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A prisão do depositário infiel, o pacto de San José da Costa Rica e outros aspectos constitucionais
Olavo D´Câmara*
*Mestre em Direito Político e
Econômico e especialista em Direito Constitucional e Didática do Ensino
Superior, ambos pela Universidade Mackenzie, especialista em Ciências Sociais
pela PUC-SP e professor do Ipojur (Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas
em Ciências Políticas e Jurídicas).
O Decreto-Lei 911 de 1969,
estabeleceu nas Ações Cautelares de Busca e Apreensão e com fundamentos na Lei
Processual Civil que, nos casos em que o devedor fiduciário não estiver na
posse do bem alienado, seja qual for o motivo, a Ação de Busca e Apreensão
poderá ser convertida em Ação de Depósito, a requerimento do Autor. O Réu terá
um prazo exíguo para entregar o bem ou quitar a dívida. A Ação de Busca
convertida em Ação de Depósito, tornará o devedor Depositário Infiel, caso não
esteja mais na posse do bem. Neste caso, poderá ser requerida a sua prisão
civil. O inciso LXVII do Artigo 5º da Constituição Federal da República,
estabeleceu que: “não haverá prisão civil por dívida, salvo o devedor de pensão
alimentícia e o depositário infiel”.
É interessante notar a posição do Superior Tribunal de Justiça, que pacifica a
situação dizendo não caber prisão ao depositário infiel, mas é entendimento tão
somente do STJ, não sendo este o entendimento do STF – Supremo Tribunal
Federal. A Suprema Corte Constitucional do Brasil, entende caber prisão ao
depositário infiel. O assunto é polêmico e está na ordem do dia para discussões
e novas interpretações, enquanto não foi definitivamente harmonizada e
pacificada a situação, uniformizando-se jurisprudências. O Pacto de San José da
Costa Rica e a Emenda Constitucional nº 45, adicionam mais dados e levam a
outras interpretações e discussões no campo constitucional e jurídico, trazendo
dúvidas. Em conversas com alguns Juízes e Professores de Direito, alguns
endossam a posição do STJ e outros ou permanecem em dúvida ou se aliam a
posição do STF.
Com o objetivo de ajudar a esclarecer um pouco mais e trazer mais elementos
para o debate, apresentamos a seguir, elementos extraído de caso concreto de
processo em andamento. Em Ação de Busca e Apreensão convertida em Ação de
Depósito. Acontece que a ré não estava de posse do bem, conforme informado pelo
Senhor Oficial de Justiça, por isso foi requerido a conversão em ação de
depósito e o pedido de prisão da Ré. A conversão em Ação de Depósito foi
deferida, mas o pedido de prisão foi indeferido. O Autor Interpôs Agravo de
Instrumento, sendo negado provimento.
Ocorre que o MM Juiz da causa, ofertou Despacho negando o pedindo de prisão à
depositária infiel e teceu longos comentários dizendo não caber prisão ao
depositário infiel, vez que a matéria não está pacificada na jurisprudência e
entende ser inconstitucional o pedido de prisão da devedora e ou depositária
infiel.
Ocorre que a ré, admitiu que não estava na posse do bem, o bem por sua vez está
alienado a determinada Instituição Financeira e há parâmetros no Decreto-Lei
911/69, nos termos do Código de Processo Civil e na Constituição Federal da
República, quando determina em seu Artigo 5º que somente haverá prisão civil
por dívida no caso do devedor de pensão alimentícia e do depositário infiel.
Ora, neste caso, trata-se, nitidamente, de depositário infiel, pois a
Instituição Financeira emprestou dinheiro à ré e, pactuaram e esta deu o bem em
garantia, ou seja, alienou-o nos termos precisos do Decreto-Lei nº 911/69. O
débito não foi pago e, como agravante, desfez-se de um bem que não mais lhe pertencia,
de maneira irresponsável, o que permitiu a conversão da Ação de Busca e
Apreensão em Ação de Depósito. O MM Juiz, ao nosso crivo errou, pois, deferiu e
converteu a ação de Busca e Apreensão em Ação de Depósito, mas não a prisão da
ré. Logo, se não pretendia decretar a prisão civil da depositária infiel, ação
não deveria ter sido convertida.
