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Bianca Bárbara Malandra Carneiro, Caroline Marinho Boaventura Santos, Eduardo Antonio Costa Parada, Gabriel Dias Marques da Cruz, Iuri Falcão Xavier Mota, Juliana Sousa Feitoza, Manuelita Hermes Rosa Oliveira Filha *
Sumário: 1.Introdução; 2.Conceitos; 3.Posicionamento do Código
Civil ;4.Polêmicas acerca da Matéria ;5.Conclusões;Bibliografia.
INTRODUÇÃO
No
princípio, criou Deus os céus e a terra (...) E disse Deus: Façamos o homem à
nossa imagem, conforme a nossa semelhança. (1)
E parece
que o homem se sentiu incluído nesse "façamos", isto porque com a
capacidade inventiva do seu intelecto, foi capaz de criar técnicas que,
artificialmente, substituem o mecanismo natural da criação.
Nessa
esteira evolutiva surgem variadas técnicas de reprodução humana assistida. São
métodos que envolvem desde a "simples" inseminação artificial até a
fertilização em laboratório, que consiste na manipulação do material
fertilizante feminino (óvulo) e masculino (esperma) em um tubo de ensaio
(proveta) a fim de dar início à fecundação do óvulo e o conseqüente
desenvolvimento do embrião, com sua posterior transferência no útero da mulher.
Esta última técnica é comumente conhecida como fertilização in vitro.
Apesar dos
benefícios que a técnica de reprodução assistida traz, é inegável que, a seu
reboque, surge, no ventre da sociedade, uma miríade de problemas de cunho
ético, moral, religioso, social e jurídico.
Em relação
às técnicas de reprodução humana assistida, o Estado exerce um papel de
fundamental importância, pois cria limites aos avanços biotecnológicos, regula
as matérias causadoras de controvérsias e atualiza o ordenamento jurídico às
novas necessidades sociais.
Das
técnicas de reprodução humana assistida, sem dúvida, a que mais enseja
questionamento é a fertilização in vitro. Esta técnica colheu seu
primeiro resultado positivo em 26 de julho de 1978 na Inglaterra, mais
precisamente em Lancashire, onde um óvulo, extraído de Lesley Brown, foi
fecundado em uma proveta com o sêmen de seu marido, John Brown, tendo como
resultado o nascimento de Louise. No Brasil, o primeiro fruto dessa técnica foi
colhido em 7 de outubro de 1984 com o nascimento de Anna Paula Caldera. Os
vinte e cinco anos do primeiro experimento serviram para que os problemas
advindos desta técnica aflorassem, exigindo de cada Estado uma posição acerca
da matéria.
Nos casos
supramencionados a fertilização foi homóloga, isto é, tanto o óvulo quanto o
sêmen pertenciam ao casal, aos pais da criança. Entretanto, nem sempre é assim.
A fertilização in vitro também pode ser heteróloga, onde o material
fertilizante é de terceiro.
Ao passo
que se avança no estudo do tema, percebe-se que cada detalhe é responsável pelo
surgimento de inúmeros questionamentos, alguns dos quais seguem exemplificados,
sem pretensões de, no entanto, enfrentar a matéria.
a)Destino
dos embriões excedentários
Nessa
seara, os doutrinadores discutem se os embriões devem ser congelados,
descartados, doados ou se os médicos deverão fertilizar menos óvulos, de modo a
reduzir a quantidade de embriões, em que pese a maior possibilidade de fracasso
no tratamento.
Dentre os
questionamentos acerca do congelamento dos embriões, pode-se apontar
exemplificadamente: essa técnica pode ter repercussão física ou psíquica no
embrião? Qual a situação jurídica do embrião congelado? Quem seria o
responsável pela guarda e depósito dos embriões?
No que
concerne ao descarte, a discussão gira em torno da seguinte questão: o embrião,
independentemente de ser in vivo ou in vitro, é vida ou ao menos
tem expectativa de vida?
No caso de
doação dos embriões excedentes não há grandes questionamentos em relação ao
destino dado, porém surgem problemas outros envolvendo principalmente a
necessidade ou não do anonimato e a relação de parentesco do embrião com sua
nova família.
No que
tange ao número de embriões a serem fertilizados, não há uniformidade na
comunidade científica. Juridicamente há quem surgira que este número deve ser
reduzido o máximo possível.
b)Anonimato
dos doadores
A Resolução
do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.358/92 estabelece o anonimato dos
doadores e receptores de gametas e embriões, evitando, desta forma, complexas
situações emocionais e legais entre doadores e receptores, com repercussões no
desenvolvimento psicológico da criança nascida através deste procedimento.
Salienta-se a exigência pelo CFM de um cadastro de informações biológicas,
genéticas e fenotípicas do doador, resguardando-lhe sua identidade civil.
Entretanto,
outros afirmam que as crianças com desconhecimento de sua origem genética
poderiam apresentar incompleta percepção de sua identidade, com graves
repercussões psicológicas. O Projeto de Lei (PL) n.º 90/99 admite que a criança
possa obter todas as informações sobre o processo que a gerou, inclusive a
identidade civil do doador, no momento em que completar a maioridade, ou antes
desse termo, havendo óbito de ambos os pais.
Outro
projeto propõe a inserção de um novo artigo na Lei 8.560/92, possibilitando o
acesso do nascido oriundo de técnicas de RHA à identidade do doador, vedando,
contudo, a aquisição de direitos sucessórios.
Com relação
ao anonimato dos doadores, há, ainda, o questionamento acerca da necessidade da
anuência do consorte na hipótese de o doador do material fertilizante ser
casado.
c)Variações
em relação à origem do material fertilizante e ao útero onde será transferido o
embrião
Deste
aspecto extraem-se questões intrincadas, surgidas ao sabor das variadas
hipóteses relativas à origem (do casal ou de terceiro) do material fertilizante
e do útero.
