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A efetividade das normas constitucionais de direito fundamental no Estado Democrático de Direito

 

                                                                                                                                      

                                                                                                         Ana Paula Correa de Sales*                           

Introdução

 

            O escopo do presente trabalho diz respeito à questão da efetividade das normas constitucionais de direito fundamental no Estado Democrático de Direito brasileiro, especialmente no contexto dos últimos dez anos. A partir da análise de aspectos políticos, tais como a conceituação do Welfare State e seus desdobramentos na sociedade brasileira e a apreciação da teoria clássica de separação de poderes de Montesquieu, e também a verificação de preceitos sócio-jurídicos, procurou-se traçar linhas mestras que serviriam de apoio para a argumentação e reflexão jurídica.

            Diversos questionamentos foram concebidos ao longo do processo de pesquisa que antecipou a construção deste trabalho. Analisando várias decisões judiciais que se mostravam favoráveis a pleitos cujo caráter seria conceitualmente político, pode-se refletir das motivações que impulsionam o Poder Judiciário a atuar em searas que seriam de atividade privativa de outros Poderes.

            Ao passo que as jurisprudências demonstram a razoável receptividade dos Tribunais em analisar e decidir acerca de questões de cunho político-social, revela-se um novo papel do juiz no Estado Democrático de Direito. Essa nova atribuição do magistrado também será um dos objetos de estudo, pois possui estreita relação com a problemática da efetividade das normas fundamentais.

Interessante perceber que esta é uma característica nova da elite jurídica nacional, trata-se de um aspecto moderno que não possui raízes profundas em nossa história.

            Pode-se dizer, e os argumentos levantados no transcorrer da pesquisa irão demonstrar, que os aspectos econômicos, políticos e sociais descrevem íntima ligação entre a crise vivenciada pela sociedade democrática moderna, mormente nos países subdesenvolvidos, onde o Estado Provedor não mais exerce sua função garantidora dos mínimos aspectos existenciais como saúde, educação e direito à vida.

            A transposição da luta política para a luta judicial será um dos aspectos abordados neste estudo, sendo certo que esta questão exerce grande relevância no escopo da problematização do tema referente aos direitos fundamentais.

            No tocante aos autores utilizados, pode-se afirmar que, desde os considerados clássicos e tradicionais, até os reputados de vanguarda serão de suma importância para a compreensão da reflexão proposta. A partir das linhas de pensamentos tradicionais em direção a correntes mais progressistas constrói-se os argumentos da pesquisa.

            O mote deste estudo diz respeito à visualização de novo papel do Direito e de seus operadores. Revisam-se antigos conceitos para concluir-se que, assim como a sociedade é dinâmica e absolutamente mutável, assim é o Direito. A sociedade empurra o Direito a modificar-se e adequar-se a novos paradigmas.

            Através da abordagem e análise da fração dos direitos constitucionais, que detêm maior implicação com os aspectos mais básicos das promessas democráticas, se percebe a profunda e indissociável ligação entre o mundo jurídico e o mundo social e político.

            Pode-se afirmar que a principal contribuição deste trabalho está relacionada com a escassa produção de pesquisas que conjuguem a esfera jurídica com a esfera social. É insuficiente a quantidade de estudo, nas ciências jurídicas, que sejam multidisciplinares. Ademais, apresenta-se aqui novos conceitos e uma visão moderna do Direito e sua relação com os jurisdicionados.

            Em relação à metodologia utilizada pode-se dizer que a obra que serviu como coluna vertebral do trabalho seja o livro do autor francês Antoine Garapon. Diversos autores brasileiros e alguns estrangeiros, como Norberto Bobbio, serviram de apoio para a pesquisa. Além disso, as jurisprudências dos Tribunais Superiores brasileiros foram ricas fontes de inspiração para a composição dos argumentos. Pode-se justificar a escolha pelas decisões dos Tribunais Superiores, tendo em vista que desta forma a pesquisa ficaria mais centralizada e direcionada. Outrossim, não houve tempo hábil para que fosse feito estudo quantitativo de jurisprudências, hipótese que proporcionaria uma visão mais ampla e detalhada do perfil das decisões judiciais nacionais.

            Por derradeiro, as jurisprudências coletadas serviram como ilustrações empíricas dos argumentos elencados, e não possuem a pretensão de generalizar as opiniões dispostas nestas decisões ou reputá-las como sendo um denominador comum no amplo universo das convicções jurídicas.

           

I – Questões políticas

 

1 – Sobre o Welfare State.

 

1.1 –  Definição de Welfare State.

 

Podemos compreender Welfare State como a mobilização em larga escala do aparelho de Estado em uma sociedade capitalista a fim de executar medidas orientadas diretamente ao bem-estar da população. Não se tratando apenas de um simples conjunto de políticas sociais (Souza, 1999).

            Todo indivíduo possui o direito a um conjunto de bens e serviços de deveriam ser fornecidos, a priori, diretamente através do estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Esses direitos vão desde a cobertura de saúde e educação em todos os níveis, até o auxílio ao desempregado, à garantia de uma renda mínima.

            Desta forma, o Welfare State é definido como a proteção oferecida pelo governo na forma de padrões de renda mínima, alimentação, saúde, habitação e educação, assegurados a todos os cidadãos como um direito político, e não como caridade. Esse tipo de modelo estatal seria a institucionalização dos direitos sociais.

            O Welfare State está intimamente ligado com o capitalismo. Esping-Andersen[1] apontam que o Welfare State é o fruto das lutas ou mais amplamente, é uma articulação das políticas de redistribuição, sendo este uma reprodução de uma ordem social.

 

 

 

 

 

1.1.1        – Teorias acerca do desenvolvimento do Welfare State.

 

É possível discutir sobre várias teorias a respeito do desenvolvimento do Welfare State. Neste trabalho somente serão abordadas aquelas que podem ser consideradas mais importantes ou mesmo, mais relevantes para presente discussão.

Piore e Sabel[2] analisando o caso específico dos Estados Unidos compreendeu o desenvolvimento do Welfare State nas décadas posteriores a 30 como resultado da crença na necessidade de regulação da economia capitalista difundida especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Neste contexto o Welfare State desempenharia uma função reguladora, pois deveria garantir um equilíbrio razoável entre os níveis de oferta e demanda agregadas para um bom funcionamento da economia. Uma solução organizacional parcial neste contexto foi a criação das corporações (especialmente as corporações industriais), que garantiam o controle sobre o mercado para seus produtos e sobre o fornecimento de seus insumos. Dentro deste contexto vem a tona o conceito de keynesianismo, que foi a estratégia de regulação dos Estados Unidos nos pós-1930, sendo posteriormente difundido e adaptado em diversos outros países. Na lógica keynesiana, a geração de demanda é o problema central da economia. O Estado age com sucesso sobre a economia quando garante a suficiência dos níveis de demanda agregada.

Entretanto, para Vacca[3] o Estado não se limita a regular a vida econômica, mas também a política. O Welfare State, a partir da década de 20 nos países industrializados da Europa e Estados Unidos, que havia surgido como um instrumento de controle político das classes capitalistas sobre as classes trabalhadoras, incentivava simultaneamente a acumulação capitalista. Neste sentido, a intervenção no processo de barganha das classes trabalhadoras limita institucionalmente a capacidade de organização extra-estatal dos trabalhadores.

Uma das conseqüências funcionais do Welfare State é a de socializar as responsabilidades pela reprodução da força de trabalho, tornando públicas relações antes limitadas à esfera privada e fazendo com que alocações de recursos antes decididas por critérios de mercado, sejam determinadas politicamente.

Segunda ainda Piore e Sabel[4], três elementos foram fundamentais para o sucesso das políticas de regulação dos níveis de demanda agregada. Em primeiro lugar, a expansão dos sindicatos nas indústrias de produção de massa e a subseqüente difusão do processo de negociação coletiva entre os demais trabalhadores. Esse fato foi fundamental para estabelecer salários, garantindo a expansão do poder de compra do mercado interno à mesma taxa de expansão da capacidade de produção. Em segundo lugar, os gastos do governo, que complementavam a demanda privada. Em terceiro, a criação de um sistema de seguridade social, que garantia a manutenção dos níveis de demanda privada e automaticamente elevava o poder de compra dos consumidores, caso suas rendas fossem reduzidas. Através dos gastos sociais, uma parte significativa da demanda passava a ser decidida por mecanismos políticos e, portanto, independente dos níveis de atividade privada. Por isso, a maior parte dos gastos sociais podia agir contraciclicamente às variações na demanda.

Przerworky e Wallerstein[5] e Esping-Andersen[6], afirmam que o desenvolvimento do Welfare State foi fundamentado em um compromisso de classe: em troca da legitimação da propriedade privada dos meios de produção, os capitalistas concordam com instituições políticas que permitem aos representantes dos trabalhadores a administração de parte da economia.

Para Przeworsky e Wallerstein[7], no entanto, tal compromisso não é propriamente uma concessão política diante do poder da classe trabalhadora, mas sim uma medida orientada para a reprodução do capital cuja base ideológica é o keynesianismo. A expansão dos gastos sociais do governo e a redistribuição de rendas em benefício das pessoas que consomem a maior parte de seus rendimentos (os trabalhadores) são duas maneiras de atender simultaneamente a interesses de capitalistas e trabalhadores, estimulando a produção. Como aumentar a produção implica elevar a taxa de utilização de recursos da economia, essas políticas reduzem o desemprego. Assim, o bem-estar dos trabalhadores não é assunto da caridade privada, mas da economia como um todo. Trata-se de uma nova forma de encarar a assistência, que sai da esfera privada e torna-se objeto de política pública:

 

(...) o compromisso keynesiano consistiu em um programa dual: ‘pleno emprego e igualdade’, onde o primeiro termo significava regulação do nível de emprego pela administração da demanda, particularmente dos gastos do governo, e o último consistia na malha de serviços sociais que constituíram o ‘estado de bem-estar’. (...) O resultado é que as relações sociais são medidas pelas instituições políticas democráticas ao invés de permanecerem privadas.[8]

 

Lipietz[9] afirma que é a adoção, nos países industrializados, de um modelo de desenvolvimento baseado no fordismo que permite a expansão do Welfare State. Na Teoria da Regulação, que norteia as análises de Lipietz, um modelo de desenvolvimento é o resultado da combinação de três elementos: modelo do processo do trabalho (paradigma tecnológico), regime de acumulação (condições macrossociais de produção e distribuição do produto) e modo de regulação (mecanismos de controle das contradições entre o comportamento dos indivíduos e os princípios coletivos do regime de acumulação). Neste sentido, o Welfare State desenvolveu-se na esfera do modo de regulação como mecanismo para assegurar a adesão dos trabalhadores ao compromisso fordista. O Welfare State é, portanto, um mecanismo funcional para a sustentação da concepção fordista de progresso, que confere ao Estado o papel ativo de controlador do processo de produção pela regulação do progresso tecnológico, do consumo de massa e da defesa de interesses nacionais.

Tentando agregar determinantes de caráter tanto econômico quanto político em uma teoria sobre o surgimento do Welfare State, Flora e Heidenheimer[10], a partir das análises referentes a 15 países da Europa Ocidental e América do Norte, relacionam o crescimento do Welfare State ao fenômeno geral da modernização. Em sua teoria, o desenvolvimento do Welfare State pode ser entendido como uma resposta a dois acontecimentos fundamentais: a formação dos estados nacionais e sua transformação em democracias de massa e a expansão do modo de produção capitalista. Nas democracias de massa, o Welfare State seria tanto uma resposta às demandas por igualdades socioeconômicas e por institucionalização de direitos sociais (civis e políticos) quanto à demanda por seguridade econômica e social. Criado nessas bases, o Welfare State implicou, por um lado, uma transformação do próprio Estado, permitindo a emergência de um novo sistema de dominação composto por elites de beneficiários, clientelas sociais e uma burocracia prestadora de serviços. Com a transformação da estrutura do Estado, sua função e suas bases de legitimação também mudam: os objetivos de segurança externa, liberdade econômica interna e universalismo legal são substituídos pela provisão sistemática de seguridade social e transferências monetárias. Por outro lado, o Welfare State é uma tentativa de lidar com problemas específicos do desenvolvimento do capitalismo, como conflito entre classes e as crises cíclicas do sistema, constituindo uma tentativa de obter a cooperação das classes trabalhadoras sem, no entanto, desafiar a instituição e a distribuição da propriedade privada.

