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A empregada doméstica e
a garantia provisória de emprego da gestante
Mauro Vasni Paroski*
Sumário:
1. Introdução. 2. Limitações aos direitos dos empregados domésticos. 3. Os
princípios constitucionais. 4. Inconstitucionalidade da Constituição? 5.
Importância da estabilidade provisória da gestante. 6. O equívoco da não
aplicação do artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT. 7.
Possibilidade de estender à empregada doméstica a estabilidade provisória no
emprego. 8. A proteção constitucional à maternidade e à infância. 9. A Lei nº
11.324, de 19.07.2006. 10. Conclusão. 11. Bibliografia.
1.
Introdução
O
escopo deste escrito, relativamente pequeno diante da complexidade e da
dimensão da matéria, sem o propósito de esgotar o tema e assumindo
posicionamento sujeito a críticas, inclusive com a exclusão de outros aspectos
também relevantes, é examinar a constitucionalidade das restrições aos direitos
dos empregados domésticos, mais precisamente quanto à estabilidade da
trabalhadora gestante, como forma de contribuir para o debate da matéria.
Os
operadores jurídicos, em especial aqueles que têm a missão de interpretar e
aplicar o direito, criando a norma jurídica particular aplicável ao caso
concreto, devem atuar de modo a tornar possível alcançar os objetivos
prometidos pela Constituição Federal, tendo em vista um ideal de justiça, que
deve o quanto possível ser materialmente buscado.
Este
ideal não deve permanecer apenas no discurso político-jurídico como mera figura
de retórica, na medida em que palavras desacompanhadas de ação em nada
contribuem para tornar realidade e dar plenitude aos princípios e garantias
fundamentais contemplados pelo texto constitucional. Sem esse árduo e
permanente trabalho de construção, nenhuma utilidade tem a mera enunciação de
direitos e garantias pela Constituição.
Neste
diapasão há que se dar efetividade ao princípio da isonomia, tendo em mira a
proteção da pessoa humana, pois que este é o objetivo primordial das normas
constitucionais, e consequentemente, de toda e qualquer norma
infraconstitucional, como se tem visto do decantado princípio da dignidade da
pessoa humana, tão prestigiado, difundido e defendido pelos doutrinadores.
Superada
aquela conhecida fase do direito supostamente completo e não sujeito a
interpretação, unicamente contido nos Códigos, nascido e pensado para uma
sociedade liberal - cujos postulados a história mostrou serem tão nocivos ao
desenvolvimento humano - faz-se necessário afirmar que hoje o centro de
preocupação do Direito deve ser o homem.
2.
Limitações aos direitos dos empregados domésticos
Os
direitos básicos do trabalhador doméstico estão arrolados pela Lei nº 5.859, de
11 de dezembro de 1972, e em alguns incisos do artigo 7o, da
Constituição Federal, por força do seu parágrafo único.
Induvidoso
que há um enorme hiato entre o caput do artigo 5o, da Lei
Fundamental, que consagra o princípio da igualdade, com as limitações impostas
pelo parágrafo único do precitado artigo 7º. Negando aquele, este
institui indesejável discriminação ao trabalhador doméstico, comparativamente
aos demais trabalhadores.
É
de todo relevante destacar que os princípios constitucionais têm supremacia
sobre as demais disposições legais, a eles devendo subsumir todo o ordenamento
jurídico, incluindo a própria Constituição, havendo de se encontrar fórmulas
claras de superar as aparentes antinomias, encontrando-se o caminho da
harmonização dos preceitos constitucionais, viabilizando sua convivência no
sistema.
Ontologicamente
não há que se reconhecer diferenciação entre o trabalhador doméstico e os
demais empregados, ou em outros termos, entre o contrato de trabalho daquele e
desses, sendo indiscutível que os aspectos gerais afetos à figura do
trabalhador e do empregador, sejam eles domésticos ou não, são comuns e possuem,
senão igual, semelhante conceituação.
Citam-se,
por exemplo, os requisitos imprescindíveis à caracterização do liame
empregatício, pois, todos os trabalhadores, pelo menos para serem qualificados
de empregados, devem ser pessoas físicas que prestem serviços a outrem, em
atividade de natureza não-eventual, mediante remuneração e subordinação.
