicação ou vigência da lei federal", porém, faz observar o
autor adiante que, "não obstante a permanência de determinados requisitos,
como a repartição de competências, a autonomia constitucional do Estado-membro,
a intervenção federal, a Câmara dos Estados, recebem eles definições individualizadoras
e contrastantes nos diversos modelos reais de federalismo. Em alguns
casos a autonomia constitucional do Estado-membro praticamente deixa de
existir, quando a Constituição Federal se encarrega de preordenar o
Estado-membro em seu texto, tornando a Constituição Federal um documento
híbrido, federal e Estadual" (1995:347).
De
fato, o que se depreende do trecho suso colecionado é que se configura
possível, sem agressão à doutrina ou ao direito comparado, uma federação
centralizada, como sem sombra de dúvida, é a direção implicada nas recentes
reformas efetuadas pelo governo federal brasileiro, o que não é novidade neste
país. A bem da verdade, a história da federação brasileira desde a proclamação
da República, onde encontra o seu nascedoiro, tem sido a alternância entre
modelos mais ou menos centralizados. Finda com a república velha uma nefasta
experiência nacional em termos de debilidade do governo federal, onde a
descentralização descambou para a cruel realidade da política oligárquica,
fenômeno que inscreveu seu nome na história brasileira como
"coronelismo", prostrando a política nacional, a começar pela
manipulação e distorção dos resultados eleitorais (que já era uma realidade no
Império) até a marginalização de Estados-membros não participantes do restrito
pacto.
A centralização ou
descentralização são conformadas por técnicas de distribuição de competências
que atendem a princípios que devem estar definidos na própria Carta Magna sob
pena de dissolução da ordem interna em virtude do embate de competências. Não
se pode jamais falar em "autonomia absoluta" ao mesmo passo que
também não é correto juridicamente afirmar que a fiscalização ou a instituição
de normas gerais pelo ente político competente para tanto seja,
aprioristicamente, interferência indevida ou agressão a autonomia. Isto porque
a centralização ou descentralização serão sempre parciais, como ensina
magistralmente um dos maiores juristas do século XX, HANS KELSEN:
"A centralização ou
descentralização de uma ordem jurídica podem ser de graus quantitativamente
variáveis. O grau de centralização ou descentralização é determinado pela
proporção relativa do número e da importância das normas centrais e locais da
ordem. Conseqüentemente pode-se fazer distinção entre centralização totais e
parciais. A centralização é total se as normas forem válidas para o território
inteiro. A descentralização é total se as normas forem válidas apenas para partes
diferentes do território, para subdivisões territoriais(...)Quando nem a
centralização nem a descentralização são totais, falamos de descentralização
parcial e centralização parcial, que, desse modo, são iguais. A
centralização e a descentralização totais são apenas pólos ideais. Existe
certo grau determinado abaixo do qual a centralização não pode descer, e certo
grau máximo que a descentralização não pode ultrapassar sem a dissolução da
comunidade jurídica (...) O Direito Positivo conhece apenas a centralização e
descentralização parciais" (1995:291 / Grifos nossos).
Sobre
o tema, indica também o ilustre Prof. Meirelles Teixeira, já na década de 40
que são traços do novo federalismo:
"a) aumento da
intervenção estatal, tanto central como dos poderes locais;
b)desenvolvimento de uma vasta área de cooperação
entre os poderes central e locais, com mútuas vantagens, sem distribuição
constitucional dos poderes. O governo federal necessita de maiores contatos com
os poderes e com os problemas locais; os governos locais, por sua vez,
necessitam de mais e mais ajuda, de maior assistência dos governos centrais.
Daí acordos, uso de pessoal burocrático, serviços em comum, empréstimos
federais aos Estados-membros, etc.
A)reforço dos poderes dos governos centrais, na
forma já exposta (...).
B)necessidade de reajustamento na distribuição dos
poderes governamentais e de adoção de sistemas mais ou menos simples de reforma
constitucional (...)" (1991:658).
Distribuição
de competências na federação brasileira:
O
sistema de distribuição de competências adotado pela Constituição de 1988 é
complexo, baseado na melhor técnica do direito constitucional alemão e
austríaco. A Carta Magna estipula competências da seguinte ordem, de acordo com
HORTA:
"I. Competência geral
da União (art.21, I até XXV);
II.Competência de legislação privativa da União
(art.22, I a XXIX, parágrafo único);
III.Competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios (art.23, I a XII, parágrafo único);
IV.Competência de legislação concorrente da União,
dos Estados e do Distrito Federal (art.24, I a XVI, parágrafos 1o, 2o,
3o e 4o );
V.Competência dos poderes reservados aos Estados
(art.25, parágrafo 1o e 125, parágrafos 1o, 2o,3o
e 4o)" (ob.cit:407).
A
competência geral da União diz respeito aos poderes materiais da União, tais
como os poderes soberanos, poderes de defesa do Estado e da estrutura federal,
de Administração e fiscalização econômico-financeira etc., e segue este mesmo
critério a atribuição das matérias a que incumbe à União tratar. A competência
legislativa privativa "incorpora os preceitos declaratórios e
autorizativos da competência geral na legislação federal, através da lei e da
norma jurídica, sob o comando privativo da União federal, por intermédio dos
órgãos de manifestação da vontade legislativa" (id.ibidem : 411). A
competência comum condensa obrigações do poder público, "condensa
preceitos e recomendações dirigidas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios, traduzindo intenções programáticas do constituinte, reunidas em
conjunto de normas não uniformes, muitas com as características de fragmentos
que foram reunidos na regra geral por falta de outra localização mais adequada.
São regras não exclusivas, não dotadas de privatividade e que deverão
constituir objeto da preocupação comum dos quatro níveis de governo, dentro dos
recursos e das peculiaridades de cada um" (id.ibidem:417). Já a
competência concorrente dispõe sobre temas de legislação que tocam aos Estados-membros,
Distrito Federal e União simultaneamente, excluídos, portanto, os
municípios, contudo em níveis ou estratos diferenciados de tratamento,
quais sejam, aqueles que determinam a formulação de normas gerais e normas
suplementares. Aos Estados-membros e DF cabe a competência para elaboração de
normas sobre as matérias elencadas no art.24, que será plena na inexistência de
normas gerais, cuja competência para edição é da União. À guiza de observação
cabe afirmar que a competência dos Estados-membros manter-se-á plena naquilo
que não contrariar a norma federal, seja esta preexistente ou superveniente em
relação àquela.