Offe e Lenhardt[11] têm sua atenção voltada para as fontes e conseqüências materiais do emprego do poder do Estado, na tentativa de descobrir como a política social surge e que funções cumpre nas sociedades capitalistas. Estes autores afirmam que as políticas sociais não são apenas uma “reação” aos problemas existentes entre a classe trabalhadora: elas são um mecanismo de constituição dessa classe. A principal função das políticas sociais – e, conseqüentemente, do Welfare State – é regular o processo de estabilização da força de trabalho na forma de trabalho assalariado.

As diferenças entre Offe e Lenhardt[12] e Esping-Andersen[13] ocorrem em razão da ótica empregada para analisar a relação entre o Welfare State e o uso da força de trabalho como mercadoria. Offe e Lenhardt[14] estão declaradamente preocupados com os aspectos funcionais dos sistemas de seguridade, já que seu interesse é pelos papéis do Estado no processo de reprodução do capital. Esping-Andersen, por sua vez, mescla em sua análise aspectos formais e funcionais do Welfare State. No nível macrossocial, os aspectos formais são usados para explicar o desenvolvimento do Welfare State enquanto, no nível micro, os aspectos funcionais são usados para explicar os resultados positivos do Welfare State para os trabalhadores.

Por derradeiro, podemos dizer que as diversas teorias aqui apresentadas podem ser agrupadas em função de suas similaridades no conteúdo de seus argumentos. O primeiro grande grupo é composto por aquelas que enfatizam o papel de regulação da sociedade exercido pelo Welfare State. De modo geral, essas teorias postulam que a capacidade de integração social das instituições econômicas é limitada até mesmo para coordenar o funcionamento da economia, requerendo a existência de outras instituições, como o Estado, para realizar esta tarefa. Nesse grupo estão as teorias cujo eixo principal é a organização da economia no nível macro através de políticas de cunho keynesiano, as teorias de organização do processo de produção por intermédio de “compromissos” entre capital e trabalho e as teorias que interpretam o Welfare State como um instrumento de controle político das classes trabalhadoras pelas classes capitalistas.

O segundo grupo é o de teorias preocupadas com os atores que configuram o Welfare State. Nestas, cada configuração é o resultado de jogos e força entre representantes políticos, burocratas, entidades representativas de classe e movimentos sociais, que expressam tanto a lógica interna de funcionamento do Estado quanto sua relação com forças políticas externas. Ao deslocar o foco de análise para os atores, essas teorias destacam que o Welfare State não pode ser analisado apenas como produto da interação entre Estado e classes sociais, mas também como produto de relações no interior do Estado e das classes sociais. A elaboração e execução das políticas sociais deixam de ser vistas como resultado de decisões autárquicas dos órgãos de governo e passam a ser encaradas como resultado do jogo de interesses entre os políticos e a máquina burocrática.

Esses grupos não são mutuamente excludentes. Ao contrário, sua combinação é uma estratégia útil para a análise do desenvolvimento do Welfare State. A consideração dos atores envolvidos na configuração das políticas públicas corresponde a um certo grau de microfundamentação das teorias estruturalistas, que traz a vantagem de explicar fatos aparentemente contraditórios sob determinadas perspectivas, como por exemplo, a execução de determinadas políticas sociais que vão de encontro às intenções dos governos ou ainda a expansão dessas políticas em sociedades nas quais o poder de barganha política dos trabalhadores é reduzido.

 

1.1.2        – O Welfare State nos países subdesenvolvidos.

 

Nos países subdesenvolvidos o Welfare State tende a surgir mais como uma decisão autárquica do Estado do que como resultado de jogos de força entre trabalhadores e capitalistas. Apesar de seu papel secundário na regulação dos níveis de demanda agregada, o Welfare State tem efeitos importantes sobre a modernização. Enquanto em países desenvolvidos a evolução da relação de assalariamento acompanha o desenvolvimento tecnológico, na modernização dos subdesenvolvidos a maior parte da tecnologia, importada, é implementada desconsiderando as características locais de mão-de-obra, criando assim um descompasso entre os meios de produção e a força de trabalho que os utiliza. Isso cria um incentivo à institucionalização do Welfare State que, devido a seus efeitos de mercantilização da força de trabalho, torna-se importante para fazer migrar a mão-de-obra dos setores tradicionais aos setores modernos.

Em países subdesenvolvidos, quando a burocracia é um dos grupos privilegiados que se beneficiam direta ou indiretamente do Welfare State e, em vez de compor alianças políticas com movimentos organizados de trabalhadores, as compõe com classes dominantes, os gastos sociais tendem a apresentar caráter regressivo, privilegiando as parcelas mais ricas da população.

 

1.2      O Welfare State no Brasil.

 

Podemos afirmar que no Brasil, o Welfare State surge a partir de decisões autárquicas e com caráter predominantemente político que visavam regular aspectos relativos à organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia.

Durante o período compreendido entre 1930 e 1964 foram implementadas medidas de centralização das ações estatais que tiveram o intuito de propiciar a integração da economia nacional e regulamentar os fatores de produção. Da ótica do Welfare State, essa regulamentação se traduz na promulgação de leis referentes às condições de trabalho e à venda da força de trabalho (Barcellos, 1983, págs. 17-18).

É notório que é somente a partir de 1930 que se torna nítida a constituição do Welfare State no Brasil, com políticas sociais de profundo caráter conservador. De acordo com a perspectiva corporativista dos grupos no poder, nesse período predominava um ideal de sociedade harmônica em que os antagonismos entre classes eram encarados como nocivos ao bem comum representado pelo Estado. Assim, uma marca do surgimento do Welfare State brasileiro é o autoritarismo, evidente na repressão aos movimentos de trabalhadores, como afirma Barcellos:

 

Até 1937, embora vigorasse no Brasil o Estado de Direito, já começavam a se delinear os traços autoritários que estariam presentes, com uma intensidade variável, no decorrer do período que se estende até 1964. Nesse primeiro momento, o autoritarismo expressava-se fundamentalmente na estrutura corporativista da organização sindical, que começou a ser montada em 1930. O corporativismo, deslocando os conflitos entre capital e trabalho para a esfera do Estado, descaracterizou e obstaculizou a livre manifestação das reivindicações dos trabalhadores.[15]

 

 

Considerando que a edificação do Welfare State no Ocidente corresponde, em linhas gerais, a demanda por maior igualdade e segurança nas economias capitalistas, Draibe analisa a formação do Welfare State brasileiro, tomando como ponto de partida a década de 1930. A toda essa década e ao início da seguinte corresponde um movimento de criação da base institucional-legal para as políticas sociais:

 

A produção legislativa a que se refere o período de 1930/43 é fundamentalmente a que diz respeito à criação dos institutos de aposentadoria e pensões, de um lado, e de outro, a relativa a legislação trabalhista, consolidada em 1943. Se essa é, de fato, a inovação mais importante, o período é também fértil em alterações nas áreas de política de saúde e de educação, onde se manifestam elevados graus de ‘nacionalização’ das políticas sob a forma de centralização no Executivo Federal, de recursos e de instrumentos institucionais e administrativos e resguardos de algumas competências típicas da organização federativa do país.[16]

 

A intervenção do Estado nos conflitos trabalhistas foi consagrada com a criação da Justiça do Trabalho e a regulamentação explícita das formas de negociação salarial e organização sindical. As políticas de saúde e educação foram centralizadas no Ministério dos Negócios de Educação e Saúde Pública, a previdência social foi estatizada, deixou de ser organizada por empresas e sim por categorias profissionais, e as contribuições previdenciárias passaram a ter participação paritária da União, o que simultaneamente desonerou o capital no que diz respeito a gastos com seguros sociais, garantiu níveis mínimos de manutenção da força de trabalho e legitimou politicamente o Estado.

Desta forma, podemos afirmar que do ponto de vista dos marcos institucionais, o período correspondente a 1946/1964 é marcado pela criação de instrumentos legais voltados para o funcionamento de um governo democrático. Nele, o autoritarismo perde espaço, porém o populismo continua sendo o traço fundamental da relação Estado-Sociedade (Barcellos, 1983).

 

Os governos militares iniciados em 1964, por sua vez, inauguram a fase de consolidação do sistema, acompanhada por profundas alterações na estrutura institucional e financeira das políticas sociais, que vai de meados da década de 1960 a meados da década seguinte. Nesse período, são implementadas políticas de massa de cobertura relativamente ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados de provisão de serviços sociais básicos. O modelo de Welfare State dos governos militares perdeu o caráter populista que mantinha desde o período getulista e assumiu duas linhas definidas. A primeira, de caráter compensatório, era constituída de políticas assistencialistas que buscavam minorar os impactos das desigualdades crescentes provocadas pela aceleração do desenvolvimento capitalista. A segunda, de caráter produtivista, formulava políticas sociais visando contribuir com o processo de crescimento econômico. Nesse sentido, foram elaboradas, por exemplo, as políticas de educação, que buscavam atender às demandas por trabalhadores qualificados e aumentar a produtividade da mão-de-obra semi-qualificada.

Draibe[17] classifica o Welfare State brasileiro como sendo meritocrático-particularista-clientelista no período entre o início da década de 1970 e fins da década de 1980. Tipos meritocráticos agem como mecanismos de estratificação social à medida que definem políticas específicas para grupos sociais diferentes. Neles, um dos critérios de elegibilidade é a participação do indivíduo na construção do sistema, que contribui diretamente para a sustentação das políticas. Tipos meritocráticos-particularistas tendem, no limite, a reforçar as desigualdades preexistentes, tendo-se em vista que indivíduos com maior dificuldades para satisfazer a suas necessidades, são também indivíduos com menor capacidade para contribuir para o sistema de seguridade.

No período marcado pela criação da base institucional e legal do Welfare State brasileiro, o particularismo se expressava na forma de corporativismo. Da fase de consolidação do sistema em diante, o caráter clientelista foi o que mais afetou a dinâmica das políticas sociais no país, manifesto por uma tendência a “feudalizar”, sob o domínio de grupos, personalidades e cúpulas partidárias, áreas do organismo previdenciário e, principalmente, pela distribuição de benefícios em períodos eleitorais. A ampliação das políticas assistencialistas favoreceu esse caráter do modelo, mas o clientelismo afetou também a educação e as políticas de habitação e saúde (Draibe, 1989).

 

Até as reformas ocorridas na década de 1980, o Welfare State brasileiro era caracterizado por centralização política e financeira em nível federal, fragmentação institucional, tecnocratismo, autofinanciamento, privatização e uso clientelístico das políticas sociais. Essas são características de um sistema de proteção social que não tem pretensões de funcionar como mecanismos redistributivo do produto da economia. Assim como na fase de surgimento, sua constituição é direcionada à legitimação da ordem política e à defesa dos objetivos estabelecidos pela cúpula do governo e expressa tanto a falta de poder político dos movimentos de trabalhadores em geral quanto a falta de autonomia da máquina burocrática. Nesse período, no entanto, o Welfare State apresenta algum poder de regulação sobre a demanda agregada, pois o modelo de desenvolvimento adotado baseia-se explicitamente em uma segmentação da sociedade em que o mercado dos produtos nacionais coincide com a elite dos beneficiários das políticas.