Identifica-se,
quando muito, diferença relativa à atividade do destinatário dos serviços
prestados, pois que o doméstico realiza seu mister no âmbito familiar, sem
finalidade lucrativa, ao passo que os demais trabalhadores, urbanos e rurais,
atuam em atividade econômica que tem por escopo o lucro, gerando bens e
serviços passíveis de alienação onerosa.
O
artigo 1o, da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, define
empregado doméstico como sendo aquele que presta serviços de natureza
contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família, no âmbito
residencial destas. Arrola como direitos irrenunciáveis do trabalhador
doméstico os seguintes: férias anuais remuneradas, registro do contrato de
trabalho em CTPS e filiação obrigatória ao regime geral da previdência social.
Mais
recentemente, por força da Lei nº 10.208, de 23 de março de 2001, ao empregador
foi facultado incluir o trabalhador doméstico no regime do FGTS,
assegurando-lhe, neste caso, acesso ao benefício do seguro-desemprego, nos
casos em que isso se justifica, como a dispensa sem justa causa e a despedida
indireta.
Nesse
ponto, embora a discussão dessas matérias não integre o tema acima proposto,
cumpre assinalar que, como princípio, é inerente à norma legal, ou seja, quando
o poder competente aprova regras que passam a integrar o ordenamento,
instituindo situações jurídicas em benefício das pessoas em geral, ou a grupos
de pessoas determinadas, evidentemente, a produção de direitos subjetivos,
sendo aquelas seus titulares e, consequentemente, estabelecendo ao mesmo tempo
os titulares de um dever jurídico.
Se
há direito, há dever. Se alguém tem direito, alguém tem o dever. Aquilo que não
se pode exigir de alguém não é direito. A norma posta nesses termos é
defeituosa. Falta-lhe algo. Toda norma jurídica para assim ser denominada
necessariamente deve se revestir de alguma eficácia jurídica.
Portanto,
sob minha ótica, não parece razoável a norma afirmar que o destinatário do
direito para ter acesso a ele depende da vontade de outrem. O trabalhador
doméstico tem ou não direito a participar do regime do FGTS. Condicionar sua
implementação à vontade do empregar é nada conferir ao trabalhador doméstico.
Retornando
ao núcleo desse trabalho, como dito alhures, o parágrafo único, do artigo 7o,
da Constituição Federal, estendeu ao trabalhador doméstico os direitos previstos
aos demais empregados pelos seus incisos IV (salário mínimo), VI
(irredutibilidade do salário), VIII (13o salário), XV (repouso
semanal remunerado), XVII (férias anuais acrescidas de pelo menos um terço do
salário), XVIII (licença de 120 dias à gestante), XIX (licença-paternidade),
XXI (aviso prévio) e XXIV (aposentadoria).
O
trabalhador doméstico não foi agraciado pelo constituinte, pelo menos não
explicitamente, com os direitos sociais consagrados nos demais incisos do
artigo antedito.
Na
época dos trabalhos na Assembléia Constituinte a matéria gerou polêmica,
discussões que visavam a plenitude da aplicação dos direitos conferidos aos
trabalhadores em geral, outras que tinham por objetivo excluir qualquer menção
ao doméstico no texto constitucional e algumas pretendendo que a previsão fosse
genérica, relegando à lei infraconstitucional o papel de especificar, e quiçá,
até promover total equiparação entre todos os trabalhadores (domésticos, rurais
e urbanos).
3. Os
princípios constitucionais
A
igualdade desejada por todos, e a única que merece verdadeira defesa, não se
limita ao campo meramente formal, devendo ser material, efetiva, surtindo
efeitos práticos na vida das pessoas. Como inicialmente advertido, palavras
podem ser ditas e escritas por qualquer um, mas relevante é a ação do ser
humano para alcançar condição de vida digna e de qualidade. Impõe-se o que pode
ser denominado de atitude positiva.
Os
princípios constitucionais informam e fundamentam todo o ordenamento jurídico,
iluminando-o, afirmando e preservando valores importantes para a vida em
sociedade. Foram sendo historicamente construídos.
Nas
palavras da Professora Carmem Lúcia Antunes Rocha:
"Os
princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema
jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e
superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento
constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo
Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas,
tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as
relações jurídicas do Estado. São eles, assim, as colunas mestras da grande
construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional
[...]".
