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A correlação entre os cânones da interpretação especificamente constitucional - Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - e os princípios estruturantes e fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro

 

 

Marco Aurélio Paganella*

 

 

A Constituição Federal (CF/88) é o alicerce e é o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico do Brasil. Deste documento, fruto de lutas e de movimentos que entraram para a história da nação brasileira, emanam todos os comandos normativos que norteiam a ordem jurídica brasileira.

O Prof. Baracho (In MARTINS: 2002, 267) explica que “Durante muito tempo, as indagações a respeito da noção, fontes, classes e reforma da Constituição, dentro do campo do Direito Comparado, com análises encontradas no Direito Constitucional Geral, como postulados para a compreensão do Direito Positivo de cada Estado, não chegavam a configurar o que hoje se denomina Teoria da Constituição.” Destarte, se a Constituição, vista como Lei Suprema, é um corte epistemológico relevante – e como tal passa a ser um objeto de estudo – em face ao Direito com um todo, então é comezinho conceber que o ramo do Direito que se ocupa dessa área é o denominado Direito Constitucional, como bem frisou o Prof. Baracho na presente transcrição.

JOSÉ AFONSO DA SILVA (1998:35) corrobora a assertiva afirmando que “O Direito é fenômeno histórico-cultural, realidade ordenada, ou ordenação normativa da conduta segundo uma conexão de sentidos. Consiste num sistema normativo. Como tal pode ser estudado por unidades estruturais que o compõem, sem perder de vista a totalidade de suas manifestações. Essas unidades estruturais ou dogmáticas do sistema jurídico constituem as divisões do Direito, que a doutrina denomina ramos da ciência jurídica.”

O Direito Constitucional Comparado, como denota por si só o seu nome, é um método comparativo que possibilita a constatação das diferenças e das semelhanças que existem entre os diversos documentos dos diferentes Estados. No que concerne ao Direito Constitucional Geral, JOSÉ AFONSO DA SILVA (1998:36) leciona que “é aquela disciplina que delineia uma série de princípios, de conceitos e de instituições que se acham em vários direitos positivos ou em grupos deles para classificá-los e sistematizá-los numa visão unitária.” Na esteira, o autor ensina que “o Direito Constitucional Positivo é aquele que estuda os princípios e as normas de uma Constituição que existe de fato num Estado qualquer; engloba a verificação, a análise, a interpretação e a sistematização das normas jurídico-constitucionais do Estado em questão, de acordo como estão dispostas e configuradas na Carta em vigência e conforme a sua ligação e o seu nexo com a realidade sócio-cultural existente.”

O Direito Constitucional, pois, como afirma MORAES (2001:33) “é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases de estrutura política.” E, ainda, segundo DE PLÁCIDO E SILVA (2002:270), “o Direito Constitucional, como o mais fundamental dos Direitos Públicos, de ordem interna, enfeixa todos os princípios jurídicos, indispensáveis à organização do próprio Estado, à constituição de seu governo, dos poderes públicos, à declaração de direitos das pessoas, quer físicas, quer jurídicas, traçando assim os limites de ação do Estado, na defesa de seus precípuos objetivos e na defesa dos interesses da coletividade que o compõe. Firma, assim, todos os princípios de ordem política e de ordem geral, seja em relação aos indivíduos, que compõem a comunidade política, seja em relação a todas as instituições políticas em que se baseia a sua própria organização, como entidade política e soberana.”

Princípios, como salienta DE PLÁCIDO E SILVA (2002:639) são “as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. Revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Deste modo exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica (há autores – como p. ex. o Prof. André Ramos Tavares (2001:109) – que entendem que as normas fundamentais compõem o gênero, do qual advém duas espécies, quais sejam, os princípios e as regras). Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em perfeitos axiomas. Sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.”

CARLOS ARI SUNDFELD (1997:142) enumera os princípios gerais do direito público brasileiro, quais sejam: a) autoridade pública; b) submissão do Estado à ordem jurídica; c) função; d) igualdade dos particulares perante o Estado; e) devido processo; f) publicidade; g) responsabilidade objetiva; h) igualdade das pessoas políticas. Na seara tributária, verificam-se os princípios da estrita legalidade tributária, da igualdade entre contribuintes, da anterioridade, da uniformidade geográfica, da anualidade, dentre outros. No campo processual, VICENTE GRECO F.º (2000:63) menciona o princípio da igualdade jurídica, “instituída no inc. I do art. 5.º da CF/88.” DEOCLECIANO TORRIERI (1998:450) vai além, enunciando os princípios da economia processual, da imparcialidade do juiz, da instrumentalidade, da lealdade, da publicidade, do contraditório, da ampla defesa, etc.

No entanto, os princípios relevantesprincípios estruturantes e fundamentais do Estado Democrático de Direito do Brasil – para o contexto deste trabalho são, justamente, como expõe WILLIS SANTIAGO GUERRA F.º (2002:162), o “princípio do Estado de Direito”, o “princípio Democrático”, o “princípio Federativo” e o “princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.” São estes, segundo o autor, a salvaguarda da ordem jurídica deste País e de toda a sociedade brasileira, na prática e como um todo.

De modo geral, ALEXANDRE DE MORAES (2001:42) explica que interpretar significa “desentranhar o próprio sentido das palavras da lei, deixando implícito que a tradução do verdadeiro sentido da lei é algo bem guardado, entranhado, portanto, em sua própria essência.” E, ainda, de acordo com CELSO BASTOS (2002a:37), “Interpretar é atribuir um sentido ou um significado ao texto. Esta atividade é sempre necessária quando se tem em vista que os preceitos normativos são sempre abstrações da realidade. Ademais, para que as normas possam cumprir a sua finalidade de disciplinar um número infindável de situações necessitam de apelar para um alto nível de abstração e generalidade.”