Draibe analisou a Constituição de 1988 como um avanço em certos aspectos no tocante a correção de desigualdades, conforme afirma: “a nova constituição introduziu avanços formais, corrigindo iniqüidades e ampliando direitos, especialmente no campo trabalhista e na seguridade social”.[18]

A estratégia governamental de política social no período 1990/1992 é caracterizada por um forte processo de desaparelhamento e fragmentação burocrática resultante de ataques à presença do Estado na vida social. A partir de 1993 observamos um período marcado pela visão da assistência social como direito social, universalização do acesso e gratuidade dos serviços estatais. A nova fase das políticas sociais brasileiras seria marcada pela focalização baseada em critérios mais amplos que o da renda individual, o reforço da seletividade e da focalização sem perda do universalismo (com distribuição de benefícios na proporção inversa das carências), redução do estatismo com preservação do caráter público e gratuito dos serviços mediante parcerias com movimentos sociais e o setor privado e a maior aceitação e apoio no meio político a programas de transferência monetária direta, como os de renda mínima.[19]

Fagnani[20] sustenta que, apesar de possuir um discurso distributivista, o governo federal conduz, na segunda metade da década de 90, as políticas sociais de forma incompatível com medidas de ajuste macroeconômico, fazendo que avanços na área social fossem minados por políticas econômicas.

Em linhas gerais podemos concluir que nos países industrializados, o Welfare State cumpriu um papel importante de regulação de demanda agregada. Nesses países, a geração dessa demanda dava-se pelo aumento da capacidade de consumo das famílias e pelos gastos sociais do governo.

Não há evidências de que esse tenha sido o principal papel do Welfare State no Brasil. Fundamentalmente preocupado com os efeitos dos mercados externos na economia nacional, a disponibilidade de insumos e investimentos em bens de capital e infra-estrutura, o Estado brasileiro utiliza, ao menos até a década de 1990, as políticas sociais como um instrumento de legitimação da ordem política e social e fornecimento de mão-de-obra assalariada à indústria.

Desta forma, verifica-se que as políticas são estruturadas com base em princípios de autofinanciamento; e distribuídas por critérios particularistas, o que não apenas limita o universo de beneficiários como também torna os gastos sociais extremamente regressivos. 

 

2            Sobre o Princípio da Separação de Poderes.

 

2.1      Origens do Princípio da Separação de Poderes:

 

            Acredita-se que o primeiro teórico a falar a respeito do princípio de separação de poderes, tornando-se um dos precursores nesta seara foi Aristóteles. Em sua obra Política, Aristóteles realizara a distinção entre a assembléia-geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário.[21]

            Existem ainda outros teóricos que dedicaram seus estudos a esta linha de pensamento. Destes, podemos citar Marsílio de Pádua em Defensor Pacis que já retratava a natureza das diferentes funções estatais. A Escola de Direito e das Gentes, com Grotius, Wolf e Puffendorf, ao falar em partes potentiales summi imperii, se aproximara bastante da distinção estabelecida por Montesquieu.

            Entretanto, será Montesquieu com a criação de Do Espírito das Leis, que descreve a técnica de separação de poderes que este princípio ganhará destaque e prestígio. Em linhas gerais, podemos falar que a reflexão política de Montesquieu que conduz a este princípio gira em torno do conceito de liberdade.

 

2.2 – Acerca da teoria de Montesquieu:

 

            Conforme descreve Norberto Bobbio[22] no livro A Teoria das Formas de Governo, a teoria de separação de poderes formulada por Montesquieu aparece no Livro XI da obra O Espírito das Leis. O mencionado Livro XI trata das leis que formulam a liberdade política. Bobbio afirma, baseado nos ensinamentos de Montesquieu, que somente pode haver liberdade política nos Estados Moderados, onde não há abuso de poder. Assim, a saída apontada para impedir tal abuso deveria ser a distribuição das funções do Estado a órgãos diferentes, onde o poder possa constituir um freio ao próprio poder.

            Raymond Aron[23] ao analisar a teoria de Montesquieu descreve as três funções do Estado pensadas pelo referido autor francês, o poder legislativo deve cooperar com o executivo; deve examinar em medida as leis estão sendo aplicadas corretamente por este último. O executivo deve manter relação cooperativa com o legislativo, através daquilo que Montesquieu chama de faculdade de impedir.

            Ao retratar as atribuições do poder de julgar, Montesquieu, sob a ótica de Aron[24], o percebe de forma invisível e nula. O que parece indicar que, como o judiciário é essencialmente o intérprete das leis, deve ter o mínimo possível de iniciativa e personalidade. Desta forma, é descrito não como poder de pessoas, mas o poder das leis.

            Segundo este mesmo autor, além da formulação da doutrina do equilíbrio dos poderes sociais e da cooperação dos poderes políticos, Montesquieu elaborou o princípio segundo o qual a condição para o respeito às leis e para a segurança dos cidadãos é a de que nenhum poder seja ilimitado.

            J. A. Guilhon Albuquerque[25] afirmou que a versão mais divulgada da teoria dos poderes foi aquela que a definiu como a separação de poderes ou a eqüipotência. Segundo esta versão, Montesquieu estabeleceria, como condição para o Estado de direito, a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário e a independência entre eles. Neste sentido, essas três funções deveriam possuir igual poder.

            Entretanto, o mencionado autor entende a teoria de Montesquieu de forma diversa. Seu posicionamento está baseado nas análises de L. Althusser, que se inspira em artigos de Charles Eisenmann (‘L’espirit dês lois’ et la séparation de pouvoirs, 1933). Segundos esses autores, Montesquieu mostra claramente que existe uma imbricação de funções e uma interdependência entre o executivo, o legislativo e o judiciário. Desta forma, a separação de poderes de Montesquieu teria outro significado. Poderíamos então falar da existência de um poder que seja capaz de contrariar outro poder.

            Neste sentido, a estabilidade do regime ideal estaria situado na correlação entre as forças reais da sociedade se expressando também nas instituições políticas, isto é, seria necessário que o funcionamento das instituições permitisse que o poder das forças sociais contrariasse e, assim, moderasse o poder das demais.

            Guilhon Albuquerque[26] sugere baseado nos estudos de Althusser (obra acima mencionada) que a teoria de separação de poderes se mostra absolutamente contemporânea, pois ela se inscreve na linha direta das teorias democráticas que apontam a necessidade de arranjos institucionais que impeçam que alguma força política possa a priori prevalecer sobre as demais, reservando-se a capacidade de alterar as regras depois de jogado o jogo.

            Já Bonavides[27] afirma que Montesquieu sustentava que uma experiência eterna atesta que todo homem que detêm o poder tende a abusar do mesmo. Segundo ele o abuso vai até onde lhe deparem os limites. E para restringir este tipo de abuso é necessário organizar a sociedade política de tal forma que o poder seja um freio ao poder, limitando o poder pelo próprio poder. O princípio da separação de poderes, desta forma, travaria o arbítrio do governante, em ordem a prevenir a concentração de poderes num só ramo da autoridade pública.

            Na ótica de Bonavides[28], o pensador francês vislumbrava a existência de três tipos de poderes em cada Estado: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. Cada tipo de poder corresponde a determinadas funções. Através do poder legislativo faz-se as leis, através do executivo o príncipe ocupa-se de estabelecer a segurança e prevenir as invasões e pelo judiciário o príncipe adquire a faculdade de punir e julgar os crimes. Montesquieu classifica os poderes legislativo e executivo como sendo políticos e vê o poder judiciário como sendo de certa forma um poder neutro.

            Desta forma, a liberdade está presente sempre que haja um governo em face do qual os cidadãos não abriguem nenhum temor recíproco. A liberdade política sempre exprimirá o sentido de segurança, de garantia e de certeza que o ordenamento jurídico proporcione as relações de indivíduos para individuo, sob a égide da autoridade governativa.

            A liberdade desaparece ou se extingue nas hipóteses de configuração da união dos três poderes na pessoa de um só titular. Quando, por exemplo, uma única pessoa possui o poder legislativo e executivo não poderá haver liberdade, uma vez que haverá o constante temor da elaboração de leis tirânicas, sujeitas a uma não menos tirânica aplicação. Já o poder judiciário ao lado do poder legislativo, em mãos de um titular exclusivo, confere ao juiz a força de um opressor. A opressão se manifesta pela ausência ou privação da liberdade política.

            Entretanto, Montesquieu ressaltava que como a natureza das coisas não permite a imobilidade dos poderes, mas o seu constante movimento, são eles compelidos a atuar de forma harmônica. Esta faculdade de estatuir e impedir antecipam já a chamada técnica dos checks and balances, dos pesos e contrapesos, desenvolvida posteriormente por Bolingbroke, na Inglaterra durante o século XVIII. Paulo Bonavides em sua obra Ciência Política explica melhor esta questão: “Com efeito, quando o executivo emprega o veto para enfrear determinada medida legislativa não fez uso da faculdade de estatuir mas da faculdade de impedir, faculdade que se insere no quadro dos mecanismos de controle recíproco da ação dos poderes”.[29]

 

2.3 – Técnicas de controle da separação de poderes:

 

            Na técnica dos freios e contrapesos a presença do executivo na órbita legislativa se dá por via do veto e da mensagem. Com o veto dispõe o executivo de uma possibilidade de impedir resoluções legislativas e com a mensagem recomenda, propõe e eventualmente inicia a lei, principalmente naqueles sistemas constitucionais que conferem a esse poder toda iniciativa em que questões orçamentárias e de ordem financeira em geral. Já a participação do executivo na esfera do poder judiciário se exprime mediante o indulto, faculdade com que ele modifica efeitos de ato proveniente de outro poder.

 

Igual participação se dá através da atribuição reconhecida ao executivo de nomear membros do poder judiciário. Do legislativo partem laços vinculando o executivo e o judiciário a dependência das câmaras. São pontos de controle parlamentar sobre a ação executiva: a rejeição do veto, o processo de impeachment contra a autoridade executiva, aprovação de tratado e a apreciação de indicações oriundas do poder executivo para o desempenho de altos cargos da administração pública. Em relação ao judiciário, a competência legislativa de controle possui, em distintos sistemas constitucionais, de determinar o número de membros do judiciário, limitar-lhe a jurisdição, fixar a despesa dos tribunais, majorar vencimentos e organizar o poder judiciário.

A faculdade do judiciário de impedir só se manifesta concretamente quando esse poder frente às câmaras decide sobre inconstitucionalidade de atos do legislativo e frente ao ramo do poder executivo profere a ilegalidade de certas medidas administrativas.

 

2.4 – Adoção do princípio da separação de poderes:

 

            Podemos afirmar que a adoção mais célebre da separação de poderes ocorreu na Constituição Federal Americana de 1787. O texto constitucional não menciona o princípio uma única vez e, no entanto, a Constituição seria inteligível se fosse omitida a presença da separação de poderes que é a técnica de repartição da competência soberana naquele importante documento.

            Todavia, a exaltação mais passional deste princípio alcança o mais alto grau de intensidade na letra das Constituições francesas inspiradas pelas máximas do liberalismo. Com efeito, o artigo 16 da Constituição Francesa de 3 de setembro de 1791, na parte relativa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão descrevia: “Toda sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos do homem nem determinada a separação de poderes, não possui constituição”.

            Paulo Bonavides descreve a primeira aparição do mencionado princípio no contexto nacional da seguinte forma:

 

O Brasil, ao decidir pela forma republicana de governo, aderiu ao princípio da separação de poderes na melhor tradição francesa – a de Montesquieu – com explicação formal. O Império se abraçara, porém a uma separação inspirada em Benjamim Constant, onde os poderes são quatro ao invés de três.  [30]

 

2.5 – A necessidade de repensar o princípio da separação de poderes:

           

            Atualmente podemos falar da emergência de novos poderes na sociedade, donde se destaca especialmente o poder partidário, o poder político das categorias intermediárias (grupos de interesses que logo se convertem em grupos de pressão), o poder burocrático, o poder das elites cientificas etc. Esses novos poderes pressionam cada vez mais a camada governante a atender suas reivindicações.

