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A Federação como cláusula pétrea
Salete Oro Boff*
"Quem se mostra disposto a sacrificar
um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o
respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do
Estado, mormente ao Estado democrático." (Walter Burckhardt)
Considerações preliminares
O
estudo da Federação assume papel relevante na busca de soluções para os
problemas estruturais dos Estados. Entre as funções essenciais do federalismo,
estão a divisão do poder e a integração de sociedades heterogêneas, com a
simultânea independência sociocultural e a autonomia dos entes federados. Sua
consolidação se dá através de uma Constituição escrita e rígida, na qual
deverão estar em sintonia com o princípio federativo os conteúdos do
ordenamento, o tipo de garantias jurídico-constitucionais para sua existência,
os princípios que conduzem e definem o processo político, assim como a divisão
e interligação das tarefas estatais entre os entes federados.
Neste
sentido, apresenta-se o federalismo como modo de preservar a particularidade no
âmbito de uma união estatal maior, mantendo o equilíbrio entre a soberania da
nação como um todo e a autonomia dos entes federados, concomitantemente à sua
interdependência. O sistema federativo regula e administra os conflitos entre
as esferas de governo, através do modo institucional que mais se adapte às
condições locais, garantindo a autonomia de cada ente através da distribuição
do poder. Essa harmonia e o equilíbrio entre os entes federados é a base do
pacto federativo.
1- Federação e o poder constituído de reforma
constitucional
As
razões que levam um país a adotar a estrutura federal, variam de acordo com as
peculiaridades locais. Portanto, as características presentes em determinado
Estado federal poderão não se apresentar de forma uniforme em outra Federação.
A descentralização é uma
das
marcas do sistema. Não há subordinação à autoridade superior em matérias e
espaços territoriais de competência administrativa, legislativa ou
jurisdicional. Na Federação, a descentralização não é apenas administrativa:
ela se dá também no campo político, incluindo a capacidade de auto-organização
e autogoverno.
Nessa
concepção a implementação do federalismo cria um ordenamento dinâmico, na
medida em que a resolução de tarefas é mais eficiente em pequenas do que em
grandes unidades. Com o poder de decisão mais próximo, em comunidades menores,
facilita-se a solução dos problemas e o atendimento dos anseios do povo. Da
mesma forma, através do federalismo, é assegurada e fortalecida a liberdade
individual pela divisão vertical do poder e se promove a democracia pela
participação da população na vida política da nação.
A
primeira Federação se consolidou nos Estados Unidos da América. O objetivo
desse pacto entre os "Estados soberanos" foi alterar a situação
confederativa para dar origem a um novo poder que garantisse a unidade das
ex-colônias inglesas frente às potências externas e o exercício da autoridade
sobre o território americano. O pacto entre os Estados americanos deu origem à
Constituição dos Estados Unidos, com a consagração da autonomia dos entes
federados e a igualdade de participação entre os estados integrantes.
Inspirado
na experiência americana, o Brasil implanta esse modelo, porém em outras
circunstâncias e por motivos diversos. O país constituía-se em um Estado
Unitário, quando, a partir de 1891, o poder político foi dividido formalmente
entre as províncias, mantendo, porém, o poder central. Portanto, o modo de
constituição do federalismo brasileiro(segregação) deu-se de forma contrária à
americana(agregação). Atualmente, o princípio federativo é um dos suportes do
ordenamento constitucional brasileiro, juntamente com o republicano. Dada é a
sua significação que o texto constitucional o relaciona entre os conteúdos
classificados como cláusulas pétreas.
Por
cláusula pétrea, entende-se o dispositivo que impõe a irremovibilidade de
determinados preceitos. Esse sentido obtém-se a partir do significado de seus
signos lingüísticos: "duro como pedra". Na Constituição são as
disposições insuscetíveis de ser abolidas por emenda, imodificáveis e não
possíveis de mudança formal, constituindo o núcleo irreformável da
Constituição, impossibilitando o legislador reformador de remover ou abolir
determinadas matérias. Esses preceitos constitucionais possuem supremacia,
paralisando a legislação que vier a contrariá-los.
