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A Constituição de Weimar e
os direitos fundamentais sociais:
a preponderância da Constituição da República Alemã de 1919 na
inauguração do constitucionalismo social, à luz da Constituição mexicana de
1917
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro*
*Bacharela em Direito e Relações Internacionais, mestranda em Direito e
Estado pela Universidade de São Paulo (USP), professora de Teoria Geral do
Estado e Direito Constitucional do Instituto de Ensino Superior de Brasília
(IESB), assessora de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
INTRODUÇÃO
O
tema relativo aos direitos fundamentais tem recebido grande destaque e atenção,
modernamente, por parte dos estudiosos do Direito. À análise da origem, da
evolução histórica, da natureza, dos fundamentos e da concretização de tais
direitos – tidos como elementos fundantes das ordens jurídicas nacionais, da
ordem jurídica internacional e, no caso da Europa, também da ordem jurídica
comunitária – têm sido dedicadas inúmeras monografias e páginas de doutrina, o
que põe em evidência a circunstância de que é no respeito à dignidade da pessoa
humana que reside o fundamento último das mais variadas formas de organização
social.
Na
realidade, a grande atenção que hoje se confere à garantia de tais direitos
prende-se à percepção de que os direitos fundamentais mantêm, com o próprio
conceito de democracia, uma relação de recíproca interação, pois o efetivo
respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos representa um dos principais
parâmetros de aferição do grau de democracia de uma sociedade, ao mesmo tempo
em que a concreta e real existência de uma sociedade democrática revela-se como
pressuposto indissociável à plena eficácia dos direitos fundamentais [01].
Essa
é a razão pela qual os conceitos de democracia e de direitos fundamentais
caminham sempre juntos [02], valendo referir que a origem dos
direitos fundamentais remonta a resistência dos povos contra governos
opressores e que a evolução histórica de tais direitos coincide, em seus pontos
essenciais, com a própria criação e evolução do Estado e com o advento do
constitucionalismo moderno [03].
Cumpre
referir, neste ponto, que as expressões direitos do homem, direitos humanos e
direitos fundamentais serão utilizadas, no presente trabalho, com noções
conceituais próprias e diversas, razão pela qual impõe-se, na presente
introdução, e até mesmo para que se mantenha um mínimo de rigor terminológico,
proceder a uma breve definição de cada um desses termos [04].
Na
linha do magistério doutrinário de Ingo Sarlet [05], os três termos
acima mencionados devem ser diferenciados de acordo com um critério de
concreção positiva ou de concretização normativa.
Partindo
dessa linha de classificação, a expressão direitos do homem é utilizada para
designar, de maneira mais abstrata e "com contornos mais amplos e
imprecisos" [06], aqueles direitos naturais ainda não
positivados. Já o termo direitos humanos representaria aqueles direitos já
positivados na esfera internacional, enquanto que o termo direitos
fundamentais abrangeria aqueles direitos cujo reconhecimento e proteção estão
assegurados em sede constitucional [07].
Essa
distinção [08], longe de possuir utilidade unicamente acadêmica,
assume vital importância quando se analisa, por exemplo, a questão relativa aos
elementos caracterizadores dos direitos fundamentais. Desse modo, por exemplo,
pode-se falar na universalidade dos direitos do homem (vez que inerentes
ao indivíduo enquanto tal) e na pretendida universalização dos direitos
humanos (tenta-se implementar, em toda a comunidade internacional, a garantia
dos direitos assegurados nas Declarações, embora se saiba que tal concretização
global, na prática, ainda resta incompleta, permanecendo no campo das legítimas
expectativas). Ao contrário disso tudo, não se pode pretender a
universalidade dos direitos fundamentais, eis que, enquanto valores
reconhecidos e positivados por cada ordenamento constitucional, os
direitos fundamentais necessariamente variarão, em termos de sua abrangência e
do grau de sua proteção, conforme a cultura predominante em cada uma das nações
[09].
Daí
porque se pode afirmar, como precedentemente referido, que a evolução histórica
ou (parafraseando o Prof. Fabio Konder Comparato) que a "afirmação
histórica" dos direitos fundamentais se confunde, em suas linhas mestras,
com a evolução do conceito e da função do Estado e, também – já que o
instrumento formal da Constituição consubstancia o núcleo essencial das decisões
políticas delineadoras do Estado –, mistura-se com o próprio advento do
constitucionalismo moderno e, posteriormente, com o início do
constitucionalismo social.
Todas
essas considerações se fazem relevantes eis que o presente trabalho tem como
pretensão discutir, através de uma análise dos textos constitucionais de Weimar
(1919) e do México (1917) e dos direitos fundamentais sociais neles
positivados, a inicialidade do constitucionalismo social. Não se falará,
portanto, no presente trabalho, de direitos do homem ou de direitos naturais.
Também não serão abordados – não obstante sua importância – os inúmeros e
expressivos documentos internacionais de reconhecimento e proteção dos direitos
humanos, limitando-se, desse modo, o objeto do presente estudo, à análise de
direitos e valores revestidos da nota da fundamentalidade, por efeito de sua
positivação em sede constitucional.
Com
efeito, o início da idéia de direitos fundamentais – repita-se, de direitos e
valores reconhecidos em sede constitucional – remonta o advento do Estado e das
teorias contratualistas dos séculos XVII e XVIII que, com o objetivo específico
de justificar e legitimar a criação da figura estatal, acentuavam que o
soberano deveria exercer sua autoridade com submissão aos direitos de cada
homem, o que simbolizava o advento da importantíssima idéia da supremacia do
indivíduo sobre o Estado.
Nesse
contexto, surgiram os Estado liberais [10] – modernos – que, no
contexto de proteção do cidadão contra indevidas ingerências do poder estatal,
asseguraram uma esfera indevassável de proteção ao indivíduo, através da
criação dos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão (ou direitos da
liberdade ou liberdades públicas), que, por isso mesmo, representam direitos e
prerrogativas a serem exercidos contra o Estado.
Incluem-se,
entre outros, no rol das liberdades públicas, os direitos à propriedade
privada, à intimidade, à privacidade, à liberdade de reunião, de associação e à
livre manifestação do pensamento, ou seja, direitos que têm como elemento
central a relação – essencialmente desigual – entre soberano e indivíduo e,
como princípios norteadores, o liberalismo (quaisquer intervenções estatais são
tidas como nocivas), o individualismo, a liberdade e a segurança.
Ocorre,
no entanto, que o passar do tempo e a alteração da realidade social fizeram com
que a mera garantia de direitos a serem exercidos contra o Estado não fosse
mais suficiente para permitir a plena realização do indivíduo em seu ambiente
social.
Na
realidade, muitos dos direitos à liberdade então previstos nos ordenamentos
constitucionais – tal como ocorria, por exemplo, com o direito à propriedade –
somente eram exercidos por alguns membros da coletividade eis que, para os
outros, faltavam meios que permitissem adquirir tais prerrogativas.
A
incipiente industrialização da sociedade (decorrente da Revolução Industrial,
que teve início na Inglaterra do século XVIII, mas que posteriormente produziu
efeitos – em maior ou menor grau – em todo o mundo) e a conseqüente ampliação e
mudança de perfil do mercado de trabalho (antes eminentemente agrário e, agora,
marcadamente industrial e urbano) trouxeram novas demandas que restavam
desatendidas pelas Cartas Constitucionais de modelo clássico.
A
antecipada falência do modelo do constitucionalismo clássico começou a
tornar-se mais evidente a partir do fim da primeira-guerra e, notadamente, a
partir de 1917, quando o sucesso da Revolução Russa e o modo de produção
socialista passaram a inspirar e motivar a classe trabalhadora de todo o mundo.
E
é exatamente neste período que se situam os dois diplomas constitucionais, que,
por suas disposições de conteúdo eminentemente social, são tidos como marcos do
constitucionalismo social (Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de
Weimar de 1919).
Na
realidade, grande parte da doutrina, ao se referir ao advento do
constitucionalismo social, menciona, de maneira genérica, como momentos iniciais
dessa nova fase constitucional, tanto o advento da Constituição do México como
a promulgação da Constituição de Weimar, deixando de fazer qualquer menção
individualizadora àquilo que cada um desses textos, per se, trouxe de
original e inovador ao corpo das concernentes Cartas Políticas.
Busca-se,
portanto, através desse breve estudo, trazer alguns questionamentos sobre essa
fase inicial do Estado Providência, pretendendo-se responder à indagação sobre
se a Constituição de Weimar de 1919, apesar de cronologicamente posterior à
Carta Constitucional Mexicana de 1917, poderia, ou não, ser considerada como
decisivamente precursora do constitucionalismo social.
Frise-se,
neste ponto, por oportuno, que não se desconhece que disposições tópicas,
relativas a um ou outro direito social, já constavam de textos constitucionais
anteriores tanto à Constituição Mexicana quanto à Constituição de Weimar
[11].
Tal,
no entanto, não assume relevância quando se tratar, como no presente caso, de
estudo relativo ao início do constitucionalismo social, entendido este não
apenas como a inserção isolada, em Cartas de índole eminentemente liberal, de
dispositivos de natureza social, mas, sim, como o reconhecimento, pelo Estado –
e através da inserção, nos respectivos textos constitucionais, de inúmeros
artigos, posicionados de forma sistematizada, e relativos às inúmeras dimensões
em que se projeta a vida do indivíduo em sociedade – de que, além de uma
conduta negativa a ser assumida em tema de liberdades públicas, deve, o Poder
Público, intervir no seio da coletividade para, mediante ação positiva,
promover a igualdade material e permitir que todos exerçam, em iguais
oportunidades, todos os direitos previstos em sede constitucional.
Irretocável,
sob tal aspecto, a advertência de Floriano Corrêa Vaz da Silva, que, ao versar
o tema relativo ao advento do constitucionalismo social, assim se pronunciou
[12]:
"...
seria uma esquematização simplista a afirmação de que as Constituições do
século XIX foram todas puramente liberais e as Constituições do século XX
marcadamente sociais. Em quaisquer Constituições, nas mais diversas épocas,
podem ser encontrados e pesquisados dispositivos concernentes à ordem social e
econômica, cláusulas que explícita ou implicitamente definem o regime
econômico-social pretendido pelos constituintes. A própria ausência de
cláusulas sociais numa Constituição traduz a opção por determinado sistema. E
esta ausência, é claro, não impede uma lenta construção jurisprudencial, nem
emendas constitucionais, nem legislação ordinária – que irão, pouco a pouco,
delinear, dentro do sistema constitucional, uma série de direitos sociais e
trabalhistas, que passam a integrar o arcabouço econômico-social do país. De qualquer
modo, o fato é que as Constituições do século XIX foram, de um modo geral,
Constituições liberais (...) pouco ou nada diziam explicitamente quanto aos
direitos sociais, limitando-se, quase sempre, apenas à organização política.
Apenas em algumas Constituições surgem normas que se relacionam com o chamado
problema social....".
No
presente trabalho, portanto, tomar-se-á como premissa a circunstância de que a
previsão pontual, em sede constitucional, de específico ou específicos
dispositivos, isolado (s), relativo a um determinado direito de índole social
não basta, por si só, para conferir à referida Constituição a natureza de Texto
Constitucional Social.
A
contrario senso, a mera previsão, em sede constitucional, das chamadas
liberdades públicas também não confere, ipso facto, à Carta Política, a
qualidade de Texto Constitucional Liberal – mesmo porque o advento do
constitucionalismo social não se deu mediante substituição das liberdades
negativas pelos direitos prestacionais, mas, sim, mediante complementação
(somatório) dos direitos de liberdade (indivíduo contra o Estado) com os
direitos de natureza social (indivíduo enquanto membro de uma coletividade,
exercendo direitos através do Estado).
Vê-se,
portanto, que o que confere natureza social a determinado ordenamento
constitucional é o reconhecimento manifestado pelo Estado – e expresso no texto
de sua Lei Fundamental – no sentido de que, além de garantir, aos cidadãos, o
respeito às liberdades clássicas de que são titulares, a sua intervenção no
seio sociedade é desejada e necessária para que os indivíduos possam melhor
desfrutar de seus direitos e de suas garantias [13].
Daí
porque comumente se tem entendido que a fase do Constitucionalismo Social tem
seu início marcado pelas Constituições Mexicana e de Weimar.
Cumpre
advertir, neste ponto, que não será considerada, no presente trabalho e para
efeito comparatório, a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado (1918) e a posterior Lei Fundamental Soviética (10/07/1918).
É
que, apesar da forte inspiração social de tais diplomas (eis que
consubstanciavam os ideais motivadores da Revolução Socialista de 1917) eles, a
pretexto concretizar avanços em tema de direitos sociais, culminaram por
aniquilar os direitos de liberdade, cuja conquista levou séculos para
efetivar-se [14].