As
normas gerais são as denominadas no direito francês de "leis de
quadro", ou seja, leis que irão realizar os contornos ou referências
normativas cujo preenchimento será conferido pela competência suplementar dos
Estados-membros consoante suas necessidades ou peculiaridades regionais,
respeitados os limites previamente traçados pela lei federal geral. Acrescenta
HORTA:
"A legislação
concorrente, que amplia a competência legislativa dos Estados, retirando-a da
indigência em que a deixou a pletórica legislação federal no domínio dos
poderes enumerados, se incumbirá do aperfeiçoamento da legislação estadual às
peculiaridades locais, de forma a superar a uniformização simétrica da
legislação federal" (id.ibidem:418).
De
acordo com a atual Constituição Federal é competência comum da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde a assistência pública e
promover programas de saneamento básico (art. 23, II e IX, in fine).
Em seguida, a Constituição estabelece que caberá concorrentemente à União, aos
Estados e Distrito Federal a proteção e defesa da saúde (art.24, XII),
sabendo-se que nesse último caso a União restringir-se-á a elaborar normas
gerais as quais os Estados poderão suplementar.
Mas
o papel do Município não é do estrito cumprimento da legislação federal e
estadual acompanhado da "esterelidade normativa" como pode sugerir a
sua ausência no rol da competência concorrente. No art. 30, I, II, VII da
Constituição Federal de 1988 fica insculpida a competência do município para
legislar sobre assuntos de interesse local, suplementando no que couber a
legislação federal e estadual, assim como prestar serviços de saúde à
população. Observe-se que a fórmula do interesse local somada a capacidade de
suplementar naquilo que caiba, ou seja nos próprios assuntos locais, a
legislação dos outros entes federativos dá uma margem razoável de
discricionariedade ao legislador municipal para aquilo que as normas gerais, no
caso federais e estaduais, não conseguirem alcançar satisfatoriamente ou sobre
o que silenciarem. Exemplos desse exercício suplementar encontram-se sugeridos
pela Lei 8.080/90 no seu art. 15, incisos V, VI, XI, XVI, XX e XXI, tais como a
regulação da proteção à saúde do trabalhador, fomento à pesquisa, planejamento
de políticas sanitárias etc.
Dos
arts. 16 a 18 da Lei 8.080/90 teremos o tratamento das competências dos três
entes federativos quanto à direção do SUS, as quais podem ser definidas sem
prejuízo da leitura posterior dos incisos a partir da seguinte compreensão: à
União caberão as ações relativas ao planejamento, incentivo e cooperação
técnica na política sanitária, como dão mostra os verbos adotados nos
dispositivos do art.16 ("formular", "promover",
"prestar", "elaborar", "definir", "coordenar"...).
Neste aspecto a Lei procura realizar o papel de normatização genérica que a
Constituição Federal destina à União. Os Estados-membros, por seu turno, tem o
dever desde já estabelecido na LOS de promover a descentralização das ações de
saúde para os municípios, cuidando sempre da prestação do apoio
técnico-financeiro necessário para isso (art. 17, I e III). Incumbe aos
Estados-membros a execução, em caráter complementar, das ações de vigilância
epidemiológica, sanitária, alimentação e nutrição e saúde do trabalhador. Em
termos de competência regulatória expressa na LOS os Estados-membros
estabelecerão normas de caráter suplementar sobre procedimentos de controle de
qualidade para produtos e substâncias de consumo humano.
Já
as competências da Direção Municipal do SUS envolvem de um lado a participação
no planejamento das políticas sanitárias junto aos demais órgãos federativos e
a execução das ações, primordialmente. Cabe também ao Município a normatização
complementar das ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de atuação (LOS,
art.18, XII), com o que a própria Lei efetiva a previsão constitucional sobre o
papel regulatório dos municípios sobre a matéria.
O
federalismo cooperativo e princípio de subsidiariedade:
É
sintomático que os desafios que o nosso tempo impõe aos países são de tal ordem
que os pequenos grupos e associações obrigatoriamente cedem espaço à
macroorganizações, sejam públicas, sejam no seio da sociedade civil. A invenção
federalista não se encontra imune a este fenômeno que nele reveste-se na
tendência à centralização dos poderes nas mãos da União, órgão político
federal, titular de soberania, em contraposição à autonomia dos entes políticos
parciais.
De
outro lado, não se pode negar que a reação à centralização é necessária nas
sociedades abertas. Não se consente na absorção dos poderes maiores por poderes
totalizantes. É nessa perspectiva que se deve falar em federalismo cooperativo,
explicando, a esse respeito o mestre PAULO BONAVIDES:
"Dois princípios regem
todo sistema federativo: a autonomia e a participação. O primeiro, concorrendo
para manter a descentralização; o segundo, para garantir a união, mas
descentralização e união fundadas sempre no consenso, na legitimidade, na
consciência cooperativa (...)" e, dissertando sobre a centralização,
pondera adiante: "Não resta dúvida que a época tem sido de concentração de
poderes e ações intervencionistas da parte do Estado, por decorrência
inelutável de pressões sociais que deixam às vezes arquejante o organismo democrático
das Sociedades Abertas. O problema de instituições estáveis se torna mais grave
nos sistemas de governo dos países em desenvolvimento, onde a vinculação do
poder com a ordem jurídica não se apóia em elementos da tradição e da cultura
política da sociedade, a qual basicamente não existe. E, quando tais países se
organizam sob a forma federativa, o único caminho para evitar o ´Leviatã´
unitário das burocracias tecnocráticas passa necessariamente pelo meridiano de
um federalismo cooperativo, de inspiração democrática. Esse federalismo não é
fechado, tanto que reconhece também por legítimo que, nas uniões federativas,
certas matérias, como política exterior e defesa, pesquisa básica de grande
porte, economia, finanças, planejamento e proteção do meio ambiente, com a
defesa do patrimônio ecológico, tenham suas regras e decisões básicas referidas
à órbita de competência do poder central" (in, A Constituição
aberta. São Paulo, 2o ed., Malheiros editores, 1996:432/435).