Ao
criar esse núcleo imutável, o legislador objetiva impedir inovações temerárias
em assuntos cruciais para a cidadania e para o próprio Estado. Referindo-se ao
assunto, Karl LOEWENSTEIN (1970, p.189-190) aponta a existência e a importância
de dispositivos intangíveis nas Constituições, a fim de evitar a modificação de
normas constitucionais. Esta limitação à possibilidade de alteração, segundo o
autor, tem por fim proteger as instituições constitucionais e serve para
garantir determinados valores fundamentais presentes na ordem constitucional.
Entre as intangibilidades articuladas, inclui a estrutura federal. Cita como exemplo
a Lei Fundamental de Bonn que proíbe taxativamente emendas constitucionais que
afetem a organização da Federação.
Carl
J. FRIEDRICH(1975, p. 295-296) considera a existência de limites ao poder de
reforma da Constituição. Exemplifica indicando a França, cuja Constituição de
1884, previa a imutabilidade da forma republicana, e os Estados Unidos, onde
não pode privar-se a representação de forma igualitária dos Estados no Senado,
sem o seu próprio consentimento, e acrescenta:
" Cualquiera que sea el valor último de estas teorías y
disposiciones, el caso es que con ellas hay más probabilidad de que se originen
revoluciones violentas, ya que limitam las oportunidades de que los cambios
"revolucionários"se produzam de un modo gradual. Por ejemplo, Poicaré
insitía - hablando del carácter vinculante de la prohibición antes citada - en
que "cualquier revision que tuviera por objeto sustituir el sistema
republicano por el monárquico sería ilegal y revolucionaria". Obligando de
este modo a un posible nuevo poder constituynte a recurrir a una revolución
violenta, tales prohibiciones tienen el efecto político de restar al poder de
enmienda una parte de su función esencial de prever la aparición revolucionária
del poder constituynte."
Como
se percebe, o poder constituído, responsável pela reforma constitucional, ao
contrário do poder constituinte originário, é um "poder instituído e
derivado", implementando mudanças no texto da Lei Maior, sempre
considerando as delimitações estabelecidas pelo poder que o originou. Essas
limitações constituem o centro de imputação, cujo fim é assegurar "a
permanência das decisões políticas fundamentais reveladas pelo poder
constituinte originário" (HORTA, 1995, p. 124). São as cláusulas pétreas
que limitam a matéria do órgão reformador, visando a assegurar a integridade
constitucional, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o
enfraquecimento ou impliquem profundas mudanças de identidade no ordenamento
constitucional, garantindo, na medida do possível, sua estabilidade.
Indistintamente,
em nível mundial, há tendência de reservar a determinadas matérias a qualidade
de núcleo inalterável. Muitos países reservam a qualidade de cláusula pétrea à
forma federativa de Estado. Entre eles, conforme cita Celso Ribeiro BASTOS e
Ives Gandra MARTINS (1988, p. 357), encontram-se Angola (art. 38), Costa Rica
(art. 195), Cuba (art. 141), Dinamarca (art. 42 e 88), Espanha (art. 167 e
168), Filipinas ( art. IX, seção 1.4), Finlândia (art. 95), Noruega (art. 73) e
Suriname (art.72).
Seguiu
essa linha o tratamento dispensado pela primeira Constituição republicana
brasileira (1891), uma vez que já contemplava limitação à alteração do
princípio federativo. O artigo 90, parágrafo 4o., trazia expresso o impedimento
à mudança das matérias tendentes "a abolir a forma republicana federativa,
ou igualdade da representação dos estados no Senado". Por este
dispositivo, verifica-se a importância dada à Federação, uma vez que, além de
constar expressamente como matéria imodificável, ainda é reforçada pela
exigência da manutenção da igualdade da representação dos estados no Senado. O
texto de 1934 prevê, igualmente, no seu artigo 178, parágrafo 5o, que "não
serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a forma
republicana federativa". Mesmo tratamento se verifica na Constituição de
1946, artigo 217, parágrafo 6o., e no texto de 1967/69, artigo 47, parágrafo
1o.
Com
a Constituição de 1988 não foi diferente. Ditos preceitos estão relacionados no
artigo 60, parágrafo quarto: a forma federativa de Estado; a separação dos
poderes; o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e
garantias individuais. São classificadas como um leque de matérias que representam
o cerne da ordem constitucional, furtadas a disponibilidade do poder de
revisão. São as chamadas limitações materiais explícitas ao poder de reforma,
manifestação do poder constituinte originário, ao elaborar um novo texto,
através da possibilidade de exclusão de modo expresso, certas matérias e
conteúdos do poder instituído (J. J. CANOTILHO, 1998, p. 942).