Vale
ressaltar que toda problemática fica ainda mais complexa se o casal beneficiado
pela técnica de reprodução assistida for homossexual, doador, ou não, de
gametas e possuidor, ou não, do útero onde será transferido o embrião.
Saliente-se que o legislador já se preocupa com a questão, haja vista o PL n.º
90/99, que veda o direito à reprodução assistida a mulheres solteiras e a
casais do mesmo sexo, admitindo-o apenas a casados e conviventes. Entretanto,
tal dispositivo, não impede totalmente que ocorra o uso indevido da técnica,
não devendo o diploma legal, de lege ferenda, fechar os olhos a esta
questão.
Outro
complicador que pode ser considerado é o fato de a transferência ser feita após
a dissolução da sociedade conjugal (ou união estável).
d)O
tempo da transferência
Dentre os
aspectos relevantes a serem considerados nas técnicas de reprodução humana
assistida está o tempo da transferência em relação à constância ou dissolução
do vínculo conjugal ou da união estável.
Se a
transferência ocorre na constância do casamento ou união estável, a
problemática gira em torno da autorização de ambos os cônjuges ou companheiros.
Por outro lado, se ocorre a transferência após a dissolução da sociedade
conjugal ou da união estável, há de se perguntar qual a natureza da dissolução:
se por morte, se por separação de fato, ou de direito, ou se por divórcio.
A par de
toda as intrigantes questões que envolvem este interessante tema, o presente
trabalho focará a transferência de embriões excedentários heterólogos na
dissolução da sociedade conjugal. Nesse sentido, alguns questionamentos serão
analisados de per si, a fim de se amadurecer o entendimento acerca das
implicações jurídicas deles decorrentes.
2.CONCEITOS
Antes de
adentrar à problemática do presente trabalho é necessário trazer à tona alguns
conceitos importantes para o bom entendimento do tema proposto.
2.1.Reprodução
Assistida
É sabido
que a maioria dos avanços da ciência se destina a facilitar, melhorar e
satisfazer de forma cada vez mais completa a vida do homem.
Nesse
diapasão, não poderiam ser diferentes as perspectivas apontadas pela
Biotecnologia e pela Engenharia Genética, as quais estão possibilitando às
pessoas que não conseguem gerar filhos a chance de exercerem o direito de serem
pais e mães.
A Resolução
do CFM n.º 1.358/92, inciso I, n.º 2, assegura o direito de alguém à concepção
e à descendência por meio de fertilização assistida, se não colocar em risco a
vida ou a saúde da paciente e do possível descendente.
A chance de
ser pai ou mãe é dada pelas modernas técnicas de reprodução assistida, que
representam a intervenção homem no processo de procriação natural, com o
objetivo de possibilitar que pessoas inférteis ou estéreis satisfaçam o desejo
de alcançar a maternidade ou a paternidade. No dizer de Maria Helena Diniz a
reprodução assistida é um conjunto de operações para unir, artificialmente,
os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano (2).
Conforme
aponta o artigo jurídico da acadêmica Carolina Anison Paludo:
Os avanços
biotecnológicos vêm permitindo, através dos tempos, que o homem domine a sua
própria vida, sobretudo no que concerne à reprodução (...). A contribuição
trazida à reprodução humana, no que diz respeito à impossibilidade de ter
filhos, é muito mais notória, sobretudo, porque a transmissão de vida constitui
a mais sublime capacidade humana, à medida que traz enormes mudanças sociais, jurídicas
e psicológicas na vida de quem procria (3).
No que diz
respeito à regulamentação de tais técnicas, a já citada Resolução do CFM,
dispõe, no seu artigo 1º, que se deve adotar as Normas Éticas para a
Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, anexas à presente Resolução,
como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. (4) Destacam-se
aqui alguns dos princípios gerais definidos na resolução e que devem nortear a
utilização dessas técnicas:
I-
Princípios Gerais
1- As
técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos
problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da
situação atual de infertilidade.
2- As
técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de
sucesso e não incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível
descendente.
3- O
consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e
doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação
de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações
devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O
documento de consentimento informado será em formulário especial e estará
completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.
4- As
técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou
qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate
de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer. (5)
Pode se verificar,
por tais princípios, que as técnicas de RA deverão ser conscientemente
utilizadas tanto pelos profissionais que atuam nessa área, como pelos homens e
mulheres que desejem fazer uso dessas benesses da ciência.
2.2.Fecundação
O que se
chama de ontogenia humana, ou seja, o aparecimento de um novo ser
humano, acontece quando se fundem os gametas masculino e feminino, o que
origina um zigoto. Este possui um código genético único, diverso tanto do óvulo
como do espermatozóide que o gerou.
A
fecundação é o processo através do qual um gameta masculino (espermatozóide)
perfura as membranas lipoprotéicas do gameta feminino (óvulo) e combina-se com
esse formando uma célula diplóide, o zigoto (com dupla carga genética), que em
poucas horas inicia seu processo de divisão celular, o que já configura o
desenvolvimento do embrião.
A
fecundação ocorre quando o óvulo encontra o espermatozóide, e este o fecunda,
havendo a formação de um novo ser. Como relata o geneticista francês Jérôme
Lejeune de modo poético: Não quero repetir o óbvio, mas na verdade, a vida
começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com 23
cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano
já estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida.
2.3.Concepção
Costuma-se
confundir o momento da fecundação com o da concepção, na medida em que o
primeiro conduz ao segundo. É a partir do momento em que o óvulo foi fecundado
pelo espermatozóide que se pode considerar a concepção já ocorrida.
Define o Dictionnaire
de Médecine, de E. Littré, concepção como:
(...)
substantivo feminino derivado do latim conceptio, concipere, de
cum, junção de com e capere, que denota uma ação de natureza
orgânica ou vital da qual resulta a produção de um novo ser, nas entranhas de
uma fêmea animal, como fruto do contato do espermatozóide com o óvulo, contato
este denominado de ontogenia humana.
