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A
INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
(Constitucional
e Infraconstitucional)
Ivan Lira
de Carvalho*
SUMÁRIO: 1. -
Introdução. 2.- A Norma. A Norma
Jurídica. 3.- A Norma Constitucional.
4.- A Norma Infraconstitucional. 5.- A Interpretação. 6.- A Interpretação das
Normas Constitucionais. 7. - Conclusões.
1-INTRODUÇÃO
A interpretação da norma jurídica é
a atividade mental desenvolvida pelo jurista, mirando traçar uma ligação entre
o texto normativo abstrato, inerte, e o fato que se apresenta cru, à espera de
uma roupagem produzida nos lindes da Ciência do Direito. Não raro a via da
subsunção tem mão dupla, e quão mais delicado e questionável for o percurso
pelo seu leito, mais apurada e dotada de cientificidade há que ser a missão do
operador.
Valer-se adequadamente dos
processos de interpretação que lhe são postos à mão pela ciência jurídica, não
guardando escrúpulos de adentrar com profundidade na investigação e na
confecção de novas técnicas, sempre objetivando o aclaramento e a vivificação
das normas jurídicas, é o papel reservado ao exegeta na seara do Direito. Da
sua sensibilidade dependerá o sucesso perseguido na arte de interpretar as
normas de natureza jurídica.
2- A NORMA. A NORMA JURÍDICA
Ensina Miguel Reale[1]
que a regra ou a norma é o resultado da tomada de posição de uma lei cultural,
perante a realidade, “implicando o reconhecimento da obrigatoriedade de um
comportamento”.
A dito conselho chegou o
respeitável doutrinador, após dissecar as leis, para ele dicotomizadas em leis
físico-matemáticas (ou naturais) e leis culturais. Nestas últimas, agrupa a
norma, sob suas variadas manifestações (moral, política, religiosa, jurídica,
etc).
Vê-se assim, forte influência
kelseniana na formulação conceptual do professor paulista, quando destaca a
obrigatoriedade do comportamento como nuclear para a eclosão (ou o fabrico) de
uma norma. E não está sozinho, vez que incontáveis bastiões da jusfilosofia
destacam a coercibilidade (ou a coercitividade) como o elemento identificador
da norma, quiçá da proposição jurídica.
Para Rudolf Von Jering, arauto do
ativismo dogmático, em sua fabulosa obra Zweck
im Recht (5ª edição, 1916, p. 256), citado por Tércio Ferraz Jr. (Teoria da Norma Jurídica, Forense, p.
36), norma é regra, já que o seu conteúdo é apenas a orientação do que ela contém.
Segundo Pedro Lessa, seu crítico mais ácido dentre os nacionais, Jering chegou
a afirmar que “sem a coação não haveria direito, não haveria Estado” (Estudos de Philosophia do Direito, Livraria
Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1916, pp. 422 e 423).
O lógico finlandês Von Wright[2]
bem estudou a obra do notável comentarista americano John Austin, que via
a norma jurídica como uma ordem, passada pelo soberano aos seus súditos, respaldada
por ameaças. Em havendo descumprimento da ordem, o súdito seria punido.
Estudando tal construção, Von Wright teve por certo hexapartila em caráter,
condições de aplicação, autoridade, sujeito, promulgação e sanção.
Inúmeros enfoques foram
desenvolvidos na tentativa de uma conceituação precisa do que é norma e mais
especificamente do que é norma jurídica. De todos, alcançou particular
repercussão o oferecido por Carlos Cóssio, discípulo e depois enfrentador de
Kelsen, que inverteu a idéia do professor vienense, transmudando a norma primária
(a sanção) em perinorma e elegendo a norma secundária da teoria kelseniana (a
instrumental)
O embate científico entre Kelsen e
Cóssio é bem estudado pelo Prof. Paulo Lopo Saraiva[3],
que utilizou a técnica de subsumi-lo a uma decisão judicial (Acórdão do ex-TFR,
1ª Turma, Ap. Civ. n. 37.391-RS, Rel. Mm. Márcio Ribeiro, julgada em 3-6-77).
Mestre e Dr.