A
existência do sistema constitucional de repartição de competências e receitas
tributárias deve ser entendido dentro do conceito de federalismo cooperativo
democrático. Assim também, o incremento das responsabilidades dos
entes políticos parciais em saúde, educação e trânsito. A idéia é de
que entes menores devam ser responsáveis pela prestação de serviços e de
desincumbir-se de todas as tarefas que estejam ao seu alcance, que possam ser
absorvidas pela sua capacidade de trabalho e organização. Esta é o significado
do que se convencionou chamar "princípio de subsidiariedade", tão
timidamente estudado no Brasil. BONAVIDES refere-se a ele, inclusive, como
princípio cardeal de toda Constituição Federal legítima, juntamente com o
princípio da solidariedade e da pluralidade (ob.cit.:435). Não obstante o
princípio da subsidiariedade não possuir exclusiva aplicação no domínio das
formas de Estado, ele "pode ser aplicável nas relações entre órgãos
centrais e locais, verificando-se, também, o grau de descentralização. A descentralização
é um domínio predileto de aplicação do princípio de subsidiariedade, sendo que
a doutrina menciona as possíveis relações entre o centro e a periferia" (BARACHO,
1997:30).
Sobre
o conceito escolhe o citado autor a lição de VLADIMIRO LAMSDORFF-GALAGANE:
"que a autoridade só
faça o que é preciso para o bem comum, mas aquilo que os particulares não podem
ou não querer<sic>fazer por si mesmos. A necessidade de intervenção da
autoridade se estabelece, pois, eventualmente, e cessa rapidamente assim que os
particulares voltem a manifestar capacidade para resolver o problema sem ajuda
alheia"(apud José Alfredo de Oliveira BARACHO. O princípio de
subsidiariedade. Rio de Janeiro: Forense, 1997:37).
O
caso sob análise é perfeitamente definível dentro dos limites da discussão
sobre o federalismo na Constituição Federal de 1988 e, nela, a verticalidade da
aplicação do princípio de subsidiariedade. Daí a busca imprescindível pelo
ideal equilíbrio federativo, inclusive em termos de sistemas de proteção
social. Sobre isto aduz ainda BARACHO:
"O princípio de
subsidiariedade é considerado como instrumento utilizado pelo
governantes,<sic> na procura de equilíbrios, <sic>necessários a
redefinir novas mudanças procuradas pela sociedade, na compreensão e efetivação
de suas necessidades. Para tal efetivação, surge<sic>os questionamentos
acerca das fronteiras de ingerência e da não-ingerência, que variam de acordo
com a capacidade e as necessidades dos atores sociais. A doutrina social
não exclui formas de intervenção estatal, em casos de necessidade, mas recusa a
liberdade e igualdade sacralizadas" (ob.cit.:57/ grifos nossos).
Ao
nosso parecer, em poucos momentos o legislador infraconstitucional foi tão
feliz em implementar a estrutura cooperativa no federalismo brasileiro quanto
na área da saúde na década de 1990. O papel de planejamento conjunto das
políticas como realizado pela previsão da LOS. Os Conselhos de Saúde da Lei
8.142/90 e os perfis de habilitação já referidos nas NOBs. que desde a 01/93
vêm ampliando o processo de municipalização desejado pela Carta Magna são
notáveis argumentos em socorro dessa afirmação.
LEI
ORGÂNICA DA SAÚDE (LEI 8.080/90)
A
Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/90 veio regulamentar as ações de saúde no
Brasil, entendida amplamente a expressão, seja para abrigar a saúde preventiva
e curativa propriamente dita, seja a vigilância sanitária, seja mesmo os
fatores externos concernentes a saúde como o saneamento básico, alimentação,
trabalho etc.
O
Art. 198 da Constituição Federal de 1988 prevê a integralização em rede
hierarquizada e regionalizada dos serviços e ações de saúde em forma de sistema
único e o art. 200 trata de estabelecer os objetivos de tal sistema.
"Art. 200. Ao sistema
único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar
procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da
produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros
insumos;
II - executar as ações de
vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de
recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da
formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área
de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e
inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem
como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle
e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e
produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção
do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho" (Grifos nossos).
A
norma constitucional como destacado acima é quem faz a referência à atividade
regulamentadora do legislador infraconstitucional. A Lei 8.080/90 nasce para
dar visibilidade e estrutura ao SUS, juntamente com a Lei 8.142/90, a qual,
como já dito, deriva da necessidade de ultrapassar-se os vetos que a LOS
recebeu, criando os Conselhos e Conferência de Saúde bem como implementando os
instrumentos de controle social das políticas de saúde.
A
Lei 8.080/90 é dividida em cinco títulos que tratam, respectivamente sobre: disposições
gerais, o sistema único de saúde, os serviços privados de assistência à saúde,
recursos humanos e financiamento. Passamos a fazer uma breve análise de
apresentação sobre cada qual.
Das
disposições gerais
Nesse
título a LOS avança em relação à conceituação do direito à saúde em dois pontos
substancialmente.
Em
primeiro lugar ao tratar do direito à saúde, consoante a perspectiva
constitucional, como um direito fundamental. Nesse ponto de vista não se trata
de defender o direito à vida compreensivamente, e sim de entender a saúde como
um direito à vida qualificado, direito às condições mínimas necessárias para
uma existência digna. Dessa maneira o Estado não pode mais conformar-se à
rudimentar função de prestador de serviços de saúde, o que traduziria uma
relação individual, contratual, de consumo entre o cidadão e o SUS. Em face da
saúde enquanto direito fundamental o Estado reveste-se do papel de garantidor
positivo de uma política sanitária ampla com o fito de desincumbir-se da sua
responsabilidade, de seu dever constitucional de prestar, a qual corresponde um
direito difuso.