Na
realidade, os avanços obtidos em tema de direitos sociais – se é que os houve –
culminaram por ser ofuscados diante das opressões manipuladas por uma
auto-reconhecida ditadura (ditadura do proletariado) que, nas linhas defendias
por Schmitt, buscava a fusão entre Estado e sociedade, mediante a supressão das
liberdades públicas.
Não
se pode atribuir, pois, o caráter de vanguarda em tema de proteção a direitos
fundamentais a uma Carta que, além de ter significado um retrocesso no que se
refere à liberdade pública de seus cidadãos, simbolizou típico instrumento de
tratamento discriminatório e excludente entre o proletariado e as "classes
possuidoras" [15].
No
sentido do caráter excludente das declarações soviéticas, a manifestação de
Fabio Konder Comparato [16], para quem:
"Entre
a Constituição mexicana e a Weimarer Verfassung, eclode a Revolução Russa, um
acontecimento decisivo na evolução da humanidade do século XX.O III Congresso
Pan-Russo dos Sovietes, de Deputados Operários, Soldados e Camponeses, reunidos
em Moscou, adotou, em 4 de janeiro de 1918, portanto antes do término da 1ª
Guerra Mundial, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado.
Nesse documento são afirmadas e levadas às suas conseqüências, agora com apoio
da doutrina marxista, várias medidas constantes da Constituição mexicana, tanto
no campo sócio-econômico quanto no político (...).
Mas
aí, como se vê, já se está fora do quadro dos direitos humanos, fundados no
princípio da igualdade essencial entre todos, de qualquer grupo ou classe
social. Desde o seu ensaio juvenil sobre a Questão Judiciária, publicado em
1843, Marx criticou a concepção francesa de Direitos dos Homens, separados dos
direitos do cidadão, como consagradora da grande separação burguesa entre
sociedade política e sociedade civil, dicotomia essa fundada na propriedade
privada. Os direitos do homem não passariam de barreiras ou marcos divisórios
entre os indivíduos, em tudo e por tudo semelhante aos limites da propriedade
territorial. E os direitos do cidadão, sobretudo numa época de sufrágio
censitário, nada mais seriam do que autênticos privilégios dos burgueses, em
exclusão da classe operária. Na sociedade comunista, cujas linhas-mestras foram
esboçadas no Manifesto do Partido Comunista, cinco anos mais tarde, só os
trabalhadores têm direitos e só eles constituem o povo, titular da soberania
política.
Sem
dúvida, na Constituição Mexicana de 1917 não se fazem as exclusões sociais
próprias do marxismo: o povo mexicano não é reduzido unicamente à classe
trabalhadora..."
Também
irretocáveis, neste ponto, as palavras de Vieira de Andrade, que coloca em
destaque o caráter "subversivo" de algumas doutrinas do
"movimento socializante", no que concerne ao conceito de direitos
fundamentais [17]:
"O
movimento socializante modificou profundamente o sistema dos direitos
fundamentais, mas, para além disso, alterou a própria ‘filosofia’ que lhes
estava subjacente.
Este
movimento trouxe consigo doutrinas e teorias que, por modos diversos,
representam um entendimento ‘subversivo’ da concepção liberal dos direitos
fundamentais: a estatização fascista, que corporativizou os direitos; a
massificação e o racismo nacional-socialista, que os destruíram por completo; a
funcionalização marxista-leninista, que os expropriou e pôs a serviço de um
projecto de sociedade.
Apesar
disso, pode afirmar-se que a tradição liberal ocidental não foi dissolvida. Ela
‘passa de uma maneira natural e perfeitamente coerente dos direitos de
liberdade aos direitos políticos e depois aos direitos econômicos e sociais’
(...)".
Na
realidade, a percepção que se busca em tema de concretização dos direitos
fundamentais deve colocar em evidência não um aspecto de mera sucessividade,
mas, sim, um aspecto revelador da complementaridade [18].
Em
atenção ao viés substitutivo que foi conferido, às várias espécies de direitos
fundamentais, pelas ditaduras socialistas, no sentido de que os direitos
sociais sobrepõem-se e substituem-se às liberdades clássicas, muitos autores
têm preferido utilizar o termo "dimensão", ao invés do termo
"geração", para efeito de classificação dos direitos de liberdade
(primeira dimensão), direitos sociais (segunda dimensão), direitos de
solidariedade (terceira dimensão) e, até mesmo, dos direitos à democracia (quarta
dimensão).
Paulo
Bonavides, um dos primeiros a sustentar, entre nós, a impropriedade da
expressão "geração de direitos", assim manifestou seu entendimento:
"
Força é dirimir, a esta algura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo
"dimensão" substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo
"geração", caso este último venha a induzir apenas sucessão
cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações
antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira
geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da
terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio-ambiente, à paz e à
fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturas, formam a pirâmide cujo
ápice é o direito à democracia..." [19].
A
crítica ao termo "gerações" de direitos fundamentais também é feita
por Jorge Miranda, que, ao enfatizar a falsa impressão de alternância que ele
pode gerar, profere o seguinte magistério:
"Conquanto
esta maneira de ver possa ajudar a apreender os diferentes momentos históricos
de aparecimento dos direitos, o termo geração, geração de direitos,
afigura-se enganador por sugerir uma sucessão de categorias de direitos, umas
substituindo-se às outras – quando, pelo contrário, o que se verifica em Estado
social de direito é o enriquecimento crescente em resposta às novas exigências
das pessoas e das sociedades. Nem se trata de um mero somatório, mas sim de uma
interpretação mútua, com a conseqüente necessidade de harmonia e concordância
prática" [20].
De
fato, revela-se efetivamente mais adequada a utilização da expressão
"dimensões" de direitos fundamentais [21], pois na medida
em que novas prerrogativas são reconhecidas aos indivíduos, estas, longe de
excluírem, devem sempre vir a complementar as demais prerrogativas já
conquistadas. Mais do que isso, as dimensões mais recentes e os direitos
fundamentais já tradicionalmente assegurados não só coexistem, como mantêm
entre si uma relação de recíproca interação, influenciando-se mutuamente e
fazendo com que o entendimento de cada um dos direitos fundamentais seja sempre
interpretado (ou reinterpretado) em conformidade com o contexto global da
totalidade das dimensões de direitos já reconhecidas.
O
novo entendimento que foi dado às liberdades clássicas, em função do advento
dos direitos sociais, é um bom exemplo de reinterpretação de direitos em face
do advento de uma nova dimensão de direitos fundamentais.
Hoje,
e em face do advento do constitucionalismo social, são extraídos dos direitos
de primeira dimensão (tradicionalmente concebidos como direitos de índole
negativa) um viés positivo que impõe, ao Poder Público, não apenas o dever de
abstenção, mas, também, uma obrigação de fazer. Do direito à vida, portanto
(direito de primeira dimensão), derivam, hoje, interpretando-se o direito à
vida como o direito à uma existência digna, o direito à saúde, à assistência
social e ao lazer (direitos de segunda dimensão) e, também, o direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado (terceira dimensão) [22].
É
por essa razão que não se pode incluir, sob a denominação de constitucionalismo
social, a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e a Lei
Fundamental Soviética de 1918 (10/07/1918), pois, para que se possa falar,
propriamente, em constitucionalismo social, é preciso que se tenha, sob a égide
de um Estado Democrático de Direito, a expressa positivação, em texto
constitucional, da solene intenção estatal de consagrar, para além da
igualdade formal e da liberdade individual, também a igualdade material
e os demais direitos sociais dela decorrentes [23].
Daí,
portanto, o presente trabalho, que, ao perquirir sobre a inicialidade do
constitucionalismo social, pretende, mediante cotejo analítico da Constituição
Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919 (excluída, pois, pelas
razões acima expostas, a Constituição Soviética [24]), revelar quais
foram as inovações de cada um desses textos, buscando responder à indagação
sobre se seria possível atribuir, a um desses diplomas, a qualidade de
documento precursor do constitucionalismo social.
1.A CONSTITUIÇÃO MEXICANA DE 31 DE JANEIRO DE
1917
1.1.antecedentes
históricos
A
Constituição do México configura o reconhecimento e a positivação, em sede
constitucional, das reivindicações e dos princípios inspiradores da Revolução
Mexicana, iniciada em 1910. Por essa razão, tornar-se-ia despida de sentido
qualquer análise do texto constitucional mexicano (ainda em vigor, não obstante
objeto de emendas) que deixasse de examinar, mesmo que em linhas gerais, os
antecedentes históricos que culminaram com a promulgação, em 31/01/1917, da
Constituição de Querétaro.
Essa
estrita correspondência do texto constitucional mexicano com os pleitos
constantes da Revolução Mexicana foi enfatizado pelo constitucionalista e
ex-presidente da Corte Constitucional Fix-Zamudio, para quem "Nustra
Constitución actual entronca directamente con la Revolución mexicana. Cierto que en un principio este
movimiento no llevó como objetivo hacer una nueva Constitución. Se encabezó
inicialmente por Madero contra la dictadura de Díaz, y después por Carranza
para restaurar el orden constitucional quebrantado por Huerta, pero el
desarrollo mismo de los acontecimientos condujo finalmente a la expedición de
una nueva ley fundamental" [25].
Também
neste sentido, irretocáveis as palavras de Daniel Moreno [26], que,
ao referir-se à Assembléia Constituinte convocada para elaboração da
Constituição Mexicana de 1917, assim se manifestou:
"Poucas
vezes o pensamento jurídico foi devedor de forma tão determinante da realidade
social e das idéias postas em jogo, como no caso da mencionada Assembléia.
Foram assinaladas como causas fundamentais algumas de tipo econômico, sobretudo
a dura exploração que sofriam os camponeses e as paupérrimas condições em que
viviam os operários".
Na
realidade, apesar de a elaboração de um novo texto constitucional não ter sido,
de fato, um dos objetivos da Revolução Mexicana, não é menos exato afirmar que
o texto constitucional que sobreveio à dita revolução deu expressão máxima às
aspirações por ela reivindicadas.
Com
efeito, a revolução mexicana iniciou-se em 1910, e o período de agitações
sociais e políticas no México estendeu-se por quase 23 (vinte e três) anos após
da promulgação da Carta Política de 1917 [27].
A
revolução mexicana mobilizou, em seu processo, milhões de camponeses e índios
(estes, despojados que foram dos "ejidos" [28]) e se
insurgia, essencialmente, contra a ditadura do Presidente Porfírio Díaz, que
perdurou de 1876 a 1911 e que ficou conhecida como "porfiriato".
Porfírio
Diaz era apoiado, em seu governo, pelo exército, que possuía o poder de polícia
do Estado, pela Igreja Católica, que tinha ampla liberdade de ação, por grandes
empresas privadas (inclusive de origem estrangeira) e pelos grandes
proprietários de terra, que haviam sido beneficiados com a política de extinção
dos "ejidos". Daí que as principais reivindicações revolucionárias
consistiam na proibição da reeleição do Presidente da República [29],
no retorno dos "ejidos" e devolução das respectivas terras às
comunidades indígenas, na nacionalização das grandes empresas e bancos, na
consolidação de direitos trabalhistas à classe média emergente e na separação
radical entre Igreja e Estado.
O
crescente autoritarismo de Porfírio Díaz passa à insustentabilidade, marcando o
início do processo revolucionário que canalizou as insatisfações nacionais, nas
eleições presidenciais de 1910, quando o latifundiário liberal Francisco
Madero, líder do movimento que se opunha à reeleição do ditado é preso.
Candidato único, Díaz é considerado eleito, uma vez mais.
Francisco
Madero, ao fugir da prisão, exila-se nos Estados Unidos, lança uma conclamação
à rebelião armada destinada a derrubar Díaz e promete que, em havendo um novo
governo, seria elaborada uma reforma eleitoral e seriam distribuídas terras aos
camponeses.
A
resposta mexicana à proposta de Madero é entusiástica e, rapidamente, a revolta
se alastra pelo país. Ao sul, o chefe camponês de maior relevância é Emiliano
Zapata, que comanda 20 (vinte) mil homens na "Legião da Morte",
armados com fuzis e facões utilizados para o corte de cana de açúcar. Ao norte,
por sua vez, destacam-se como líderes Pancho Villa e Pascual Orozco.
Com
o recrudescimento do levante camponês, Porfírio Díaz renuncia e foge em 1911 e
Madero é eleito novo Presidente.