Em conclusão, sine embargo dos entendimentos contrários, tenho a norma jurídica
como um ser lógico, que independentemente de ser positivada, traça pauta de
comportamento dos súditos do Estado ou da entidade que a proclama, para esses
prevendo uma sanção em caso de desobediência (ainda que principiológica). Mesmo
na hipótese de configuração das ditas “normas programáticas”, o elemento coercitivo
se fará presente na cadeia normativa imprescindível, mais precisamente no elo
denominado de “norma complementar” ou “executing
law”.
3- A NORMA CONSTITUCIONAL
Foi visto que a norma jurídica é a
pauta da convivência social mediante a coerção, aí sendo incluído o
relacionamento Estado-Cidadão. A norma jurídica, que serve inclusive para
balizar a relação entre o Estado e os seus súditos, se presta também para
arcabouçar a entidade estatal, definindo a organização desta, com regime
político e direitos fundamentais da pessoa humana, segundo análise de José
Afonso da Silva, anotando Carl Schimitt[4].
Assim, a norma jurídica constitucional, mesmo que não esteja positivada, é
lastro para todo o ordenamento jurídico subsequente, que não pode prescindir
daquela norma fundamental, como preconizou Kelsen em sua fase de amadurecimento
filosofal.
É palpável a preocupação dos
doutores em distinguir, no campo jurídico, o que é matéria constitucional, para
daí ser exibido o que é norma constitucional. Dito enxergamento está registrado
já na Constituição do Império do Brasil, que em seu art. 178 “definia como
constitucional só o que dissesse respeito aos limites e atribuições respectivas
dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. Não
se consideravam constitucionais as demais normas nela inseridas que não tratassem
daquela matéria”.[5]
Invertendo o vetor do tempo, alcançaremos ainda mais remotamente, na
antiguidade grega, a distinção entre normas constitucionais e normas
ordinárias, sendo aquelas as estruturadoras do Estado e estas as criadas pelo
governo. As primeiras superiores às segundas, conforme entendia Aristóteles,
citado pelo Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho[6].
Dita linha de entendimento até hoje se faz presente, onde são tidas por
constitucionais todas as normas estruturais de uma sociedade politicamente
organizada, tendo ainda a função de regular a produção das normas chamadas
infraconstitucionais[7].
4- A NORMA INFRACONSTITUCIONAL
Se ficou assentada a existência de
uma norma superior, privilegiada, norteadora do Estado e do ordenamento
jurídico por este e neste produzida, lógico é que existem normas jurídicas
“inferiores” àquela. A “inferioridade” aqui destacada não desdenha a validez e
a utilidade dessas normas, mas apenas registra a submissão de tais editos aos
limites impostos pelo diploma fundamental, advindo de um poder constituinte,
embora às vezes puramente formal, como acontece nos casos em que a ordem
constitucional é alterada ex vi tomada
violenta do poder por parcela minoritária da nação.
A norma jurídica
infraconstitucional abrange todo o ordenamento “inferior” positivo do Estado,
indo das leis complementares aos expedientes ordinativos de feição mais
burocrática (portarias, circulares, etc), passando pelos convênios, pelas
convenções coletivas de trabalho, etc. Entretanto, nos limites deste trabalho,
é suficiente a breve análise da norma legal, tendo-se que a lei, “no sentido
técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de
direito, ou esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo em caráter
obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos
individuais ou atividades públicas”[8].
Segundo Clóvis Beviláqua, a lei é uma regra geral que, emanando de autoridade
competente, é imposta coativamente à obediência de todos. Ouso discordar do
ilustrado jurista apenas no que tange à generalidade da lei, vez que em casos
tais como a isenção tributária, a exclusão do crédito normalmente ocorre via
“lei que especifique as condições e os requisitos exigidos para a sua
concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de duração” (CTN,
art. 176). Não é genérico o que é específico!