Como
se constata, a Federação figura entre os limites materiais à reforma, uma vez
que representa ponto de sustentação e, juntamente com os demais, não pode ser
objeto de alteração. Verifica-se que esse texto constitucional veio reforçar a
idéia de Estado federal, mantendo a autonomia dos entes federados e visando ao
desenvolvimento harmonioso entre eles. Dito de outro modo, com a Constituição
de 1988, estados e municípios tiveram suas competências ampliadas,
caracterizadas pela capacidade de legislar, de auto-organização, de
auto-governo e de auto-administração, através da repartição das competências e
na igualdade de representação entre os estados no Senado Federal. Emenda que
retire deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica
"tendência" a abolir a forma federativa de Estado e, por conseguinte,
não poderá ser matéria de reforma constitucional. Notadamente a liberdade
concedida aos entes federados deve observar os princípios constantes na
Constituição Federal(supremacia constitucional). Nas considerações de Ivo
DANTAS(1996, p. 177):
"(...) não é necessário
que a proposta de emenda traga, em si, diretamente, uma ameaça de alcançar os
princípios citados.
Suficiente será apenas que
esteja marcada por uma tendência à abolição de qualquer um dos incisos que
compõem o art. 60, parágrafo 4.º, para que não possa, nem ao menos, ser
proposta."
É
importante salientar a dimensão do signo "Federação" da forma como se
apresenta inserido no texto constitucional. Trata-se de um princípio norteador
do ordenamento constitucional, que de forma explícita ou implícita, contudo
muito ampla, serve de base a outros artigos, uma vez que, além dos limites
expressos, existem os limites não expressos que são deduzidos do próprio
sistema constitucional. O seu conteúdo vincula-se ao quanto expresso e
elaborado constitucionalmente. A sua obrigatoriedade tem o mesmo grau e
idêntica força quanto ao definido para os limites expressos, o que vale não
apenas para o órgão competente para realizar a reforma, mas para o órgão ou
poder encarregado de controlar sua realização.
Um
exame dos princípios constitucionais que informam o nosso ordenamento jurídico
poderá servir de auxílio na compreensão do problema. Os princípios são como
alicerce que sustentam as estruturas das normas. São fundamentos que definem e
caracterizam a orientação política do Estado; definem a forma de Estado, sua
estrutura, o regime político e os elementos caracterizadores da forma de
governo, da organização política adotada; são normas matrizes, relacionadas a
valores políticos e sociais do Estado, explicitadas pelo legislador
constituinte originário. Para HORTA( 1995, p. 124), fazem parte desse conjunto
de limitações implícitas:
(...) os fundamentos do
Estado Democrático de Direito (artigo 1.º, I, II, III, IV, V); o povo como
fonte de poder (artigo 1.º, parágrafo único; os objetivo fundamentais da
República Federativa (artigo 3.º, I, II, III, IV); os princípios das relações
internacionais (artigo 4.º, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, parágrafo
único), os direitos sociais (artigo 6.º); a autonomia dos Estados Federados (artigo
25); a autonomia dos Municípios (artigo 29, 30, I, II, III); a organização
bicameral do Poder Legislativo (artigo 44); a inviolabilidade dos Deputados e
Senadores (artigo 53); as garantias dos Juízes (artigo 95, I, II, III); a
permanência institucional do Ministério Público (artigo 127) e de suas
garantias (artigo 128, I, a, b, c); as limitações do Poder de Tributar (artigo
150, I, II, III, a, b, IV, V, VI, a, b, c, d, artigo 151); e os princípios da
ordem econômica (artigo 170, I a IX, parágrafo único).
Tais
preceitos constitucionais não podem ser alvo de reforma. A reforma deve
objetivar um aperfeiçoamento do texto constitucional, visando a tornar plena a
sua realização, mantendo-se fiel aos seus princípios basilares sem alterar ou
suprimir a base em que se funda o Estado Democrático de Direito.