Ao
contrário do esperado, no entanto, Madero não promove as prometidas alterações
no aparelho estatal, o que gera profunda insatisfação dos líderes camponeses
que o apoiaram, notadamente de Emiliano Zapata, que se recusa a desarmar seus
homens e exige a reforma agrária negada pelo novo Presidente.
Desatendido,
Zapata promove, agora com o apoio de Pancho Villa, uma rebelião contra Madero e
lança, em novembro de 1911, o célebre Plano Ayala, que dispunha sobre a
distribuição de terra dos latifúndios para os camponeses.
O
Presidente Madero, em reação, envia o general Victoriano Huerta para derrotar
Zapata, que repele a ofensiva do exército e passa a ser tido como um
prestigiado líder das camadas mais pobres [30].
Em
fevereiro de 1913, enquanto a luta prossegue no Norte e no Sul, o general
Huerta assassina Madero e se torna o novo Presidente, o que levou à instauração
de uma passageira frente da oposição, com participação de Zapata e Villa,
chefiada pelo liberal Venustiano Carranza, que proclama o Plano de Reconstrução
Constitucional.
Sob
pressão das forças revolucionárias, em julho de 1914 o general Huerta renuncia,
passando o poder para Carranza que, depois de 3 (três) anos de rebelião, dá
início ao processo de construção das novas instituições mexicanas, o que apenas
se consolidará mais de cinco anos mais tarde.
Vitoriosos,
os revolucionários dividem-se, agora, em constitucionalistas (Carranza e Álvaro
Obregón), que propõem, simplesmente, a reforma da Constituição Liberal de 1857,
e em convencionistas (Emiliano Zapata e Pancho Villa), que desejam implementar
as propostas de transformações radicais da convenção de Aguascalientes (1914)
[31].
Nas
regiões controladas por Zapata começam a ser colocadas em prática as reformas
do Plano de Ayala, que prevê a devolução da terra às comunidades indígenas,
expropriação de um terço das terras dos grandes proprietários para distribuição
aos camponeses sem terra, fundação de um Banco Agrícola Nacional e de um
Partido Agrário e confisco total das terras de quem se opusesse às reformas.
As
medidas colocadas em prática por Emiliano Zapata, no entanto, são mais radicais
e vão além daquilo que foi proposto no texto original do Plano Ayala. Além da
reforma agrária, formam-se escolas técnicas, fábricas de ferramentas e um banco
de crédito rural.
Venustiano
Carranza, insatisfeito com as concretizações promovidas por Zapata, deseja
institucionalizar e regulamentar as reivindicações revolucionárias, e, em 1917,
promulga a nova Constituição Mexicana, inspirada pela doutrina
anarcossindicalista de Bakunin [32].
Dois
anos mais tarde, a nova Constituição ainda era completamente ignorada pelo
Governo, Zapata era assassinado à mando de Carranza (1919) e o país prossegue
em guerra civil até que, em 1920, Carranza é deposto e assassinado, e assume a
Presidência o general Álvaro Obregón, que, enfim, consolida a revolução. Pancho
Villa abandona a luta em 1920 e é assassinado três anos depois. Em 1929 é
fundado o Partido Revolucionário Nacional (PRN), rebatizado, em 1938, de
Partido Revolucionário do México e, em 1946, de Partido Revolucionário
Institucional (PRI), que se torna, por décadas, o virtual partido único no país
[33].
1.2.os
debates da Constituinte
Apesar
de desnecessárias, algumas anotações referentes à Assembléia Constituinte ou
aos debates nela travados serão, por sua peculiaridade, registradas no presente
trabalho.
Cabe
referir, neste ponto, que todas as referências que ora se faz à Constituinte
Mexicana foram extraídas da magnífica obra – já mencionada neste estudo na nota
de rodapé nº 26 – El Constitucionalismo Social Mexicano – La integración
constitucional de México (1808-1988), de Jorge Sayeg Elú.
A
primeira curiosidade que se gostaria de enfatizar refere-se ao fato de que os
militares não só formavam a maioria da constituinte, mas também eram os
portadores das idéias mais radicais ali suscitadas [34].
Outro
dado interessante refere-se ao curtíssimo espaço de tempo utilizado na
discussão e aprovação do novo texto constitucional, já que a Assembléia Constituinte
foi aberta em 01/12/1916 e a Constituição promulgada em 31/01/1917, ou seja,
apenas dois meses depois [35].
De
fato, tal como já se enfatizou quando da análise dos antecedentes históricos da
Constituição Mexicana, não havia, entre os próprios revolucionários, posição
uniforme sobre a necessidade de proceder-se a uma mera revisão do texto
constitucional liberal de 1857 ou de confeccionar-se um novo texto
constitucional.
Tanto
é assim que no dia da abertura da Constituinte, o Presidente Carranza (que
depois viria a matar Emiliano Zapata) apresentou ao Congresso seu projeto de
"Constitución Reformada" [36].
Apesar
de se auto-reconhecer animado pelo melhor espírito de implementar as
reivindicações revolucionárias, o projeto apresentado por Carranza foi tido
como deficiente [37], tendo se expressado, no que toca "a
las reformas sociales (...) en fórmulas amplias, casi abstractas, y reservaba
su reglamentación efectiva a la ley secundaria" [38].
No
que se refere às freqüentes remessas, ao legislador ordinário, muito ocorrentes
na Constituição Brasileira de 1988, e constantes do projeto de Constituição
Reformada por Carranza, assim se pronunciou Helú [39]:
"Mucho confió Carranza em
el acierto de los legisladores ordinários, al pretender dejar a su cuidado el
dictar las leyes reclamadas por el pueblo en los campos de batalla; por
fortuna, empero, quienes acertaron fueron los legisladores constituyentes, al
haber dado el paso decisivo, logrando romper aquel tabú que les impedia dar
cabida dentro de la Constitución a las fórmulas sociales que una depurada
técnica constitucional les aconsejaba a no incorporar a ella".
Feitos
esses breves registros sobre alguns aspectos interessantes, relativos à
Assembléia Constituinte Mexicana, deve-se, agora, analisar em que medida os
direitos constitucionais por ela consagrados efetivamente inovaram em tema de
concretização de direitos fundamentais sociais, examinando-se, também, se, em
face das prescrições constantes da Constituição Mexicana de 1917, pode, esse
documento, ser tido como o precursor do constitucionalismo social, que iria
influenciar grande parte das Constituições do pós-segunda guerra.
1.3.o
texto da Constituição Mexicana de 1917
A
Constituição Mexicana promulgada em 31/01/1917 – e que entraria em vigor em
01/05/1917 – compunha-se de 136 artigos (a maioria deles, longos e com vários
incisos), além das disposições transitórias. Esses 136 artigos foram
sistematizados em IX Títulos, que podiam, por sua vez, dividir-se em capítulos
e seções. O Título I da Constituição Mexicana de 1917 era formado por IV
Capítulos, quais sejam: Das Garantias Individuais (Cap. I), Dos Mexicanos (Cap.
II), Dos Estrangeiros (Cap. III) e Dos Cidadãos Mexicanos (Cap. IV). O Título
II possuía apenas dois Capítulos: Da Soberania Nacional e da Forma de Governo
(Cap. I) e Das Partes Integrantes da Federação e do Território Nacional (Cap.
II). O Título III organizava-se em quatro Capítulos: Da Divisão dos Poderes
(Cap. I), Do Poder Legislativo (Cap. II) – este último capítulo dividia-se em
IV Seções: Da eleição e da instalação do Congresso; Da iniciativa e da formação
das leis; Da competência do Congresso e Da Comissão Permanente –, Do Poder
Executivo (Cap. III) e Do Poder Judicial (Cap. IV). O Título IV tratava,
unicamente, Das Responsabilidades dos Funcionários Públicos, o Título V, Dos
Estados e da Federação, o Título VI (composto exclusivamente pelo célebre
artigo 123), Do Trabalho e da Previdência Social. O Título VII tratava Das
Disposições Gerais, O Título VIII, das Reformas da Constituição e, finalmente,
o Título IX cuidava Da Inviolabilidade da Constituição.
Da
análise de cada um dos dispositivos constantes do texto constitucional mexicano,
observa-se que a Constituição de 1917 não se limitou a consagrar, em seu corpo,
as aspirações e reivindicações veiculadas pela Revolução, garantindo, também,
ao lado das determinações de índole social, em seu Capítulo I (Das Garantias
Individuales), inúmeros direitos clássicos à liberdade.
Dentre
o extenso rol de direitos de primeira dimensão constantes do Capítulo I, do
Título I, da Constituição Mexicana, destacam-se os seguintes: proibição da
escravidão (art. 2º); igualdade entre os sexos (art. 4º); liberdade de
expressão e de informação (art. 6º); vedação à censura prévia (art.. 7º);
direito de petição (art. 8º); liberdade de reunião e de associação (art. 9º);
direito à livre circulação (art. 11); princípio do juiz natural e proibição de juízo
de exceção (art. 13); irretroatividade das leis prejudiciais aos cidadãos (art.
14); devido processo (art. 14, § 1º); legalidade em matéria penal (art. 14, §
2º); vedação à extradição por crimes políticos (art. 15); inviolabilidade de
domicílio (art. 16); sigilo de correspondências (art. 16, § 2º); vedação ao
exercício arbitrário das próprias razões (art. 17); acesso gratuito ao Poder
Judiciário ( art. 17, § 1º); vedação de prisão por dívida (art. 17, § 3º);
garantias do acusado (art. 20 – frise-se, no ponto, que o sistema penal
mexicano funda-se sobre a "base do trabalho"); vedação de penas
cruéis (art. 22); princípio do non bis in idem (art.23); liberdade
religiosa (art. 24); mandato de seis anos conferido ao Presidente da República,
"que por nenhum motivo poderá voltar a desempenhar este posto"
[40] (art. 83 – direito à alternância política) e separação Estado/Igreja
(art. 130).
Ao
lado dos direitos de liberdade acima referidos, a Constituição Mexicana de 1917
previu, também, direitos e garantias de segunda dimensão. Estes – apesar de
constantes, em sua essencialidade, nos arts. 27 e 123 – não se concentram em um
único Capítulo da Constituição, apresentando-se, ao contrário, dispersos ao
longo de todo o texto da Carta Política.
Sob
tal aspecto, deve-se destacar as seguintes previsões: proteção à família (art.
4º) [41], direito à saúde, de incumbência da Federação e das
entidades federativas (art. 4º, § 2º), direito à moradia digna, a ser
concretizado por meio de apoio Estatal (art. 4º, § 3º), proteção pública dos
menores (art. 4º, § 4º), direito ao trabalho e ao produto que dele resulta
(art. 5º), proibição de contratos que importem na perda de liberdade do
indivíduo (art. 5º, § 4º) [42] e a vedação à constituição de
monopólios (art. 28 – direito este de natureza eminentemente econômica).
Além
de tais direitos de segunda dimensão, a Constituição Mexicana previu, em linhas
gerais, em seu artigo 27 (pertinente à questão agrária no México e tido como um
dos pilares da consagração, no texto constitucional, das idéias fulcrais da
Revolução), a propriedade da nação relativamente às terras e águas (que podiam,
ou não, ser transmitidas a particulares, mediante propriedade privada), a
possibilidade de desapropriação de terras por utilidade pública, mediante
indenização, a proteção da pequena propriedade (art. 27, XV) e a função social
da propriedade.
Ao
lado questão agrária, tratada no art. 27 da Constituição, o artigo 123 (que
compunha o Título VI: Del Trabajo e de Prevision Social) consubstanciava
o outro pilar sustentador da consagração das aspirações revolucionárias em sede
constitucional. Destaca-se, neste dispositivo – tido por alguns doutrinadores
como inaugurador do Direito Constitucional do Trabalho – as seguintes
prescrições: direito ao emprego e correlata obrigação do Estado de promover a
criação de postos de trabalho (art. 123, "caput"); jornada de
trabalho máxima de 8 (oito) horas (I); jornada noturna de 6 (seis) horas (II);
proibição do trabalho aos menores de 14 e jornada máxima de 6 (seis) horas aos
maiores de 14 e menores de 16 (III); um dia de descanso para cada 6 dias
trabalhados (IV); direitos das gestantes (V); salário mínimo digno (VI), a ser
estabelecido com uma comissão nacional formada por representantes dos
trabalhadores, patrões e do governo; direito a salários iguais aos que exercem
iguais funções, sem discriminação de gênero ou nacionalidade (VII);
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (IX); horas extras
limitadas a três diárias, realizadas no máximo três dias consecutivos, e
acrescidas de 100% (XI); criação de um fundo nacional de habitação, a ser
administrado pelo Governo Federal, pelos trabalhadores e pelos patrões (XII, §
1º); direito à capacitação ao trabalho (XIII); responsabilidade do empregador
por acidente de trabalho (XIV); direito à formação de sindicatos (XVI); direito
de greve, reconhecido inclusive em favor dos patrões e em favor dos funcionário
públicos (art. XVII); criação das juntas de conciliação, formada por igual
número de representantes dos trabalhadores e dos patrões e por um representante
do governo (XX); direito à indenização em caso de demissão sem justa causa
(XXII) e reconhecimento da utilidade pública da Lei de Seguro Social, que
compreenderá "seguros por invalidez, por velhice, seguros de vida, de
interrupção involuntária do trabalho, de enfermidades e acidentes de trabalho e
qualquer outro seguro destinado à proteção e ao bem-estar dos trabalhadores,
dos camponeses, dos não-assalariados e de outros setores sociais e respectivos
familiares" (XXIX – traduzi).