5- A INTERPRETAÇÃO
A norma jurídica, quer tenha sido
fabricada intencionalmente (a lei em sentido formal e em sentido material),
quer tenha sido apurada pelos cultores e aplicadores do Direito (a
jurisprudência, os tratados, as convenções, etc), exige uma fase de burilamento
e adequação ao momento histórico e social da sua aplicação. Enquanto texto frio
e latente, espelha tão-só o instante da sua confecção ou do seu incorporamento
ao conjunto normativo. Cabe ao intérprete vivificá-la e dar-lhe a destinação
adequada às exigências sócio-culturais dos seus súditos, assim entendidos pela
submissão gerada pela coercibilidade das normas. Destacando a missão do
exegeta, diz Caio Mário da Silva Pereira que “só o esforço hermenêutico pode
dar vida ao nosso Código Comercial, publicado em 1850, diante da complexidade da vida mercantil de nossos dias; só pela
atualização do trabalho do intérprete é possível conceber-se o vigor do Código
de Napoleão, que vem de 1804, ou a sobrevivência dos cânones da Constituição
americana, que é de
Aqui abro um parênteses para
registrar o meu descontentamento com a repetida sinonímia que é atribuída aos
vocábulos hermenêutica e interpretação das normas jurídicas. Com efeito, a
interpretação é a tarefa desenvolvida pelos estudiosos, mirando alcançar o
exato sentido da norma, perquirindo, inclusive a mens Iegislatoris e outros dados que sirvam à correta subsunção do
fato à regra. Já a hermenêutica “é a teoria da interpretação das leis. A
hermenêutica é que fornece os elementos ou os métodos para a interpretação”.’[10]
A hermenêutica instrumentaliza o exegeta, para que este proceda a
interpretação.
Volvendo ao tema mater, é sabido que várias são as
espécies de interpretação classificadas pelos doutrinadores, também chamados de
processos de interpretação. E clássica a enumeração de Tito Fulgêncio[11],
ordenando ditos processos quanto à origem e quanto aos elementos.
Quanto à origem, a interpretação
pode ser:
a) Autêntica, quando operada por
intermédio de um novo diploma, editado posteriormente ao texto obscuro, ao
qual visa dar a clareza originariamente omitida, vezes por despreparo
intelectual do confeccionador da norma. Nessas hipóteses, lembra Caio Mário da
impossibilidade da explicação ser dada por um diploma hierarquicamente
inferior à norma explicada.[12]
b) Judicial, quando proferida por órgão judicante, independentemente de nível,
assim sendo entendida tanto a manifestação de um Juízo monocrático como o decisum de um Tribunal. A adequação do
caso sub judice à norma eleita como a
ele aplicável (ou a operação inversa), finda por exigir do julgador a
demonstração do entendimento que este hauriu da norma aplicada. Mais das vezes
tal exigência é imperativo legal, inarredável, como é o caso brasileiro (CPC,
art. 458, incs. II e III e art. 131; CPP, art. 381, incs. III e IV). João
Franzen de Lima chama este método de interpretação judiciária, ressaltando que “as
decisões da justiça só se impõem às pessoas que forem parte na demanda; mas a
interpretação reiterada da lei num mesmo sentido constitui a jurisprudência,
que tem relevante valor para a decisão de casos análogos” [13].
e) Doutrinária ou doutrinal, desde
que feita pelos doutores do direito, ou seja, os jurisconsultos, em seus
escritos e opinamentos, detalhando o texto da norma em conjugação com os
conceitos que inspiraram a edição desta.
Quanto aos elementos, a
interpretação é considerada:
a) Gramatical, em razão do
intérprete recorrer a elementos puramente filológicos do texto analisado,
deste extraindo o sentido após acurada apreciação do emprego das palavras, da
significação dos vocábulos. Exemplifica Amoldo Wald que “quando se declara na
lei que todos os homens têm capacidade jurídica e o intérprete quer saber se o
texto estabelecido visa não apenas ao homem, mas também àmulher, vamos estudar
qual o sentido da palavra homem utilizado pelo legislador... Veremos, assim,
que a intenção do legislador, ao empregar a palavra todo homem era de usar o
masculino, abrangendo tanto o masculino como o feminino, quer dizer, dando a
capacidade jurídica não só ao homem como também à mulher” [14]
A interpretação gramatical é também
denominada literal, farisáica e especiosa e foi introduzida na ciência jurídica
pelos adeptos da Escola de Exegese, movimento cultural contemporâneo do Código
Napoleônico de 1804, e cujo fundamento-mor era a desnecessidade de analisar o
diploma sob outros prismas, já que segundo Demolombe, a lei era tudo,
competindo ao intérprete apenas “extrair o sentido pleno dos textos, para
apreender-lhes o significado, ordenar as conclusões parciais, e, afinal,
atingir as grandes sistematizações.[15]
Pelos filiados à Escola de Exegese,
algumas regras foram erigidas a princípio para a aplicação do método
gramatical, a saber:
1 - As palavras devem ser
analisadas em articulação com os outros vocábulos do texto.