Nos deparamos, desta forma, com o paradigma de uma sociedade com poderes separados e divididos, mas que ao mesmo tempo deve conciliar a noção de soberania com o crescente número de grupos da pressão políticas. Coste-floret, relator de um projeto constitucional na França, resumiu bem o estado presente da doutrina de separação de poderes, quando escreve:

 

Pois que é indubitável que a soberania é una, é impossível admitir com o sistema presidencial que existem três poderes separados. Mas porque a soberania é una, não é preciso concluir que todas as funções do Estado devem ser necessariamente confundidas. Para realizar uma organização harmônica dos poderes públicos, é preciso ao contrário construí-los sobre o princípio da diferenciação das três funções do Estado: legislativa, executiva, judiciária. Para tomar de empréstimo uma comparação simples à ordem biológica, é exato por exemplo, que o corpo humano é uno e todavia o homem não faz com os olhos o que tem que o hábito de fazer com as mãos. É preciso que ao princípio da unidade orgânica se junte a regra da diferenciação das funções. Há muito tempo que a regra de separação de poderes, imaginada por Montesquieu como um meio de lutar contra o absolutismo, perdeu toda a razão de ser.[31]

 

            Não resta dúvida, por conseguinte, em afirmar que a separação de poderes expirou há muito como dogma da ciência. Foi dos mais valiosos instrumentos de que se serviu o liberalismo para conservar na sociedade seu esquema de organização de poder. Contemporaneamente, bem compreendido, ou cautelosamente instituído, com os corretivos já impostos pela mudança dos tempos e das idéias, o velho princípio vislumbrado por Montesquieu poderia, segundo alguns pensadores contra-arrestar outra forma de poder absoluto para o qual caminha o Estado moderno: a onipotência sem freio das multidões políticas.

            Competiria, pois a esse princípio desempenhar ainda, conforme entendem alguns de seus adeptos, missão moderadora contra os excessos desnecessários de poderes eventualmente usurpadores, como o das burocracias executivas, que por vezes atalham com seus vícios e erros a adequação social do poder político, do mesmo passo que denegam e oprimem os mais legítimos interesses da liberdade humana.

            Todos os princípios e teorias apresentados no presente capítulo foram de relevância no intuito de delimitar os argumentos políticos que servirão de base teórica para a argumentação jurídica.

            A delimitação e caracterização do Welfare State e a apresentação da Teoria de Separação de Poderes irá nos mostrar no desenrolar dos futuros capítulos, como a crise política e econômica de uma sociedade podem afetar e modificar as relações jurídicas de um país.

 

II – Questões de direito

 

            O presente capítulo deseja apresentar novas perspectivas e visões do Direito à luz das alterações sociais, econômicas e políticas ocorridas na sociedade brasileira nos últimos anos. Tanto a análise do conceito de interpretação e eficácia das normas quanto a configuração de um novo papel na sociedade que vem sendo desempenhado pelo Judiciário irão auxiliar na compreensão da questão da efetividade das normas constitucionais de direito fundamental.

 

3 – A interpretação da norma legal.

 

            Norberto Bobbio[32] na obra O positivismo jurídico ao descrever o positivismo jurídico afirma que existem dois momentos na atividade relativa ao direito. O momento ativo do direito, que encontra sua manifestação mais típica na legislação e o momento criativo do direito que está localizado na jurisprudência. A jurisprudência, nestes termos, pode ser definida como a atividade cognoscitiva do direito visando à sua aplicação.

 

            O ponto de atrito entre o juspositivismo e seus movimentos teóricos adversários que Bobbio[33] chama de realismo jurídico, está localizado na questão da natureza cognoscitiva da jurisprudência. Para a teoria juspositivista, a jurisprudência consiste numa atividade puramente declarativa ou reprodutiva de um direito preexistente, ou seja, no conhecimento puramente passivo e contemplativo de um objeto já dado. Já para o realismo jurídico, a natureza cognoscitiva consiste numa atividade que é também criativa ou produtiva de um novo direito, isto é, no conhecimento ativo de um objeto que o próprio sujeito cognoscente contribui para produzir.

            O positivismo jurídico, segundo Bobbio[34], concebe a atividade de jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o direito, ou seja, para explicar com meios puramente lógico-racionais o conteúdo de normas jurídicas já dadas. Assim, a tarefa da jurisprudência não é a criação, mas a interpretação do direito.

            Outrossim, o positivismo jurídico é acusado, conforme observa Bobbio na obra acima mencionada, de sustentar uma concepção estática da interpretação, que deveria consistir somente na reconstrução pontual da vontade subjetiva do legislador que pôs as normas, sem se preocupar em adaptar estas últimas às condições e exigências histórico-sociais variadas, como faz, ao contrário, a interpretação evolutiva sustentada pela corrente antipositivista. 

 

3.1 - A necessidade da interpretação.

 

            À luz da experiência jurídica vivenciada há muito pelos operadores do Direito ao longo da história da ciência jurídica, nota-se claramente que grande parte daquilo que é previsto nas normas legais somente pode ser atendido através da utilização do trabalho de adaptação e construção.

            O próprio sentido da concepção de justiça social contribuiu para que a prática da interpretação de lei fosse apresentada a novas perspectivas, como se a justiça legal devesse suprir as deficiências sociais e morais da organização econômica e política. A noção de que a lei, obra do legislador, era algo de definitivo e inflexível, cedeu há muito à idéia de que a lei nunca está concluída porque tem de acompanhar a vida da sociedade.

 

            Entretanto, é interessante notar o que foi sustentado por Hermes Lima ao analisar os aspectos da interpretação das normas afirmava que a lei não deve ser lida pelo operador do Direito de forma a contrariar a vontade do legislador:

 

A solução não deve ser contrária à vontade legislativa desde que se encontre expressa. O juiz não poderá substitui-la porque isto feriria a segurança jurídica e a vontade legislativa. Se há obscuridades, o intérprete recorrerá ao costume, à tradição, à autoridade. Só depois de esgotados esses recursos, recorrerá primeiro à analogia, depois aos elementos da organização moral, religiosa, política e econômica.[35]

 

            Pode ser considerada uma característica natural das normas legais a possibilidade de existência de lacunas, característica esta que está implícita no próprio caráter abstrato da norma. Estas lacunas só podem ser preenchidas pela investigação livre do direito. Sendo assim, o juiz não pode se dispensar de julgar alegando que a lei apresenta lacunas, pois é seu dever preenchê-la. Bourdieu já descrevia a atividade do jurista da seguinte forma:

 

Pertence aos juristas, pelo menos na tradição dita romano-germanica, não o descrever das práticas existentes ou das condições de aplicação prática das regras declaradas conformes, mas sim o por-em-forma dos princípios e das regras envolvidas nessas práticas, elaborando um corpo sistemático de regras assente em princípios racionais e destinado a ter uma aplicação universal. Participando ao mesmo tempo de um modo de pensamento teológico – pois procuram a revelação do justo na letra da lei, e do modo de pensamento lógico pois pretendem por em prática o método dedutivo para produzirem as aplicações da lei ao caso particular –, eles desejam criar uma <<ciência nomológica>> que enuncie o deve-ser cientificamente; como se quisessem reunir os dois sentidos separados da idéia de <<lei natural>>, eles praticam uma exegese que tem por fim racionalizar o direito positivo por meio de trabalho de controle lógico necessário para garantir a coerência do corpo jurídico e para deduzir dos textos e das suas combinações conseqüências não previstas, preenchendo assim as famosas <<lacunas>> do direito.[36]

 

3.2 – O ato de interpretar a norma.

 

            Parece-me claro que o ato de interpretar efetuado pelo operador do Direito, especialmente o magistrado, não pode ser visto como uma atividade absolutamente neutra e eqüidistante. Obviamente, também não pode representar uma parcialidade tendenciosa a atender interesses particularistas ou escusos.

            É inegável que no ato de julgar o juiz considere, além de seus princípios éticos, fatores como a sua cultura, o meio social onde cresceu, a educação que recebeu durante sua vida ou mesmo observar na prática algo que já ocorrera com ele próprio. Tudo isso influencia, ainda que indiretamente, a decisão que tomará no momento do julgamento.

            Ao interpretar a norma e adequá-la ao caso concreto, o juiz possui autonomia para decidir se aquele ou outro caso deverão ser adequados a esta ou aquela norma. Esta autonomia de adaptação, tanto da norma legal propriamente dita, quanto das demais fontes de Direito, caracteriza uma possibilidade de “invenção”, da utilização da criatividade para sanar irregularidades de normas que já estão ultrapassadas ou que não acompanharam o desenvolvimento da sociedade ou que já estão de fora do habitus social e cultural dos titulares dos direitos. Esta possibilidade de “invenção” e adaptação é viabilizada pela imensa liberdade gozada pelos juízes, dada a elasticidade dos textos legais, que vão muitas vezes até a indeterminação ou ao equívoco.

Mauro Cappelletti fundamenta a tarefa criativa do juiz dizendo:

 

a resposta dada neste ensaio à indagação de se a tarefa do juiz é interpretar ou criar o direito, posiciona-se no sentido de que o juiz, inevitavelmente, reúne em si uma e outra função, mesmo no caso – que constitui, quando muito, regra não sem muitas exceções – em que seja obrigado a aplicar a lei preexistente. Nem poderia ser de outro modo, pois a interpretação sempre implica um certo grau de discricionariedade e escolha e, portanto, de criatividade, um grau que é particularmente elevado em alguns domínios, como a justiça constitucional e a proteção judiciária de direitos sociais e interesses difusos.[37]

 

 

            Tercio Sampaio Ferraz Jr.[38] afirma que a hermenêutica jurídica é uma forma de passar dogmaticamente o direito, que permite um controle das conseqüências possíveis de sua incidência, sobre a realidade antes que elas ocorram. Segundo o referido autor, mesmo quando, no caso de lacunas, integramos o ordenamento, através da equidade, por analogia etc, dando a impressão de que o intérprete está se guiando pelas exigências do próprio real concreto, o que se faz, na verdade é guiar-se pelas próprias avaliações do sistema interpretado. Esta astúcia da razão dogmática põe-se, assim, a serviço do enfraquecimento das tensões sociais, na medida em que neutraliza a pressão exercida pelos problemas da distribuição do poder, de recursos e de benefícios escassos.

            Assim, a hermenêutica possibilita uma espécie de neutralização dos conflitos sociais, ao projetá-los numa dimensão harmoniosa na qual em tese, tudo se torna passível de uma decisão. Para Tercio Sampaio Ferraz Jr.[39] o saber interpretativo conforma o sentido do comportamento social à luz da incidência normativa. A hermenêutica, desta forma, cria as condições para a decisão. 

 

3.3 – O ato de interpretar ontem e hoje.

 

            O ato de interpretar outrora, sempre foi visto como sendo a atividade do intérprete da norma legal de forma neutra, objetiva, imparcial e isenta de qualquer tipo de juízo de valor de ordem pessoal. Caberia ao juiz retirar da norma seu sentido fundamental e aplicá-la ao caso concreto.

            Entretanto, as lacunas apresentadas por algumas normas, a subjetividade extrema de outras, a falta de lógica apresentada por algumas e até mesmo a ausência de correspondência das práticas sociais e culturais de certas regras legais levaram a atividade do juiz para a seara da interpretação criativa. Em verdade, a necessidade de adequação destas normas não deixam escolha a não ser a formulação de decisões inventivas.

Ora, a atividade do juiz não pode ser separada de sua própria formação moral e da premissa maior do exercício jurisdicional que é fazer justiça, pois o Direito não é mais o instrumento de conservação social, mas de sua contestação, ele se coloca então como a fonte de uma sociedade que se constitui na busca de si mesma. Como no entender de Antoine Garapon: “A lei torna-se um produto semi-acabado que deve ser terminado pelo juiz”.[40]

            Além de tudo aquilo que já foi exposto acima, deve-se considerar que é impossível ao Legislador agir sobre tudo aquilo que a sociedade atual, em sua enorme velocidade, coloca como problema. Até porque a inevitável complexidade crescente das próprias leis acarretará maiores problemas na interpretação. Em outra parte, porque essa mesma complexidade, combinada com o necessário apelo às soluções de compromisso advindas do pluralismo político da sociedade atual, onde é cada vez mais difícil um amplo e universal consenso, conduz também a uma crescente adoção de conceitos jurídicos vagos ou indeterminados, a convocar mais uma vez o julgador, a exercitar uma “interpretação criativa”. E, por último, porque o acelerado processo de globalização e de enfraquecimento do Estado nacional aponta a direção de um pluralismo jurídico, em que o Direito Estatal, vale dizer, a Lei, não haverá de ser mais do que uma entre as diversas espécies normativas a serem consideradas.