E,
pelas palavras de Carl SCHMIDT(1982, p. 348-350), tem-se a confirmação da
abrangência da Federação quando a define como uma união permanente, baseada em
livre acordo e a serviço de todos os membros, mediante o qual os
Estados-Membros abdicam da totalidade de seu status político em atenção
ao fim comum. E conclui: a Federação contém todo Estado-Membro em sua
existência total como uma unidade política, e o acopla como um todo em uma
associação politicamente existente, no qual o pacto federal é consagrado
constitucionalmente e tem por finalidade uma ordenação permanente. A
Constituição Federal contém sempre, ainda que não expressamente, a garantia da
existência política de cada um de seus membros, o que significa que o sistema
federativo é cláusula pétrea, mesmo que o texto não o traga expresso.
Maria
Helena DINIZ (1997, p. 95), desenvolvendo estudo sobre o tema, indica a
dificuldade de precisar até que ponto a reformulação do art. 60 poderia
ocorrer, sem que se configure a "tendência a abolir" os princípios
consagrados como cláusulas pétreas. Como resposta indica duas posições
possíveis :
a)
O art. 60 não poderia ser emendado por nenhum processo, mas apenas pelo fato
social de que a comunidade aceita outra Carta Magna como pedra angular da ordem
jurídica. Todavia essa solução deveria, por razões óbvias, ser afastada, já que
requer a mutação de todo o sistema jurídico.
b)O
art. 60 poderia ser reformado pelo procedimento especial que ele mesmo prevê,
pelas autoridades que ele mesmo constitui, porém isso poderia ser afastado por
implicar auto-referência genuína e parcial, que deve ser excluída como algo
tido, logicamente, como um absurdo, por representar evidente contradição.
No
mesmo sentido, Luiz Alberto David ARAÚJO(1997, p. 152) indica duas
possibilidades de interpretação do artigo 60, parágrafo 4.º, inciso I. A
primeira é aquela que qualquer alteração para mudar o pacto federativo seria
inconstitucional, porque tenderia a abolir o pacto existente. Por exemplo,
alterar a competência dos Estados-Membros, municípios e União representa
tendência a abolir o pacto federativo. Assim considerado, o texto
constitucional estaria engessado, entretanto seria mais respeitado e a
Federação mais valorizada, resultando em inconstitucional toda a alteração no
regime federativo. A segunda interpretação, segundo o autor, é a que busca
"apenas princípios da forma federativa de Estado". Essa interpretação
indica a necessidade de manutenção dos princípios federativos. Nas suas
observações:
"É verdade que, nesse
caso, teríamos uma grande dose de julgamento subjetivo, que moldaria a decisão
de conformidade com a realidade que se pretendesse proteger.
Quantas competências seriam
necessárias para manter a autonomia estadual? A busca da solução matemática
certamente não seria correta. Mas até que ponto é possível diminuir a autonomia
estadual, sem ferir o princípio federalista. (...)
São duas as possibilidades,
gerando problemas diversos. A primeira, mais antipática, mais radical, mas
garantidora dos valores garantidos pelos constituintes. A segunda, mais móvel,
menos ortodoxa, mas que permitiria uma redução do grau de autonomia pactuado
quando do ajuste federalista de 1988."
Em
que pese a Constituição prever a possibilidade de emendas, a implementação
dessas deverá seguir procedimentos especiais e respeitar os limites
constitucionais. Só o Poder Constituinte Originário, representante do poder do
povo(SIEYES), é que pode inscrever as mudanças fundamentais na estrutura e
organização do Estado brasileiro. Nessa linha, Maria Helena DINIZ( 1997, p. 96)
comenta: "Diante do princípio da indivisibilidade do poder constituinte,
não há como dividi-lo, só há um poder constituinte, unitário e indivisível, e a
revisão ou a emenda são entregues a um de seus poderes (Legislativo e
Executivo) apenas dentro do processo especial previsto
constitucionalmente". O poder constituinte é a expressão da supremacia do
povo. O produto da vontade do povo é expresso pelos constituintes, que elaboram
o texto constitucional e também estabelecem as normas que deverão ser
observadas para a mudança do texto da Lei Maior.
Norberto
BOBBIO(1997, p. 53) assim expõe sobre as limitações materiais ao poder de
reforma constitucional: "Quando um órgão superior atribui a um órgão
inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Ao atribuir esse
poder, estabelece também os limites entre os quais pode ser exercido
(...)".