II - Se uma palavra tem um sentido
técnico ao lado de um sentido vulgar, deve o intérprete optar pelo sentido
técnico.
III - O sentido comum da palavra,
entretanto, não deverá ser desprezado, desde que não contenha inexatidões,
impropriedades ou equivocidades.
IV - O processo gramatical deve ser
considerado como o início da atividade interpretativa do Direito, estando
sujeito, pois, às falhas e às imperfeições factíveis na atividade humana.
Críticas são disparadas contra a
interpretação gramatical, pelos mais representativos cultores do Direito. Tanto
que, em reação às Escolas de estrito legalismo (a de Exegese e a Pandectista,
esta última elevando a norma legal ao patamar de dogma), surgiram a Escola
Histórica-Dogmática (o elemento sistemático deveria ser utilizado,
reconstruindo o sistema orgânico do Direito, do qual mostrava apenas uma
face); a Escola Atualizadora do Direito (a lei com vida própria e o Direito
acompanhando as evoluções sociais); e a Escola Teleológica (o caráter finalista
do Direito).
É preciosa a observação do Prof.
Ruy Barbosa Nogueira, para quem a interpretação gramatical “dentro do Direito é
assim chamada, brevitatis causa, porque
na verdade, no campo jurídico, ela contém um plus, tem que ser uma interpretação gramatical - jurisdicizada,
isto é, uma interpretação jurídico-gramatical, para ser válida’ [16]
b) Lógica [17]
consistindo na ênfase oferecida à analise do texto da norma, em lugar das
palavras qu~ compõem o mesmo. Busca descobrir o sentido e o alcance da lei
independentemente do auxílio de elementos exteriores, aplicando ao dispositivo
regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Pode ser
fracionada em três subespécies: analítica, sistemática e jurídica.
A interpretação analítica é lógica
por excelência, contradizendo a interpretação gramatical, afirmando o espírito
do texto sobre as palavras do texto. Para os seus defensores, cabe ao
intérprete analisar a obra em si, e não a intenção de quem a fez.
Na interpretação sistemática, todas
as normas devem ser analisadas tendo em conta as suas inter-relações com
outras normas do ordenamento.
Já a interpretação jurídica, para
efeito didático, é desdobrada em três campos de perquirição: a ratio legis (qual a razão da existência
da norma); a vis legis (qual o grau
de vigor da norma. Se é de jus cogens ou
não, etc.); e o ocasio legis (a
conjuntura sócio-histórico-cultural que serviu de contorno à criação da norma).
Em notas passadas em sala de aula,
explanando sobre o tema em comento, durante o Curso de Especialização
1 - Legal. Considera a obscuridade
ou a dubiedade do texto da lei, outra norma é editada para aclarar o(s)
aspecto(s) controvertido (s). E a interpretação autêntica, à qual nos referimos
parágrafos acima.
II - Doutrinária. Também chamada
doutrinal, flui da opinião dos jurisconsultores. Já foi reportada neste
trabalho.
1H - Jurisprudencial. Descende da
interpretação judicial. É por demais dinâmica, já que é oferecida a casos
concretos postos ao julgamento do poder competente, muito embora passível de
cristalização, v.g. as súmulas dos Tribunais brasileiros e os precedentes da common law.
IV - Inventiva. Bem ao gosto dos
adeptos do jus faciendi, ao
preconizar que ao intérprete é facultado compor as lacunas da norma jurídica,
adequando-a ao caso sub studio, demonstra
ser muito mais uma técnica de integração da norma de que um meio de
interpretação desta.
V - Estruturante. Busca vivificar a
norma de conformidade com o contexto onde a mesma está inserida. Assemelha-se à
interpretação sistemática.
VI - Sociológica. Mira adaptar a
norma às reais necessidades sociais e económicas, contemporâneas à aplicação
da lei.
