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Roberto Luchezi*
No dia 31 de dezembro
transato foi publicada a Emenda Constitucional n. 45 (promulgada no dia 8 do
mesmo mês), denominada "Emenda da Reforma do Judiciário", que
introduziu importantes alterações no texto da Lei Máxima então vigente.
Como
costumeiramente faço, enfocarei alguns de seus aspectos, para o que darei a
minha visão pessoal sobre o assunto. São, pois, considerações de minha lavra,
partindo de uma leitura dinâmica da Emenda em si, passíveis de serem rebatidas
pelos colegas estudiosos do Direito.
Desta
vez escolhi três textos acrescentados à Constituição Federal, que são:
ART. 5º, LXXVIII: "a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação".
Este
inovador inciso busca a rápida entrega da prestação jurisdicional, ao assegurar
a todo cidadão a razoabilidade da duração do processo e a celeridade
processual, tanto propugnadas, mas jamais cumpridas.
Será
que sob a proteção constitucional, até que enfim a Justiça cumprirá com o honroso
mister de entregar a cada um o que é seu de maneira célere?
Entendo
que isso será possível desde que ocorra uma profunda reforma processual,
principalmente no Processo Civil e a cultura do recurso seja amenizada.
ART. 5º, § 3º: "Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais".
O
texto em destaque trata da recepção jurídica dos tratados internacionais de
direitos humanos que o Brasil seja parte, restando demonstrado que, doravante,
as regras sobre direitos humanos têm aplicação e eficácia imediatas, bastando
que sejam aprovadas, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, equivalendo, a partir de então,
às emendas constitucionais.
Simplesmente
transcreve o quórum para aprovação de Emenda à Constituição já previsto no §
2º, do art. 60 da Lex Mater em vigor.
Só
como exemplos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Convención Americana
Sobre Derechos Humanos, também designada Pacto de San José da Costa Rica)
e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, foram incorporados ao
nosso ordenamento jurídico através, respectivamente, dos Decretos Legislativos
ns. 27, de 25 de setembro de 1992 e 226, de 12 de dezembro de 1991 e Decretos
Presidenciais ns. 678, de 6 de novembro de 1992 e 592, de 6 de julho de 1992.
Contraria,
assim, o entendimento de alguns doutrinadores que defendem a teoria monista, ou
seja, bastaria a simples adesão ao tratado sobre direitos humanos, para que o
mesmo fosse, automaticamente, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, sem
mesmo a necessidade de sua ratificação pelo Congresso e pelo Executivo, muito
embora – como mencionado linhas atrás – o Brasil tenha ratificado a adesão por
meio dos decretos especificados.
Para
esses mesmos doutrinadores, aplicar-se-ia a teoria dualista apenas em tratados
com caráter econômico.
Revigorado
está, portanto, o entendimento sobre a efetiva aplicação da teoria dualista
também para os tratados de conteúdo humanitário.
Encerrou-se,
em decorrência, a acirrada discussão sobre a aplicabilidade do inciso LXVII do
mesmo art. 5º ( "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia
e a do depositário infiel"), no que pertine à prisão do depositário infiel
extrajudicial, em hipótese de alienação fiduciária, por exemplo, impossível a
partir de agora.
Não
custa repisar o quanto estatuído pelo art. 7º, § 7º da Convención Americana
Sobre Derechos Humanos, como se lê: "Nadie será detenido por
deudas. Este principio no limita los mandatos de autoridad judicial competente
dictados por incumplimientos de deberes alimentarios". Traduzindo-se
para o português: "Ninguém será detido por dívidas. Este princípio
não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude
de inadimplemento de obrigação alimentar".
Da
mesma maneira o art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos é
taxativo: "Nadie será encarcelado por el solo hecho de no poder
cumplir una obrigación contratctual", que traduzindo-se, significa:
"Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação
contratual".
Poder-se-ia
argumentar sobre a irretroatividade da aplicação do novel § 3º, afirmando-se
que só poderia produzir efeito a partir de sua publicação. Entretanto,
cuidando-se de direitos humanos, vige o princípio da primazia da norma mais
favorável às vítimas, bem como o princípio da unidade da Constituição
e princípio da conformação da realidade da Constituição, todos aplicados
implicitamente e contrários à clausura por simples descumprimento de obrigação.
Sobranceiro,
pairando sobre todos, eis o princípio da proporcionalidade, designado
também como princípio da razoabilidade, operando como um poder
limitativo da atuação do Estado quando no exercício dos poderes constitucionais
que lhe são inerentes, funcionando como parâmetro eqüitativo para se observar
se é legítimo o fim visado pela norma em vigor e, se não estaria sendo
excessivo o meio para alcançar-se esse mesmo fim. Em suma, esse princípio
objetiva opor-se à ação limitativa que o próprio Estado impõe aos direitos
fundamentais.
Por
conclusão lógica, ainda que não aprovado em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros em cada Casa do Congresso (como determina o
comentado § 3º do art. 5º); que por ser a liberdade o valor máximo da dignidade
humana, protegida pelo art. 1º, III da CF, constituindo-se em um dos
fundamentos internos da República Federativa do Brasil; que estando os direitos
humanos elencados como princípio fundamental a ser preservado pela nação
brasileira também em suas relações internacionais (art. 4º, II), entendo que
foi extirpada, vez por todas, a possibilidade de prisão civil por
inadimplemento contratual, com incidência, inclusive, sobre os casos em
andamento.