Seria o
embrião gerado no momento da concepção (que num estágio posterior poderia ser
chamado de nascituro, ente concebido, embora não nascido) titular de direitos,
ou seja, dotado de personalidade jurídica?
Embora esse
não seja um questionamento que permeie o viés principal do presente trabalho, é
importante expor sinteticamente a polêmica acerca da questão, visto que a
atribuição ou não de personalidade jurídica ao embrião (e sua conseqüente
titularidade de direitos), poderá causar efeitos no que tange à possível dissolução
de uma sociedade conjugal, onde o homem e/ou a mulher tenham sido responsáveis
pela presença de embriões excedentes.
Sobre o
tema, duas teorias se opõem: natalista e concepcionista. A primeira, como
destacam os profs. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona, é aquela segundo
a qual a aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida,
donde é razoável o entendimento de que, não sendo pessoa, o nascituro possui
mera expectativa de direito (6). Já a teoria concepcionista
defende que o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção,
sendo dessa maneira considerado pessoa. É de se ressaltar que essa titularidade
de direitos só diz respeito aos da personalidade, não existindo os de cunho
patrimonial, que deverão estar sujeitos ao nascimento com vida.
Esclarece
Maria Helena Diniz que:
Na vida
intra-uterina, ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal,
relativamente aos direitos da personalidade, consagrados constitucionalmente,
adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião
em que será titular dos direitos patrimoniais, que se encontravam em estado
potencial, e do direito às indenizações por dano moral e patrimonial por ele
sofrido. (7)
A autora,
em outra obra, ressalta que:
Embora a
vida se inicie com a fecundação, e a vida viável com a gravidez, que se dá com
a nidação, entendemos que na verdade o início legal da consideração jurídica da
personalidade é o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora
do corpo da mulher. (8)
Destarte,
no momento da concepção já estariam resguardados os direitos do nascituro,
sendo esse o atual posicionamento da doutrina dominante.
2.4.Fertilização
in vitro
A mais difundida
técnica de reprodução assistida pode ser definida com a fecundação do óvulo in
vitro, ou seja, os gametas masculino e feminino são previamente recolhidos e
colocados em contato in vitro para que sejam fecundados. O embrião
resultante é transferido para o útero ou para as trompas (9).
Essa
técnica, também chamada de ectogênese, concretiza-se através do uso do
método ZIFT (Zibot Intra Fallopian Transfer), onde o óvulo da mulher é
retirado e fecundado na proveta, a fim de que, após a fecundação, o embrião
possa ser introduzido no seu útero ou no de outra.
Como expõe
Alexandre Gonçalves Frazão:
O primeiro
a começar este tipo de experiência em seres humanos foi o Dr. R.G. Edwards, que
por volta de 1965 realizava experimentos tentando a maturação de ovócitos
retirados de ovários em qualquer estágio de desenvolvimento. Após o boom
da criação de Edwards, não tardou para que esse fizesse escola. Em 1980, na
cidade de Melbourne, Austrália, já registravam-se 13 casos de gravidez de um
total de 103 pacientes tratados pela técnica de fecundação in vitro.
Entre 86 e 88, só na França, aproximadamente 4.000 mulheres engravidaram após
ter seus embriões criados através desse processo. (10)
2.4.1.Fertilização
in vitro homóloga
A
fecundação artificial,ou fertilização in vitro na forma homóloga, ocorre
quando os gametas feminino e masculino a serem reunidos são do próprio casal
que deseja obter filhos. A coleta do material, obviamente, dependerá da
expressa anuência do casal, ligados pelo matrimônio ou união estável,
uma vez que tem propriedade das partes destacadas de seu corpo, como sêmen e
óvulo. No caso da mulher, esta é submetida, antes da fecundação in vitro,
a tratamento hormonal para ter uma superovulação, a fim de que vários óvulos
sejam fertilizados na proveta, transferindo-se, porém, por recomendação médica,
apenas quatro deles no útero.
2.4.2.Fertilização
in vitro heteróloga
Ao contrário
do processo homólogo, na fertilização in vitro heteróloga, um dos
gametas (geralmente o óvulo), ou até os dois, masculino e feminino, são doados
ao casal a fim de que possam ter filhos.
Tanto no
caso de doação de óvulos, como na doação de embriões, serão os pais aqueles
socioafetivos, que decidiram ter a criança. A filiação aqui assume um aspecto
muito mais afetivo do que biológico. Como entende, com propriedade, Maria
Helena Diniz o filho deverá ser, portanto, daqueles que decidiram e quiseram
o seu nascimento, por serem deles a vontade procriacional. (11)
2.5.Fertilização
in Vivo ou Inseminação Artificial
Aqui a
fertilização se faz pelo método GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer),
onde há inoculação do sêmen na mulher, sem que haja qualquer manipulação
externa do óvulo ou embrião. Há a introdução de esperma no interior do canal
genital feminino, por processos mecânicos, sem que tenha havido aproximação
sexual. O operador recolhe em uma seringa o material fecundante, injetando-o na
cavidade uterina da mulher. Essa técnica pretende auxiliar a resolução dos
problemas da fertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes.
2.6.Embriões
Excedentários ou Excedentes
Os
processos de reprodução assistida claramente se destinam a concretizar o desejo
de homens e mulheres de serem pais. As tentativas de fecundação e a expectativa
de maiores acertos inevitavelmente geram um número maior de embriões do que
realmente é utilizado.
Nessa
perspectiva, há a formação de embriões excedentários, os quais, se não forem
objeto de um processo de transferência, serão, a breve prazo, biologicamente
excluídos, deixando de ter condições biológicas para serem viáveis, isto é,
para o desenvolvimento de um novo ser.
E com
relação à preservação desses embriões pelas clínicas, para que possam ser
utilizados posteriormente?