VII - Do refazimento da norma. Bem
assemelhada à inventiva. A interpretação tem o condão de praticamente refazer,
recriar a norma, de acordo com o instante sócio-político-econômico da
aplicação.
VIII - Restritiva. Método ou
processo de interpretação visto na hermenêutica pelo ângulo do resultado.
Segundo Carlos Maximiliano[18],
o exegeta extrai do texto menos do que a letra da lei - à primeira vista -
traduz. Ou seja, “o legislador disse mais do que queria (dixit plus quam voluit) e, então, obriga o intérprete a restringir
o sentido da lei”.[19]
IX - Ampliativa. Outra que é considerada
quanto ao resultado advindo da exegese. E também conhecida como extensiva,
ampla, lata, liberal e generosa. Ainda segundo Carlos Maximiliano (ob. op. cit.), extrai do texto mais do
que ditam as palavras (dixit minus quam
voluit).
Além dos métodos acima comentados,
há outras formas de interpretação contempladas na doutrina, conforme destaque
a seguir.
A interpretação histórica é aquela
que toma por base os antecedentes normativos do texto
É declarativa[22] ou declaratória[23] a interpretação mais singela, limitada a
dizer timidamente o sentido da lei, sem maior aprofundamento do intérprete. E
mais invocada para obstar as outras espécies de interpretação, sob o argumento
de que o texto da norma já é suficientemente claro. Nesse diapasão, o velho
aforismo in claris non fit interpretatio soa
mais comô “não complique o óbvio”.
Progressiva é a exegese que
catapulta para o futuro o conteúdo da norma. E como explica Eduardo Couture: “o
certo é que a lei, uma vez nascida, segue vivendo ao longo do tempo e muito
além da significação originária que lhe emprestou o legislador: os atos de
responsabilidade, por prejuízos causados pelos automóveis, não estavam na
idéia de Portalís; continuamos, entretanto, a nos guiar pelos princípios do
Código Napoleônico na determinação dessa responsabilidade”[24]
.
A interpretação teleológica,
afirmada por Rudolf Von Jering em sua obra O
Fim do Direito[25], como não poderia ser diferente; mira a
compreensão finalística da norma.
A interpretação ah-rogatória é
usada quando presente um conflito entre dispositivos legais. Haverá uma opção
do exegeta, conforme veremos oportunamente.
Posto o inexaurido elenco de
métodos, técnicas, processos ou simplesmente elementos de interpretação das
normas jurídicas, notadamente as legais, está claro que os exegetas dispõem de
um vasto leque de opções para analisar e aflorar o entendimento das ditas
regras. Para selecionar, dentre tantos, qual o caminho mais adequado ao
desbravamento do real objetivo do texto, é mister
que sejam adotados alguns critérios orientadores da opção acertada.
Vejamos.
1 - A interpretação extensiva não se aplica em casos de:
a) Normas punitivas, em
respeito ao princípio da legalidade, servido do direito natural para o patamar
dos princípios constitucionais, exigindo expressa disposição de lei para a
configuração delitiva e a respectiva sanção (v.g. CF, art. 50, XXXIX e CP, art. la);
b) Normas de caráter fiscal,
notadamente no que diz respeito à
suspensão ou à exclusão do crédito
tributário; à outorga de isenção; e
à dispensa do cumprimento de
obrigações tributárias acessórias
(CTN, art. 111). Justifica Pontes
de Miranda: “o método de fontes e
de interpretação das leis
tributárias não é precisamente o mesmo método de fontes e interpretação das
leis comuns; e a fonte é uma só: a lei. Não há tributo sem lei que o haja
estabelecido, respeitados os
princípios constitucionais. Não se
pode, por meio de analogia, ou de argumentos lógicos, estender o que se editou
nas leis. O entendimento é rígido e estreito. A lei tributAria limita
direitos, impõe deveres. Por outro lado, é da natureza das leis tributArias a
precisão, pela taxatividade e pelos elementos matemáticos de que se tem de
lançar mão para atingir o patrimônio das pessoas que não são sujeitas às regras
jurídicas tributArias”;[26]
c) Normas de caráter
excepcional, quais aquelas geradas em momento de crise política ou institucional,
bem assim as que excetuam determinados indivíduos ou entidades da órbita da sua
abrangência. Também são assim havidas aquelas normas carregadas de especificidade
tal, que são imprestáveis à tutela de outros casos que não aqueles norteadores
da criação da regra. Exemplo: o decreto de utilidade pública de certo bem, para
fins de desapropriação.