Em
segundo lugar ao abordar no art. 3o os fatores determinantes ou
condicionantes da saúde tais como a alimentação, a moradia, o saneamento
básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer
e o acesso aos bens e serviços essenciais, a LOS ampliou de maneira
corajosa o conceito da saúde. O conceito inclusivo ou compreensivo de saúde
presente na LOS permite compreender que os níveis de saúde da população
expressam a organização social e econômica do País, o que situa nitidamente
e intencionalmente o direito à saúde como elemento basilar da construção da
cidadania brasileira.
É
de se entender que o espectro de abrangência da LOS alcança não apenas o setor
público, mas igualmente o setor privado já que as ações e serviços de saúde são
de relevância social.
O
Sistema Único de Saúde
Como
já dito anteriormente a organização dos serviços e ações de saúde em forma de
Sistema único já era mandamento de índole constitucional, de maneira que a LOS
surge para integrar a eficácia da previsão.
Sobre
o alcance da vinculação dos serviços públicos em todas as
esferas federativas ao SUS afirmam categoricamente CARVALHO e SANTOS (1995:63):
"Com o comando único em
cada esfera de governo e a determinação legal de que esse comando será exercido
nos Estados pela Secretaria de Saúde, todos os serviço de saúde nos Estados e
Municípios terão, obrigatoriamente, de ficar subordinados à normatividade do
SUS. A LOS não deixou espaço para o que ERNANI BRAGA uma vez denominou
‘feudalismo institucional’.
Desse modo, os serviços de
saúde, ainda que não estejam formalmente subordinados ou vinculados às
Secretarias Estaduais ou Municipais de Saúde, como os hospitais penitenciários
(geralmente subordinados às Secretarias de Justiça ou de Segurança), os
hospitais das Forças Armadas e os hospitais universitários, integram o SUS e,
constitucionalmente e legalmente, hão de submeter-se à direção única do SUS, no
tocante à política de saúde."
De
ressaltar que a participação dos hospitais universitários no plano do SUS
far-se-á mediante convênio (art.45 da LOS), e não automaticamente como a
princípio de depreende do texto do art. 4o da Lei em comento.
Quanto
aos objetivos do SUS é notável a ampliação que a LOS confere aos oito incisos
do art.200 da CF/88, que nela transformam-se em vinte e um. Todas as
finalidades aqui traçadas, a bem da verdade, encontram respaldo constitucional,
pois não fogem aos assuntos referentes à vigilância sanitária, à saúde do
trabalhador, ao saneamento básico, ao controle e fiscalização de serviços e
produtos e recursos humanos. Quanto aos princípios e diretrizes já forma
tratados no princípio desse trabalho.
Para
finalizar essa parte cabe a referência ao art. 8o que encomenda a
direção do SUS para cada esfera federativa, no plano federal ao Ministério da
Saúde, nos Estados às Secretarias Estaduais e nos Municípios às Secretarias
Municipais. Menção obrigatória merece também a previsão do consórcio entre os
Municípios facultado pelo art. 10 da LOS.
Acerca
da competência regulatória das três entidades federativas (arts. 16 a 18) já
aludimos no capítulo anterior.
Dos
serviços privados da Assistência à saúde
Quanto
aos serviços privados de saúde a LOS prevê duas classificações: aqueles que não
pertencem ao SUS, respaldados pela liberdade que a Constituição Federal de 1988
confere à iniciativa privada no setor, feitas apenas as restrições concernentes
ao capital estrangeiro, constantes do art. 199, §3o desse Excelso
Diploma, e os que mediante convênio prestam serviço complementar de saúde ao
Sistema Único.
Para
a contratação dos particulares pessoas jurídicas que prestarão o serviço de
saúde privado complementar (art.199, §1o da CF/88), na hipótese das
condições do setor público não cobrirem a demanda, o que é uma realidade
nacional evidente, faz-se necessária a realização de licitação nos moldes da Lei
8.666/93. Advertem CARVALHO e SANTOS (ob.cit.:183) que a inobservância dessa
regra tem sido generalizada no plano federal, sem que haja qualquer
justificativa palpável para o afastamento da aplicação da Lei 8.666/90.
O
art. 25 da LOS lembra o mandamento constitucional de que a preferência para
formulação de convênios para que as entidades privadas integrem o SUS é das
instituições de fins filantrópicos.
O
art. 26, §1o fala sobre os critérios para remuneração e parâmetros
da cobertura assistencial, pelo que é importante assinalar que são duas
atividades submetidas à competência da Direção Nacional do SUS mediante
aprovação do Conselho Nacional de Saúde.
Dos
recursos humanos
Uma
das preocupações da Constituição Federal na área da saúde foi, expressamente, a
formação de recursos humanos (art. 200, III). A LOS busca implementar uma
política de fomento à qualificação específica na área através de programas de
aperfeiçoamento pessoal em todos os níveis de ensino, inclusive pós-graduação,
bem como a valorização da dedicação exclusiva ao SUS. Sobre o tema socorro-me
novamente de CARVALHO e SANTOS (ob.cit.:208):
"Por mais bem
estruturado que venha a ser o Sistema Único de Saúde, por mais abrangente e
pormenorizada que venha a ser a legislação ordenadora do SUS, por mais recursos
financeiros e materiais de que disponha o sistema, e por mais avançados que
sejam os enunciados da política de saúde e os objetivos fixados na Lei Orgânica
da Saúde, O SUS NÃO FUNCIONARÁ A CONTENTO E OS IDEAIS NELE TRADUZIDOS ESTARÃO
FADADOS AO FRACASSO se não dispuser de recursos humanos qualificados e,
obviamente, valorizados sempre" (Grifos no original).
A
Norma Operacional Básica 01/93 no documento A ousadia de cumprir e fazer
cumprir a Lei incumbia um grupo de trabalho especificamente para elaborar
diretrizes e apoio técnico à "preparação e gestão de RH para o Sistema;
ordenar a formação em articulação com o aparelho formador e entidades
profissionais".