A já
referida Resolução do CFM autoriza os centros de reprodução assistida a
criopreservar os embriões. Como discorrem Andréa Aldrovandi e Danielle França:
O número
total de embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para
que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco. No momento da
criopreservação, os conjugues ou companheiros devem expressar a sua vontade,
por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados,
em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos e
quando desejam doá-los. Não pode o casal optar pelo descarte ou destruição,
nem cede-lo a pesquisas ou experimentações, mas apenas doá-los para
satisfação do projeto parental de outro casal estéril ou utilizá-los novamente
para outros filhos futuros. (12) (grifo nosso).
De acordo
com entrevista realizada pela equipe na clínica CENAFERT, com Dr.ª Maria
Cecília de Almeida Cardoso, em 12 de setembro de 2003, o número mais adequado
de embriões a serem transferidos para o útero fica em torno de dois a três.
3.POSICIONAMENTO DO CÓDIGO CIVIL
3.1.Código
Civil de1916
Se a
interpretação de normas editadas em contexto histórico e social diverso daquele
em que ocorre a situação fática muitas vezes dificulta a atividade do
aplicador, os obstáculos se tornam ainda maiores se, ao tempo da edição, sequer
se imaginava a possibilidade de determinado evento ocorrer. É o que acontece,
por exemplo, com as técnicas de reprodução humana assistida, surgidas em meados
do século passado, muito depois, portanto, do advento do Código Civil de 1916.
Por esse
motivo, não havia como esse diploma legal disciplinar matérias relativas à
inseminação artificial e à transferência de embriões excedentários.
Desse modo,
restava ao intérprete, tão somente, fazer a subsunção do caso concreto às
normas legais até então existentes, o que, dada a desatualização destas,
poderia gerar decisões controvertidas em face à atual realidade técnica,
científica e, sobretudo, social.
O Código
Civil de 2002, disciplinando apenas superficialmente a matéria, deixa várias
lacunas que terão que ser decididas pelo intérprete à luz do caso concreto. É o
caso da transferência de embriões excedentários heterólogos após a dissolução
da sociedade conjugal, tema do presente artigo, do qual pelo menos dois
aspectos devem ser retirados para análise mais aprofundada.
O primeiro
é a relação de parentesco entre a criança e o doador do material fertilizante.
O outro aspecto envolve a transferência de embriões após a dissolução da
sociedade conjugal, que, subsidiariamente, exige a análise da necessariedade e
da essencialidade da autorização do cônjuge.
O Código Civil
de 1916 dedica os art. 330 a 405 às relações de parentesco, objeto do Título V
do mencionado diploma.
Com relação
à filiação, a referida codificação, como era de se esperar, haja vista a época
de sua elaboração, não previu a transferência de embriões heterólogos.
Desse modo,
qual seria a solução jurídica para o caso concreto em que um dos cônjuges, após
a dissolução da sociedade conjugal, viesse a realizar a transferência de
embriões heterólogos?
Assim
dispõe o Código Civil de 1916:
Art. 338.
Presumem-se concebidos na constância do casamento:
(...)
II – os
nascidos dentro nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade
conjugal por morte, desquite, ou anulação.
Nascendo em
até trezentos dias, após a dissolução da sociedade conjugal, presumir-se-á
concebido na constância do casamento. Decorrido este prazo, a criança não seria
filha do casal, mas de apenas um dos ex-cônjuges, o que, a rigor, só poderia
ser legalmente admitido se considerada a Constituição Federal de 1988 (CF/88),
que reconhece a família monoparental.
Esta
interpretação parece pouco recomendada, haja vista que dois embriões
fertilizados em uma mesma época, porém transferidos em momentos distintos teriam
tratamentos desiguais, que variariam em função do nascimento da criança. A
nascida dentro do prazo legalmente instituído iria usufruir de todos os
benefícios advindos da filiação legítima, a outra, apenas por ter nascido após
aquele prazo, não seria filha do casal.
À luz do
dispositivo normativo acima mencionado, pouco importa a origem do embrião
(homólogo ou heterólogo) para a presunção de concebidos na constância do
casamento. Do cotejo com o tratamento dispensado à adoção pelo art. 376 do
Código Civil de 1916, onde ocorria a quebra da relação de parentesco entre o
adotado e seus pais genéticos (sendo mantidos, apenas, os impedimentos
matrimoniais), pode-se concluir que, mutatis mutandis, deveria ocorrer o
mesmo entre a criança e o terceiro doador do material genético. Assim, não
seria reconhecida qualquer relação de parentesco entre os dois, sendo mantidos
os impedimentos matrimoniais.
Digna de
grifo era a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de se garantir esses
impedimentos em face do anonimato, ínsito às técnicas de reprodução humana
assistida.
Também
estava esvaziada de importância a manutenção do material embrionário após a
dissolução da sociedade conjugal, sendo necessário para a presunção de
concebidos na constância do casamento apenas a época de nascimento da criança.
Situações
como esta mereceram uma melhor disciplina no Código Civil de 2002. É o que será
abordado no próximo sub-item.
3.2.Código
Civil de 2002
O Código
Civil de 2002 disciplina o tema da filiação – um dos capítulos do subtítulo
Relações de Parentesco – nos artigos 1596 a 1606.
No que
tange a esse assunto, é inegável que valiosas inovações foram trazidas em
relação a seu antecessor, porém o novel diploma ainda não trata da matéria com
a devida profundidade, pois deixou muitas lacunas que, por certo, serão
preenchidas pelos tribunais e que, inexoravelmente, ensejarão uma futura
disciplina legal.
O art. 1597, inc. II, do
Código Civil de 2002, atualizando o art. 338, inc. II, do Código Civil de 1916
dispõe:
Art. 1597.
Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
(...)
II –
Nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento.