 

4                    A eficácia das normas.

 

As regras de direito consistem na atribuição de efeitos jurídicos aos fatos da vida, dando-lhes um peculiar modo de ser[41]. O Direito elege determinadas categorias de fatos humanos ou naturais e qualifica-os juridicamente, fazendo-os ingressar numa estrutura normativa. A incidência de uma norma legal sobre determinado suporte fático converte-o em um fato jurídico. Os fatos jurídicos resultantes de uma manifestação de vontade denominam-se atos jurídicos. Deste modo, entendemos que a eficácia dos atos jurídicos consiste na sua aptidão para a produção de efeitos, para a irradiação das conseqüências que são próprias. Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para a qual foi gerado. Tratando-se de uma norma, a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir, em maior ou menor escala, os seus efeitos típicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados. Neste sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma. A eficácia tem íntima relação com a aplicação ou execução da norma jurídica no plano fático, como condicionadora da conduta humana.

Falar a respeito da eficácia das normas é falar sobre o cumprimento e observância das normas pelos seus destinatários. No Brasil possuímos inúmeros exemplos de normas constitucionais que são deliberadamente descumpridas, como por exemplo, a questão do salário mínimo. Não basta a formulação de leis que sejam explicitamente justas (do ponto de vista sociológico, humanitário etc) e que preencham todos os requisitos de validade jurídica se elas não correspondem a um cumprimento prático de suas disposições.

 

A luta pela efetivação de preceitos constitucionais vigentes deve ser uma batalha diária. A sua inobservância gera efeitos nefastos que vão além da própria questão da validade e crédito designado a norma encerrada na Carta Magna, pois as garantias fundamentais ali presentes constituem o próprio arcabouço da democracia.  [42]

 

5        A efetividade das normas constitucionais.

 

Podemos considerar que efetividade significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.[43]

A efetividade das normas depende, por assim dizer, em primeiro lugar, da eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando os efeitos que lhe são próprios. Nas hipóteses em que o efeito jurídico pretendido pela norma for irrealizável, não há efetividade possível. Mas esta seria uma situação anômala em que o Direito, como criação racional e lógica, usualmente não incorreria. Salvo, entretanto, nos casos de deliberada manipulação em que se usa o Direito como veículo de promessas antecipadamente frustradas, como um mito de dominação ideológica na expressão de Eros Roberto Grau[44].

Ora, se o Direito existe para realizar-se, as normas constitucionais não podem fugir a esta regra. A norma constitucional não pode ser relegada a determinação de ser uma regra meramente informativa, seu descumprimento deverá corresponder, como em qualquer outra norma, uma sanção. Conforme afirma Luis Roberto Barroso:

 

Fica, por conseguinte, desde logo rejeitada a idéia de que o Direito Constitucional seria ‘um Direito sem sanção’. Justamente ao contrário, as normas constitucionais, tal como as demais, articulam-se usualmente na dualidade típica preceito e sanção, quer esta resulte diretamente da regra, quer deflua do sistema em seu conjunto. É precisamente a presença da sanção que garante a eficácia de uma norma jurídica, ensejando sua aplicação coativa quando não é espontaneamente observada.[45]

 

Entretanto, vale lembrar que muitas vezes a sanção correspondente ao descumprimento da norma constitucional constituirá a responsabilização política, um exemplo emblemático deste tipo de penalidade é a hipótese de impeachment. Quando falamos de responsabilização política entramos numa seara obscura, pois está localizada na fronteira entre aquilo que é jurídico e político. Este é um ponto muito comum em questões constitucionais, tendo em vista que muitas de suas normas devem ser absorvidas e efetivadas por atores políticos como o governo.

A inserção do judiciário na esfera de atuação como garantidor da efetividade das normas de direito fundamental demonstra a tênue linha que separa muitas vezes a questão política da questão jurídica. Ouso dizer que algumas vezes essa separação não existe ou mesmo se confunde. No próprio dizer de Ruy Barbosa[46], se é possível por a questão em forma de ação, já não é ela exclusivamente política.

As formas em que o judiciário atua no tocante a efetividade de normas fundamentais, como dito anteriormente, constitui o escopo do presente trabalho. Mas à frente, especificamente no próximo capítulo, analisarei a dinâmica estabelecida quanto da inserção da justiça na esfera de atuação dos outros Poderes, em especial o Executivo, em matéria da disponibilização aos cidadãos de prestações fundamentais.

Por agora, verificarei a questão da relação estabelecida nos últimos anos entre política e justiça, conforme vemos a seguir.

 

6        - A judicialização da política.

 

Poderíamos afirmar que judicialização da política seria, em termos gerais, a invasão da política e da sociedade pelo direito. No entender de Werneck Vianna[47] a valorização do Poder Judiciário viria em resposta a desqualificação da política e ao derruimento do homem democrático, nas novas condições acarretadas pela decadência do Welfare State, fazendo com que esse Poder e suas instituições passem a ser percebidos como a salvaguarda confiável das expectativas por igualdade e a se comportar de modo substitutivo ao Estado, aos partidos, à família, à religião, que não mais seriam capazes de continuar cumprindo as suas funções de solidarização social. A judicialização da política e do social seria, então, um mero indicador de que a justiça se teria tornado um último refúgio de um ideal democrático perdido.

Werneck Vianna[48] em sua análise sociológica reconhece o Poder Judiciário como instituição estratégica nas democracias contemporâneas, não limitada as funções meramente declarativas do direito, impondo-se, entre os demais Poderes, como uma agência indutora de um efetivo checks and balances e da garantia da autonomia individual e cidadã.

Dentro do panorama do Estado Moderno, especialmente nos países subdesenvolvidos, observa-se uma crise da prestação das garantias eminentemente democráticas e que constituíram muitas das vezes os pilares das constituições modernas. Poderíamos falar então da quebra de muitas das promessas democráticas. Momento este em que, a pressão social (a cidadania como mecanismo de mobilização, por exemplo) exige dos Poderes Constituídos a realização do projeto social ideológico que foi agasalhado no leito constitucional.

As desigualdades sociais geradas pelas instabilidades econômicas e políticas, além dos próprios desdobramentos inerentes ao capitalismo, aliada à crise do Welfare State, analisado no capítulo I, contribuíram para o aumento do déficit social brasileiro e a expansão do abismo entre as classes. Ao passo que a sociedade se torna cada vez mais desigual e o Estado mais inoperante, no sentido de dirimir este abismo, delegando suas funções algumas vezes a atores políticos privados, cria-se um vácuo de poder, ou melhor dizendo, um vácuo na prestação de garantias fundamentais. Neste escopo Werneck Vianna afirma:

 

O predomínio, por décadas, do tema da igualdade, sob o Welfare State, teria erodido as instituições e os comportamentos orientados para a valorização da vida associativa, daí derivando um cidadão-cliente, dependente do Estado. A igualdade, ao reclamar mais Estado em nome de uma Justiça distributiva, não somente enredara a sociedade civil na malha burocrática, como favorecera a privatização da cidadania.[49]

 

É neste vácuo gerado que o judiciário será inserido, pois a justiça acaba por se tornar um espaço de exigibilidade da democracia. Garapon afirma que: “A posição de um terceiro imparcial compensa ‘déficit democrático’ de uma posição política agora voltada para a gestão e fornece à sociedade a referência simbólica que a representação nacional lhe oferece cada vez menos”. [50]

Especialmente no Brasil, a deficiência da representação política partidária fidedigna, aliada a parca consciência política dos cidadãos em sua maioria, a inegável persistência do “voto de cabresto” e a política clientelista tornam muita das vezes inócua a tentativa de exigir, pela via política, o cumprimento de prestações fundamentais pelo Estado. A única opção que resta para tornar efetivo estes pleitos acaba sendo o judiciário que começa a ser percebido como mais um estuário para as insatisfações existentes, sendo convocado ao exercício de papéis constitucionais que o identificam como guardião dos valores fundamentais.

Entretanto, Garapon alerta para os perigos de uma prática constante e excessiva do uso judiciário para assegurar feitos políticos:

 

A justiça não pode se colocar no lugar da política; do contrário, arrisca-se a abrir um caminho para uma tirania da minoria, e até mesmo para uma espécie de crise de identidade. Em resumo, o mau uso do direito é tão ameaçador para a democracia como o seu pouco uso.[51]

 

            Conforme retratado acima, o judiciário é empurrado a atuar em esferas que anteriormente não lhe eram apresentadas, em questões que a priori seriam de competência exclusivamente política e não jurídica. Parece-me claro que o que impulsiona o judiciário a atuar em tal seara seja o crescimento cada vez mais veloz das desigualdades sociais, pela carência de representatividade política das minorias desfavorecidas, pela dificuldade apresentada pelo governo de desempenhar suas principais funções e pela deficiente implementação do Welfare State no Brasil, além dos fatores acima mencionados, sejam algumas das principais causas desta desenfreada busca pelo judiciário. Um bom indício disto poderia ser o nítido crescimento nos últimos anos das demandas judiciais.

            Vale ressaltar que não há somente a inserção de temas políticos na área de atuação do judiciário, muitos assuntos predominantemente sociais e de caráter privado caminham em direção a arbítrio do juiz. Acredito que a instabilidade crescente dos laços familiares, a mobilidade profissional, a diversidade cultural, dentre outros fatores contribuem para a ocorrência deste fenômeno. No dizer de Garapon: “(...) o direito convertendo-se na última instancia da moral comum numa sociedade desprovida dela”. [52] Assim, a justiça passa a ser destinatária de uma nova demanda que para ela se volta motivada pela ausência de outros referenciais.

            Parece claro que a justiça é convocada não apenas como um meio de cumprir a promessa democrática, mas também para suprir o desaparecimento da autoridade (em diferentes níveis, tanto moral quanto político e social), não mais sustentada pelo Estado e pela tradição e pelos costumes. Quando as ideologias decepcionam, o combate político se transforma em combate processual.

            Concluímos, desta forma, que a justiça hoje é compelida a proporcionar materialmente e não mais apenas formalmente a igualdade de direitos e a minorar o desequilíbrio entre as partes. A nova racionalidade jurídica preocupa-se mais com a efetividade e o realismo. Neste sentido, ela é mais empírica do que material.

            Sendo assim, podemos afirmar que a judicialização da política no Brasil tem sido o resultado de uma progressiva apropriação das inovações da Constituição Federal de 1988 por parte da sociedade e de agentes institucionais.[53]

Assim, o juiz é legitimado por sua atuação dentro da realidade social e não mais como antes por um estrito critério de legalidade conforme veremos a seguir.

 

7                    - O juiz como ator político-social.

 

Considerando toda a explanação realizada acima acerca do fenômeno cada vez mais recorrente da judicialização da política, não poderia deixar de ser abordada a questão da atuação do juiz, do papel exercido por este importante ator político-social que age diretamente no ideal de justiça.

Podemos considerar que a ascensão do papel exercido pelo juiz se deu em grande parte, pois este é chamado constantemente a socorrer uma democracia na qual um legislativo e um executivo enfraquecidos, ocupados com questões de curtos prazos e seduzidos pela mídia falham ao exercer seu poder.

Baseada nos ensinamentos de Garapon[54], podemos afirmar que o papel, a função a ser exercido pelo juiz no Estado Democrático de Direitos, em verdade seria, no mais das vezes o juiz coloca-se no lugar da autoridade faltosa para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão. Desta forma, acaba por profissionalizar o que era resolvido em outras épocas pela própria vida comum. O juiz é intimado a dar uma solução tanto operacional como juridicamente apoiada num problema social que a ausência de referências comuns impede que o problema seja resolvido de imediato.

