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Washington Araújo Carigé Filho*
Os bancos de dados de proteção ao crédito, como
o SPC, SERASA, SCPC, entre outros, surgiram dentro de um contexto
histórico estruturado e impulsionado pela economia de mercado,
caracterizado pela rápida circulação de bens e
capital, tudo isso sustentado pelo crédito, o que define de
forma incontestável a importância dos bancos de dados na
manutenção e desenvolvimento de todo o sistema
econômico.
Todavia, a atividade dos arquivistas, em
princípio, afronta direitos e garantias fundamentais
estabelecidos na Constituição Federal, o que implica
deduzir que a sua existência está condicionada a
ponderação de interesses e valores constitucionais.
Afirma Leonardo Roscoe Bessa:
As normas constitucionais
possuem caráter polissêmico e aberto, congregam
direitos, valores e princípios diversos e conflitantes e estão
no mesmo nível hierárquico. O legislador, em sua
atividade conformadora e restritiva, deve ponderar todos os bens em
jogo, atendendo-se especialmente ao princípio da
proporcionalidade. [1]
Portanto, as normas presentes na
Carta Magna muitas vezes dispõem sobre direitos conflitantes,
localizados no mesmo patamar hierárquico, de modo que, para
solucionar o problema, exige-se a intervenção do
princípio da proporcionalidade, que surge como veículo
através do qual se busca limitar certos valores em função
de outros, cuja importância se sobrepõe em um dado
contexto social.
O princípio da proporcionalidade,
originado no Direito Alemão, não tem previsão
expressa na nossa Constituição Federal, embora
reconhecido e aceito pela doutrina nacional. A aplicação
de tal princípio, na existência de confronto entre
valores, implica em aceitar um valor e rejeitar o mínimo
possível o outro.
A Constituição
Federal, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
em seu art. 5, inciso X, dispõe: “São invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação.”
Ora,
evidente que o arquivo e divulgação de informações
negativas acerca da idoneidade de um indivíduo perante o
comércio ofende sua honra, sua imagem social, invade sua
privacidade e transpassa sua intimidade. São esses, pois,
valores fundamentais. Então, como a atividade dos bancos de
dados de proteção ao crédito pode ser legitimada
se, em princípio, viola tais direitos? A resposta pode ser
verificada justamente através da ponderação dos
interesses constitucionais.
Alexander de Morais, na página
02 do seu livro Direito Constitucional, denominando de forma
diferente o princípio da proporcionalidade, coloca que:
Os
direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição
Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que
encontram seus limites nos demais igualmente consagrados pela Carta
Magna (princípio da relatividade ou convivência das
liberdades públicas).;
e completa:
[...]
quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias
fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio
da concordância prática ou da harmonização
de forma a organizar e combinar os bens jurídicos em conflito,
evitando o sacrifício total de uns em relação
aos outros, realizando uma redução proporcional do
âmbito de alcance de cada qual...
Assim como os
preceitos fundamentais constantes do art. 5, inciso X, da
Constituição Federal da República, devem ser
primordialmente respeitados e promovidos como objetivos essenciais à
consecução dos interesses da nação
brasileira, assim também os princípios inerentes à
ordem econômica, constantes dos arts. 170 à 181, que
compõem exigências indispensáveis para o
desenvolvimento do país, merecem a devida atenção.
O art. 170, da Constituição Federal preconiza,
in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
[...]
Os bancos de dados de
proteção ao crédito retiram do anonimato os
consumidores inadimplentes, auxiliando os fornecedores na avaliação
dos riscos para concessão do crédito, conduzindo à
agilidade das transações efetivadas entre as partes nas
relações de consumo, de modo que favorece o sistema
econômico baseado na livre iniciativa, como o do Brasil. Esse
fundamento confere, portanto, independentemente de expressa menção
constitucional, elevada importância a qualquer atividade que
proteja o comércio, por este representar o sustentáculo
do crescimento econômico. Assim são as atividades
exercidas pelas entidades arquivistas. Sem os arquivos de consumo, a
relação de garantia ao crédito restaria
fatalmente fragilizada.
Os valores constitucionais relativos
à honra, privacidade, intimidade e imagem dos indivíduos
devem ser analisados em face da existência de outros interesses
constitucionais também importantes, exigindo-se, pois,
relativa ponderação, visando o alcance de maior número
de benefícios à sociedade, considerando os objetivos
fundamentais da República estabelecidos no texto
constitucional.
Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, conforme o art. 3º, da
Constituição Federal: I – constituir uma
sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o
desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
É incontestável
que a liberdade de um indivíduo, imbuído nesse contexto
capitalista, somente pode ser efetivada se existir a possibilidade de
o sujeito estar inserido dentro da realidade de consumo. Sabe-se que
a sociedade brasileira, segmentada que é em classes sociais
distantes umas das outras, onde verifica-se grande concentração
de renda nas mãos de poucos, possui uma grande massa de
indivíduos que não podem adquirir os produtos
fornecidos pelo mercado, senão através do crédito.
A importância de se ter crédito para a obtenção
de bens não se resume à materialidade dispensável.
A realidade brasileira mostra que a grande maioria das pessoas
necessita do crédito também para obter produtos e
serviços indispensáveis ao sustento pessoal, ao seu
desenvolvimento como cidadão, sua profissionalização
e consequente inserção no mercado de trabalho. O homem
sem condições de manter-se de forma independente, de
trabalhar para constituir um padrão de consumo razoável,
não desfruta de liberdade.
Garantir o desenvolvimento
nacional, reduzir a marginalização, a pobreza e as
desigualdades sociais são objetivos que também estão
indiretamente ligados a mecanismos de proteção ao
mercado, como os bancos de dados de proteção ao
crédito, de modo que sua atividade concorre necessariamente
para o crescimento das relações de mercado,
favorecimento à livre iniciativa, a possibilidade de aumento
do consumo e, consequentemente, elevam-se as chances de inclusão
social das camadas mais desfavorecidas, reduzindo a pobreza e as
diferenças sociais, impulsionando por conseqüência
o desenvolvimento econômico e social do país.
A
Constituição Federal estabelece em seu art. 5º o
princípio da igualdade, nestes termos:
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
Deve-se,
todavia, interpretar o princípio constitucional no sentido de
se procurar atingir a igualdade material, proporcionando a pessoas
desigualmente situadas no contexto social oportunidades também
diferenciadas.
Celso Ribeiro Bastos, denominando
diferentemente a igualdade material, afirma:
A igualdade
substancial postula tratamento uniforme de todos os homens. Não
se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito,
mas uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida. [2]
Desse
modo, a Constituição não veda o tratamento
proporcionalmente diferenciado de pessoas em situações
diferentes, quando se busca com isso atingir um fim relativamente
importante e compatível com tal diferenciação.
Conclui Alexandre de Morais:
Assim, os tratamentos
normativos diferenciados são compatíveis com a
Constituição Federal quando verificada a existência
de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. [3]
Não
só os serviços prestados pelas entidades arquivistas
são compatíveis com o princípio da igualdade,
como ajudam a preservá-lo dentro das relações de
mercado, sob o prisma de que o Estado e a sociedade não devem
tratar da mesma maneira quem cumpre com suas obrigações,
honrando suas dívidas, e aquele que procura esquivar-se dos
seus compromissos e fraudar credores. Assim, procura-se com isso
atingir o bem comum, o interesse público de manter a ordem e a
segurança nas relações.
Celso Ribeiro
Bastos [4], comentando o princípio da isonomia, discorre in
verbis:
É crucial que nenhuma lesão existe ao
princípio se os critérios discriminatórios forem
aqueles que encerram valores prezados pela sociedade. Então,
seria lícito vedar o acesso á pessoas desonestas,
desonradas, grosseiras, de má reputação.
De
acordo com a explanação do jurista, infere-se que a
manutenção de cadastro de informações
sobre consumidores inadimplentes, com o objetivo de resguardar as
relações de crédito, constitui atividade
plenamente vinculada à defesa de valores aceitos pela própria
sociedade, como a honra no compromisso das obrigações,
a segurança dos negócios, bem como o repúdio à
má-fé.
Diante de tais ponderações,
o ordenamento jurídico admitiu a importância das
entidades de proteção ao crédito, legitimando-as
como entidades de caráter público através do
Código de Defesa do Consumidor, onde existem limitações
à prestação de seus serviços, cujo
objetivo maior está em conciliar a atividade exercida pelos
bancos de dados e a garantia dos direitos fundamentais à
honra, imagem, privacidade e intimidade, os quais vinculam todas as
entidades mantenedoras desses serviços.
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NOTAS DE
RODAPÉ:
[1] Leonardo Roscoe Bessa. Os Consumidores e
os Limites dos Bancos de Dados de Proteção ao Crédito.
p. 51/52
[2] Celso Ribeiro Bastos, Comentários à
Constituição do Brasil, p. 5
[3] Alexandre de
Morais. Ob. cit, p. 65
[4] Celso Ribeiro Bastos. Ob. Cit.,
p. 184
* Bacharel em Direito
Disponível em : < http://www.direitonet.com.br/artigos/x/21/41/2141/ > / Acesso em: 2 out. 2006