Diante da
existência, neste mesmo artigo, de incisos específicos acerca da inseminação
artificial e de embriões excedentários, fica clara a intenção do legislador em
direcionar essa norma aos nascidos mediante o método natural de reprodução
humana.
O inciso
III do mencionado artigo reza que se presumem concebidos na constância do
casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que
falecido o marido.
Vale
salientar que a expressão fecundação artificial, trazida no dispositivo
citado, abarca duas técnicas distintas: a inseminação artificial e a
transferência de embriões. Como já explicado, a primeira é também chamada de
fertilização in vivo, a outra, fertilização in vitro.
Sem dúvida,
no mencionado inciso ocorreu uma atecnia do legislador, que quis, em verdade,
se referir à inseminação artificial. Pelo menos dois argumentos podem ser
utilizados para fundamentar esta tese.
O primeiro
considera o disposto no inciso IV: (presumem-se concebidos na constância do
casamento os filhos) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga. Não fosse a
interpretação ora defendida, os dois incisos (III e IV) versariam sobre a mesma
matéria, sendo que o inciso III o faz implicitamente, pois cita uma técnica (fecundação
artificial) que engloba a outra (transferência de embriões),
enquanto o inciso IV traz expressamente o método a que se refere. Ademais, no
inciso III, indiretamente, está se considerando a qualquer tempo, tal
qual o item que o sucede.
Outro
argumento é que o inciso III só se refere a marido, o que só faz sentido
se o dispositivo quiser se referir, apenas, à inseminação artificial. Se
intencionasse abranger também a transferência de embriões, considerando que
esta técnica pode ser usada por qualquer um dos cônjuges mesmo após a morte do
outro, jamais poderia se restringir ao marido.
Na leitura
do inciso IV, verifica-se que o legislador se referiu apenas aos embriões
excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga, excluindo do
tratamento legal os embriões heterólogos.
Trilhando
nesse raciocínio e considerando a seqüência lógica traçada no artigo, isto é,
inseminação artificial homóloga (inc. III), embriões excedentários homólogos
(inc. IV) e inseminação artificial heteróloga (inc. V), a presunção da
concepção na constância do casamento de filhos havidos da transferência de
embriões excedentários heterólogos deverá, ter tratamento expresso, de lege
ferenda, pelo legislador.
Os
tribunais devem enfrentar tal matéria construindo uma interpretação do
dispositivo em consonância com os ditames da preservação do princípio da
dignidade da pessoa humana.
4.POLÊMICAS ACERCA DA MATÉRIA
4.1.Reprodução
Humana Assistida e União Estável
No
ordenamento jurídico brasileiro, não há qualquer impedimento legal em relação
ao fato de casais que mantenham uma união estável venham a constituir
livremente sua descendência. Ao contrário, a Constituição Federal de 1988, em
seu art. 226, §3º, erige a união estável à entidade familiar:
Art. 226
(...)
§3º: Para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.
Diante
disso, pode-se afirmar que a exigência de vínculo matrimonial para os casais
que venham a se submeter às técnicas de reprodução assistida constitui um
desrespeito às normas constitucionais, uma postura manifestamente
discriminatória e descabida, embora adotada por países como Áustria, Japão,
Coréia, Egito, Líbano, Singapura e África do Sul, conforme ensinam Sérgio
Costa, Gabriel Oselka e Volnei Garrafa (13).
A família
decorre tanto do casamento quanto da união estável, e não é a formalidade de
relação entre os casais que servirá de parâmetro para aplicação dos métodos
reprodutivos em questão. Deve-se considerar, nestes casos, a estabilidade e
a afetividade do casal, que será o suporte emocional que permitirá o
crescimento saudável da criança (14). O casamento, em si
mesmo, não é garantia de um ambiente familiar adequado ao desenvolvimento da
prole do casal.
4.2.A
Filiação Sócio-Afetiva
A filiação
representa um dos direitos fundamentais do ser humano, já que é um vínculo
indispensável ao adequado desenvolvimento de sua personalidade. O desconhecimento
acerca de suas origens pode levar a danos muitas vezes irreparáveis no que
tange à formação de sua própria identidade.
Sob o
aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico que abrange todas as relações
e, respectivamente, sua constituição, modificação e extinção, que tenham como
sujeitos pais e filhos (15).
Em tempos
remotos, costumava-se asseverar que a maternidade era sempre certa (mater
semper certa est), ao contrário da paternidade, muitas vezes imprecisa (pater
semper incertus est). Com o advento das técnicas de reprodução humana
assistida, entretanto, pode-se afirmar que tais princípios, anteriormente tidos
como verdades absolutas, foram sendo relativizados.
Diante do
avanço da Engenharia Genética e da Biotecnologia, avulta de importância o
esclarecimento da noção de filiação afetiva. Tal conceito nem sempre coincide
com a filiação biológica ou genética, pois considera os laços de amor e carinho
existentes nas relações familiares. Nesse sentido,
Segundo
José Roberto Moreira Filho, pela atual orientação doutrinária, o pai e a mãe
não se definem apenas pelos laços biológicos que os unem ao menor e sim pelo
querer externado de ser pai ou mãe, de então assumir independentemente do
vínculo biológico, as responsabilidades e deveres em face da filiação com a
demonstração de afeto e de bem-querer ao menor. Para o referido autor, partindo
dessa premissa, poderemos definir a filiação do nascituro concebido por
técnicas reprodutivas artificiais, tanto pelo aspecto biológico, quanto pelo
aspecto sócioafetivo.
O Direito
não pode permanecer alheio a esse novo desafio que lhe impõem as circunstâncias
sociais. Neste sentido, preleciona o professor Sílvio de Salvo Venosa:
De qualquer
modo, no campo do Direito, por maior que seja a possibilidade da verdade
técnica, nem sempre o fato natural da procriação corresponde à filiação como
fato jurídico. O legislador procura o possível no sentido de fazer coincidir a
verdade jurídica com a verdade biológica, levando em conta as implicações de
ordem sociológica e afetiva que envolvem essa problemática. (16)
Frente ao
exposto, convém examinar as repercussões da filiação afetiva no que tange à
transferência dos embriões excedentários decorrentes da fertilização in
vitro heteróloga após a dissolução da sociedade conjugal.