Além disto, devemos ter em mente que atualmente o conceito de igualdade perante a lei não significa mais uma mesma sanção para todos, o mesmo conteúdo, a mesma pena, mas ao contrário, o direito de todos a um tratamento individualizado por parte da justiça e das instituições judiciais, ou seja, em vez da mesma penalidade para todos, por exemplo, uma atenção igualitária e garantias idênticas. Cabe ao juiz saber relativizar a questão que lhe é submetida. Compreender a melhor decisão para o caso concreto, para pessoas distintas e situações adversas.[55]

Conforme já discutido acima quando foi retratada a questão da interpretação das normas, a posição de um terceiro idealizado é tão ilusória quanto à de um juiz sem referências, pois está mais do que claro que no ato de julgar deverá estar embutido uma série de regras de moral e cultural possuída pelo juiz, além da letra fria da lei. Com efeito, o julgamento pelo juiz não pode ser comparado com aquele proferido por um cidadão qualquer que não possui qualquer conhecimento aprofundado acerca das leis e normas do ordenamento jurídico, posto que o magistrado como operador do Direito, além de deter expertise na ciência jurídica possui experiência humana de vida e como ator político-social deve saber dosar corretamente norma positiva e equidade.

Antoine Garapon em sua obra “O juiz e a democracia” descreve o juiz como sendo o guardião das promessas democráticas. Interessante verificar trecho de seu texto onde descreve:

 

O juiz (...) permanece aqui para lembrar à humanidade, à nação ou ao simples cidadão, as promessas feitas, começando pela primeira delas, a promessa de vida e de dignidade. Essas promessas, os juízes as preservam, mas não as tem atadas: eles são delas testemunhas, garante e guardião. Elas lhe foram transmitidas, eles as ouviram e as relembram, se necessário for, àqueles mesmos que lhes conferiram essa responsabilidade: como poderíamos reprová-los por isso?[56]

 

A posição inovadora do juiz estaria não na política, mas na reestruturação do tecido da sociabilidade, especialmente em pontos estratégicos como, por exemplo, na questão da exclusão social de forma geral. Nesses lugares estratégicos, o juiz poderia proceder com o engenheiro e o terapeuta social, comportando-se como foco de irradiação da democracia deliberativa, e vindo a desempenhar uma função essencial na explicitação de um sentido do direito, que não se encontraria mais referido a uma ordem ideal de onde, por reflexo, deveria provir.

A partir destas considerações, pode-se afirmar que o juiz possui em suas mãos grandes poderes para realizar justiça social, para defender minorias preteridas para resgatar promessas que há muito não são mais respeitadas. Esse é o grande espírito e ideário de justiça. O Direito em si não serve apenas para manter a ordem e estabilidade das relações sociais numa sociedade, mas também para transformá-la, uma vez que a devida observância de certas garantias fundamentais constitucionais, por exemplo, podem destruir muitos dos efeitos nefastos provocados por um sistema capitalista de mercado. E o juiz desempenha um papel fundamental neste contexto.

Pode-se afirmar, desta forma, que se ergue a figura do juiz comprometido com o momento histórico, com a realidade social onde está inserido.

 

III – A efetividade das normas de direito fundamental

 

            No presente capítulo avaliaremos a questão da efetividade das normas fundamentais propriamente dita. A partir dos estudos efetuados acerca de questões políticas como Welfare State e da Teoria da Separação de Poderes, passando pela avaliação de conceitos sócio-jurídicos como hermenêutica, eficácia das normas, função social do magistrado, judicialização dos fenômenos políticos etc, verificaremos o panorama da efetividade das normas de direito fundamental.

 

8        Acerca da inobservância dos preceitos constitucionais.

 

É pacifico o entendimento de que a Constituição Federal de 1988 representou um enorme e importante avanço no sentido da democratização da sociedade brasileira. Muitas de suas disposições estabelecem direitos e garantias fundamentais a dignidade do homem. Todavia, apesar de sua plena validade algumas normas constitucionais são deliberadamente desobedecidas, até mesmo por órgãos e agentes estatais.[57]

Luis Roberto Barroso[58] afirmou que em nenhuma esfera jurídica é tão grande o abismo entre a validade e a vigência do Direito, quanto na esfera constitucional. Quando retratamos normas genéricas e abstratas, em especial àquelas cujo caráter chega a ser ideológico, o abismo entre a validade e a efetividade é maior ainda. Tendo em vista a falência do Estado de Bem-Estar Social brasileiro e as reiteradas crises econômicas as quais enfrentamos ao longo da história nacional, é complexa a dicotomia montada entre o que está escrito na norma superior (leia-se a Constituição) e o que empiricamente é efetivado.

Entretanto, muitas vezes os cidadãos recorrem ao poder judiciário com vistas a pleitear o estrito cumprimento daqueles direitos os quais lhe são assegurados constitucionalmente. Felizmente, existem institutos jurídicos próprios que permitem a realização de tal pleito (estudaremos ao longo deste capítulo alguns destes). Além disso, poderíamos dizer que cada vez mais os magistrados aderem a idéia de que são efetivamente guardiões das promessas democráticas (utilizando-se da expressão de Garapon[59]) e absorvem o caráter político-social de suas funções.[60]

Poderíamos afirmar que atualmente a busca pela realização de resultados efetivos de muitas das proposições eternamente inócuas da Lei Maior, pode ser feita somente pela via judicial, tendo em vista a inabilidade da representação política no Brasil.

            Werneck Vianna[61] afirmou que configura como inevitável à tendência ao estabelecimento de uma linha de tensão nas relações entre o Judiciário e o Executivo e Legislativo, e entre a filosofia política da Carta de 1988 e a agenda neoliberal. As jurisprudências que analisaremos a seguir ilustram de forma clara como o judiciário vem progressivamente evadindo a esfera de atuação dos outros poderes constituídos, com vistas a concretizar de maneira empírica os preceitos e garantias fundamentais elencados na Constituição.

 

9        Sobre as normas de direito fundamental.

 

Segundo a definição de Luis Roberto Barroso[62] podemos agrupar os direitos fundamentais da seguinte forma: direitos políticos, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos. Segundo o mencionado doutrinador podemos conceituar estes direitos das seguintes formas:[63]

Em linhas gerais podemos afirmar que os chamados direitos políticos abrangem o direito de nacionalidade e o direito de cidadania. Pelo direito de nacionalidade, o indivíduo é incorporado na comunhão nacional para uma série de efeitos, que compreendem prerrogativas e deveres. Em contra-partida, através do direito de cidadania, se reconhece ao indivíduo a capacidade eleitoral e a capacidade eletiva.

No tocante aos direitos individuais, que são freqüentemente denominados de liberdades políticas, pode-se afirmar que dizem respeito a afirmação jurídica da personalidade humana. Baseado no individualismo liberal e dirigido à proteção de valores relativos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, contêm limitações ao poder político, traçando a esfera de proteção jurídica do indivíduo em face do Estado. Desta forma, impõem em seu cerne, deveres de abstenção aos órgãos públicos, preservando a iniciativa e a autonomia dos particulares.

Por sua vez, os direitos econômicos sociais e culturais, identificados abreviadamente como direitos sociais impõem ao Estado certos deveres de prestações positivas, visando a melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material. A intervenção estatal destina-se a neutralizar as distorções econômicas geradas na sociedade, assegurando direitos afetos à segurança social, ao trabalho, ao salário digno, à liberdade sindical, à educação, ao acesso a cultura etc. Os direitos sociais atuam como “barreiras defensivas do indivíduo perante a dominação econômica de outros indivíduos”.[64]

Por último temos os direitos advindos dos interesses difusos e coletivos. Este tipo de direito caracteriza-se por pertencer a uma série indeterminada de sujeitos e pela indivisibilidade de seu objeto, de forma que a satisfação de um dos seus titulares implica na satisfação de todos, do mesmo modo que a lesão de um só constitui, lesão da inteira coletividade.

 

9.1  - Exigibilidade das normas fundamentais.

 

Atualmente é cada vez mais latente a confirmação da idéia de que os direitos fundamentais possuem caráter jurídico e de exigibilidade, assim torna-se absolutamente plausível, por exemplo, o pleito pela via coercitiva da efetivação de direitos sociais. O dogma que visualizava esta espécie de direito de forma somente ideológica, filosófica e moral, sem possuir valor jurídico está sendo abandonada cada vez mais. A própria redação da Carta Magna de 1988 contribuiu para este avanço. Barroso afirmou em sua obra que:

 

A afirmação dos direitos fundamentais como um todo, na sua exigibilidade plena, vem sendo positivada nas Cartas Políticas mais recentes, como se vê do artigo 2º da Constituição portuguesa e do preâmbulo da Constituição brasileira, que proclama ser o país um estado democrático, ‘destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais’.[65]

 

O presente trabalho tem especial interesse em tratar da questão da efetividade das normas de direitos sociais, tendo em vista que estes ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado. Aqui o dever jurídico do governo consiste numa atuação efetiva, na entrega de um bem ou na satisfação de um interesse. Podem ser citados como exemplos de direitos sociais, os direitos à proteção da saúde, previdência social, aposentadoria da mulher após trinta anos de contribuição etc.

Entretanto, muitas vezes o devido cumprimento dos direitos sociais encontram barreiras em questões de ordem econômica e política. Estes limites econômicos derivam do fato de que certas prestações estão situadas dentro da chamada “reserva do possível”[66], das disponibilidades do erário. Assim, a Administração Pública esquiva-se do cumprimento de seu dever de garantir a população prestações fundamentais, tais como, saúde, educação, segurança etc, com base nas limitações do Orçamento Público, que muitas vezes está originado na sua própria ingerência de governo.

Marcos Maselli Gouvêa ao defender o caráter absoluto e a auto-aplicação dos direitos fundamentais retrata a questão da “reserva do possível”: “Portanto, o que resta da auto-aplicabilidade, quando cotejada com o condicionamento representado pela reserva do possível, é o predicado de prioridade[67].

Veremos agora alguns exemplos que podem ser emblemáticos no sentido de demonstrar como algumas vezes os tribunais brasileiros tem se mostrado dispostos em dar efetividade à norma fundamental, superando por via judicial as omissões do Poder Público, ainda que este ativismo judicial não tenha raízes profundas na tradição jurídica nacional.

A decisão abaixo mencionada diz respeito à concessão de medicamento pelo Estado a paciente sem condições financeiras de prover as suas próprias custas o tratamento. Vejamos:

 

Ementa: CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO (INTERFERON BETA). PORTADORES DE ESCLEROSE
MÚLTIPLA. DEVER DO ESTADO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE (CF,ARTS. 6º E 189). PRECEDENTES DO STJ E STF.
1. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto.
2. Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento.
3. Entendimento consagrado nesta Corte na esteira de orientação do Egrégio STF.
4. Recurso ordinário conhecido e provido.[68]
 

 

Interessante notar a decisão que vem a seguir, pois retrata o deferimento do pleito de custeio pelo Estado a tratamento de doença no exterior, tendo em vista que o Sistema Único de Saúde brasileiro não dispunha de condições para o devido tratamento da moléstia.

 
Ementa: RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE DOENÇA NO EXTERIOR. RETINOSE PIGMENTAR. CEGUEIRA. CUBA. RECOMENDAÇÃO DOS MÉDICOS BRASILEIROS.
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. DEVER DO ESTADO.
O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do tratamento no exterior para que seja evitada a cegueira completa do paciente, deverão ser fornecidos os recursos para tal empresa. Não se pode conceber que a simples  existência de Portaria, suspendendo os auxílios-financeiros para tratamento no exterior, tenha a virtude de retirar a eficácia das regras constitucionais sobre o direito  fundamental à vida e à saúde.
"O ser humano é a única razão do Estado. O Estado está conformado para servi-lo, como instrumento por ele criado com tal finalidade. Nenhuma construção artificial, todavia, pode prevalecer sobre os seus inalienáveis direitos e liberdades, posto que o Estado é um meio de realização do ser humano e não um fim em si mesmo" (Ives Gandra da Silva Martins, in "Caderno de Direito Natural – Lei Positiva e Lei Natural", n. 1, 1ª edição, Centro de Estudos Jurídicos do Pará, 1985, p. 27).
Recurso especial provido.[69]

 

 

A jurisprudência que verificaremos a seguir trata da questão da concessão de medicamentos para cidadãos portadores do vírus HIV. Podemos destacar nesta decisão a resolução acerca da responsabilidade solidária e concorrente da União e dos Municípios neste âmbito.