Do
financiamento
A
norma inspiradora da matéria é de matiz constitucional. Reza o art. 195 da
Constituição Federal que "a seguridade social será financiada por toda
a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e das seguintes contribuições sociais".
A
EC 29/2000 também introduziu modificações que repercutem na elaboração dos
orçamentos da saúde nas três esferas federativas na obrigatoriedade da
observância de percentuais vinculados à saúde, in verbis:
"Art. 198. As ações e
serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem
um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com
direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral,
com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
III - participação da
comunidade.
§ 1º. O sistema único de
saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços
públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre:
I - no caso da União, na
forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;
II - no caso dos Estados e
do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o
art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e
inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios;
III - no caso dos Municípios
e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o
art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e
§ 3º.
§ 3º Lei complementar, que
será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I - os percentuais de que
trata o § 2º;
II - os critérios de rateio
dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos
Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;
III - as normas de fiscalização,
avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual,
distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do
montante a ser aplicado pela União."
Há
de se levar em conta após a referida emenda constitucional que o orçamento da
seguridade social conta na área de saúde com receita vinculada de impostos,
além de contribuição social específica no nível federal (CPMF).
No
caso dos Estados-membros e Distrito Federal comporá o orçamento nacional da
saúde 11% da receita do imposto sobre transmissão causa mortis, do ICMS
e do IPVA, assim como suas participações na distribuição da receita do IRPJ
pago à União pelos seus órgãos, do FPE e do IPI (Art. 77,II do ADCT). Quanto
aos Municípios 15% dos valores recebidos de sua receita originária e
transferida. Já a União assumiu um critério mais financeiro-atuarial,
acrescendo em 5% o montante de sua contribuição em 1999 ao orçamento da saúde
para 2000, e de 2001 a 2004 essa quantia corrigida pela variação nominal do PIB.
A
LOS prevê a somatória de outras fontes ao orçamento da saúde como aquelas
provenientes de doações, alienações patrimoniais, taxas e emolumentos na área
de saúde e serviços que possam ser prestados, contanto que não interfiram na
área-fim do SUS (art.32).
É
de ressaltar que a Lei adverte que as ações de saneamento básico executadas
supletivamente pelo SUS serão financiadas com recursos do Sistema Financeiro de
Habitação, precipuamente (art. 32, §3o da LOS), assim como o fomento
à pesquisa poderão ser co-financiadas por Universidades e Instituições de
fomento, além das próprias unidades executoras.
AGÊNCIA
NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA
A
ANVISA foi criada pela Medida Provisória 1.791, de 1998 posteriormente
convertida na Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999. Sua finalidade é administrar
o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a qual foi definida na Lei Orgânica
da Saúde como "um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do
meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de
interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou
indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e
processos, da produção ao consumo e o controle da prestação de serviços que se
relacionam direta ou indiretamente com a saúde" (art. 6o,
§1o da Lei 8.080/90).
Foi
concebida no novel modelo das Agências Nacionais, cuja natureza jurídica é de
autarquia submetida a regime especial. É gerida por uma Diretoria Colegiada
composta por até cinco membros escolhidos pelo Presidente da República e
ratificados pelo Senado Federal, nos moldes da indicação para Ministros dos
Tribunais Superiores e altas autoridades do Executivo. O mandato da Diretoria
será de três anos permitida uma única recondução e dentre tais membros o
Presidente da República escolherá o Diretor-Presidente. Além da Diretoria
Colegiada a ANVISA conta também com um Procurador e um Ouvidor.
Na
sua estrutura foi criada também um Conselho Consultivo formado por membros dos no
mínimo, representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios, dos produtores, dos comerciantes, da comunidade científica e dos
usuários. A Lei deixa para o regulamento estabelecer a competência e o
número de membros do Conselho. Diz o Decreto 3.029 de 16 de abril de 1999:
"Art. 17. O
Conselho Consultivo tem a seguinte composição:
I - Ministro de
Estado da Saúde ou seu representante legal, que o presidirá;
II - Ministro de
Estado da Agricultura e do Abastecimento ou seu representante legal ;
III - Ministro
de Estado da Ciência e Tecnologia ou seu representante legal;
IV - Conselho
Nacional de Saúde - um representante;
V - Conselho
Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde - um representante;
VI - Conselho
Nacional dos Secretários Municipais de Saúde - um representante;
VII - Confederação
Nacional das Indústrias - um representante;
VIII - Confederação
Nacional do Comércio - um representante;
IX - Comunidade
Científica, convidados pelo Ministro de Estado da Saúde - dois
representantes;
X - Defesa do
Consumidor - dois representantes de órgãos legalmente constituídos.
§ 1o
O Diretor-Presidente da Agência participará das reuniões do Conselho
Consultivo, sem direito a voto.
§ 2o
O Presidente do Conselho Consultivo, além do voto normal, terá também o de
qualidade.
§ 3o
Os membros do Conselho Consultivo poderão ser representados, em suas ausências
e impedimentos, por membros suplentes por eles indicados e designados pelo
Ministro de Estado da Saúde." (NR) (Parágrafo incluído pelo Dec.
nº 3.571, de 21.8.2000)"
A
ANVISA tem como objetivos precípuos a regulação, controle e fiscalização dos
produtos que impliquem riscos à saúde pública, tais como medicamentos de uso
humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias,
alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens,
aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos
e de medicamentos veterinários, cosméticos, produtos de higiene pessoal e
perfumes, saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em
ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos, conjuntos, reagentes e
insumos destinados a diagnóstico, equipamentos e materiais médico-hospitalares,
odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem,
imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados, órgãos,
tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes ou reconstituições,
radioisótopos para uso diagnóstico in vivo e radiofármacos e produtos
radioativos utilizados em diagnóstico e terapia, cigarros, cigarrilhas,
charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco,
quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por
engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de
radiação (art. 7o da Lei 9.782/99).
Na
sua atuação a ANVISA deve pautar-se pelos objetivos de atuar sobre as circunstâncias
especiais que provoquem potencialmente riscos à saúde, por isso seu espectro de
ação é amplo, envolvendo não apenas poder de polícia, mas poder de normatizar.