O Tratado de San José da Costa Rica, afirma não caber prisão do depositário
infiel. A Emenda Constitucional nº 45 trás a determinação que os Tratados
Internacionais quando ratificado pelo Congresso Nacional por 3/5 quintos dos
seus membros, tem efeito de Emenda Constitucional. Em que pese a Emenda
Constitucional nº 45, o Tratado ou Pacto de San José da Costa Rica, ainda
assim, deve ser melhor analisado, vez que e a situação deve ser pacificada pela
Egrégia Suprema Corte Constitucional, pois fere frontalmente o “Artigo 5º da
Constituição Federal da República que em seu inciso LXVII prevê que não haverá
prisão civil por dívida, salvo o devedor de pensão alimentícia e o depositário
infiel”. Portanto, o artigo 5º e seu inciso LXVII, não foram revogados, vez que
são cláusulas pétreas. O Artigo 60 parágrafo 4º e inciso..... determina que as
Cláusulas Pétreas não serão objeto de Emenda Constitucional e o inciso LXVII do
Artigo 5º faz parte dos Direitos e Garantias Individuais, sendo, portanto
Cláusula Pétrea que não pode ser alterado por Emenda Constitucional, em que
pesem as afirmações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45 e o Pacto de San
José da Costa Rica. Um Pacto ou Tratado Internacional para ter efeito de Emenda
Constitucional contrariando uma “cláusula pétrea” da Constituição Federal, não
pode ser admitido pela Constituição vigente. O referido artigo e inciso não
foram revogados e para que fossem, haveria a necessidade de se convocar uma
nova Assembléia Nacional Constituinte ou, no mínimo, um plebiscito. As decisões
em que se invocam o Pacto de San Jose da Costa Rica e a Emenda Constitucional
nº 45, no que tange ao Depositário Infiel, são inconstitucionais. Caberá,
assim, ao Supremo Tribunal Federal, apreciar os reais aspectos referentes ao
depositário infiel, pacificando de vez a aplicação do Decreto Lei nº 911/69, em
caso de prisão.
A persistir a não decretação do depositário infiel, mais uma vez as Cortes brasileiras
e o Código Civil nacional, estarão ampliando a “Lei do Calote”, ou vejamos: Em
Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal, decidiu que se um fiador em
contrato de locação, tiver somente um imóvel este não poderá ser objeto de
penhora, estendendo este julgado e enquadrando-o na Lei nº 8.009/90, ou seja,
na denominada Lei do “Bem de Família”. Os órgãos de restrição de crédito, no
caso o Serviço de Proteção ao Crédito(SPC), o SERASA e outros, não poderão
permanecer com os nomes dos inadimplentes por mais de 5 (cinco) anos em seus
registros e arquivos, de acordo com a legislação e jurisprudência em vigor. O
Código Civil Brasileiro vigente baixou o prazo para ajuizar-se ações de
cobrança, execução ou monitória.
Em que pese o livre convencimento de alguns Juizes que entendem não caber
prisão civil do depositário infiel, o Art. 5º inciso LXVII da Constituição
garante e o torna depositário infiel, ainda assim. Aliás, a Constituição de
1988, recepcionou toda a legislação anterior pertinente, pois caso tivesse
interesse em eliminar a figura do depositário infiel, o legislador
Constitucionalista teria feito citação no próprio texto constitucional e
revogado o Decreto-Lei 911 de 1969, o que não ocorreu.
Além do mais, não se trata de um caso de ficção, mas real, pois o fiel
depositário tem origem em contratos de alienação fiduciária. Quando um réu
torna-se depositário infiel, é porque não guardo e não zelou pelo bem que
estava sob sua responsabilidade, causando prejuízos ao financista do bem.