Interessante
notar que, não obstante seja o rol de direitos conferidos ao trabalhador de
notável abrangência e extensão (deixando de observar, por isso mesmo, a melhor
técnica constitucional [43] ao estabelecer, em sede constitucional,
prescrições de índole eminentemente infraconstitucional [44]), não
foi a classe trabalhadora relevante no processo revolucionário mexicano, pois,
consoante já assinalado, a população mexicana que, em 1910, deu início ao
movimento contrário ao ditador Porfírio Díaz, era eminentemente composta por
camponeses já que o México ainda não tinha experimentado um processo de
industrialização que o permitisse contar com uma numerosa classe operária.
Daí
porque parece ser o artigo 27 – pertinente à questão agrária mexicana – aquele
que incorporou, de uma maneira mais fiel, as legítimas reivindicações
constantes da revolução e aquele que atendeu, de maneira mais imediata, os
pedidos que mais afetavam, diretamente, a vida dos mexicanos.
Nesse
sentido, manifesta-se Ary Brandão de Oliveira [45], que, citando
Nestor de Buen [46], e ao colocar em destaque o viés eminentemente
camponês da revolução mexicana, afirma que "A questão operária ainda não
se fazia sentir em um país que apenas iniciava seu processo de
industrialização. Por outro lado, a sensibilidade dos jovens generais e chefes
revolucionários orientava-se no sentido da adoção de soluções enérgicas na
ordem jurídica laboral".
Mário
de la Cueva, ao enfatizar a importância do art. 123 da Constituição Mexicana e
ao investigar as origens do movimento em prol de uma legislação trabalhista no
México, adverte que a ingerência no desenvolvimento do direito do trabalho
mexicano deve-se, unicamente, ao governo presidencialista, não tendo assumido,
a classe operária, nenhuma participação nesse processo [47].
Registre-se,
finalmente, um aspecto pouco referido da Constituição Mexicana de 1917: a sua
nítida integração, ao lado dos direitos de primeira e de segunda dimensão, de
direitos fundamentais de terceira dimensão.
Com
efeito, como se sabe, os direitos de terceira geração são aqueles que protegem
não o homem, considerado isoladamente, mas, sim, a coletividade como um todo,
razão pela qual trata-se de direitos de titularidade difusa, fundados nos
princípios da fraternidade ou da solidariedade. No rol dos direitos
fundamentais de terceira dimensão incluem-se, por exemplo, o direito a um meio
ambiente equilibrado, o direito à paz, à autodeterminação dos povos e à
preservação do patrimônio histórico e cultural [48].
O
artigo 3º das Constituição Mexicana, ao versar sobre o sistema público de
educação, afirma que este deverá promover, além de todas as faculdades do ser
humano, "a consciência da solidariedade internacional", em claro
beneplácito ao princípio inspirador dos direitos de terceira dimensão e com
nítida percepção de que determinados valores devem ser protegidos não apenas em
relação ao indivíduo (primeira dimensão) ou a uma coletividade nacional
(segunda dimensão), mas, sobretudo, em face de toda a comunidade (terceira
dimensão).
Já
no artigo 25, que trata sobre a intervenção do Estado no domínio econômico,
afirma-se que os setores sociais e privados da economia sujeitam-se aos
interesses públicos e ao uso, em benefício geral, dos recursos produtivos,
devendo-se cuidar, portanto, de "su conservación y el médio ambiente"
(art. 25, § 4º).
No
artigo 27, por sua vez, ao serem disciplinados a reforma agrária o modo de
organização dos assentamentos, reconhece-se a necessidade de se editar medidas
para "preservar y restaurar el equilibrio ecológico" e,
também, para "evitar la destrucción de los elementos naturales".
Da
análise dessas três passagens constantes do texto constitucional mexicano,
poder-se concluir que tal diploma não apenas reconheceu e positivou direitos de
terceira dimensão, mas, também – ao colocá-los em relação de recíproca
interação e mútua influência com outros direitos fundamentais, como, por
exemplo, o direito à propriedade (1ª dimensão) e a função social da propriedade
(2ª dimensão) – teve nítida percepção do caráter complementar que lhes é
inerente.
2.A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE WEIMAR (1919)
2.1.antecedentes
históricos
Assim
como a Constituição Mexicana que cronologicamente lhe antecedeu, também a
Constituição de Weimar nasceu num período de profundas perturbações sociais.
Para
analisar o contexto histórico em que se deu o advento da Constituição de
Weimar, deve-se remeter à vitória alemã, liderada por Bismarck, na Guerra
Franco-Prussiana (1870) e no estímulo que esta vitória representou para o
início da luta de unificação federalizada dos principados e das cidades livres
de língua alemã na Confederação Germânica.
Concretizada,
sob o reinado do Kaiser Guilherme II, a criação do Primeiro Reich, a
Alemanha experimentou um notável crescimento urbano-industrial, o que gerou um
aumento em sua classe operária militante e, consequentemente, nas
reivindicações por ela manifestadas.
Essa
realidade de prosperidade interna representou, também, um dos fatores que
impulsionaram a Alemanha a tomar parte na acirrada disputa Européia por fatias
de mercado consumidor e, consequentemente, a participar da Primeira Grande
Guerra, da qual saiu como grande derrotada.
A
entrada da Alemanha na Primeira Guerra, no entanto, trouxe profundas
conseqüências internas, causadas pelo elevado número de mortos e feridos
[49] e, também, pela profunda crise econômica que se abateu sobre um país
totalmente voltado a atividades bélicas [50].
Marco
Aurélio Peri Guedes, em sua dissertação de mestrado, afirma que "A guerra
começou em 4 de agosto de 1914, sem que a Alemanha estivesse economicamente
preparada. Na verdade – prossegue ele – os militares e os políticos esperavam
que a guerra fosse vencida em poucas semanas. Não houve qualquer preocupação
governamental em estocar alimentos para uma guerra em longo prazo, até porque
tudo estava concentrado no esforço de guerra" [51].
Nos últimos anos de guerra, a
situação interna na Alemanha é de profundo caos, o que também foi agravado pelo
intenso bloqueio naval inglês, que trouxe escassez de alimentos à população e
conseqüente inflação de preços [52]. Nesse contexto, levantes começam
a eclodir em toda a Alemanha, levantes estes que, agora, além de decorrerem da
miséria e da crise social internas, eram também inspirados pelo recente e
próximo exemplo da União Soviética [53].
Iniciou-se
uma verdadeira revolução bolchevista no seio do Reich. Os partidos de
extrema esquerda – espartaquistas e socialistas independentes – exigiam a
dissolução das instituições parlamentares alemãs [54]. Em novembro
de 1918 eclodiu na Alemanha uma rebelião naval que culminou por transformar-se
numa guerra civil [55]. Tal revolta, iniciada em 1918, no porto de
Kiel, foi assim descrita por Lionel Richard [56]:
"Os
marinheiros se haviam recusado a seguir os oficiais que queriam continuar a
guerra no mar. As más condições de vida fizeram o resto: a bandeira vermelha
foi hasteada nos navios e 20.000 marujos armados ocuparam o porto. Desarmaram
oficiais, libertaram os prisioneiros nos quartéis, elegeram um conselho de
soldados. Com esse exemplo, interromperam o trabalho nas fábricas. Os grevistas
formaram um conselho de operários. Após Kiel, o processo se repetiu em
Stuttgart e Hamburgo. As estações foram ocupadas, as tropas levantaram contra
os oficiais, os comandantes militares foram substituídos, os meios de
transporte requisitados por soldados em revolta. Símbolos de séculos de
opressão, as insígnias foram por toda parte destruídas; bandeiras vermelhas
foram hasteadas; organizaram-se conselhos de operários e de soldados..."
A
reforma constitucional do texto alemão, de 03/11/1918, que determinou a
parlamentarização da Alemanha e que passou o poder ao Príncipe Max von Baden
[57] (que também estava incumbido de celebrar o armistício com os Estados
Unidos) foram, portanto, tardias e não contiveram o fluxo das agitações sociais
[58]. Na linha do relato histórico feito por Comparato [59],
tem-se que logo após tal reforma constitucional, já em 08/11/1918, uma
República "Democrática e Socialista" era proclamada na Baviera.
Sentindo
que a esquerda mais radical – especialmente o grupo Spartak, liderado
por Karl Liebknecht – ganhava o apoio das lideranças populares, os sociais
democratas (integrantes do partido socialista majoritário) abandonam
definitivamente o governo e convocam uma greve geral.
O
Príncipe Marx, então, anuncia a abdicação do Imperador, designa Friederich
Ebert (líder dos social-democratas) para exercer as funções de chanceler,
propondo, ainda, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Precipitando-se, no entanto, Philip Scheidemann, ministro integrante da
social-democracia, anuncia, no mesmo dia, no balcão da chancelaria em Berlim, a
proclamação da República [60].
Formou-se,
então, um governo provisório (Conselho dos Delegados do Povo), chefiado por
Ebert e que compreendia três integrantes da social-democracia (SPD) e outros
três integrantes do Partido Social Democrático Independente (USPD) [61].
Esse governo provisório, no entanto, tinha objetivos divergentes [62]
pretendendo, o SPD, a convocação de Assembléia Constituinte e o estabelecimento
de uma democracia parlamentar, enquanto que o USPD buscava o imediato
estabelecimento de uma ditadura do proletariado, com a completa socialização da
economia nos moldes soviéticos.
Essa
divergência foi solucionada mediante a convocação de um congresso de
representantes das diferentes províncias integrantes do Reich, que,
reunido em Berlim, em 20/01/1919, deliberou, por ampla maioria, no sentido da
convocação de uma assembléia constituinte.
O
local escolhido para sediar a Assembléia Constituinte foi Weimar eis que, além
de trazer a inspiração de Goethe, que ali vivera, ficava afastava das lutas
travadas em Berlim em função do levante spartakista [63]. É que dias
antes (entre 6 e 15 de janeiro), as forças militares alemãs travaram violentos
conflitos em Berlim contra os militantes Spartak, do que resultou o
assassinato de seus líderes Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
Convocadas
as eleições para a Assembléia Constituinte, antecipava-se aquilo que seria uma
das causa da ruptura de Weimar: a absoluta fragmentação política e ausência de
maioria positiva no Parlamento [64]. Sob tal aspecto, irretocáveis
as palavras de Bourthoumieux [65]:
Cette
dissociation du pouvoir réel et du pouvouir legal caractérise dés le début la
période nouvelle et marque ce qui en será la loi constante: necessite de
réaliser et de maintenir um compromis entre des forces naturellement
divergentes. Ce
compromis, uniquement imposé par la crainte commune de la Révolution n’est
qu’une tréve momentanée pour les adversaires de la République. Il ne suppose
aucun accord sur les questions politiques et sociales. Cet accord n’exist même
pas dans la coalition républicaine des socialistes, des democrats et du centre.
Dés les premières séances de l’Assemblée nationale, il fut visible que seuls
les discourses qui exaltaient l’heroisme des armées et repoussaient toute
responsabilité du Reich dans la guerre étaient capable de faire
l’unnanimité".
Os
membros do SPD obtiveram a maioria da cadeiras [66], mas não sua
maioria absoluta (163, num total de 414). As demais cadeiras restaram
pulverizadas entre partidos de tendências diversas, restando, o USPD, com
apenas 22 representantes. Os spartak [67] não participaram da
Assembléia Constituinte [68].
O
projeto da Constituição de Weimar foi redigido por Hugo Preuss, professor de
origem judaica adepto do comunitarismo, até então alijado do centro acadêmico
alemão [69], discípulo de Otto v. Gierke e influenciado por Weber, que
era considerado um dos poucos juristas de tendências de esquerda [70].