Ementa: ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS PARA TRATAMENTO DA AIDS. FORNECIMENTO PELO ESTADO. OBRIGATORIEDADE. AFASTAMENTO DA DELIMITAÇÃO CONSTANTE NA LEI Nº 9.313/96. DEVER CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu ser obrigatoriedade do Estado o fornecimento de medicamentos para portadores do vírus HIV.
2. No tocante à responsabilidade estatal no fornecimento gratuito de medicamentos no combate à AIDS, é conjunta e solidária com a da União e do Município. Como a Lei nº 9.313/96 atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o dever de fornecer medicamentos de forma gratuita para o tratamento de tal doença, é possível a imediata imposição para tal fornecimento, em vista da urgência e conseqüências acarretadas pela doença.
3. É dever constitucional da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios o fornecimento gratuito e imediato de medicamentos para portadores do vírus HIV e para tratamento da AIDS.
4. Pela peculiaridade de cada caso e em face da sua urgência, há que se afastar a delimitação no fornecimento de medicamentos constante na Lei nº 9.313/96.
5. A decisão que ordena que a Administração Pública forneça aos doentes os remédios ao combate da doença que sejam indicados por prescrição médica, não padece de ilegalidade.
6. Prejuízos iriam ter os recorridos se não lhes for procedente a ação em tela, haja vista que estarão sendo usurpados no direito constitucional à saúde, com a cumplicidade do Poder Judiciário. A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas de direito público.
7. Precedentes da 1ª Turma desta Corte Superior.
8. Recurso improvido.[70]

 

 

            O direito a saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito a vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostra-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional, que vem sendo cada vez mais combatido nos tribunais nacionais. Marcos Maselli Gouvêa afirmava: “a supremacia deontológica dos direitos fundamentais torna irrelevante qualquer juízo de conveniência, e sua urgência afasta a cogitação da oportunidade”.[71]

            Analisaremos neste momento jurisprudência acerca da concessão de creche para menores de zero a seis em sede de uma ação civil pública. Vejamos:

 

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
1- O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos.é consagrado em  norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Violação de Lei Federal.
"É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade."
2- Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política
e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
3- Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se,  pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública.
4- A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
5- Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
6- Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.
7- As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.
8- Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.
9- Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja  a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.
10- O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana.
11- O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa 'fila de espera', quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio  da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu  do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes.
12- Recurso especial provido.[72]

 

 

Não se faz necessário tecer maiores comentários a respeito da decisão acima exposta, os argumentos e teorias apresentadas pelos Ministros do STJ falam por si.

Por tudo aqui exposto podemos auferir que as normas de direito fundamental assumem, instintivamente, um status axiológico superior, pois representa a fruição dos direitos inerentes à própria liberdade do gênero humano.

A ênfase dada cada dia maior a proteção dos direitos humanos, que automaticamente estão atrelados aos direitos fundamentais impulsionam a invocação da razoabilidade no momento do julgamento. A defesa da dignidade e da vida do homem levam os magistrados a decidir em prol destas garantias, ainda que confrontando com barreiras como a possibilidade de invocação da discricionariedade pela Administração Pública.

Um exemplo interessante desta tendência de proteção aos direitos humanos é a jurisprudência que veremos a seguir, fruto de Recurso Especial interposto em sede de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Vale ressaltar que muitos dos argumentos apresentados na decisão acerca do Recurso Especial nº 575280/SP acima elencados, serão invocados também na jurisprudência que apresentaremos agora.

 

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS.
EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo vista a violação do direito à saúde de mais de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daquele Estado.
2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. "Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde."
3. Violação de lei federal.
4. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados
constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
5. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública.
6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.
9. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.
10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.
11. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.
12. O direito do menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana.
13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público, prosseguir-se no processo até o julgamento do mérito.[73]

 

 

            Em resumo do que vem sendo exposto aqui neste trabalho, os direitos sociais, nas hipóteses em que não são prontamente desfrutáveis, dependem, em geral, de prestações positivas do Poder Executivo ou de providências normativas do Poder Legislativo. Neste panorama o Judiciário intervê diretamente na Administração Pública, com vistas a assegurar os cidadãos a efetividade dos direitos e garantias impetrados na Constituição Federal. Afastamos a idéia de que a possível intervenção do judiciário nas outras esferas de poder possa configurar como quebra ou infringência ao princípio da separação de poderes.

            Ora, se a própria Carta Magna dispõe que os poderes da União além de independentes serão harmônicos, cabendo, desta forma, a cada um exercer um papel de fiscalizador do efetivo cumprimento das funções públicas dos outros poderes. Ao que nos parece o Poder Judiciário desenvolve a prerrogativa de assegurar e proteger a efetividade das promessas democráticas pactuadas entre governo e sociedade na ocasião da promulgação da Lei Maior. Assim, a função de checks and balances acaba sendo exercida.

            Todavia, não é somente em assuntos atinentes a saúde, dignidade humana e educação que os tribunais superiores brasileiros vem atuando de forma efetiva. A decisão que iremos expor a seguir diz respeito a resoluções acerca do meio ambiente.

 
Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICAOBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.
5. Recurso especial provido.[74]

 

 

            Muitas vezes a decisão judicial afasta a discussão acerca da possibilidade de utilização do princípio da discricionariedade pela Administração Pública. Marcos Maselli Gouvêa ao analisar o conceito de discricionariedade afirma: “razão determinante da discricionariedade seria a visão macroscópica da conjuntura socioeconômica nacional ou regional, em regra faltante ao magistrado”.[75] Todavia, o referido autor em sua obra defende o controle de discricionariedade pelo juiz. Ele escreve: “controle de discricionariedade não consiste em que o juiz substitua o critério da Administração por seu próprio critério subjetivo. Trata-se, entretanto, de penetrar na decisão tomada até encontrar uma explicação objetiva em que se expresse um princípio geral”.[76]

            A doutrina de vanguarda, como pode servir de exemplo Marcos Maselli Gouvêa[77], fala de conceitos que prestigiam a defesa dos direitos constitucionais básicos. O chamado conceito do mínimo existencial pode ser definido da seguinte forma: “Consiste o mínimo existencial de um complexo de interesses ligados à preservação da vida, à fruição concreta da liberdade e à dignidade da pessoa humana”.[78] A defesa destas garantias, que podem ser consideradas como os pilares de uma sociedade democrática, passa a ser a bandeira de uma crescente corrente da elite jurídica nacional.

            Visualizamos a transferência do local de solicitação da efetividade de direitos fundamentais, que deveriam a priori ser requisitados pela via política, mas que cada vez mais é feito pela esfera judicial. Desta forma, poderíamos concluir que as reinvidicações políticas se exprimem mais facilmente em termos jurídicos que ideológicos, assim a justiça passa ser a destinatária de uma nova demanda que para ela se volta motivada pela ausência de outros referencias. A justiça passa a autorizar a realização da democracia. Ademais, assistimos os direitos individuais e formais suplantando os direitos coletivos e substanciais. Conforme afirmou Garapon: “A justiça é sobretudo uma instancia simbólica que deve proporcionar referenciais coletivos”.[79]

            A jurisprudência que analisaremos agora merece consideração, ao passo que define o serviço de coleta de lixo como serviço essencial. Sua inobservância, segundo o venerável tribunal seria inconstitucional, tendo em vista que pode acarretar prejuízo à saúde pública, e foi classificado como direito fundamental.

 
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO. SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA. PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTO-EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.
1. Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço essencial, imprescindível à manutenção da saúde pública, o que o torna submisso à regra da continuidade. Sua interrupção, ou ainda, a sua prestação de forma descontinuada, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão necessita utilizar-se desse serviço público, indispensável à sua vida em comunidade.
2. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Trata-se de direito com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.
3. Em função do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública.
4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.
5. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar a saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
6. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.
7. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.
8. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.
9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.
10. "A questão do lixo é prioritária, porque está em jogo a saúde pública e o meio ambiente." Ademais, "A coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da comunidade, conforme estabelecem os arts. 10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta natureza são
regidos pelo PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE."
11. Recurso especial provido.[80]

 

10    As ações constitucionais.

 

Analisaremos neste momento algumas das chamadas ações constitucionais. Tratam-se ferramentas jurídicas que possibilitam processualmente o pleito por direitos fundamentais.  Ë através delas que muitas vezes consegue-se atingir a tutela constitucional dos direitos sociais, individuais ou difusos.[81]

 

10.1Mandado de segurança.

 

Segundo definição defendida por Luis Roberto Barroso[82] o mandado de segurança é uma ação civil de rito sumario, destinada a proteger direito liquido e certo. Seu campo de incidência se estabelece por um critério subsidiário. Desde que comprovados os fatos alegados, caberá mandado de segurança, independentemente da complexidade jurídica das questões envolvidas.

O mandado de segurança visa atacar quaisquer atos de autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, praticados ilegalmente ou com abuso de poder. Qualquer conduta positiva ou omissiva de autoridades públicas, que viole direito líquido e certo de alguém, enseja a propositura de mandado de segurança.

Alexandre de Moraes[83] afirma que o mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que estes se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política.

Em linhas gerais, figuram como partes da demanda processual do mandado de segurança o titular do direito líquido e certo alegadamente violado e a pessoa jurídica da qual faz parte essa autoridade ou agente que praticou o ato. Ademais, atua sempre o Ministério Público como parte pública autônoma, incumbida de zelar pela correta aplicação da lei e pela regularidade do processo.

Para ilustrar a explanação realizada acima, segue abaixo jurisprudência que retrata recurso em mandado de segurança envolvendo direito fundamental. Vejamos:

 
Ementa: CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. RESTRIÇÃO. PORTARIA/MS N.º 863/02.
1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.
2. O medicamento reclamado pela impetrante nesta sede recursal não objetiva permitir-lhe, apenas, uma maior comodidade em seu tratamento. O laudo médico, colacionado aos autos, sinaliza para uma resposta curativa e terapêutica "comprovadamente mais eficaz", além de propiciar ao paciente uma redução dos efeitos colaterais. A substituição do medicamento anteriormente utilizado não representa mero capricho da impetrante, mas se apresenta como condição de sobrevivência diante da ineficácia da terapêutica tradicional.
3. Assim sendo, uma simples restrição contida em norma de inferior hierarquia (Portaria/MS n.º 863/02) não pode fazer tábula rasa do direito constitucional à saúde e à vida, especialmente, diante da prova concreta trazida aos autos pela impetrante e à mingua de qualquer comprovação por parte do recorrido que venha a ilidir os fundamentos lançados no único laudo médico anexado aos autos.
4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico.
 5. Recurso provido.[84]

 

10.2Mandado de segurança coletivo.

 

O mandado de segurança coletivo pode ser considerado como sendo uma variação do individual, entretanto, com peculiaridades no que tange à legitimação ativa. Trata-se de instituto que opera sob o plano coletivo, devendo o objeto da tutela jurisdicional amoldar-se a esta dimensão transindividual. Desta forma, o mandado de segurança coletivo poderá ser direcionado à tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Segundo entendimento de Alexandre de Moraes[85], a finalidade do mandado de segurança coletivo seria facilitar o acesso ao juízo, permitindo que pessoas jurídicas defendam os interesses de seus membros ou associados, ou ainda da sociedade como um todo, no caso de partidos políticos, sem a necessidade de um mandato especial, evitando a multiplicidade de demandas idênticas e conseqüente demora na prestação jurisdicional e ao menos tempo fortalecendo as organizações classistas.

O mandado de segurança coletivo terá por objeto a defesa dos mesmos direitos que podem ser objeto do mandado de segurança individual, todavia, direcionados à defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, englobando os direitos coletivos em sentido estrito, os interesses individuais homogêneos e os interesses difusos, contra ato ou omissão ilegais ou com abuso de poder de autoridade, desde que presentes os atributos da liquidez e certeza.