Consideração que Constituição é a Lei maior da Nação, mesmo o Brasil
subscrevendo um Tratado Internacional, de nada valerá se ferir a Constituição
Federal da República, e é o caso. Cabe destacar e afirmar que “ os Juizes não
são mais escravos da Lei”, vale acrescentar que os Juizes nunca foram escravos
das Leis e se o foram, foi por livre e espontânea vontade. Qualquer Magistrado,
pode, utilizando-se da Inconstitucionalidade por Via de Exceção, deixar de
aplicar esta ou aquela Lei, se assim entender. A Lei de Introdução ao Código
Civil deixa claro: “ quando a Lei for omissa, o Juiz decidirá com base na
Analogia, na Equidade e nos Princípios Gerais de Direito”. Mas, nas ações que
envolvem o Decreto-Lei 911/69, não há qualquer omissão.
Os Juízes que convertem a Ação de Busca e Apreensão em Ação de Depósito, mas
recusam-se a decretar a pena de prisão civil, estão sendo parciais, pois se
converter a ação, deve em seguida decretar a prisão, caso o réu não cumpro o
determinando fazendo a entrega do bem alienado. A força da ação de depósito
está na decretação da prisão de depositário infiel ou na ameaça de prisão,
pois, caso contrário perderá totalmente a força e a finalidade para a qual fora
criada..
É óbvio que não há interesse ou intenção em se levar alguém à prisão, mas há
interesse do financiador em receber o valor do empréstimo que garantiu a
alienação do bem, mas apenas receber o valor investido. Em muitos casos, o
depositário infiel teve todas as chances para cumprir o contrato e não o fez,
tornando-se irresponsável. Os depositários infiéis contam ainda a demora da
Justiça em fazer Justiça e com o acúmulo de serviços ou até a má vontade de
certos oficiais de justiça em cumprirem os mandados.
Culpa das instituições financeiras
As Instituições Financeiras, também são culpadas dos calotes que tomam, devido
a “ganância e os juros altos que cobram dos seus correntistas, havendo um
“conluio” entre Agentes Financeiros e a Política Governamental de juros altos
para segurar a inflação. Permeiam estes aspectos, o empréstimo compulsório que
as Instituições Financeiras são obrigadas a depositar no Banco Central,
encarecendo o custo do dinheiro que é remunerado pela taxa Selic, colaborando
com o governo para “tampar” o rombo do déficit público interno.
O Direito, a lei e as decisões dos Tribunais Estaduais e Superiores, existem
para fazer Justiça e também para educar o povo. No Brasil, estamos diante da
lei do “calote”, o mesmo acontecendo com o excesso de tributos. O povo sonega,
porque há excessos de tributos. O Governo cobra e cria novos tributos, porque o
contribuinte sonega e assim por diante.
O depositário infiel que não tiver a sua prisão decretada estará sendo
beneficiado pelas leis e pelos Tribunais, enquanto não se resolver a polêmica
constitucionalmente, ou o dispositivo constitucional não foi revogado.
Não aplicar a pena de prisão, até como forma educativa e de pressão, é
desrespeitar Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito e Rudolf Von Jhering,
este em sua brilhante obra “A Luta pelo Direito”. Diz Jhering: “ É preciso
conciliar a balança e a espada, pois somente utilizando-se da espada, haverá a
aplicação dura da lei, se utilizar-se somente da balança da justiça, o direito
não terá forças. Então, é necessário utilizar conjuntamente da Balança e da
Espada, para fazer cumprir o direito e a lei.
O tratado firmado pelo Brasil, denominado de Pacto de San José da Costa Rica,
que proíbe a prisão civil no caso de devedor fiduciário e refere-se a direitos
humanos, mas ressalte-se que os “direitos humanos” não podem prevalecer para os
devedores que são oportunistas e que agem de má-fé ou irresponsavelmente.
Acaso decretar a prisão do devedor de pensão alimentícia não é injusto e não
fere os Direitos Humanos, principalmente para aquele pai desempregado. E,
quantos pais já não cumprirem, 30, 60 dias ou mais por não poderem pagar os
alimentos aos seus filhos. Parece que no Brasil, a “Deusa da Justiça, está com
os olhos desvendados”. O Devedor de pensão alimentícia tem a prisão decretada,
mas o depositário infiel não. Já não é o momento de se rever a situação.
D´CÂMARA, Olavo. A prisão do depositário infiel, o pacto de San José da Costa Rica e outros aspectos constitucionais. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/21098. Acesso em: 4 out. 2006.