PETER HÄBERLE (2002:11) menciona as tarefas às quais a interpretação constitucional deve ater-se inequivocamente: justiça, eqüidade, equilíbrio de interesses, resultados satisfatórios, razoabilidade, praticabilidade, justiça material, segurança jurídica, previsibilidade, transparência, capacidade de consenso, clareza metodológica, abertura, formação de unidade, harmonização, correção funcional,... .”

No que remonta à interpretação especificamente constitucional, como expõe o Prof. WILLIS SANTIAGO GUERRA F.º (2002:178 ss.), deve-se prestigiar mais o sentido comum das palavras, visto ser o conjunto da cidadania o seu destinatário. O mesmo autor (2002:178 ss.) cita – e explica – os princípios ou cânones da hermenêutica/interpretação especificamente constitucional: 1.º) princípio da unidade da Constituição; 2.º) do efeito integrador; 3.º) da máxima efetividade ou da eficiência; 4.º) da força normativa da Constituição; 5.º) da conformidade funcional; 6.º) da interpretação conforme a Constituição; e 7.º) da concordância prática ou da harmonização.

Como, então, correlacionar os cânones acima enunciados com os princípios estruturantes e fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro? Como harmonizar o conflito que há entre estes princípios e entre todos os outros logo atrás trazidos à baila, inclusive?

Ao ver, são duas as formas de inter-relação. A primeira, por lógico, é que nenhuma ‘aplicação’ de qualquer que seja o cânone – dos sete em evidência – pode ‘fugir’ ao que está positivado no seio da própria CF/88. A interpretação – e seus diversos meios, v.g., gramatical, lógica, sistemática, teleológica, histórica, evolutiva, etc., sem embargo dos próprios cânones/princípios já elencados – é que deve servir à ‘praticidade’ (sic!) constitucional e não a CF/88 ser subserviente àquela. O labor exegético é que deve estar a serviço do entendimento – e da aplicação – das prescrições normativas que emanam da Constituição, vale dizer, esta não está a serviço dos cânones, mas estes são instrumentos que permitem ‘aplicar’ o que dispõem os enunciados prescritivos da Carta Magna, sobremaneira, os princípios estruturantes e os fundamentais. Logo, a interpretação deve subsumir-se aos princípios positivados no Texto Supremo, não podendo, pois ‘inventar’ coisa novas, incompatíveis e distante do que o próprio Legislador Constituinte já delineou.

Ultrapassada esta fase, emerge a segunda correlação, a qual é denotada por CELSO BASTOS (2002a:232), para quem “Eleva-se o ‘princípio’ da razoabilidade que, sem oferecer a solução final, ao menos torna o caminho do intérprete da lei não tão diversificado ou aleatório aos olhos do cidadão comum. Vê-se, pois, que o critério da razoabilidade exprime uma tentativa de determinação do critério ou critérios que incidirão no caso concreto” (Conferir, ainda, sobre o tema, LUÍS ROBERTO BARROSO:1996, 204).

Ademais, o próprio GUERRA F.º (2002:175) assevera que a harmonia entre os princípios e o afastamento das situações conflitantes entre eles advém do chamado “princípio dos princípios: o princípio da proporcionalidade. E isto, após o emprego de uma nova metodologia hermenêutica, exigida nessas situações, em que se tem um ‘caso difícil’ (hard case) para resolver: a interpretação especificamente constitucional.”

Sendo assim, a interpretação deve obedecer ao que está positivado na Constituição, bem como deve aplicar sempre um princípio – quando conflitante com outro – de modo a desrespeitar o mínimo possível o ‘núcleo essencial’ do outro e assim sucessivamente.

Correlação, pois, estabelecida de forma mais ampla, na medida em que vieram à tona outros elementos inerentes ao contexto e deveras importante na “‘sistematização do sistema’ jurídico-constitucional.”

BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo, Saraiva, 1996. 204p.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. 807p.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3.ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor – Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, 2002a. 304p.

BRUNO NETO, Francisco. Primeira Cartilha Acadêmica de Direito Constitucional. 2.ª ed. São Paulo: Ed. de Direito, 1999. 435p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. Novo Aurélio Século XXI. O Dicionário da Língua Portuguesa. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 2128p.

GRECO F.º. Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 1.º Vol. 15.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 262p.

GUERRA F.º. Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. 2.ª ed. São Paulo: IBDC – Celso Bastos Editor, 2002. 215p.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002 – reimpressão. 55p.

MARTINS. Ives Gandra da Silva. (Coordenador). As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. São Paulo: América Jurídica, 2002. 685p.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. 810p.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 877p.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. 876p.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. 176p.

TAVARES, André Ramos. Tratado da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001. 483p.

TORRIERI, Deocleciano. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 1998, 551p.

 

 

 

* Bacharel em Direito pela UNISA - Universidade de Santo Amaro - São Paulo/SP - Assistente em Direito Constitucional na UNISA - Universidade de Santo Amaro - São Paulo/SP - Membro do Escritório Tancredo Advogados Associados - São Paulo/SP (www.tancredoadvogados.com.br <http://www.tancredoadvogados.com.br/>) - Pós-graduando em Direito Constitucional e Tributário pelo CEU - Centro de Extensão Universitária - São Paulo/SP. E-mail: paganella@tancredoadvogados.com.br mailto:paganella@tancredoadvogados.com.br.

 

 

 

 

PAGANELLA, Marco Aurélio. A correlação entre os cânones da interpretação especificamente constitucional - Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - e os princípios estruturantes e fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro. Disponível em: < http://sociologiajur.vilabol.uol.com.br/tapaganella.htm>. Acesso em: 28 ago 2006.