4.3.Consentimento
Informado e Ação Negatória de Paternidade
Em face do
critério sócio-afetivo acima explanado, pode-se perceber que a filiação
definida apenas pelo critério biológico revela-se insuficiente diante da nova
realidade tecnológica pós-moderna. A utilização de técnicas de reprodução
humana assistida fez surgir uma modalidade peculiar de vínculo, visto que a
maternidade e a paternidade advêm não da conjunção carnal, mas sim de um querer
expressamente destinado a este fim. Destarte, a vontade do casal é fator
determinante e indispensável ao surgimento da relação entre os pais e a criança
gerada mediante as técnicas supracitadas, tendo em vista os princípios constitucionais
da paternidade responsável e do livre planejamento familiar. Neste sentido,
pondera a Professora Mônica Aguiar em sua tese de doutorado:
O critério
biológico é relevante para que se possa atribuir essa responsabilidade, na
relação paterno-filial, àquele que deu ensejo ao nascimento. Se o dado
biológico tem esse peso na concepção sexuada, impõe-se, para a geração levada a
efeito sem prévia conjunção carnal, a redefinição do valor e dos efeitos que a
vontade deve ter, mantido, de qualquer sorte, o critério da responsabilidade,
no sentido de que a paternidade e a maternidade devem ser exercidas com o
cumprimento dos direitos e deveres a ela inerentes, e com vistas à proteção dos
interesses da criança, seja qual for a forma de procriação. (17)
Diante
disso, cumpre analisar a forma por meio da qual essa vontade é exteriorizada,
tornando-se idônea a produzir efeitos na ordem jurídica, ou seja, o chamado
consentimento informado.
Insta
salientar que a única norma que se refere ao consentimento é a Resolução do CFM
nº 1358/92, uma vez que o Código Civil (art. 1.597, V) estabelece a necessidade
de prévia autorização apenas nos casos de inseminação artificial
heteróloga, sendo, portanto, omisso no tocante à ectogênese heteróloga. A
referida resolução disciplina esta matéria nos seguintes termos:
O
consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes
inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da
aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os
resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As
informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e
econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial,
e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do
casal infértil.(grifos nossos)
Dada a
obrigatoriedade do consentimento, é imperioso questionar qual a extensão do seu
âmbito de vigência temporal frente à dissolução da sociedade conjugal. Seria
este consentimento irretratável, mesmo após a morte, separação judicial ou de
fato, ou divórcio?
Diante da
lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, e em respeito ao princípio
constitucionalmente consagrado do livre planejamento familiar, os efeitos do
consentimento prestado voluntariamente por ambos os cônjuges devem ser
permanentes, é dizer, o consentimento é irretratável. Senão vejamos.
O Art.
1.597, IV, do Código Civil dispõe:
Art. 1.597
– Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
IV –
havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga; (grifo nosso)
Da leitura
do inciso transcrito, pode-se inferir que o legislador disciplinou tão-somente
os casos de fertilização in vitro homóloga, estabelecendo, ao utilizar a
expressão a qualquer tempo, que, independentemente do momento da
transferência (na constância do casamento ou da união estável, ou após a
dissolução destes), a criança gerada em decorrência do procedimento
procriacional será presumidamente filha do casal.
Ocorre,
porém, que o fundamento do vínculo paterno-filial oriundo da ectogênese
homóloga é o mesmo que o da heteróloga, a saber: a vontade procriacional
inequívoca. A única diferença existente ente as duas técnicas citadas é,
simplesmente, a origem dos gametas. Ora, estabelecer um tratamento distinto
entre ambas ao prever a presunção em apreço exclusivamente para a fertilização in
vitro homóloga, excluindo da previsão legal a técnica heteróloga, implica
na adoção do critério biológico, notadamente insuficiente para nortear as
relações advindas das modernas técnicas de reprodução assistida. Como já
exposto anteriormente, é o critério sócioafetivo o único idôneo a enfrentar a
mudança de paradigma trazida para o Direito de Família com os hodiernos métodos
procriacionais artificiais.
Neste
diapasão, a solução para a problemática em análise encontra guarida na Lei de
Introdução ao Código Civil em seu art. 4º: Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito. (grifo nosso)
Desta
forma, a disposição contida no inciso IV do art. 1.597 do Código Civil deverá
ser aplicada analogamente aos casos de ectogênese heteróloga. O consentimento
torna-se, por conseguinte, irretratável, visto que a criança gerada, a qualquer
tempo, gozará da presunção prevista no diploma legal.
No entanto,
de lege ferenda, esta situação deve ser devidamente revista pelo
legislador, de modo que haja a exigência do consentimento informado expresso em
relação ao emprego de ambas as técnicas, tanto no momento do início do
procedimento, quanto à época da realização efetiva de cada transferência.
Tal
regramento possibilita uma solução mais satisfatória para os casos de
dissolução da sociedade conjugal, visto que será permitido a um dos ex-cônjuges
ou ex-companheiros revogar seu consentimento anterior. Este entendimento
encontra-se em consonância com o magistério de Fernando Abellán:
En los casos, como el aquí
analisado, en los que la realización de la técnica de reproducción asistida se
lleva a cabo a lo largo de momentos muy diferentes de la relación personal
existente entre los miembros de la pareja, parece conveniente, después de la
separación una revalidación por parte de ambos del consentimiento prestado
inicialmente, mediante la que los progenitores ratifiquen su deseo de
procreación.