Os romanos
resumiam as orientaçoes suso analisadas nas expressões odiosa restringenda efavorabilia amplianda: as normas que criam
obrigações devem ser interpretadas restritivamente e as normas que criam
faculdades devem ser interpretadas amplamente.
II - A interpretação extensiva é
sugerida nos casos de:
a) Normas que assegurem
direitos, garantias e prerrogativas;
b) Normas que estabeleçam
prazos;
c) Normas que favoreçam o poder
público, entendido este como autêntico representante dos interesses sociais;
d) Normas que têm por objetivo
eliminar formalidades, simplificando procedimentos rotineiros; e
e) Normas que objetivam corrigir
defeitos de normas anteriores. São chamadas de corretoras.
III - A interpretação deve ser
estrita:
a) Para as normas punitivas. “Só o
legislador, não o Juiz, pode ampliar o catálogo de crimes inseridôs no Código e
em leis posteriores”, conforme ensina Carlos Maximiliano[27].
Ainda segundo este saudoso doutrinador, a vedação da exegese lata em caso de
normas punitivas, também é aplicável às disposições apenadoras encartadas no
Direito Privado[28]
b) Nas normas de caráter fiscal,
encaradas sob ângulo da instrumentalização do Estado para arrecadar meios de
manutenção das suas outras atividades específicas. Para Carlos Maximiliano[29],
as normas de natureza fiscal “se aproximam das penais, quanto àexegese; porque
encerram prescrições de ordem pública, imperativas ou proibitivas, e afetam o
livre exercício dos direitos patrimoniais”. Registre-se, mesmo despiciendo, que
a interpretação estrita não se aplica a todas as normas de Direito Tributário,
mas somente aquelas impregnadas de inconteste fiscalidade. É a exceção, vez que
a regra éa interpretação pós-lógica, também chamada de interpretação moderna
por Adilson Gurgel e Carlos Gomes: “aquela interpretação que adota um sistema
misto - um somatório de outros métodos, desde o apriorístico - in dubio pro Iege ou in dubio pro jure -
o literal (em determinados assuntos) até o teleológico ou finalístico, que se
verifica o alcance da norma segundo os fins a que se destina e os benefícios
do bem comum - mens Iegis. Essa forma
interpretativa atende ao que se convencionou chamar de processo econômico de
interpretação
- o intérprete deve levar em conta os efeitos econômicos
do ato e não a sua forma jurídica (LICC, art. 5Q)”[30].
c) Nas normas de Direito
Excepcional, ou seja, de subsunção específica, ao contrário da generalidade da
norma, que é a regra.
IV- Há que ser manejada com
reservas a interpretação modificativa, ensejadora da primazia da investigação
social do fato e da norma ele adequável, em face do risco que o exegeta impõe
ao seu trabalho e ao resultado deste, dando base, não raro, a considerável
desvirtuamento da norma.
V - E comum a interpretação ficar
revestida de autêntica função ab-rogatória, guinando o exegeta para uma opção
entre normas
a) Dar prioridade ao dispositvo
hierarquicamente superior;
b) Se as normas conflutantes forem
da mesma hierarquia, opta-se pela norma primária. Ex: dar preferência ao caput do artigo, em detrimento dos
parágrafos, incisos ou alíneas deste;
c) Entre uma norma de jus cogens e outra de jus dispositium, prevalece o jus cogens;
d) Se uma norma é inequívoca e a
outra é imprecisa, opta-se pela primeira;
e) Falhos os critérios anteriores,
opte o intérprete pela norma dotada de maior alcance social.
6- A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Linhas acima foi esboçada uma
definição de norma constitucional, sendo esta aferível - dentre outros
indicadores - pela maior dificuldade que se impõe à sua modificação, em
contraponto à relativa facilidade com que são modificados e até mesmo extintas
as normas de caráter ordinário.