Em
9 de julho de 1919, a Assembléia ratificaria o Tratado de Versalhes (verdadeiro
Diktat) – que, pelas duras penalidades e indenizações econômicas que
impôs à Alemanha, representaria um outro fator determinante do colapso de
Weimar em 1933 (após o golpe final desferido pela Crise de 1929) – e, em 11 de
agosto de 1919, restava promulgado o novo texto constitucional da república
alemã (agora, uma República Federativa, formada por 17 Länder).
2.2.o
texto da Constituição de Weimar de 1919
A
Constituição Alemã de 1919 era composta por 165 artigos (excetuando-se as
disposições transitórias), divididos em dois livros: Livro I, relativo à
"Estrutura e Fins da República" e o Livro II, pertinente aos
"Direitos e Deveres Fundamentais do Cidadão Alemão". O Livro I, por
sua vez, ao dispor sobre a estrutura e as finalidades da República, dividia-se
em 7 (sete) capítulos, quais sejam: Capítulo I (A República e os estados);
Capítulo II (O Parlamento); Capítulo III (O Presidente da República e o Governo
Federal); Capítulo IV (O Conselho da República); Capítulo V (A Legislação da
República), Capítulo VI (A Administração de República) e Capítulo VII (A
Administração da Justiça).
Já
o Livro II do texto constitucional de Weimar, que estabelecia os direitos e os
deveres fundamentais do cidadão alemão, possuía os seguintes capítulos:
Capítulo I (A pessoa individual); Capítulo II (A vida social); Capítulo III (Religião
e agrupamentos religioso); Capítulo IV (Educação e escola) e Capítulo V (A vida
econômica).
O
Livro I, enquanto veiculador da organização do Estado, da estruturação de seus
órgãos e dos limites de atuação dos Länder em face do Reich e de
cada um dos Poderes Políticos em relação aos demais, não traz maiores inovações
eis que, em regra, os textos políticos destinam-se a estabelecer prescrições de
tal natureza [71].
Foi
sobre livro II, no entanto (que compreende os artigos 109 a 165), que incidiu
maior parte da atenção dos estudiosos. Não faltaram críticas aos direitos e
garantias nele constantes. Técnicas de hermenêutica foram aprimoradas para
permitir que os direitos fundamentais conferidos por estes dispositivos ao povo
alemão pudessem alcançar nível mais elevado de concretização. Chegou-se também
a sustentar que a Constituição alemã possuía uma contradição absoluta entre
seus dois livros, que estabeleciam uma organização liberal de Estado, de um
lado, e conferiam direitos de natureza socialista, de outro (Schmitt).
O
fato, no entanto, é que o rol sistematizado de direitos constante do Livro II
da Constituição de Weimar, ao garantir tanto liberdades públicas como
prerrogativas de índole social, notabilizou e celebrizou a Constituição Alemã
de 1919, que, não obstante suas imperfeições – inerentes à toda obra humana –,
inspirou textos constitucionais por todo o mundo, inclusive no Brasil
(Constituição de 1934).
Não
obstante seja o Livro II dividido em cinco capítulos temáticos (A pessoa
individual; A vida social; Religião e agrupamentos religiosos; Educação e
escola e A vida econômica), revela-se incompleto o estudo que, partindo apenas
da análise dos respectivos títulos, pretenda classificar, a priori,
quais as dimensões de direitos fundamentais foram contempladas em cada um
desses capítulos.
É
que o Capítulo II, por exemplo – que tem como tema central "A vida
social" –, não apenas dispõe, ao contrário do que pode parecer, sobre
direitos fundamentais de índole social, possuindo, também, prescrições de
natureza eminentemente liberal, consagradoras das chamadas liberdades públicas,
tal como aquela referente ao direito de petição (Capítulo II, art. 126).
Desse
modo, apesar de a Constituição de Weimar possuir, como característica, a
organização e sistematização de seus preceitos (ao contrário do que se verifica
na Constituição Mexicana), ainda assim as diversas espécies de direitos
fundamentais encontram-se dispersas no corpo do texto constitucional,
devendo-se, portanto, para identificá-las, proceder a um exame de cada um dos
165 artigos da referida Carta Política.
Desse
modo, dentre o extenso rol de direitos fundamentais de primeira geração
constantes da Constituição de Weimar, destacam-se os seguintes: direito à
igualdade (art. 109); igualdade cívica entre homens e mulheres (art. 109, §
1º); direito à nacionalidade (art. 110); liberdade de circulação no território
e para fora dele (arts. 111 e 112); direito das minorias de língua estrangeira
(art.113); inviolabilidade de domicílio (art. 115); irretroatividade da lei
penal (art. 116); sigilo de correspondência e de dados telegráficos ou
telefônicos (art. 117); liberdade de manifestação do pensamento (art. 118);
vedação à censura, exceto para proteger a juventude e para combater a
pornografia e a obscenidade [72] (art. 118, § 1º); proteção ao
matrimônio e à família (art. 119) [73]; igualdade jurídica entre os
cônjuges (art. 119); igualdade entre filhos havidos na constância ou fora do
matrimônio (art. 121); liberdade de reunião (art. 123); liberdade de associação
(art. 124); direito ao voto secreto (art. 125); direito de petição ao Poder
Público (art. 126); igualdade de acesso aos cargos públicos (art. 128); direito
adquirido e reivindicáveis perante o Poder Judiciário, em tema aspirações
patrimoniais de servidores públicos e soldados de carreira (art. 129,
"caput" e § 3º); liberdade de consciência e crença religiosa (art.
135); separação Estado/Igreja (art. 137); liberdade de associação religiosa
(art. 137, § 1º) e liberdade de sindicalização (art. 159).
Dentre
os direitos de segunda dimensão – que conferem o caráter social à Constituição
de Weimar – devem-se destacar as seguintes garantias: proteção e assistência à
maternidade (arts. 119, § 2º e 161); direito à educação da prole (art. 120);
proteção moral, espiritual e corporal à juventude (art. 122); direito à pensão
para família em caso de falecimento e direito à aposentadoria, em tema de
servidor público (art. 129); direito ao ensino de arte e ciência (art. 142);
ensino obrigatório, público e gratuito (art. 145); gratuidade do material
escolar (art. 145); direito a "bolsa estudos", ou seja, à
"adequada subvenção aos pais dos alunos considerados aptos para seguir os
estudos secundários e superiores, afim de que possam cobrir a despesa,
especialmente de educação, até o término de seus estudos" (art. 146, §
2º); função social da propriedade [74]; desapropriação de terras,
mediante indenização, para satisfação do bem comum (art. 153, § 1º); direito a
uma habitação sadia (art. 155); direito ao trabalho (arts. 157 e art.162);
proteção ao direito autoral do inventor e do artista (art. 158); proteção à
maternidade, à velhice, às debilidades e aos acasos da vida, mediante sistema de
seguros, com a direta colaboração dos segurados (Art. 161 - previdência
social); direito da classe operária a "um mínimo geral de direitos
sociais" (art. 162); seguro desemprego (art. 163, § 1º) e direito à
participação, mediante Conselhos – Conselhos Operários e Conselhos Econômicos
–, no ajuste das condições de trabalho e do salário e no total desenvolvimento
econômico das forças produtivas, inclusive mediante apresentação de projeto de
lei (art. 165).
Registre-se,
por oportuno, que, tal como ocorre com a Constituição Mexicana de 1917, também
um aspecto da Constituição de Weimar costuma ser desconsiderado pela doutrina:
a existência, no corpo de seu texto, de dispositivo destinado, unicamente, a
contemplar direitos fundamentais de terceira dimensão.
Com
efeito, o art. 150 da Constituição da República Alemã de 1919, ao dispor que
"Os monumentos de arte, históricos e naturais, bem como a paisagem, gozam
da proteção e incentivo estatais", positivou, em sede constitucional,
típicos direitos de terceira dimensão, titularizados por toda a coletividade, e
consistentes na garantia de preservação do meio ambiente ("monumentos
naturais" e "paisagem") e de conservação dos patrimônios
históricos e culturais ("monumentos históricos" e "monumentos de
arte").
3.UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS TEXTOS DA
CONSTITUIÇÃO MEXICANA E DA CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR
Inicialmente,
procederemos a um cotejo das disposições constantes de cada uma dessas Cartas
Políticas, relativamente aos direitos fundamentais de primeira dimensão:
Direitos
Fundamentais de Primeira Dimensão. |
Constituição
Mexicana de 1917 |
Constituição
de Weimar de 1919 |
Direito
à igualdade |
Art.
4º |
Art.
109 |
Liberdade
de circulação no território nacional e para fora ele |
Art. 11 |
Arts.
111 e 112 |
Direitos
das minorias |
_ |
Art.
113 |
Inviolabilidade
de domicílio |
Art.
16 |
Art.
115 |
Irretroatividade
da lei penal |
Art.14 |
Art.
116 |
Sigilo
de correspondências |
Art.
16 § 2º |
Art.
117 (incluídos os sigilos aos dados telegráficos e telefônicos) |
Liberdade
de manifestação do pensamento |
Art. 6º |
Art.
118 |
Vedação
à censura |
Art.
7º |
Art.
118, § 2º (exceto na proteção à juventude e no combate à pornografia) |
Proteção
ao matrimônio e à família (garantias institucionais) |
_ |
Art.
119 |
Igualdade
jurídica entre cônjuges |
_ |
Art.
119 |
Igualdade
jurídica entre filhos havidos na constância ou fora do matrimônio |
_ |
Art.
121 |
Liberdade
de reunião e associação |
Art. 9º |
Arts.
123 e 124 |
Direito
de petição ao Poder Público |
Art.
8º |
Art.
126 |
Igualdade
de acesso aos cargos públicos |
- |
Art.
128 |
Direitos
adquiridos |
_ |
Art.
129, "caput" e § 3º (relativamente a pretensões pecuniárias
relativas a servidores públicos e soldados de carreia |
Liberdade
de consciência e crença religiosa |
Art.
24 |
Art.
135 |
Separação
Estado/Igreja |
Art.130 |
Art.
137 |
Proibição
à escravidão |
Art
2º |
_ |
Princípio
do juiz natural e proibição de juízo de exceção |
Art.
13 |
_ |
Devido
processo |
Art.
14 § 1º |
_ |
Vedação
ao exercício arbitrário das próprias razões |
Art.
17 |
_ |
Acesso
gratuito ao Poder Judiciário |
Art.
17 § 1º |
_ |
Vedação
de prisão por dívida |
Art.
17, § 3º |
_ |
Princípio
do "non bis in idem" em matéria criminal |
Art.
23 |
_ |
Do exame do quadro acima,
pode-se perceber que as duas Constituições tiveram percepção semelhante no que
se refere à necessidade de não apenas abranger-se a proteção constitucional aos
direitos de índole social, mas, também, de se preservar-se o conteúdo das
liberdades públicas já alcançadas.
Não
há nada de discrepante entre os dois textos constitucionais em exame
(Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar de 1919) que indique
que qualquer um desses diplomas (frutos, respectivamente, de uma revolução
camponesa e de uma assembléia constituinte convocada em meio à profunda crise
econômica e a perturbações sociais também imputáveis à ameaça
socialista) tendesse, desde seu início, à instituição de regimes autoritários.
Pelo
contrário, o quadro acima reflete que o rol das liberdades públicas foi
ampliado nos textos Mexicanos e de Weimar, cabendo destacar, por sua vanguarda,
dispositivo da Constituição de Weimar que assegurava a igualdade entre filhos,
havidos na constância do matrimônio ou não.
Chama
a atenção, no entanto, a ausência, no texto de Weimar, de dispositivos
integrantes do chamado "direito processual constitucional",
consistentes nos princípios básicos do devido processo legal e do juiz natural.
Nada há, no entanto, como já acentuado, que indique o caráter proposital dessa
"lacuna".
Já
no que se refere aos direitos de segunda dimensão, pode-se perceber uma nítida
diferenciação entre os dois textos, no que se refere aos temas sociais
prioritários, eleitos pelos diplomas Constitucionais para os fins de
outorgar-se especial proteção.
Com
efeito, pode-se observar que a Constituição Mexicana – apesar de ter
reconhecido outros direitos, como o direito à educação (art. 3º), à saúde (art.
4º, § 2º) e o direito à moradia (art. 4º, § 3º) – concentrou-se, de maneira
sensível – e até mesmo em razão de sua origem –, na solução das questões
agrárias (art. 27) e dos direitos trabalhistas (art. 123).
Os
direitos sociais fulcrais no ordenamento jurídico mexicano são o reconhecimento
da função social da propriedade e da possibilidade de esta ser distribuída
através de desapropriação, de um lado, e a outorga de especial proteção ao
trabalhador, inclusive mediante a instalação de um regime de previdência
social, de outro.