O
princípio da igualdade é tratado pela Constituição como cláusula pétrea,
enunciado em seu artigo 5o, assim: Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].
Violam
o princípio da igualdade, no sentido de tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, quaisquer
disposições discriminatórias, ainda que inseridas na própria Constituição, sem
que sejam identificadas virtuais razões de ordem superior a justificar
validamente a quebra do critério da paridade, em benefício da conservação de
outros valores relevantes e essenciais à vida em sociedade, compatíveis com a
dignidade da pessoa humana e com os fundamentos da República.
O
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:
"Rezam
as constituições – e a brasileira estabelece no art. 5o, caput
– que todos são iguais perante a lei. Entende-se, em concorde unanimidade, que
o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma
legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com
a isonomia. O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma
voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras,
não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição
dela sujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas".
A
norma constitucional, ao especificar quais são os direitos reconhecidos ao
trabalhador doméstico, considerada isoladamente, criou inadmissível
discriminação, cometendo o pecado da particularização, para estabelecer
diferenciações entre trabalhadores subordinados, levando-se em conta como
critério distintivo tão-somente o fato de que os serviços prestados têm por
destinatária atividade econômica não lucrativa, o que não se afigura como causa
justa para a implantação de semelhante restrição, em afronta direta ao
princípio da isonomia, guia do ordenamento jurídico brasileiro.
4.
Inconstitucionalidade da Constituição?
Aos
menos avisados talvez cause estranheza sustentar que haja inconstitucionalidade
em normas da própria Carta da República, o que, em tese, geraria situação de
incompatibilidade entre seus preceitos, mas tal circunstância é possível de ser
caracterizada, mesmo que somente em casos excepcionais, como há muito tempo vem
apontando parte da doutrina, mas certamente tratando-se de tema ainda por
demais polêmico, longe de contar com a simpatia e a adesão da maioria dos
estudiosos do direito constitucional.
Os
princípios enunciados no início do texto constitucional devem servir de bússola
para nortear a elaboração das demais regras jurídicas, constitucionais e
infraconstitucionais, embasando-as e servindo como forma para sua correta
interpretação e aplicação, como bem lembrado por Sérgio Pinto Martins.
Contextualizada
a discussão em face do princípio da igualdade, não é equivocado afirmar que a
Constituição não poderia discriminar o trabalhador doméstico, para lhe
assegurar menos direitos que aos demais trabalhadores, colidindo estas
restrições com o escopo pretendido pela Constituição de não se estabelecer
distinção legal de qualquer natureza.
Comunga
de igual opinião o Professor José Cretella Junior:
"O
art. 7o, parágrafo único da Constituição de 5 de outubro de 1988,
que estamos comentando, alterou os princípios que informam a nossa Oitava
Constituição da República Federativa do Brasil, o da igualdade entre eles. Se
‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza’, o regime
jurídico do trabalhador doméstico, advindo da relação empregatícia, é
equiparado ao regime jurídico trabalhista dos demais empregados de fábricas,
indústrias ou empresas[...]".
Expressiva
parcela da doutrina ao propor realizar exame profundo acerca desta matéria,
como se está vendo, chega à mesma conclusão, qual seja, que diante do sistema
constitucional brasileiro, exsurge cristalino que o parágrafo único, do artigo
7o, da Constituição, fere o princípio da igualdade, haja vista que
não se discute que, até por questão de coerência, deve se tratar a todos com
paridade, não podendo prevalecer válida disposição que limita de forma
discriminatória os direitos do trabalhador doméstico, o que indubitavelmente
gera desarmonia no sistema jurídico.
5.
Importância da estabilidade provisória da gestante
A
estabilidade provisória, sob o enfoque do direito do trabalho, é instituto
jurídico que visa assegurar ao trabalhador a manutenção do seu emprego durante
determinado lapso de tempo, eliminando a possibilidade do exercício do direito
potestativo de rescisão unilateral e imotivada do contrato de trabalho por mero
ato de vontade do empregador.
O
artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT, protege o emprego da
gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses depois do parto,
contra dispensa sem justa causa ou arbitrária, tratando-se de uma modalidade de
estabilidade provisória, ou, como preferem alguns, de período de garantia de
emprego, conferindo-lhe tranqüilidade suficiente para concluir sem sobressaltos
o período gestacional.