Voltada à sustentação do edifício
estatal, sem descurar, aí, o enxerto do elemento humano, a norma
constitucional requer do exegeta cuidados especiais no seu entendimento. Por
isso, opina José Alfredo de Oliveira Baracho[31]:
“os diversos conceitos de Constituição, a natureza específica das disposições
fundamentais que estabelecem regrasde conduta de caráter supremo e que servem
de fundamento e base para as outras normas de ordenamento jurídico, contribuem
para as diferenças entre a interpretação jurídica ordinária e a constitucional”.
Também é assim o opinamento do Prof. José Augusto Delgado[32]:
“uma metodologia própria deve ser empregada para bem aplicar a norma
constitucional, a fim de que se destaque o aspecto de dinamismo criador que
ela encerra, na busca de procurar atender ao objeto do Direito Constitucional
materializado, positivado, na Lei Maior”.
Sem descurar do enfoque
político-institucional que o intérprete deve fazer valer em seu mister, a exegese constitucional deve
mirar, sobremodo, a eficácia social encartada na norma. Afinal, a Constituição
é meio e fim, em concomitância, do Estado e da cidadania.
Para lograr sucesso no haurimento
do comando regrador, cumpre ao exegeta, como providência exordial, destacar
quais as normas eleitas, no seio do sistema, como principiológicas. Vencida
essa fase, há que montar uma malha de indicadores, a nível de princípios, através
do qual possam ser pinçadas as normas sub
exainem (programáticas, de feição ordinária, transitórias, etc), sem
provocar ranhuras no arcabouço-mor.
Vê-se, destarte, a impossibilidade
de eleição de um só processo de exegese, quando se cuida de matéria
constitucional. Pela largueza nela própria encerrada, e considerando a sua
natureza publicística, aplica-se ao tema a lição de Kelsen[33],
para quem”... a interpretação jurídica científica tem de evitar, com máximo
cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos
os casos, uma só interpretação, a interpretação correta”.
7- CONCLUSÕES
1 - A sensibilidade do exegeta é
primordial para a firmação de um liame entre o fato concreto e a norma, esta
quase sempre abstrata.
II - A norma jurídica é um ser
lógico, que traça a pauta de comportamento dos súditos do Estado ou da
entidade que a proclama, sempre dotada de coercibilidade, quiçá de
coercitividade.
III - A norma jurídica de caráter
constitucional, mercê de arcabouçar o Estado, liga este ao Cidadão, servindo
ainda de lastro e referencial ao ordenamento jurídico infraconstitucional.
IV - São normas constitucionais
aquelas que estruturam uma sociedade politicamente organizada.
V - Dentre as normas
infraconstitucionais, neste trabalho éenfocada a lei, que existe como norma
escrita, originária de poder competente, introdutora de algo novo no sistema
jurídico, dotada de obrigatoriedade e coercibilidade.
VI - A interpretação é a vivificação da norma
jurídica.
VII - A interpretação da norma jurídica pode
ser analisada:
a) quanto à origem; e b) quanto aos
elementos.
VIII - Sine embargo, há outros métodos de interpretação admitidos na
hermenêutica.
IX - Dentre o arsenal de métodos, técnicas,
processos ou elementos de exegese, o intérprete deve usar critérios definidos
para selecionar o caminho que melhor resultado traga ao seu mister.
X - Na interpretação das normas constitucionais,
deve o exegeta utilizar o processo que aflore a maior utilidade social da
norma, sem descurar da natureza político-institucional do comando.
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17) Lessa, Pedro, Estudos
de Philosofia do Direito, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1916.
18) Maximiliano, Carlos, Hermenêutica
e Aplicação do Direito,
19) Nascimento, Carlos Valder (Organizador); Nogueira, Ruy
Barbosa; Machado, Hugo de Brito; Navarro, Sacha Calmon, Interpretação no Direito Tributário, São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 1989.
20) Navarro Coelho, Sacha Calmon, Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tri
butá ria, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1982.
21) Nóbrega, 1. Flóscolo,
Introdução ao Direito,
22) Nogueira, Ruy Barbosa, Curso de Direito Tributário,
23) Pereira,
Caio Mário da Silva, Instituições de Direito
Civil, vai. 1,
24) Pinto Ferreira, Luiz, Princípios Gerais de Direito
ConstitucionalModerno,
25) Queiroz Filho, Antonio de, Lições de Direito Penal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
1966.