Na
realidade, uma análise dos textos constantes dos arts. 27 e 123 revelam que
todos os demais direitos ali elencados decorrem, materialmente, do direito de
proteção ao trabalho, de um lado, e da função social da propriedade, de outro.
Esse
aspecto, por óbvio, não pode, de maneira alguma (e nem aqui se pretende isso),
desqualificar o texto constitucional mexicano, indubitavelmente a Constituição
que, cronologicamente, instaurou a fase do constitucionalismo social, ao
prever, em seu corpo, ao lado das liberdades clássicas, direitos fundados na
essencial igualdade material dos indivíduos, garantindo, aos camponeses, a
possibilidade de obtenção de terra mediante sua redistribuição pelo Governo e o
respeito à pequena propriedade rural e assegurando, aos trabalhadores, direitos
mínimos, como aqueles relativos à jornada de trabalho, à fixação de um salário
mínimo, à especial proteção conferida aos ambientes de trabalho periculosos ou
insalubres, à participação nos lucros das empresas, à proteção à trabalhadora
gestante e à possibilidade de se submeter as controvérsias decorrentes do
contrato de trabalho a um órgão de julgamento neutro, composto por igual número
de representantes de trabalhadores e patrões e por um membro do governo. Os
avanços alcançados pela Constituição Mexicana de 1917 em tema de direito
agrário e de direito do trabalhador são, portanto, irrecusavelmente notáveis.
Deve-se
destacar, no entanto, que apesar da primazia cronológica mexicana em tema de
positivação constitucional de direitos de natureza social, a abrangência e a
extensão nas quais esses direitos foram consagrados (com enfoque nas questões
agrárias e trabalhistas) fizeram com o exemplo Mexicano, não obstante inspirador,
culminasse por configurar um modelo de referência quase que regional, muito
adequado à realidade daquele país, mas pouco universalizante.
Com
efeito, as reivindicações concernentes à necessidade de se conferir especial
proteção aos trabalhadores em geral, consoante se observou do breve relato do
contexto histórico do pós-guerra, eram praticamente global, ao menos em tema de
mundo ocidental (até mesmo em face do exemplo e da ameaça soviéticas).
O
advento de uma nova classe operária, mais organizada em função de seus
interesses, foi conseqüência de um processo de industrialização da produção
que, em uma ou outra medida e em graus diversos de intensidade, atingiu a quase
totalidade dos países europeus e americanos, o que fez com que reivindicações
de direitos trabalhistas fossem uma constante na época.
Sob
tal aspecto, a Constituição Mexicana desempenhou papel de vital importância,
pois, não apenas reconheceu direitos, mas, também, conferiu-lhes estatura
constitucional, tudo a significar a especial proteção de que seriam titulares.
Irretocáveis,
no ponto, as palavras de Karl Loewenstein [75]:
"Como
postulados expressamente formulados, os Direitos Fundamentais socioeconômicos
não são absolutamente novos: alguns deles, como o direito ao trabalho, foram
inscritos nas Constituições Francesas de 1793 e 1848. Mas foi apenas em nosso
século, depois da primeira e, em maior grau ainda, depois da segunda guerra
mundial, que se converteram no equipamento-padrão do constitucionalismo. Foram
proclamados pela primeira vez na Constituição Mexicana de 1917, que, com um
salto, se poupou todo o caminho para realizá-los: todas as riquezas naturais
foram nacionalizadas e o Estado assumiu completamente, pelo menos no papel, a
responsabilidade social para garantir uma existência digna a cada um de seus
cidadãos".
Deve-se
registrar, no entanto, a advertência de Mario de la Cueva, que, ao colocar em
destaque a falta de originalidade do art. 123 da Constituição Mexicana, afirma
que a maioria das disposições ali contidas já eram conhecidas de outros povos.O
legislador mexicano, segundo ele, inspirava-se visivelmente nas experiências de
países como França, Bélgica, Itália, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia
[76].
A
circunstância de que o conteúdo material das prescrições trabalhistas
veiculadas pela Constituição Mexicana já havia sido contemplado em outros
textos legais europeus, associado, ainda, ao fato de que, na Europa, a questão
agrária, de longe, não assumia as feições com que ela se registrava no México,
culminaram por fazer com que a Constituição Mexicana tivesse, ela própria,
pouca influência na confecção das outras constituições que aderiram ao modelo
do constitucionalismo social.
Utilizando-se
de expressão constante do texto de Loewenstein, pode-se afirmar que a
Constituição Mexicana, apesar de cronologicamente pioneira, culminou por não
assumir a condição de "equipamento-padrão", inspirador e conformador
dos textos constitucionais posteriores.
A
questão dos direitos trabalhistas, de grande relevância na época, não era nova
nos países Europeus (não obstante tais prescrições não contivessem, tão
detalhadamente, de textos constitucionais). Também o tratamento dado à questão
agrária mexicana, por peculiar, não poderia ser estendido, de maneira
irrestrita, às futuras Constituições.
Adicione-se
a isso, ainda, a existência, à época, de poucos doutrinadores mexicanos que, ao
analisarem a Constituição de 1917, difundissem, por suas obras, as conquistas
sociais alcançadas em continente americano. Como resultado, tem-se a pouca
repercussão, fora daquele país, do texto constitucional mexicano.
Ao
contrário disso tudo, a Constituição de Weimar, que nascia dois anos após,
previa, ao lado dos direitos dos trabalhadores e do estabelecimento da função
social da propriedade, um rol sistematizado de outros direitos, do qual se
destacam, por exemplo, o avançado sistema de educação pública, obrigatória e
gratuita, que previa, inclusive, a gratuidade do material escolar e a subvenção
de famílias carentes para que seus filhos possam ir à escola (arts. 145 e 146).
O sistema de previdência social, por sua vez, foi estabelecido de maneira mais
organizada e explícita, com previsão de participação do segurado (art. 161),
sendo, ainda, dividido em regime de previdência do setor público – para
funcionários públicos (art. 129) – e regime geral de previdência (art. 161).
Estabeleceu-se, também, como meio de incentivo à pesquisa, o direito à proteção
autoral do inventor e do artista (art. 158).
O
Capítulo V da Constituição de Weimar, por sua vez, ao tratar sobre "A vida
econômica",estabeleceu, ao lado de prescrições como a pertinente à função
social da propriedade (art. 153) e à criação de um regime previdenciário (art.
161), um sistema de participação de empregados ("de todos os grupos
profissionais importantes") na condução das políticas de
"desenvolvimento econômico das forças produtivas". (art. 165).
Essa
participação era concretizada através dos celebrizados Conselhos Operários (que
se organizavam, em termos de abrangência, da seguinte maneira: conselho
operário de empresa, conselho operário de circunscrição e Conselho Supremo do
Trabalho, além dos Conselhos Econômicos de circunscrição e do Conselho Supremo
de Economia).
Nos
termos da Constituição Alemã, "todos os projetos de leis político-sociais
ou político-econômicos, de importância fundamental, devem passar pelo
conhecimento do Conselho Supremo de Economia, antes de serem apresentados"
(art. 165, § 2º). O Conselho Superior de Economia, ele próprio, também tinha
poderes para apresentar projetos de lei de sua iniciativa.
Através
da instituição dos Conselhos, a Constituição de Weimar reconheceu não apenas a
necessidade de intervenção estatal em determinadas esferas, para os fins de
viabilizar a fruição, por um maior número de pessoas, dos direitos fundamentais
por ela previstos, mas estabeleceu, também, que os termos, as medidas e os
modos com os quais essa intervenção se efetivaria deveriam contar com o apoio,
o respaldo e a opinião das categorias econômicas envolvidas.
As
prescrições de direitos fundamentais sociais constantes da Constituição de
Weimar, desse modo, parecem concretizar preocupações de caráter menos regional
e mais abstratas e universalizantes [77], mais adaptáveis, portanto,
à realidade de outros países e, por isso mesmo, mais inspiradora.
Adicione-se
a isso tudo, o fato de que a Constituição de Weimar veio acompanhada e
enriquecida por um intenso debate, travado entre nomes de peso (como, por
exemplo, Schmitt, Kelsen, Heller, Anschütz, Smend, entre outros tantos), que,
seja criticando, seja preservando, culminou por dar expressão e divulgar a
experiência alemã para o restante do mundo.
Parecem
irretocáveis, desse modo, as palavras de Ary Brandão de Oliveira, que, o tratar
referir-se à Constituição Mexicana de 1917, assim se pronunciou [78]:
Efetivamente,
seria faltar à verdade afirmar uma repercussão que inexistiu. Em termos
genéricos, a Europa desconheceu a legislação mexicana. As atenções do mundo
jurídico se voltaram para a Constituição alemã de Weimar, a cuja promulgação
seguiu-se vigorosa literatura. Nesse particular, a avançada posição mexicana
viu-se prejudicada pela escassez de estudos doutrinários a seu respeito".
Também
nessa linha é o entendimento de Dario José Kist [79], para quem
embora seja a Constituição Mexicana "um dos primeiros marcos da legislação
social", a "principal das legislações constitucionais de cunho social
que apareceram foi a Constituição Alemã de 1919", eis que o advento do
diploma constitucional mexicano se deu "sem maiores expressões e
influências fora do México".
4.CONCLUSÃO
De
todo o exposto, conclui-se que a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição
de Weimar de 1919 devem sempre ser lembradas, ambas, como os primeiros textos
constitucionais que efetivamente concretizaram, ao lado das liberdades
públicas, dispositivos expressos, impositivos de uma conduta ativa por parte do
Estado, para que este viabilize a plena fruição, por todos os cidadãos, dos
direitos fundamentais de que são titulares.
Um
outro aspecto importante e pouco lembrado das Constituições Mexicana e Alemã
(1919) é a expressa referência, delas constante, à garantia de direitos
fundamentais de terceira dimensão, como aqueles pertinentes à proteção ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
A
importância desses dois textos constitucionais, portanto, é notável, vez que
dão início a uma nova fase do constitucionalismo (fase esta ainda em discussão
e novamente posta em questionamento), que é a fase do constitucionalismo
social.
Advirta-se,
por oportuno, que nenhum desses textos deve ser analisado pelos resultados que
efetivamente gerou, eis que, como se sabe, a Constituição de Weimar teve vida
breve (até 1933), tendo assistido ao advento do regime nazista, e o diploma
Mexicano, embora em regime de plena vigência, têm questionados, por alguns
doutrinadores, seus atributos de identidade e rigidez constitucional, ante a
numerosa quantidade de reformas a que já foi submetido.
Feitas
essas considerações, e não deixando de colocar em destaque a importância
histórica e política dessas duas notáveis Constituições, não se pode deixar de
atribuir à Weimar a qualidade de texto constitucional preponderante em
tema de inauguração da fase do constitucionalismo social.
Na
realidade, coube a Weimar ser o "equipamento-padrão" [80]
que motivou, influenciou e conformou a elaboração de Constituições, que, por
todo o mundo, passaram, agora, a sistematizar, em seus textos, disposições
pertinentes aos direitos econômicos e sociais dos indivíduos, bem assim relativas
à maneira como deve atuar o Estado na implementação de tais garantias.
Essa
preponderância de Weimar sobre a Constituição Mexicana, cronologicamente
anterior, deve-se não apenas à circunstância de se tratar de uma constituição
promulgada em solo europeu (e não em longínquas terras americanas), mas,
também, à natureza mais abstrata e menos "local" de suas prescrições
e à força, autoridade e vivacidade da doutrina constitucional alemã da época,
que fez correr pelo mundo as vitórias e as vicissitudes do novo texto
republicano de 1919.
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NOTAS
01GONET
BRANCO, Paulo Gustavo, in: MENDES, Gilmar Ferreira/ COELHO, Inocêncio
Mártires/ GONET BRANCO, Paulo Gustavo, Hermenêutica constitucional e
direitos fundamentais, 1ª ed., 2º tir., Brasília, Brasília Jurídica, 2002,
p. 104.
02
Na realidade, tal como enfatizaremos no corpo do presente trabalho, e até mesmo
em função da complementaridade que é inerente às diversas categorias de
direitos fundamentais, tais direitos – para que sejam reais e efetivos, e não
apenas abstratos – sempre devem vir acompanhados da noção de Estado
Democrático. É por tal razão que não se considerará, no presente estudo, e em
tema de constitucionalismo social, as diversas Constituições outorgadas no
âmbito da União Soviética, nas quais, a pretexto de se proteger direitos de
índole social, aniquilaram-se as liberdades públicas dos cidadãos.
03
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 3ª ed., Coimbra,
Coimbra Editora, 2000, tomo IV, p. 22. Nesse mesmo sentido: MORAES, Alexandre
de. Direitos Humanos Fundamentais, 5ª ed., São Paulo, Atlas, 2003.