Violada
esta garantia constitucional contra atos irregulares do empregador, a empregada
gestante terá direito a ser reintegrada no emprego, ficando-lhe assegurados os
salários e demais direitos trabalhistas e previdenciários do período de
afastamento, inclusive o chamado salário-maternidade.
Não
sendo possível dar cumprimento a obrigação de fazer, porque desaconselhável em
virtude de fatores os mais variados possíveis, ou porque quando da decisão
judicial o interregno já se esgotou, não fazendo mais sentido a reintegração,
tudo se resolve em perdas e danos, fazendo jus a trabalhadora à percepção de
todos os direitos relativos ao período de estabilidade provisória, como se
rescisão contratual não tivesse ocorrido, a exemplo da contagem do tempo de
serviço, salários, 13o salários, férias e depósitos do FGTS.
Entende-se
que as regras jurídicas que regulam os direitos da trabalhadora gestante
procuram alcançar duplo objetivo: 1o) garantir o trabalho da mulher,
em razão de necessidade ditada pela incontestável segurança emocional e
econômica que deve ser reconhecida e outorgada à trabalhadora durante a
gestação; e 2o) assegurar o bem-estar do nascituro.
A
trabalhadora doméstica encontra-se na mesma situação que qualquer outra
trabalhadora quando se encontra grávida, não havendo motivo juridicamente
aceitável para que se compreenda que não deva gozar das mesmas garantias
concedidas pela Constituição às demais empregadas gestantes.
A
rigor, a especialíssima proteção deve ser estendida à trabalhadora doméstica,
através de correta e justa interpretação da norma jurídica e dos princípios
informadores de todo o texto constitucional, causa não havendo para que se
adotem restrições maléficas à maternidade e ao nascituro.
6. O
equívoco da não aplicação do artigo 10, inciso II, alínea "b", do
ADCT
O
parágrafo único, do artigo 7o, da Constituição, expressamente, faz
remissão ao inciso XVIII, estendendo à empregada doméstica o direito à
licença-maternidade de 120 dias, ou seja, o afastamento remunerado do emprego,
cuja obrigação pelo pagamento dos salários, em referido interregno, é da
Previdência Social.
Entretanto,
como referido dispositivo não inclui, de forma direta, entre os direitos da
empregada doméstica o inciso I, que trata da garantia geral de emprego contra
despedidas arbitrárias ou sem justa causa, tem-se entendido que a estabilidade
provisória contemplada pelo artigo 10, inciso II, alínea "b", do
ADCT, não se lhe aplica.
Penso
que esse entendimento mostra equivocado, uma vez que esta ilação não resiste a
uma interpretação sistemática e finalística das normas constitucionais, à luz
de alguns princípios fundamentais, norteadores da Lei Fundamental, dentre eles
o da igualdade, dignidade da pessoa humana e proteção à maternidade e à
infância.
Reafirma-se
que a proteção jurídica da gestante deve abranger todas as trabalhadoras que se
encontrem em idêntica condição, sem exclusão de qualquer espécie de trabalho,
vale dizer, devendo abarcar também a laborista doméstica.
Seria
esdrúxulo conceber duas categorias de mulheres trabalhadoras, as que têm e as
que não têm proteção ao emprego durante certo lapso temporal, e do mesmo modo,
duas classes de mães, as que têm e as que não tem garantia jurídica que,
iniludivelmente, como já abordado, vincula-se diretamente à maternidade e a
proteção dos interesses da criança.
Interessante
conhecer o posicionamento de Guilherme Augusto Caputo Bastos e Sebastião
Pinheiro Neto, sobre a questão em debate:
"[...]
Os argumentos utilizados para negar estabilidade provisória à gestante
doméstica, na interpretação isolada da norma contida no art. 7o, I,
e parágrafo único, da CF, mostram-se equivocados. A boa hermenêutica jurídica
nos ensina que, em primeiro lugar, deve se buscar a razão de ser do direito e
de seus princípios, conjugando-os com a interpretação sistemática das normas
que se mostram consentâneas com os institutos em estudo. Assim, data máxima
vênia, daqueles que entendem divergentemente, pensamos que o reconhecimento da
garantia no emprego da gestante doméstica, ao contrário do que possa parecer,
encontra asilo dentro da própria Constituição Federal e está em consonância com
os princípios protetivos do Direito do Trabalho".