No
mesmo sentido, Raul Machado HORTA(1995, p. 124) argumenta:
"O poder de emenda é
poder instituído e derivado, instrumento da mudança constitucional de segundo
grau, submetido ao ‘centro comum de imputação’, que assegura a permanência das
decisões políticas fundamentais reveladas pelo Poder Constituinte
Originário."
Postos
esses preceitos, a dúvida surge quando se questiona que tipo de alterações
poderão ser implementadas sem ofender o princípio federativo. Certamente que o
Brasil, como Estado Federal, não poderá transformar-se em Estado Unitário,
assim como a autonomia dos entes federativos não pode se ampliar ao ponto da
Federação transformar-se em Confederação.
Deixando
de lado esses extremismos, é importante que se analise matérias objeto de
emenda constitucional que se apresentam cotidianamente, como por exemplo, a
Proposta de Reforma Tributária. A análise da PEC que pretende promover
alterações significativas no Sistema Tributário Nacional, leva a questionar-se
se a sua implementação poderá resultar em "abalo" ao princípio
federativo, uma vez que o ponto principal dessa Proposta é a unificação de
impostos (ICMS e IPI), com a conseqüente redução da competência legislativa
estadual, devido à transferência/compartilhamento do novo imposto sobre o
consumo entre a União e os Estados-Membros.
Ora
dificilmente atenderão ao preceito constitucional emendas que possuam como
objetivos alterar/reduzir a competência dos entes federativos. É de se ponderar
também que a Federação subsiste se os Estados possuírem autonomia,
correspondendo ao poder de auto-organização, de autogoverno e de
auto-administração. A Federação é um pacto permanente e decorre da Lei Maior do
país
Todo
o estudo realizado aponta para a inconstitucionalidade da reforma pretendida,
tendo em vista que as mudanças retiram dos estados a competência exclusiva de
auto-regular a imposição do ICMS. Em outras palavras, reduzem a autonomia dos
Estados-Membros, que é o ponto fundamental na configuração do Estado
Federal(HORTA, 1995, p. 423).
Considerações finais
Em
síntese, é necessário considerar o princípio federativo em toda a sua extensão.
Como pilar do Estado brasileiro, não pode ser alvo de reforma. Deve-se ter
presente que as reformas devem objetivar o aperfeiçoamento do texto
constitucional, visando a tornar plena a sua realização, mantendo-se fiel aos
seus princípios basilares sem alterar ou suprimir a base em que se funda o
Estado Democrático de Direito.
Infere-se,
enfim, que as limitações explícitas e implícitas funcionam como garantias da
manutenção dos direitos fundamentais dos cidadãos, como obstáculo aos
interesses imediatos de maiorias eventuais de proceder alterações em detrimento
a valores de longo prazo. A Constituição brasileira atribui ao Congresso
Nacional a possibilidade de implementar reformas, contudo não lhe confere
autoridade para alterar o texto constitucional sem maior cerimônia. Sua
atividade legislativa é uma mera delegação, recebida dos cidadãos e, portanto,
limitada. Seria absolutamente ilógico e contrário à democracia que os
representantes pudessem alterar a extensão dessa delegação, alcançando-se à
posição de autêntico poder constituinte, capaz de realizar uma profunda revisão
constitucional, o que se traduziria num simples ato de usurpação da soberania
popular.
Referências bibliográficas:
BASTOS,
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São Paulo : Saraiva, 1988. V.4. tomo I.
BOBBIO,
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CANOTILHO,
J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria constitucional. 2.ed.
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DANTAS,
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FRIEDRICH, Carl. Gobierno
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LOEWENSTEIN,
Karl. Teoria de la Constitución. 2.ed. Trad. Alfredo Gallego Anabitante.
Barcelona : Ediciones Ariel, 1970.
HORTA,
Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte : Del Rey, 1995. p. 124.
ROCHA,
Cármem Lúcia Antunes. Constituição e mudança constitucional: limites ao
exercício do poder de reforma constitucional. In: Revista de
Informação Legislativa, ano 30, n. 120, p. 173, 1993.
*professora de Direito da UNIJUÏ e URI-Santo
Ângelo (RS), mestre em direito público pela UNISINOS
BOFF, Salete Oro. A Federação como cláusula
pétrea . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=100.
Acesso em: 17 out. 2006.