Segundo Afonso Arinos de Mello Franco (Curso de direito constitucional
brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 1958, vol. I, p. 188), "não se
pode separar o reconhecimento dos direitos individuais da verdadeira
democracia...".
04
Deve-se destacar que nem todos os autores distinguem o conceito desses três
termos. Paulo Gustavo Gonet Branco, p. ex., distingue apenas os direitos
humanos dos direitos fundamentais, aqueles primeiros sendo sinônimos dos
direitos do homem. GONET BRANCO, Paulo Gustavo, opus cit., p. 125.
Alexandre de Moraes (MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
5ª ed., São Paulo, Atlas, 2003) e Manoel Gonçalves Ferreira Filho (FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais, São Paulo,
Saraiva, 1996), por sua vez, preferem, como bem o dizem os títulos de suas
respectivas obras, a expressão direitos humanos fundamentais. Canotilho fala em
"direitos fundamentais formalmente constitucionais" e "direitos
materialmente fundamentais", representando, aqueles, os direitos
reconhecidos e consagrados por normas de estatura constitucional e, estes
últimos, os outros direitos fundamentais, constantes de outras leis ou de atos
internacionais (GOMES CANOTILHO, Joaquim José. Direito Constitucional,
6ª ed.,Coimbra, Almedina, 1996, p. 528). José Afonso da Silva, de seu turno,
entende que a expressão ideal seria "direitos fundamentais do homem"
(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª
ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 176).
05
SARLET, Ingo. A eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre,
Livraria do Advogado, 1998, p. 32.
06
Após uma análise sobre as diversas posições no tema, Bruno Galindo culmina
apenas por distinguir direitos humanos (ou direitos do homem) e direitos
fundamentais, estes últimos representando todos os direitos e garantias
positivados seja em sede constitucional doméstica, seja no âmbito
internacional: GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: análise de sua
concretização constitucional, Curitiba, Juruá, 2003, p.47/49.
07 Cf. também, sobre o
assunto, Jorge Miranda: ".. . a locução ‘direitos fundamentais’ remonta
principalmente a Constituição de Weimar e tende agora a generalizar-se. Usam-na
entre tantas, Constituições como a alemã (...), a moçambicana (...), a angolana
(...), a espanhola (...) ou a búlgara (...) – assim como a portuguesa (...).
Explicam esse fenômeno o ultrapassar da concepção oitocentista dos direitos e
liberdades individuais e, sobretudo, o enlace entre direitos e Constituição.
Porque constantes da Lei Fundamental, são os direitos fundamentais aqueles
direitos que assumem também a específica função que a Constituição vem
adquirindo na Europa e no resto do mundo, ao longo dos últimos cinqüenta anos –
em resultado de preceitos expressos, do papel proveniente da justiça
constitucional e de uma crescente consciência difundida na comunidade
jurídica" (MIRANDA, Jorge. opus cit., p. 51/52).
08
Em sentido contrário ao do texto, o Professor Sérgio Resende de Barros expressamente
rejeita a distinção terminológica ora proposta. BARROS, Sérgio Resende de. Direitos
Humanos. Paradoxo da Civilização, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 37/38.
09
Frise-se, por relevante, que essa distinção não faz com que os três referidos
conceitos sejam estanques. Há interação. Os direitos humanos internacionais
muitas vezes encontram matizes nos direitos consagrados pelos Estados e estes,
por sua vez, muitas vezes positivam em suas constituições normas de direitos
relativos à pessoa humana constantes de diplomas internacionais. Daí a
importância, por exemplo, da Declaração Universal de 1948, que inspirou muitas
constituições do pós-guerra.
10.
Constituição Norte-Americana de 1787 e Constituição Francesa de 1791. Não se
ignora a importância de documentos como Magna Carta (1215), a Petition Right
(1628), a Habeas Corpus Act, (1679) e a Bill of Rights (1689).
Repita-se, no entanto, que os objetivos – limitados, é certo – do presente
trabalho centram-se na análise de textos constitucionais, para, a partir deles,
estudar-se a passagem do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo
social.
11
Basta apenas lembrar, para tanto, por exemplo, que a Constituição Imperial do
Brasil, de 1824, já previa o direito à educação, típico direito de natureza
social.
12.
VAZ DA SILVA, Floriano Corrêa. Direito Constitucional do Trabalho, São
Paulo, LTR, 1977, p. 35.
13
Alguns exemplos de Constituições Liberais que continham dipositivos sociais:
Constituição da Venezuela de 1812 (Constituição da Província de Barcelona),
art. 23 (proteção ao trabalho e "seguro-desemprego"), Constituição
Francesa de 1848, art. 13 (assegurou o direito ao trabalho e a garantia ao
trabalho), Constituição Suíça de 1874, art. 34 (previa o direito da
Confederação, e não dos Cantões, de editar normas uniformes sobre o trabalho
das crianças nas fábricas, jornada de trabalho dos adultos e proteção ao
trabalhador nas hipóteses de exercício de atividade perigosa ou insalubre).
Cf., sobre o direito ao trabalho na Constituição Francesa de 1848: LAVIGNE,
Pierre. Le Travail dans les Constitutions Françaises 1789-1945, Paris,
Recuel Sirey, 1939; MORAES, Alexandre de. opus cit., p. 29.
14
Alexandre de Moraes, ao analisar a Lei Fundamental Soviética, afirma que
"apesar desses direitos, a citada Lei Fundamental Soviética, em
determinadas normas, avança em sentido oposto à evolução dos direitos e
garantias fundamentais da pessoa humana...". MORAES, Alexandre de. opus
cit., p. 31.
15
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, art. 5º.
16
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos, 2ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 184/186.
17
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 1987, p. 53.
18
Cf., sobre o atributo da complementaridade dos direitos fundamentais: MORAES,
Alexandre de. opus cit., p. 41; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves/
GRINOVER, Ada Pellegrini/ CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Liberdades Públicas –
parte geral, São Paulo, Saraiva, 1978, p. 80.
19
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 12ª ed., São Paulo,
Malheiros, 2002, p. 525.
20
MIRANDA, Jorge. opus cit., p. 32.
21
No sentido do texto: SARLET, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.
Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p. 47; GALINDO, Bruno. opus cit., p.
58. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A dimensão processual dos direitos
fundamentais e da Constituição, in Revista de Informação
Legislativa, nº. 137, Janeiro/Março, 1998, p. 14.
22
Outro bom exemplo da recíproca interação verificada entre as sucessivas
gerações de direito é dada por Willis Santiago Guerra Filho. Segundo ele, o
direito de propriedade, hoje, (direito de primeira dimensão), deve exercer sua
função social (interpretação segundo os direitos de segunda dimensão),
cuidando-se, ainda, de atender à preservação do meio-ambiente (interpretação
conforme os direitos de terceira dimensão). GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo
Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo, Celso Bastos, 1999,
p. 40.
23
Neste sentido, irretocáveis as palavras de Vieira de Andrade: "(...) as
idéias de igualdade e de fraternidade, em parte significativa introduzidas na
luta histórica pela crítica marxista e socialista do regime econômico e social
do capitalismo e pelo pensamento social cristão, desenvolveram-se, impuseram-se
e, harmonizadas com a liberdade fundamental, deram origem a uma
‘concepção liberal moderna’ ou concepção social dos direitos fundamentais, que
corresponde à realidade vigente na generalidade dos países da Europa Ocidental,
a que se convencionou chamar ‘Estado-de-Direito Social’". VIEIRA DE ANDRADE,
José Carlos. opus cit., p. 54 (grifo nosso).
24
Interessante observar que o Professor Jorge Miranda, em obra por ele organizada
(MIRANDA, Jorge. Textos Históricos do Direito Constitucional, 2ª ed.,
Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990, p. 247/293 e 295/317),
incluiu, no capítulo destinado à "Transição para o Estado Social de
Direito" (Capítulo VI), unicamente, as Constituições Mexicana e de Weimar,
tendo sido dedicado, à Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado
e à primeira Constituição Soviética, um capítulo à parte (Capítulo VII),
intitulado "A Revolução Soviética".
25 FIX-ZAMUDIO, Héctor/ CARMONA,
Salvador Valencia. Derecho Constitucional Mexicano y Comparado, 2ª ed.,
México/DF, 2001, Porrúa, p. 89/90. Cf., também, Néstor de Buen (BUEN, Néstor
de. Derecho del Trabajo, México, Porrúa, 1977, vol. I, p. 232),
que afirma não poder a Constituição Mexicana ser dissociada da "filosofia
da Revolução que lhe deu vida".
26
MORENO, Daniel. Derecho Constitucional Mexicano, Cidade do México,
Porrúa, 1973, p. 227.
27
Para breve relato histórico da Revolução Mexicana, Cf. COMPARATO, Fábio Konder.
opus cit., p. 183/184. Para aprofundado relato sobre os antecedentes
históricos de todas as Constituições Mexicanas: HELÚ, Jorge Sayeg. El Constitucionalismo Social
Mexicano – La integración constitucional de México (1808-1988), México, Fondo de Cultura
Económica, 1991.
28
Propriedades coletivas de origem indígena.
29
Não obstante a luta revolucionária tenha se insurgido contra a ditadura
presidencial de Díaz, a Constituição Mexicana de 1917 culminou por conferir
amplíssimos poderes à figura do Presidente da República. Miguel Carbonell
(CARBONELL, Miguel. Estado
Constitucional y Fuentes del Derecho en México: notas para su estudio", in Revista Quadrimestrale
Sociología del Diritto, nº 02/2003, p.88) afirma que o Presidente Mexicano
dispõe de poderes que "en otro país serían propias de un
cuasi-dictador", e cita o seguinte trecho de discurso, proferido na
tribuna da Assembléia Constituinte: "en España, señores, a pesar de que
hay un rey, yo creo sinceramente que aquel rey había de querer ser presidente
de la República Mexicana, porque aquí tiene más poder el presidente que un rey,
que un emperador".
30
Tornou-se célebre o lance ousado de Zapata, que vai disfarçado à Cidade do
México para uma audiência com o Presidente, na busca de obter a legalização de
seu Exército de Libertação do Sul. O Presidente Madero, no entanto, recusou-se
a negociar.
31
FIX-ZAMUDIO, Héctor/CARMONA, Salvador Valencia. opus cit., p. 91.
32
Sobre a influência anarcossindicalista da Constituição Mexicana de 1917, cf:
COMPARATO, Fabio Konder. opus cit., p. 183; KIST, Dario José.
O Estado Social e o surgimento dos Direitos Fundamentais de Segunda Geração,
in Revista da AJURIS n° 80/2000, p. 95.
33
"A transformação desse ideário em normas constitucionais, no entanto,
produziu um efeito político exatamente contrário ao objetivo visado, pela
primeira vez, na movimentada história do caudilhismo mexicano, criou-se uma
sólida estrutura estatal, independente da figura do chefe de Estado, ainda que
a Constituição o tenha dotado de poderes incomensuravelmente maiores do que o
texto constitucional norte-americano atribuiu ao presidente da república. O
ideário anarquista de destruição de todos os centros de poder engendrou
contraditoriamente, a partir da fundação do Partido Revolucionário
Institucional em 1929, uma estrutura monocrática nacional em substituição à
multiplicidade de caudilhos locais". COMPARATO, Fabio Konder., opus cit.,
p. 183/184".
34
HELÚ, Jorge Sayeg. opus cit., p. 600.
35
HELÚ, Jorge Sayeg., opus cit., p. 604.
36
Idem ibidem.
37
HELÚ, Jorge Sayeg., opus cit., p. 605.
38
HELÚ, Jorge Sayeg., opus cit., p. 606.
39
HELÚ, Jorge Sayeg. opus cit., p. 607.
40
A questão relativa não apenas à proibição de reeleição (que pressupõe a
recondução no cargo sem solução de continuidade), mas referente, também, à
impossibilidade de que aquele que foi Presidente volte a desempenhar este mesmo
cargo reflete, como já analisado, as angústias revolucionárias contra o
"porifiriato".
41
Garantia institucional, na linha de Schmitt, eis que não protege o indivíduo
enquanto tal, mas, unicamente, enquanto membro de determinada instituição, esta
sim, protegida imediatamente.Sobre o pensamento de Schmitt sobre as garantias
institucionais, Cf. SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitutión, Madrid, Alianza Editorial, 1982. O
tema també é analisado, entre outros, por Gilberto Bercovici (BERCOVICI,
Gilberto. Entre o Estado Total e o Estado Social. Atualidade do debate sobre
direito, Estado e economia na República de Weimar. Tese de Livre-Docência
apresentada ao Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de
Direito da USP, São Paulo, 2003, p. 18/19) e Paulo Bonavides. opus cit.,
p. 494/496).