Como
se vê, o entendimento de que o texto constitucional em seu conjunto,
adequadamente interpretado, contempla a estabilidade provisória da empregada
gestante, já que não exclui expressamente esse direito, tem vários adeptos em
doutrina.
7.
Possibilidade de estender a empregada doméstica a estabilidade provisória no
emprego
Não
parece razoável entender que a condição de doméstica é causa que tenha o condão
de eliminar a proteção da mãe e do nascituro, conferida pela Constituição para
a empregada gestante em geral, quando o escopo da norma é dar àqueles alguma
segurança material, durante algum tempo, amparando-os financeiramente deste a
confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
O
tema tem sensibilizado alguns magistrados e já é possível encontrar, embora,
reconheça-se, de forma escassa, alguns julgados atribuindo igualdade de
tratamento à empregada doméstica gestante, quanto à garantia provisória de
emprego.
Há
que se ter em mente que as garantias provisórias do artigo 10, do ADCT, foram
concebidas como medidas paliativas e transitórias, até mesmo em face do local
em que estão previstas, enquanto não for aprovada a lei complementar
estabelecendo estabilidade geral a todos os trabalhadores, sendo esta a única
razão pela qual fazem alusão ao inciso I do artigo 7o, da
Constituição.
Não
se vislumbra nesse dispositivo o propósito de excluir deliberadamente a
gestante doméstica, ou seja, a garantia não se direciona exclusivamente às
outras trabalhadoras gestantes, inadmitindo-se interpretação mais apurada e
vanguardeira.
Dito
em outros termos, a norma constitucional não exclui explicitamente a gestante
doméstica dos raios de sua incidência, para conceder-lhe menos direitos que
aqueles atribuídos as outras grávidas, notadamente porque objetivou assegurar o
emprego à gestante, e ao mesmo tempo o bem-estar do nascituro, que para se
realizar depende do bem-estar e da tranqüilidade da mãe.
É
regra das mais conhecidas em hermenêutica que onde o legislador não distinguiu,
não cabe ao intérprete fazê-lo, e com maior razão quando esta operação
interpretativa pode levar à discriminação, o que feriria de morte o princípio
da isonomia. Na falta de distinção expressa, não vislumbro maiores dificuldades
em se aceitar a extensão da estabilidade provisória à empregada doméstica
gestante.
O
fato desta não ter direito à estabilidade genérica do artigo 7o,
inciso I, da Constituição, o que é discutível diante das premissas eleitas
nesse trabalho, não significa que não pode obter a garantia provisória
concedida às demais empregadas gestantes.
Parece
ser inquestionável que adotar outra interpretação seria violentar a promessa
constitucional de que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a
instituição de um estado democrático de direito, que tenha o compromisso de
garantir o pleno exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar de todos, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça,
dentre outros.
A
afirmação de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, possui efeitos amplíssimos, demonstrando a nítida preocupação do
legislador constituinte em eliminar interpretações equivocadas, que possam
excluir de sua ação parcelas da coletividade, mas, pelo contrário, evidencia o
desejo de que todas as normas jurídicas, e a própria Constituição, não
instituam mecanismos espúrios que almejem vulnerar o princípio elegido como
fundamental à dignidade da pessoa humana e às suas relações na sociedade.
8. A
proteção constitucional à maternidade e à infância
Tem
caráter social a matéria em debate, ligando-se a outras disposições
constitucionais, que se traduzem em genuínas manifestações de sensível
preocupação do constituinte com a criança e o adolescente e com a maternidade,
elevando-se a proteção jurídica a patamar de direito fundamental, sendo mostras
disso o caput do artigo 6o, da Constituição, ao arrolar
dentre os direitos sociais a proteção à maternidade e à infância, o
artigo 201, concernente à previdência social, ao aduzir que esta atenderá, nos
termos da lei, a proteção à maternidade, especialmente à gestante, o
artigo 203, inciso I, que, tratando da assistência social, determina que esta será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição, e tem por
objetivo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência [...].