26) Reale, Miguei, Filosofia do Direito,
27) Rodrigues, Sílvio, Direito
Civil, Parte Geral, vai.
28) Saraiva, Paulo Lapa, Estrutura Lógica da Proposição Jurídica, Vox
Legis, vai. 151, São Paulo, Sugestões Literárias, 1981.
29) Silva, José Manso da, Curso de Direito Constitucional Positivo,
30) Slaib Filho, Nagib, Efeitos da Nova
Constituição Sobre o Direito Anterior, Rio de Janeiro, Seleções Jurídicas, ADVICOAD, set/1988.
31) Temer, Michei, Elementos de Direito Constitucional, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
32) Wald, Arnaldo, Curso
de Direito Civil Brasileiro, vaI. 1,
33) Wright, Von, Norma y Acción, Madrid, Tecnos, 1970.
* Juiz de Direito em Natal -
RN
Disponível em: < http://scholar.google.com.br/url?sa=U&q=http://www.jfrn.gov.br/docs/Ivanlira/a%2520interpretacao%2520da%2520norma%2520juridica.doc
> / Acesso em : 05 nov. 2006.
[1] Liçôes Preliminares de
Direito, 1974:34.
[2] Norma y Áccjón, Tecnos, Madrid, 1970, capa. 1 e V.
[3] Estrutura Lógica da Proposiçâo Jurídica, Vox Legis, Sugestões Literárias, vol.
151, pp. 38 e
39.
[4] Curso de
Direito Constitucional Positivo, RT,
[5] José Afonso da Silva, ob. op. cit., p.40.
[6] Direito
Constitucional Comparado: O Poder Constituinte, EDUSP. p. 2.
[7] Celso Ribeiro Bastos, Elementos de Direito Constitucional, Saraiva, p. 2.
[8] Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, José Bushatsky,
[9] Institui ções de
Direito Civil, Forense, 1991,
vol. 1, p. 135.
[10] Joio Franzen de Lima, in Curso de Direito Civil
Brasileiro, Forense,
[11] Programas de Direito Civil, vol. 1,
p. 7.
[12] ob. op. cit., p. 137.
[13] ob. op. cit., p. 110.
[14] Curso de Direito Civil Brasileiro,
[15] Miguel Reale, ob. op. cit., p. 308.
[16] Interpreta
çáo no Direito Tributário, RT, 1989, p. 13.
[17] Aqui
digredimos da sistematização formulada
por Tito Fulgêncio (ob. op. cit., p.
136) e ioáõ Franzen de Lima (ob. op. cit., pp. 110 e 111), preferindo analisar a interpretação sistemática como espécie de interpretação lógica, ao lado da interpretação analítica e da interpretação jurídica. Quase ao estilo de Miguel Reale (ob. op. cit., pp. 309 e as.).
[18] Hermenéutica
e Aplica çao do Direito, Forense, ça edição, p. 198.
[19] Amoldo Wald, ob.
op. cit., p. 72.
[20] Liçôes de Direito Penal, São
Paulo, RT, 1966, p. 100.
[21] ob. op. cit., p. 140.
[22] Antônio José Fabrício Leiria, Teoria eAplicaçt5o da Lei Penal, Saraiva,
1981, p. 56.
[23] Amoldo Wald, ob. op. cit., p. 72.
[24] Interpreta çâo das Leis Processuais, tradução de Gilda Russoxnano, Max Linionad, São Paulo, 1956, p. 19
[25] Citado por Miguel Reale, ob. op. cit., p. 322
[26] Comentários
à Constituição de 1967, RT, Tomo II, p. 382.
[27] ob. op. cit., p. 322.
[28] ob. op. cii., p. 328.
[29] ob. op. cii., p. 332.
[30] Curso de Direito Tributário, Saraiva, 3 edição, p. 37.
[31] Teoria da Constituição, Resenha
Universitária, São Paulo, p. 54.
[32] Aplicação da Norma Constitucional,
Vox Lcgis, São Paulo, Sugestões Literárias, 1981.
[33] Teoria Pura do Direito, Armênio
Amado, Coimbra,