Y
ello porque es presumible que lá situación afectiva de la pareja y sus deseos
comunes de procreación no sean los mismos al tiempo de la obtención de los
ovocitos de la esposa y de su fecundación, momento en el que decidieron la
criopreservación de los embriones sobrantes, que tras la separación conyugal,
instante éste en que los caminos se bifurcan y los proyectos comunes decaen.
(18)
Entretanto,
em caso de dissolução da sociedade conjugal, bem como dissolução da união
estável, se, sem embargo disso, ambos os ex-cônjuges ou ex-conviventes
concordam com o emprego da técnica de reprodução assistida, não há motivos para
negar-lhes a possibilidade de transferência dos embriões. Tal afirmação pode
ser justificada com base no art. 1.622, parágrafo único, do Código Civil de
2002 e no art. 42, §4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os quais
possuem redação idêntica:
Art. 1.622.
(...)
Parágrafo
único- os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar
conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde
que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade
conjugal.
Destarte,
infere-se que as disposições mencionadas acabam por autorizar, analogamente, a
possibilidade de casais que se encontrem nas condições descritas se valerem do
mesmo direito, transferindo os embriões oriundos da constância do casamento e
realizando, assim, seu desejo de conceber uma prole comum.
Assim,
resulta evidente que a mudança da affectio maritalis conduz à
necessidade da ratificação do desejo de procriar para que haja a formação do
vínculo paterno-filial, sob pena da caracterização de uma família monoparental.
Imaginemos
o seguinte exemplo: homem e mulher, casados, ambos inférteis, decidem empregar
a técnica da reprodução assistida para procriar. Depois de algumas tentativas
sem sucesso, decidiram pela criopreservação dos embriões excedentários
heterólogos. Dois anos após esta decisão, ocorre a dissolução do vínculo
matrimonial. Passados cinco anos do desenlace, a mulher resolve utilizar o
embrião criopreservado para ter um filho. O homem, por já estar envolvido em
outro relacionamento, não anui com o intento da ex-esposa, deixando de
ratificar o seu consentimento anteriormente oferecido. Assim, se a mulher levar
a cabo a transferência do embrião e der a luz à uma criança, somente a
maternidade estará definida, havendo a configuração de família monoparental.
Mas, como
tornar tal procedimento exigível? Cumpre analisar como ocorre, atualmente, o
processo para utilização da transferência dos embriões excedentários nas
clínicas que trabalham com RA.
De acordo
com entrevista realizada pelo grupo na clínica de reprodução humana assistida
CENAFERT, com a Dr. Maria Cecília, constatou-se que se costuma empregar o consentimento
informado, no qual o casal deve conceder sua assinatura demonstrando
conhecimento de todas as nuanças do processo. Não se trata, pois, de um
contrato no sentido clássico do termo, embora, ainda segundo a médica, existam
certas clínicas que empreguem tal acordo.
Atualmente,
tal consentimento informado exige autorização para o procedimento da
fertilização apenas uma vez. Contudo, de acordo com explicações já salientadas
neste trabalho, vislumbra-se a importância de ser(em) exigida outra(as)
autorização(ões), tantas quantas necessárias, no momento mesmo da transferência
dos embriões. Respeita-se, assim, a chamada vontade complexa, isto é, a
vontade do casal considerada como ente único, no qual cada manifestação
funciona como parte indispensável para formação do todo. Logo, a vontade
solitária de cada consorte não tem valor neste sentido.
Ademais,
recomenda-se, de lege ferenda, que seja elaborado um formulário padrão a
ser adotado pelas clínicas no desenvolvimento deste procedimento. A
fiscalização deve ser feita pelo Ministério da Saúde, o qual será responsável
por zelar pela idoneidade do processo. As clínicas ficam, portanto, obrigadas a
consultar a vontade dos sujeitos, ressaltando-se que se, por acaso,
desrespeitem tal comando, estão sujeitas às multas abstratamente cominadas pela
lei. Estas atitudes fariam com que, certamente, houvesse uma maior proteção à
vontade dos casais, visto que esta é o fundamento do vínculo a ser formado.
Outra
conseqüência da adoção do critério sócioafetivo de filiação é a inadequação da
ação negatória de paternidade no tocante ao questionamento da existência do
vínculo jurídico da filiação oriunda das técnicas de RA.
De fato, a
ação referida seria uma contradição à anuência anterior expressa constante do
documento de consentimento informado. Além disso, a impugnação da paternidade
iria de encontro à Teoria do Ato Próprio – venire contra factum proprium –,
segundo a qual é inadmissível que alguém exercite uma faculdade em sentido
contrário a um comportamento anteriormente adotado. Nesta linha:
Ao prestar
consentimento necessário à realização de ato médico destinado à procriação
assistida, a pessoa exerce um direito potestativo apto ao estabelecimento de
uma situação jurídica de filiação, que não pode mais, por sua vontade em
sentido oposto, desconstituir. (19)
O art.
1.601 do Código Civil prevê a ação negatória de paternidade, declarando, ainda,
sua imprescritibilidade. Contudo, o legislador ordinário não fez referência à
impropriedade de tal ação para os casos decorrentes das técnicas de reprodução
assistida. A omissão constatada, de lege ferenda, deve ser suprida por
meio da introdução de um novo parágrafo ao art.1.601, que passará, portanto, a
ter a seguinte redação:
Art. 1.601-
Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, sendo tal ação imprescritível.
§1º-
Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na
ação.
§2º- É
proibida essa impugnação, em relação ao nascido em decorrência de técnica de
reprodução assistida (20), quando haja o cônjuge livremente
consentido no emprego desta técnica médica.
Em face
disso, é necessário que o legislador atente para as deficiências constantes do
texto do código civil vigente, com o fito de adaptá-lo às novas necessidades
sociais.
4.4.Maternidade
e Paternidade Post Mortem
Uma vez
exarada a vontade de realizar o procedimento de fertilização heteróloga, é
necessário que se recorra a um segundo consentimento, quando da efetiva
transferência dos embriões excedentários. Justifica-se tal assertiva por força
da já citada vontade complexa.