Trilhando
o mesmo caminho destaca-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao
estabelecer em seu artigo 1o proteção integral à criança e ao
adolescente, dando efetividade às promessas constitucionais, incluindo a ampla
competência da União, dos Estados e dos Municípios para legislar sobre matéria
de proteção à infância e juventude (art. 24, inciso XV). Reafirma o precitado
diploma legal o que está contido no artigo 227, da Constituição, garantindo com
absoluta prioridade o atendimento dos direitos e garantias fundamentais da
criança e do adolescente, assim:
É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
O
professor José Afonso da Silva, um dos mais prestigiados constitucionalistas
brasileiros, observa, com a percuciência que lhe é peculiar, que:
"A
Constituição é minuciosa e redundante na previsão de direitos e situações
subjetivas de vantagens das crianças e adolescentes, especificando em relação a
eles direitos já consignados para todos em geral, como os direitos
previdenciários e trabalhistas, mas estatui importantes normas tutelares dos
menores, especialmente dos órfãos e abandonados e dos dependentes de drogas e
entorpecentes (art. 227, § 3o). Postula punição severa ao abuso,
violência e exploração sexual da criança e do adolescente."
Como
bem salientado pela eminente Juíza do Trabalho Paranaense Silvana Silva Neto
Mandalozzo, a fim de melhor cumprir o mandamento constitucional de proteção
integral à criança, "o ideal seria que a mãe fosse só mãe, mas como isso é
impossível, até mesmo por motivos de ordem econômica, o legislador adotou
medidas de proteção à maternidade que servem como alternativa para facilitar a
compatibilidade mãe x trabalho".
9. A
Lei nº 11.324, de 19.07.2006
Finalmente,
depois de quase vinte anos de atraso, há no ordenamento jurídico brasileiro
norma legal atribuindo expressamente à empregada doméstica gestante direito a
estabilidade no emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o
parto.
Com
efeito, em 20 de julho de 2006 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei
nº 11.324, de 19 de julho de 2006, que acrescentou à Lei nº 5.859, de 11 de
dezembro de 1972 o artigo 4º-A, com a seguinte redação:
É
vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante
desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.
Portanto,
desde 20 de julho de 2006 que não mais se faz necessário todo este esforço de
interpretação da Constituição, para reconhecer à empregada doméstica direito
consagrado naquela. Agora, basta que se cumpra a lei, sob pena de sua imposição
pelo Judiciário.
10.
Conclusão
Em
interpretação lógica e coerente com as diretrizes principiológicas do texto
constitucional, dentro de um método sistemático e finalístico, ou seja,
conferindo direitos e garantias e apontando, ainda que indiretamente, os meios
necessários para o alcance dos seus objetivos, torna-se inaceitável a idéia de
que a Constituição ao se preocupar, de forma contundente e minuciosa, com a
garantia de igualdade entre as pessoas e com o bem-estar da família, da criança
e do adolescente, não tenha desejado, ainda que não o diga expressamente, que a
estabilidade provisória seja reconhecida como direito de toda trabalhadora gestante,
doméstica ou não.
Censurável
que não o tenha feito de forma direta e insofismável, deixando para o exegeta a
tarefa, nada fácil, de buscar em seus princípios a proteção à gestante
doméstica, conquanto tão generosamente a tenha especificado para as
trabalhadoras em geral.
A
garantia provisória de emprego assegurada à empregada gestante não foi negada
expressamente à empregada doméstica, não havendo incompatibilidade entre o
artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT e o inciso I e parágrafo
único do artigo 7o, da Constituição.
Qualquer
outra interpretação fatalmente levará a resultados que colidem com os
princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da
proteção à maternidade e à infância e da valorização do trabalho humano.
Desde
20 de julho de 2006, com a publicação da Lei nº 11.324, de 19.07.2006, a
empregada doméstica gestante não pode ser dispensada pelo empregador, de forma
arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco depois
do parto.
11.
BIBLIOGRAFIA
BACHOF,
Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de
José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
CRETELLA
JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2a
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MANDALOZZO,
Silvana Silva Neto. A Maternidade no Direito do Trabalho. Curitiba:
Juruá, 1996.
MARTINS,
Sérgio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. São Paulo: Atlas,
2000.
MELLO,
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3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.
ROCHA,
Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública.
1a ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.
SILVA,
José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2000.
*Juiz titular da Vara do Trabalho de Ivaiporã (PR), especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina (PR), mestrando em Direito Negocial pela mesma instituição
PAROSKI, Mauro Vasni. A empregada doméstica e a garantia provisória de emprego da gestante . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1195, 9 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9027>. Acesso em: 09 out. 2006.