Não
cabe aqui discutir-se sobre a possível antinomia entre lex generali e lex
specialis, ou mesmo se lex posterior derogat priori (§ 1º, do art.
2º da LICC), se lex superior derogat inferiori (princípio da hierarquia das
normas), ou até mesmo que "a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (CF, art. 5º, XXXVI)
pois a abrangência nestas observações é mais sucinta, somente para fomentar a
opinião daqueles que lerem esta matéria.
Resta
a prisão civil decorrente da infidelidade depositária judicial, esta escorada
na súmula 619 do Supremo Tribunal Federal: "A prisão do depositário
judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o
encargo, independentemente da propositura de ação de depósito". Plausível,
pois o encargo foi assumido sob o crivo do Judiciário, estando o depositário a
cumprir um múnus público, tornando-se subordinado ao juízo.
No
entanto, caso o Congresso queira atuar preventivamente, evitando-se a
eternização dos embates sobre o assunto, basta realizar a votação dos dois
Tratados, nos termos do ora comentado § 3º do art. 5º, ratificando os efeitos
já produzidos pelos citados Decretos Legislativos e Executivos, se isso for
possível, constitucionalmente falando.
Em
reforço, não poderia deixar de enfatizar o contido nos §§ 1º e 2º, do mesmo
art. 5º:
"§ 2º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata.
§ 3º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
A
peleja travada entre o STF – favorável à prisão, com amparo na decisão plenária
nos autos do HC n. 72.131-RJ, DJU 4.12.95 – e o STJ, mais condescendente quanto
à encarceragem, perderia seu objeto, trazendo a necessária harmonia nas
decisões.
ART. 98, § 2º: "As custas e emolumentos serão destinados
exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da
Justiça".
Precisou
que uma Emenda à Constituição fizesse justiça à própria Justiça!
Pode
parecer um pouco irônico, mas a realidade enfrentada até então traduzia-se num
escancarado desacerto, caracterizado pela injusta destinação de valores
arrecadados em razão dos serviços públicos de natureza forense.
No
Estado de São Paulo, por exemplo, vigia a Lei n. 4.952, de 27 de dezembro de
1985.
Contudo,
em 29 de dezembro de 2003, foi promulgada a Lei Estadual n. 11.608, dispondo
quanto à Taxa Judiciária incidente sobre os referidos serviços públicos, que
muita crítica mereceu e está merecendo, tendo em vista a abrupta elevação de
seus valores, sem nenhuma perspectiva de melhoria nos referidos serviços.
Censura
maior recai sobre a destinação dos valores arrecadados, cujo rateio parcial vem
estampado no art. 9º da Lei n. 11.608, na seguinte proporção: 10% para o
custeio das diligências dos oficiais de justiça, como reembolso com cumprimento
dos mandados elencados no inciso IX do art. 2º (de ofício, beneficiários de
assistência judiciária etc.); 21% para o Fundo Especial de Despesa do Tribunal
de Justiça e 9% distribuídos, em partes iguais, aos Fundos Especiais de
Despesas do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, do Segundo Tribunal de Alçada
Civil e do Tribunal de Alçada Criminal (apenas 3% para cada um!), objetivando a
expansão, aperfeiçoamento e modernização do Poder Judiciário do Estado,
somando, pois, 40%.
Cabe-me
observar, por oportuno, que os Tribunais de Alçada foram extintos nos últimos
Estados que insistiam em sua permanência (São Paulo e Paraná), o que ocorreu
através do art. 4º da Emenda ("Ficam extintos os tribunais de Alçada, onde
houver, passando os seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos
respectivos Estados, respeitadas a antigüidade e classe de origem"), tendo
os Tribunais de Justiça o prazo de 180 dias para a devida adaptação. No Estado
de São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça expediu a Resolução n.
194, de 9 de dezembro de 2004, integrando os ex-juízes dos extintos Tribunais
de Alçada no cargo de Desembargador, atribuindo competências às Seções
(Criminal, Direito Público e Direito Privado), compreendendo 67 Câmaras.
Voltando
ao assunto, de acordo com o art. 9º, da Lei n. 11.608/2003, somente 40% do valor
arrecadado a título de custas e emolumentos é investido em benefício do próprio
órgão arrecadador, o Judiciário, e o restante (60%) é auferido pelo Executivo,
com aplicação totalmente desapartada das necessidades do Poder que se incumbiu
da arrecadação respectiva.
De
agora em diante, a totalidade dos valores arrecadados será absorvida pelo
próprio Judiciário, num ato positivo que trará reflexos animadores, bastando
àqueles encarregados de sua aplicação cumprir com a finalidade maior que orientou
o legislador constitucional, que é a necessária modernização e aprimoramento de
tão importante Poder.
Verdade
é que a reforma implementada não atende plenamente aos anseios dos
jurisdicionados, mas já é um avanço na busca da eficiência, principalmente
sabendo-se que, paralelamente, tramita uma profunda alteração da legislação
processual, esta sim carecedora de ajustes que objetivem demover, vez por
todas, incidentes eivados de efeitos procrastinatórios, sempre criticados, mas
amiúde triunfantes
*advogado,
especialista em Direito das Obrigações, mestre em Direito Privado, professor de
Direito Civil, Processo Civil e Empresarial em cursos de graduação e
pós-graduação "lato sensu"
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.