A
Lei é expressa ao exigir a observância do princípio da descentralização
administrativa da gestão, na efetividade do princípio de subsidiariedade visto
acima, para que a ANVISA possa delegar poderes, inclusive de arrecadação como
veremos adiante, aos demais entes federativos, mediante assentimento dos
Conselhos de Saúde. Mas será sempre sua a responsabilidade superior de prestar
orientação técnica aos Estados-membros e Municípios, bem como será incumbência
do Ministério da Saúde a formulação, acompanhamento e avaliação no plano
nacional da política e prioridades das ações de vigilância sanitária para o
Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, que é coordenado pela ANVISA. Para a
implementação da política de descentralização a referência legislativa é a Lei
8.080/90 já estudada anteriormente.
A
ANVISA veio substituir a extinta Secretaria de Vigilância Sanitária, órgão do
Ministério da Saúde e hoje ocupa, juntamente com o Ministério da Saúde e o
Conselho Nacional de Vigilância Sanitária, a trindade que deve desincumbir-se
das ações dessa natureza no país. Para a consecução de suas atribuições a Lei
9.782/99 estabelece uma gama ampla de poderes à Agência os quais realizam com
clareza um novo perfil intervencionista para o poder Executivo no atendimento à
demandas dinâmicas cuja resolução muitas vezes escapa ao ritmo lento das
tramitações legislativas. Dentre as prerrogativas da ANVISA cabe citar:
"Art. 7º Compete à
Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII
do art. 2º desta Lei, devendo:
III - estabelecer normas,
propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de
vigilância sanitária;
IV - estabelecer normas e
padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais
pesados e outros que envolvam risco à saúde;
V - intervir,
temporariamente, na administração de entidades produtoras, que sejam
financiadas, subsidiadas ou mantidas com recursos públicos, assim como nos
prestadores de serviços e ou produtores exclusivos ou estratégicos para o abastecimento
do mercado nacional, obedecido o disposto no art. 5º da Lei nº 6.437, de 20 de
agosto de 1977, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei nº 9.695, de
20 de agosto de 1998;
VI - administrar e arrecadar
a taxa de fiscalização de vigilância sanitária, instituída pelo art. 23 desta
Lei;
VII - autorizar o
funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos
mencionados no art. 8o desta Lei e de comercialização de
medicamentos;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
VIII - anuir com a
importação e exportação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei;
IX - conceder registros de
produtos, segundo as normas de sua área de atuação;
X - conceder e cancelar o
certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação;
.....
XIV - interditar, como
medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação,
armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços
relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco
iminente à saúde;
XV - proibir a fabricação, a
importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e
insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à
saúde;
XVI - cancelar a autorização
de funcionamento e a autorização especial de funcionamento de empresas, em caso
de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
XVII - coordenar as ações de vigilância sanitária
realizadas por todos os laboratórios que compõem a rede oficial de laboratórios
de controle de qualidade em saúde;
XVIII - estabelecer,
coordenar e monitorar os sistemas de vigilância toxicológica e farmacológica;
XIX - promover a revisão e
atualização periódica da farmacopéia;
XX - manter sistema de
informação contínuo e permanente para integrar suas atividades com as demais
ações de saúde, com prioridade às ações de vigilância epidemiológica e
assistência ambulatorial e hospitalar;
XXI - monitorar e auditar os
órgãos e entidades estaduais, distrital e municipais que integram o Sistema
Nacional de Vigilância Sanitária, incluindo-se os laboratórios oficiais de
controle de qualidade em saúde;
XXII - coordenar e executar
o controle da qualidade de bens e produtos relacionados no art. 8º desta Lei,
por meio de análises previstas na legislação sanitária, ou de programas
especiais de monitoramento da qualidade em saúde;
XXIII - fomentar o
desenvolvimento de recursos humanos para o sistema e a cooperação
técnico-científica nacional e internacional;
XXIV - autuar e aplicar as
penalidades previstas em lei.
XXV - monitorar a evolução
dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de
saúde, podendo para tanto:
a. requisitar, quando julgar
necessário, informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e
quaisquer outros dados, em poder de pessoas de direito público ou privado que
se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens
e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso;(
Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
b. proceder ao exame de
estoques, papéis e escritas de quaisquer empresas ou pessoas de direito público
ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e
comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo
legal quando for o caso;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de
2000)
c. quando for verificada a
existência de indícios da ocorrência de infrações previstas nos incisos III ou
IV do art. 20 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, mediante aumento
injustificado de preços ou imposição de preços excessivos, dos bens e serviços
referidos nesses incisos, convocar os responsáveis para, no prazo máximo de dez
dias úteis, justificar a respectiva conduta;(Redação dada pela MP nº 2.000-12,
de 13 de janeiro 2000)
d. aplicar a penalidade
prevista no art. 26 da Lei nº 8.884, de 1994;(Redação dada pela MP nº 2.000-12,
de 13 de janeiro de 2000)
§ 1º A Agência poderá
delegar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a execução de
atribuições que lhe são próprias, excetuadas as previstas nos incisos I,
V, VIII, IX, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX deste artigo."
Agora
entre os poderes da ANVISA o que mais impressiona, senão incomoda, encontra-se
no art.8o, §4o, o qual além do produtos listados na Lei
de interesse à proteção sanitária e portanto autorizadores da ação da ANVISA,
"a Agência poderá regulamentar outros produtos e serviços de interesse
para o controle de riscos à saúde da população, alcançados pelo Sistema
Nacional de Vigilância Sanitária".
A
norma citada constitui uma verdadeira norma em branco como as constantes da
doutrina penalista, hoje muito em voga na seara ambiental, onde os riscos
muitas vezes apenas podem ser avaliados diante do fato, dificilmente cabíveis
no raio de uma previsão legislativa. Trata-se de uma prerrogativa fronteiriça
do Estado de Direito, um alargamento de fronteiras que sugere uma alteração de
paradigmas.