42
O dispositivo mencionado possui a seguinte redação (traduzi): "O Estado
não pode permitir que se leve a efeito nenhum contrato, pacto ou convênio que
tenha por objeto o menoscabo, a perda ou o irrevogável sacrifício da liberdade
da pessoa (...)". Esse artigo, e também as hipóteses de nulidades
contratuais absolutas, previstas no inciso XXVII, do art. 123, s.m.j., possuem
caráter pioneiro em tema de positivação, em sede constitucional, do princípio
da aplicação horizontal dos direitos fundamentais, até hoje ainda muito
discutido na doutrina e muito questionado em alguns países, como aqueles que
possuem larga tradição em tema de liberdade de contratar (os Estados Unidos, p.
ex.). Cf., sobre aplicação horizontal dos direitos fundamentais: GONET BRANCO,
Paulo Gustavo. opus cit., p. 169/180; NUNES ABRANTES; José João. A
vinculação das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, Lisboa, AAFDL,
1990; BILBAO UBILLOS, Juan Maria. La eficácia de los Drechos Fundamentales
frente a particulares, Madri, CEPC, 1997; VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos.
opus cit., p. 278; HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado,
Madri, Civitas, 1995; SARLET, Ingo Wolfgang. A Constituição Concretizada.
Construindo pontes com Público e o Privado, Porto Alegre, Livraria do
Advogado, 2002.
43
COMPARATO, Fabio Konder. opus cit., p. 186 ("nem todos os direitos
trabalhistas lá consagrados podem ser considerados, objetivamente, como
direitos humanos")
44
Mario de la Cueva põe em destaque a falta de originalidade do art. 123 da
Constituição Mexicana, afirmando que a maioria das disposições ali contidas já
eram conhecidas de outros povos. Enfatiza, no entanto, referido doutrinador,
que o caráter inovador da Constituição Mexicana consiste em que pela primeira
vez os direitos do trabalhador já reconhecidos receberam a estatura de norma
constitucional. CUEVA,
Mario de la. Derecho Mexicano del Trabajo, México, Porrúa, 1960, vol. I.
45
OLIVEIRA, Ary Brandão de. A Constitucionalização do Direito do Trabalho,
in Revista do TRT/8ª Região, v. 24, nº 46/1991, p. 66.
46 BUEN, Nestor de. Derecho del
Trabajo, México, Porrúa, vol. I, p. 232.
47 CUEVA, Mario de la. Derecho
Mexicano del Trabajo, México, Porrúa, 1960, vol. I.
48
Sobre direitos fundamentais de terceira dimensão, inclusive sobre os
questionamentos relativos à fundamentalidade, ou não, de tais direitos: GONET
BRANCO, Paulo Gustavo. opus cit., p. 111/112; LUÑO, Perez. Los
Derechos Fundamentales, Madri, Tecnos, 1993, p. 215; MORAES, Alexandre de. opus
cit., p. 45/46; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. opus cit., p. 57;
LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos – Um Diálogo com o
Pensamento de Hannah Arendt, São Paulo, Cia das Letras, 1988; SARLET, Ingo.
opus cit., p 51; BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Rio,
Editora Campus, 1992, p. 9; BONAVIDES, Paulo. opus cit., p. 522/524.
49
Segundo Comparato, 10% da população masculina da Alemanha faleceu (ou
desapareceu) durante a Primeira Guerra. COMPARATO, Fabio Konder. opus cit., p.
195.
50
Sobre as condições de vida na Alemanha durante a Primeira Guerra, Cf: BESSEL,
Richard. Germany after the
first world war,
New York, Oxford University Press, 1995, cap. I.
51
PERI GUEDES, Marco Aurélio. Estado e Ordem Econômica e Social – A
experiência constitucional da República de Weimar e a Constituição Brasileira
de 1934, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 35.
52PERI GUEDES, Marco Aurélio. opus
cit., p. 37.
53
Cf., também, sobre o contexto social da Alemanha durante a Primeira Guerra:
CARR William. A History of
Germany 1815- 1990,
London, Edward Arnold, 1991.
54
VAZ DA SILVA, Floriano Corrêa. Constitucionalismo Social, in
Curso de Direito Constitucional do Trabalho – Estudos em Homenagem ao Professor
Amauri Mascaro Nascimento, LTR, vol. I, p. 42.
55 COMPARATO, Fabio Konder. opus cit.,
p. 196.
56 RICHARD, Lionel. A
República de Weimar (1919-1933), São Paulo, Cia das Letras, 1988, p. 29/31.
57
Segundo Comparato, a abdicação do Kaiser Guilherme II e a nomeação de seu
filho, Max de Baden, foram tentativas de "abrir mão tão-só da coroa
imperial, permanecendo como rei da Prússia". COMPARATO, Fábio Konder. opus
cit., p. 196.
58
BRUNET, René. La Constitution Allemande du 11 aout 1919, Paris, Payot
& Cie, 1921, p. 32/33.
59
COMPARATO, Fábio Koder. opus cit., p. 196/198.
60 Para Dietrich Orlow (ORLOW, Dietrich. A
History of Modern Germany – 1871 to present, 3ª ed., New Jersey, Prentice
Hall, 1995, p. 121/122, apud PERI GUEDES, Marco Aurélio. opus cit.,
p. 42, nota nº. 80), tanto a nomeação de Ebert quanto a proclamação da
República foram inconstitucionais.
61
Marco Aurélio Peri Guedes esclarece que o USPD (Partido Social Democrata
Independente da Alemanha) foi uma dissidência do SPD (Partido Social Democrata
da Alemanha), ocorrida em 1917. O USPD representava a ala marxista mais
sectária do partido social democrata, este último também conhecido como
socialista majoritário ou moderado. PERI GUEDES, Marco Aurélio. opus cit., p. 43.
62
Nesse sentido: COMPARATO, Fabio Konder. opus cit., p. 197; THALMANN,
Rita. A República de Weimar, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, p. 11.
63
Sobre a escolha de Weimar para sediar a Constituinte: PERI GUEDES, Marco
Aurélio. opus cit., p. 52/53; JAMIL CURY, Carlos Roberto. A
Constituição de Weimar: Um capítulo para a educação, in Revista
Quadrimestral de Ciência da Educação, nº 63/1998, p.86; KIST, José Dario. opus
cit., p. 96.
64
Nesse sentido, Gilberto Bercovici, segundo o qual "A Constituição de
Weimar foi elaborada em um contexto político cujo equilíbrio era precário e
instável". BERCOVICI,
Gilberto. opus cit., p. 11.
65 BOURTHOUMIEUX, Ch. Fédéralisme
et Démocratie dans la Constitution de Weimar et la Loi Fondamentale de Bonn.
in Revue Internationale de Droit Comparé, janeiro/março de 1950, p. 28.
66
Sobre o mau desempenho da esquerda nas eleições para a Constituinte: MISES,
Ludwig von. Omnipotent
Government, in
www.mises.org/etexts: " At the begining of 1919 the
communists were already much less numerous than their leaders believed…".
67 Sobre a liga spartakista, Cf.:
HOLBORN, Hajo. History of Modern Germany 1840-1945, Princeton: Princeton
University Press, 1981, p. 523, apud PERI GUEDES, Marco Aurélio. opus
cit., p. 51. Marco Aurelio Peri Guedes afirma que a liga Spartakus
ou Sapartakista foi uma dissidência do Partido Comunista Alemão (KPD). Tal
dissidência foi promovida sob a liderança de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo
e buscava uma maior fidelidade ao marxismo. O movimento spartakus sempre foi um
grupo político marginal, que só se tornou conhecido com o levante spartakista
em Berlim, do qual resultou a morte de ambos os líderes, ordenada por Gustav
Noske. PERI GUEDES, Marco
Aurélio. opus cit., p. 51.
68
Para participação na Assembléia Constituinte, elegeram-se 421 representantes de
6 partidos: 44 membros da direita conservadora, 19 membros da direita
populista, 91 membros do partido católico, 75 membros do partido centrista, 165
membros da social-democracia e 22 membros da social-democracia independente.
Constata-se, pois, a absoluta fragmentação política da Assembléia, bem assim a
derrota dos partidos de esquerda. Nesse sentido: VAZ DA SILVA, Floriano Corrêa.
opus cit., p. 43; THALMANN, Rita. opus cit., p. 15; BRUNET, René.
opus cit., p. 47. Carlos Roberto Jamil Cury prefere a menção a percentuais,
afirmando que as esquerdas moderadas (o partido comunista não participou das
eleições) obtiveram 45% das cadeiras, a centro-direita 33,3% e a direita 14,7%.
Trinta e sete mulheres foram eleitas para a Constituinte. JAMIL CURY, Carlos Roberto. opus cit.,
p. 86.
69 Nesse sentido: JACOBSON, Arthur
J./SCHLINK, Bernhard. Weimar a Jurisprudence of Crises, University of
Califonia Press, 2002, p.110/111: "During the Empire, Preuss had been an
outsider among fellow scholars of the law of the state – unlike, for example,
Gerhard Anschütz, one of his generation’s few other pro-republican scholars of
state of law. Preuss was never offered a professorship at a German university;
political and scholarly reservations as well as anti-Semitic prejudice kept him
from the centers of scholarly life in the Empire. It was not an accident that
he taught at the far less respected Berlin College of Commerce, a private
school founded by the Berlin business community...".
70
A questão de a escolha de Preuss ter se fundado em sua suposta proximidade com
a esquerda da época foi enfatizada por Walter Jellinek. Apud BERCOVICI,
Gilberto. opus cit., p. 14.
71
Não se ignora que algumas instituições já tradicionais possam ter recebido tratamento
inovador por parte da Constituição de Weimar. Ao Parlamento, por exemplo, foi
concedido o direito de instalação de Comissões de Investigação (como uma CPI,
hoje), tendo sido previsto, ainda, o funcionamento de Comissões Permanentes
destinadas ao estudo de específicas matérias (arts. 34 e 35). O foco do
presente estudo, no entanto, situa-se na identificação das novas instituições
que, somente após da Constituição Alemã de 1919, passaram a constar das Cartas
Políticas modernas.
72
Interessante observar que este dispositivo da Constituição de Weimar já prevê
uma situação de colisão entre direitos fundamentais, tal como ocorre nas
hipóteses em que se opõem a liberdade de manifestação do pensamento, de um
lado, e a dignidade da pessoa humana, de outro (muitas vezes ofendida nas
hipóteses de pornografia). Admite-se, pois, que não há direitos fundamentais
absolutos, devendo-se, na hipótese de confronto entre eles, estabelecer
restrições que conciliem os dois valores em situação de conflituosidade. Ou
seja, fixa-se a regra no sentido da impossibilidade da censura (o que põe em
destaque a liberdade de expressão), admitindo-se, excepcionalmente, que, nas
hipóteses de combate à pornografia, tal instrumento possa ser utilizado. Cf.,
sobre o conflito entre liberdade de expressão e o combate à pornografia e ao
"hate speach" (discursos de ódio racial): FISS, Owen. The Irony of Free Speech. Cambridge,. Harvard University
Press, 1996.
73
Cf., sobre "garantias institucionais" idealizadas por Carl Schmitt,
nota de rodapé nº41.
74
Art. 153, § 2º: "A propriedade impõe obrigações. Seu uso deve constituir,
ao mesmo tempo, um serviço para o mais alto interesse comum".
75 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de
la Constitución, 2ª ed., Barcelona, Ariel, 1970, p. 401.
76 CUEVA, Mario de la. Derecho
Mexicano del Trabajo, México, Porrúa, 1960, vol. I.
77
Como já referido, Carl Schmitt chega, inclusive, partindo de uma distinção
entre Constituição e lei constitucional, a afirmar que os direitos constantes
do Livro II da Constituição de Weimar, por sua abstração e generalidade (e,
segundo ele, pela ausência do elemento "decisão") não fariam parte do
que ele convencionou definir como Constituição, atribuindo-lhes o caráter de
meros compromissos dilatórios. Foi também Carl Schmitt quem afirmou que a
Constituição de Weimar possuía uma profunda contradição material entre seus
dois livros: o primeiro consagrando instituições liberais e o segundo
positivando ideais socialistas.
78
OLIVEIRA, Ary Brandão de. opus cit., p. 67
79 KIST, Dario José. opus cit.,
p. 95/96.
80 LOEWENSTEIN, Karl. opus cit., p. 401
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A Constituição de Weimar e os direitos fundamentais sociais: a preponderância da Constituição da República Alemã de 1919 na inauguração do constitucionalismo social, à luz da Constituição mexicana de 1917. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9014. Acesso em: 17 out. 2006