Destarte,
se um dos cônjuges ou conviventes vier a falecer depois de concedida a
autorização para se iniciar o procedimento de fertilização in vitro, sem
que, no entanto, tenha havido a transferência de embriões excedentários
oriundos na constância do casamento, não haverá presunção de paternidade ou de
maternidade. Isto porque seria necessária a ratificação do consentimento
anterior para a formação do vínculo paterno-filial, o que, no caso em apreço, é
impossível dado o falecimento de um dos cônjuges ou companheiros, que,
obviamente, não poderá manifestar sua vontade.
5.CONCLUSÕES
I - O
Código Civil de 1916 não tratou, especificamente, da transferência de embriões
excedentários, devido às limitações próprias da época em foi elaborado;
II - O
Código Civil de 2002 trouxe valiosas (embora tímidas), inovações acerca da
matéria, não a disciplinando, ainda, de maneira completamente adequada;
III - No
ordenamento jurídico brasileiro, não existe impedimento para que os casais que
convivem em união estável possam ter a liberdade de constituir sua descendência
mediante técnicas de reprodução humana assistida;
IV - Com os
avanços da Engenharia Genética e da Biotecnologia, avultam de importância os
laços de amor e carinho existentes entre as relações familiares, em detrimento
dos vínculos puramente biológicos. Daí a necessidade de se trazer à baila o
conceito de filiação sócioafetiva;
V - A
vontade procriacional inequívoca de ambos os cônjuges ou conviventes é
fundamento do vínculo jurídico paterno-filial advindo das técnicas de
reprodução humana assistida;
VI - O
consentimento informado é a forma adequada para manifestação da vontade
procriacional, idônea a produzir efeitos na órbita jurídica;
VII -
Constatada a lacuna existente no Código Civil Brasileiro, esta deverá ser
colmatada por meio da aplicação análoga do que preceitua o art. 1597, IV, de
forma que o consentimento prestado voluntariamente por ambos os cônjuges seja
considerado irretratável;
VIII - De
lege ferenda, deve ser respeitada a teoria da vontade complexa, isto é,
deve-se exigir dupla manifestação volitiva de ambos os cônjuges ou conviventes,
em momentos distintos, a saber: tanto no início do procedimento quanto à época
da realização efetiva de cada transferência;
IX - É
importante a criação de um formulário padrão que consubstancie a exigência do
consentimento informado, o qual deve ser utilizado por todas as clínicas de
fertilização humana nas técnicas de reprodução assistida, sob pena de multa
cominada em lei;
X - A ação
negatória de paternidade não deve ser utilizada para impugnar a filiação
decorrente do vínculo em apreço, devendo ao art. 1601 do Código Civil ser
acrescentado um parágrafo 2º, com esse teor;
XI - Nos
casos de maternidade ou paternidade post mortem, devido à
impossibilidade de novo consentimento a ser prestado pelo (a) falecido (a),
exigido pela teoria da vontade complexa, verifica-se a impossibilidade de se
configurarem os vínculos de parentesco.
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http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3127 acessado em 01/06/2003 às
9:20 h
url: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3544
acessado em 01/06/2003 às 9:53 h
VENOSA,
Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª ed., v.6. São
Paulo: Atlas, 2003.
Notas:
1
Bíblia Sagrada: Gênesis 01: 1 e 26a. 2ª ed. rev. cor, 4ª imp., tradução
João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 2000, p. 3-4.
2
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p.475.
3
PALUDO, Carolina Anison. Bioética e Direito: Procriação Artificial, Dilemas
Éticos, p.2.
4
Resolução n.º 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, art. 1º.
5
Resolução n.º 1358/92 do Conselho Federal de Medicina
6
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil,
Parte Geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2002. p 91.
7
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p.113-114.
8
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 6ª ed., São Paulo: Saraiva,
2000, p 10.
9
ALDROVANDI, Andrea; FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução assistida e as
relações de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002.
10
FRAZÃO, Alexandre Gonçalves. A fertilização ‘in vitro’: uma nova
problemática jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000.
11
DINIZ, Maria Helena. A ectogênese e seus problemas jurídicos, apud
FERNANDES, Tycho Brahe. A Reprodução Assistida em face da Bioética e do
Biodireito: Aspectos do direito de família e do direito das sucessões. Ed.
Diploma Legal: Florianópolis, SC, 2000, p 76.
12
ALDROVANDI, Andrea; FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução assistida e as
relações de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002.
13
COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel e GARRAFA, Volnei. Iniciação
à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 117.
14
COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel e GARRAFA, Volnei. Iniciação
à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p.117.
15
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª ed., v.6.
São Paulo: Atlas, 2003. p. 265.
16
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª ed., v.6.
São Paulo: Atlas, 2003. p. 266.
17
SILVA, Mônica Neves Aguiar da. Reflexos Jurídicos dos Avanços Tecnológicos no
Direito à Filiação. 2003, 339 f. Tese (Doutorado em Direito Civil) – Faculdade
de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p.158
18 ABELLÁN, Fernando. Reproducción
humana asistida y responsabilidad médica:consideraciones legales y éticas
sobre casos prácticos. Granada: Editorial Comares, 2001, p.53.
19
Idem, p.162.
20
É importante ressaltar que a Drª Mônica Aguiar propõe, com base na legislação
lusa, redação equivalente à acima grafada, sendo que a única diferença é a
expressão técnica de reprodução assistida, já que a autora refere-se a inseminação
artificial
* bacharelandos em Direito pela Universidade
Federal da Bahia
CARNEIRO, Bianca Bárbara Malandra; SANTOS,
Caroline Marinho Boaventura et al. A transferência de embriões excedentários
heterólogos após a dissolução da sociedade conjugal . Jus Navigandi, Teresina,
ano 9, n. 619, 19 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6464>.
Acesso em: 23 nov. 2006.