Trata-se
de saber que os regulamentos expedidos pela ANVISA teriam o poder de obrigar a
terceiros coercitivamente tal como uma lei formal. A doutrina costuma apontar
três dificuldades fundamentais para tanto, quais sejam o fato de que a
atividade normativa no plano administrativo submete apenas por obra do dever de
obediência hierárquica na Administração Pública, sendo pífio seu alcance em
face de terceiros. No mesmo diapasão, a regulamentação no rigor da disciplina
constitucional é faculdade do Presidente da República (art. 84, IV da CF/88),
sendo a Diretoria Colegiada da ANVISA incompetente para expedir regulamentos
para a fiel execução da lei. Por fim, o art. 8o, §4o, da
Lei 9.782/99 parece autorizar a ANVISA a inovar na ordem jurídica ao
conferir-lhe poderes para definir outros produtos que não estejam compreendidos
pela referida Lei, sendo este papel estranho ao poder regulamentar que existe,
por excelência, para disciplinar a execução da Lei e não para ultrapassar-lhe
os limites, acrescentando-lhe novos elementos ou subtraindo os já definidos.
Nesse sentido aponta MORAES (2001:47):
"Portanto, o §4o
do art. 8o da Lei 9.782 deverá, nesse aspecto, ser interpretado
restritivamente, isto é, os outros produtos de que trata o artigo em comento,
só poderão ser aqueles já cuidados nessa Lei ou em outra vigente. Não poderá a
Agência fiscalizar ou controlar outros produtos não previstos em lei porque, do
contrário, estaria inovando a ordem jurídica e, por conseguinte, afrontando o
princípio constitucional da legalidade"
A
autora citada chega a mencionar a perspectiva de entendimento da atividade
normativa da ANVISA caracterizar-se como complementar de "norma em
branco", mas refuta a idéia por aceita-la cabível na seara de tipificação
criminal e não no que concerne a fiscalização de bens e serviços pela Agência,
ao que pensamos opor o argumento de quem pode o mais, também pode o menos...
Parece-nos que se a tipificação a partir de norma penal em branco, mesmo em
matéria de vigilância sanitária é possível, como já sói acontecer no direito
penal ambiental, igualmente e com mais razão a dilatação do rol de bens afeitos
à supervisão da ANVISA seria aceitável, porque a autorização genérica está
perfeitamente expressa na Lei, a natureza dos objetos claramente delineável
pela enumeração dos artigos 7o e 8o, bem como os anexos
da Lei, e, finalmente, as finalidades da ANVISA definidas em lei no conceito de
vigilância sanitária dado pela LOS permitiriam o controle efetivo das ações da
agência.
Não
se trata de delegação legislativa camuflada, o que seria claramente
inconstitucional pelo disposto no art. 68 e parágrafos da CF/88, já que essa
apenas pode ser dada nas hipóteses previstas naquele dispositivo ao Presidente
da República. Também não há que se falar em decreto autônomo, figura de
aceitação controvertida entre os administrativistas, pois mesmo para quem os
admita sua expedição é privativa do Chefe máxime do Executivo, nos termos do já
citado art. 84, IV da Constituição Federal.
Como
já dito acima, o poder conferido à ANVISA apenas se pode admitir no direito
brasileiro como o de complementar por força de dever regulamentar uma norma em
branco. Os limites do poder regulamentar com mais razão estarão presentes no
caso, isso porque se ao decreto do Chefe do Executivo já se impõe o dever de
conformar-se à Lei, com mais razão as Instruções, Resoluções e Portarias que
órgãos administrativos podem expedir estarão cingidas por tais barreiras. Como
ensina a palavra precisa de BANDEIRA DE MELLO (1996:208):
"Se o regulamento não
pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos
indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda
poderão faze-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode
ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível
de delegação, menos ainda poderão faze-lo atos de estirpe inferior, quais
instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não pode
assenhorear-se de funções legislativas nem recebe-las para isso por
complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos
ou entidades da Administração direta ou indireta".
Eis
aí a questão que em um esforço exegético mais correto resolve-se: a autorização
do §4o do art. 8o da Lei 9.782/99 não pode ser
interpretada extensivamente como a permitir a criação de outras modalidades de
imputação ou restrição a direitos que não as previstas na lei, mas sim como
ampliação do rol de bens e serviços passíveis da fiscalização, quando sejam
tais que possuam conexão intrínseca com a natureza da atividade protetiva de
vigilância sanitária. Observe-se que não se cuida de extensão de poder algum,
pois a ANVISA continuará dispondo dos mesmas prerrogativas de polícia e
normativa que a Lei formal já lhe faculta, senão de um detalhamento dos objetos
passíveis de fiscalização, os quais pela sua natureza, pelos riscos que
potencialmente apresentam já se encontram compreendidos na finalidade, na
justificativa ontológica da ANVISA. Portanto, não vemos ofensa alguma ao
princípio da legalidade já que não importa a permissão em uma ampliação da
capacidade de ANVISA fazer ou obrigar alguém a fazer alguma coisa que não
esteja prevista em lei formal. Os meios de coerção da ANVISA definidos em lei
não podem ser ampliados por regulamentos de qualquer lavra. Mas o detalhamento
da enumeração de produtos e serviços sujeitos às mesmas condições de
fiscalização legalmente previstas parece-nos possível de harmonizar-se no
ordenamento jurídico brasileiro.
Um
detalhe interessante também a mencionar sobre a ANVISA é que a sua
administração faz-se fundamentada juridicamente em um contrato de gestão que é
assinado entre o Ministério da Saúde e o Diretor-Presidente que assumir a
agência. É essa contrato de gestão que consignará as prioridades e objetivos do
mandato a ser cumprido pela Diretoria e os critérios de avaliação de
desempenho. Reza a Lei:
"Art. 19. A
Administração da Agência será regida por um contrato de gestão, negociado entre
o seu Diretor-Presidente e o Ministro de Estado da Saúde, ouvidos previamente
os Ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, no
prazo máximo de cento e vinte dias seguintes à nomeação do Diretor-Presidente
da autarquia. (Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
Parágrafo único. O contrato
de gestão é o instrumento de avaliação da atuação administrativa da autarquia e
de seu desempenho, estabelecendo os parâmetros para a administração interna da
autarquia bem como os indicadores que permitam quantificar, objetivamente, a
sua avaliação periódica.
Art. 20. O descumprimento
injustificado do contrato de gestão implicará a exoneração do
Diretor-Presidente, pelo Presidente da República, mediante solicitação do
Ministro de Estado da Saúde
Por
fim, a Lei 9.782/99 autoriza a exoneração imotivada do Diretor-Presidente da
Agência ao nuto do Presidente da República nos primeiros quatro meses de
mandato, após o que será afastado apenas nos casos de prática de ato de
improbidade administrativa, de condenação penal transitada em julgado e de
descumprimento injustificado do contrato de gestão da autarquia.
Sua
manutenção financeira advém basicamente da receita da Taxa de Vigilância
sanitária, paga anualmente em valores fixos pelas empresas nas hipóteses,
exemplificativamente, de autorização de funcionamento por estabelecimento ou
unidade fabril e para cada tipo de atividade, sobre a indústria de
medicamentos, equipamentos (medicina nuclear, tomografia computadorizada,
ressonância magnética e cineangiocoronagrafia), etc.
Além
disso a ANVISA arrecada receita do seu patrimônio alienado ou arrendado, de
doações, da cobrança de sua dívida ativa e da imposição de multas (art. 22 da
Lei 9.782/99).
AGÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE COMPLEMENTAR
A
ANS foi criada pela Lei 9.961 de 28 de janeiro de 2000 para promover a defesa
do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as
operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e
consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
Dentre
suas finalidades institucionais encontra-se a proposição de políticas e
diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar - Consu para a
regulação do setor de saúde suplementar, o estabelecimento das características
gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras, a
fixação de critérios para os procedimentos de credenciamento e
descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras, o estabelecimento de
parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde
para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras, de normas
para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS e relativas à adoção e
utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de
regulação do uso dos serviços de saúde.
Sua
natureza jurídica, como a ANVISA, é de autarquia sob regime especial, entendido
assim aquele que permite maior autonomia na gestão dos seus recursos e
estabilidade para os gestores que exercerão mandatos.
Sua
administração submete-se às mesmas regras da ANVISA explicitadas acima:
Diretoria Colegiada indicada pelo Presidente da república e ratificada pelo
Senado; três anos de mandato; Diretor-Presidente indicado dentre os demais
membros da Diretoria Colegiada; Procuradoria e Ouvidoria compondo a estrutura
administrativa; adoção do contrato de gestão como instrumento de estabelecimento
de objetivos e critérios de avaliação de desempenho.
Correspondente
do Conselho Consultivo da ANVISA, a ANS possui a Câmara de Saúde Suplementar de
caráter permanente e consultivo. Assim a Lei define sua composição:
"Art. 13. A
Câmara de Saúde Suplementar será integrada:
I - pelo Diretor-Presidente
da ANS, ou seu substituto, na qualidade de Presidente;
II - por um diretor da ANS,
na qualidade de Secretário;
III - por um representante
de cada Ministério a seguir indicado:
a) da Fazenda;
b) da Previdência e
Assistência Social;
c) do Trabalho e Emprego;
d) da Justiça;
e) da Saúde;
IV - por um representante de
cada órgão e entidade a seguir indicados:
a) Conselho Nacional de
Saúde;
b) Conselho Nacional dos
Secretários Estaduais de Saúde;
c) Conselho Nacional dos
Secretários Municipais de Saúde;
d) Conselho Federal de
Medicina;
e) Conselho Federal de
Odontologia;
f) Conselho Federal de
Enfermagem;
g) Federação Brasileira de
Hospitais;
h) Confederação Nacional de
Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços;
i) Confederação das Santas
Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas;
j) Confederação Nacional da
Indústria;
l) Confederação Nacional do
Comércio;
m) Central Única dos
Trabalhadores;
n) Força Sindical;
o) Social Democracia
Sindical;
V - por um representante de
cada entidade a seguir indicada:
a) de defesa do consumidor;
b) de associações de
consumidores de planos privados de assistência à saúde;
c) do segmento de
auto-gestão de assistência à saúde;
d) das empresas de medicina
de grupo;
e) das cooperativas de
serviços médicos que atuem na saúde suplementar;
f) das empresas de
odontologia de grupo;
g) das cooperativas de
serviços odontológicos que atuem na área de saúde suplementar;
h) das entidades de portadores de deficiência e de patologias especiais.
§ 1o Os
membros da Câmara de Saúde Suplementar serão designados pelo Diretor-Presidente
da ANS."
A
receita da ANS provém fundamentalmente da Taxa de Saúde Suplementar cujos
sujeitos passivos são as pessoas jurídicas, condomínios ou consórcios
constituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou
entidade de autogestão, que operem produto, serviço ou contrato com a
finalidade de garantir a assistência à saúde visando a assistência médica,
hospitalar ou odontológica, devida nas hipóteses de plano de assistência à
saúde, quando seu valor será o produto da multiplicação de R$ 2,00 (dois reais)
pelo número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde,
deduzido o percentual total de descontos apurado em cada plano e por registro
de produto, registro de operadora, alteração de dados referente ao produto,
alteração de dados referente à operadora, pedido de reajuste de contraprestação
pecuniária em saúde suplementar.
Bibliografia
citada:
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ed. São Paulo. Malheiros,1996.
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J.
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1988. São Paulo: RT. 1993.
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Sobral: HUCITEC, UVA. 2001.
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Aparecida Silva de MORAES. O poder regulamentar e as competências
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Sebastião
Botto de Barros TOJAL. O direito regulatório do Estado Social e as
normas legais de saúde pública in O Direito Sanitário na
Constituição brasileira de 1988: normatividade, garantias e seguridade social.
Brasília, 1994.
*Procurado Federal Especializado- INSS, Professor de Teoria da
Constituição e História do Direito no Centro Universitário do Pará -
CESUPA,Mestre em Direito Público- UFPA;
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5420 >. Acesso em: 27/03/07