 

10.3Ação Popular

 

A ação popular pode ter por objeto a anulação de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Também é possível ação popular em face de omissões de autoridades que venham a resultar lesões ao patrimônio público. Esta é a definição defendida por Barroso.[86]

Alexandre de Moraes[87] afirma que a ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular, pela qual permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a coisa pública é patrimônio do povo. A ação popular poderá ser utilizada de forma preventiva (ajuizamento da ação antes da consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o ressarcimento do dano causado).

Desta forma, a finalidade da ação popular é a defesa de interesses difusos, reconhecendo-se aos cidadãos, o direito de promover a defesa de tais interesses.

Podem figurar no pólo ativo da ação popular, o autor popular, que segundo o texto do inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, somente pode ser o cidadão. A legitimação do cidadão é ampla, tendo o direito de ajuizar a ação popular mesmo que o litígio se verifique em comarca onde ele não possua domicilio eleitoral. Em relação a legitimação passiva, a ação será proposta contra a entidade supostamente lesada em seu patrimônio e contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado o ato impugnado ou que por omissão tiver dado oportunidade a lesão.

Vejamos agora um exemplo de decisão em sede de recurso especial no Superior Tribunal de Justiça concernente à ação popular onde se discute a remuneração de vereadores.

 

Ementa: ADMINISTRATIVO. REMUNERAÇÃO DE VEREADORES. DESVIO DE PODER. ARTIGO 37, C.F. LEIS COMPLEMENTARES NUMS. 25/75, 38/79, 45/83 E 50/85.
1. O DESVIO DE PODER PODE SER AFERIDO PELA ILEGALIDADE EXPLICITA (FRONTAL OFENSA AO TEXTO DE LEI) OU POR CENSURAVEL COMPORTAMENTO DO AGENTE, VALENDO-SE DE COMPETENCIA PROPRIA PARA ATINGIR FINALIDADE ALHEIA AQUELA ABONADA PELO INTERESSE PUBLICO, EM SEU MAIOR GRAU DE COMPREENSÃO E AMPLITUDE. A ANALISE DA MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO, REVELANDO UM MAU USO DA COMPETENCIA E FINALIDADE DESPOJADA DE SUPERIOR INTERESSE PUBLICO, DEFLUINDO O VICIO CONSTITUTIVO, O ATO AFLIGE A MORALIDADE ADMINISTRATIVA, MERECENDO INAFASTAVEL DESFAZIMENTO.
2. NO CASO, EMBORA GUARDANDO A APARENCIA DE REGULARIDADE, RESSALTADO O DESVIO DE FINALIDADE, REVESTINDO-SE DE ILEGALIDADE DEVE SER ANULADA A RESOLUÇÃO CONCESSIVA DO AUMENTO DA REMUNERAÇÃO.
3. RECURSO IMPROVIDO.[88]

 

 

10.4Ação Civil Pública.

 

A ação civil pública destina-se a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Luis Roberto Barroso[89] ensina que outros tipos de interesses podem ser amparados pela ação civil pública. Embora não tenha recebido menção expressa na Constituição Federal, também os interesses individuais homogêneos, por força do Código de Defesa do Consumidor, foram considerados dignos de proteção pela via da ação civil pública ou coletiva.

A legitimação ativa para propor ação civil pública é concorrente, autônoma e disjuntiva, ou seja, cada um dos legitimados pode propor a ação isoladamente ou formando litisconsorte facultativamente com os demais. Pode ajuizar ação civil pública por força do disposto do artigo 5º da Lei 7.347/85: o Ministério Público; a União; os Estados e os Municípios. Porém, poderão também ser ajuizadas por autarquias, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou determinadas associações.

Nas ações civis públicas, em tese, qualquer pessoa física ou jurídica pode ocupar o pólo passivo da relação processual. Aquele que por sua conduta de ação ou omissão lese ou venha a lesar interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sujeitam-se a ser réus em tais ações.

Conforme falamos anteriormente o Ministério Público possui legitimidade assegurada pela Constituição Federal para propor ação civil pública, com vistas a proteger os interesses difusos ou coletivos da sociedade. Vejamos agora jurisprudência que confirma este entendimento.

 
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PUBLICA. MINISTERIO PUBLICO. DANO AO PATRIMONIO DE UM ORGÃO ESTADUAL. MALVERSAÇÃO DE VERBA. LEGITIMIDADE.
1. O MP E PARTE LEGITIMA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PUBLICA CONTENDO PRETENSÃO DO ERARIO PUBLICO SER RESSARCIDO POR DANOS SOFRIDOS PELA MALVERSAÇÃO DE VERBAS DESTINADAS A ATENDIMENTO DE NECESSIDADES DA SOCIEDADE.
2. INTERPRETAÇÃO DAS LEIS 7.347/1985, ART. 1., IV, 8.078/1990, ART. 110; 8.429/1992, ART. 5. E 17, E LEI 8.625/1993 (LONMP), ART. 25, IV, "B".
3. EVIDENCIA-SE QUE A SISTEMATICA ADOTADA PELOS DIPLOMAS LEGAIS SUPRAMENCIONADOS COMPREENDE PERMISSIBILIDADE PARA O MP AGIR NO SENTIDO DE PROTEGER O PATRIMONIO PUBLICO. ESSA FUNÇÃO, ALEM DE SE APRESENTAR PREVISTA NA CARTA MAGNA, FIGURA, DE MODO EXPRESSIVO, NOS DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS QUANDO FAZ REFERENCIA A OUTROS INTERESSES DIFUSOS OU COLETIVOS QUE O MP DEVE PROTEGER.
4. RECURSO PROVIDO.[90]
 

11      Ação de inconstitucionalidade por omissão.

 

A Constituição Federal não é suscetível de descumprimento somente através de condutas comissivas, mas também pela omissão. A Inconstitucionalidade advinda da omissão se manifesta onde a ordem jurídica não se encontra eficientemente aparelhada para sancionar e sanar a omissão ou inércia dos órgãos estatais. Desta forma, podemos dizer que a incompatibilidade entre a conduta positiva exigida pela Carta Magna e a conduta negativa do Poder Público omisso, configura-se na chamada inconstitucionalidade por omissão.[91]

Luis Roberto Barroso[92] nos ensina que os casos tipificadores de inconstitucionalidade por omissão que merecem destaque são: a omissão do órgão legislativo em editar lei integradora de um comando constitucional; a omissão dos poderes constituídos na prática de atos impostos pela Lei Maior; a omissão do Poder Executivo caracterizada pela não expedição de regulamentos de execução das leis.

Alexandre de Moraes[93] afirma que a finalidade da ação de inconstitucionalidade por omissão pretendida pelo legislador constituinte foi conceder plena eficácia às normas constitucionais, que dependem de complementação infraconstitucional. Assim, tem cabimento a presente ação, quando o Poder Público se abstém de um dever que a Constituição lhe atribuiu. Uma vez declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

São considerados legitimados para propor ação direita de inconstitucionalidade por omissão o Presidente da Republica, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, as Mesas das Assembléias Legislativas e da Câmara Legislativa, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.[94]

            Werneck Vianna afirma que nos últimos anos os trabalhadores têm conseguido, ainda que debilmente, converter as suas ações de inconstitucionalidade em um instrumento de proteção social, emprestando ao Judiciário funções substitutivas às do Estado, que se retira, em nome da modernização econômica e do esgotamento das políticas do Welfare, da regulamentação protetora do trabalho. Entretanto, ainda que não seja um instrumento completamente eficaz, afirma que fica a impressão de que as ações de inconstitucionalidade por omissão não tem sido de toda forma inócuas, tendo em vista que parecem induzir a ação do Poder requerido, como se observa em algumas ações de inconstitucionalidades por omissão que são consideradas prejudicadas em virtude da edição do diploma legal que se buscava. Um exemplo disto pode ser as Adins nº 206.[95]

Vianna em seu livro cita o exemplo de algumas ações declaratórias de inconstitucionalidade por omissão que versam sobre matérias de direitos fundamentais:

 

as Adins por omissão, nº 343, 493, 535 e 877, que tratam, respectivamente, da obrigatoriedade de aplicação de recursos no ensino fundamental, dos critérios de pagamento de dívidas com o SFH, da erradicação do analfabetismo, e do prazo legal previsto para a regulamentação da seguridade social. [96]

 

 

Para melhor ilustrar as presentes argumentações a respeito das ações de inconstitucionalidade por omissão, iremos expor agora algumas jurisprudências a esse respeito e destacar os seus principais argumentos.

 

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC N.º 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). ESTADO DE MINAS GERAIS. Norma constitucional que impõe ao Governador do Estado o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, § 1.º, II, a, da Carta da República. Mora que, no caso, se tem por verificada, quanto à observância do preceito constitucional, desde junho de 1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC n.º 19/98. Não se compreende, a providência, nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, não havendo cogitar, por isso, da aplicação, no caso, da norma do art. 103, § 2.º, in fine, que prevê a fixação de prazo para o mister. Procedência parcial da ação.

Partes: REQTE: PARTIDO SOCIAL LIBERAL - PSL
REQDO: GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS.[97]

 

 

 

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC Nº 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). Norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, § 1º, II, a, da CF. Mora que, no caso, se tem por verificada, quanto à observância do preceito constitucional, desde junho/1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC nº 19/98. Não se compreende, a providência, nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, não havendo cogitar, por isso, da aplicação, no caso, da norma do art. 103, § 2º, in fine, que prevê a fixação de prazo para o mister. Procedência parcial da ação.

Partes: REQTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT
REQTE: PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT
REQDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA.[98]

 

 

Podemos considerar concluída aqui a explanação acerca por das ferramentas processuais que podem ser utilizados para alcançar a efetivação de preceitos constitucionais. Obviamente, como já foi mencionado anteriormente, essas não são todas as formas processuais existentes para este fim no sistema jurídico nacional. Entretanto, estes foram os instrumentos considerados mais importantes e relevantes para a presente argumentação.

 

IV - Conclusão

 

            Podemos concluir ao fim deste trabalho que muitos foram os assuntos abordados nesta monografia. A intenção da pesquisa, embora tendo como escopo principal a efetividade das normas de direito fundamental, visitou diversos aspectos do Direito nacional.

É possível retirar diversas conclusões acerca das análises feitas. A primeira delas pode ser a verificação da democracia contemporânea como impulsionador do papel mais engajado do direito e de seus operadores.

Tanto o enfraquecimento de institutos morais quanto à crise econômica e política enfrentada nos últimos anos pela sociedade democrática nos conduz a perceber a tendência irrefutável do processo de judicialização dos fenômenos políticos.

A sábia inspiração do autor francês Antoine Garapon e suas considerações acerca da função do juiz como guardião das promessas democráticas, encaixou-se perfeitamente a realidade brasileira. O vácuo criado pela omissão das atividades inerentes aos Poderes constitucionalmente instituídos projeta o Judiciário a exercer o papel de garantidor da efetividade de direitos fundamentais, que são considerados os principais pilares de uma sociedade democrática.

Neste contexto, o juiz parece acordar cada vez mais para o seu caráter político-social, sendo capaz de intervir diretamente na vida social e praticar verdadeiramente a tão almejada justiça social.

A concretização do gozo das normas de direito fundamental, garantidas no pacto democrático e estabelecidas na Carta Magna, ainda que desfrutada de forma extremamente precária por grande parte da população brasileira, vem sendo pleiteada pela via judicial cada vez mais.

As jurisprudências elencadas ao longo do trabalho demonstram como empiricamente estes pleitos vem sendo recepcionados nos Tribunais Superiores. Ainda que não tenha sido possível realizar uma pesquisa quantitativa de jurisprudências acerca deste assunto (que poderiam conceder uma visão mais ampla da matéria), os exemplos dispostos são emblemáticos no sentido de evidenciar a atuação do Judiciário compelindo outras instâncias do Poder Público, em especial, o Executivo a cumprir certos tipos de condutas que seriam, a priori, inerentes a sua competência originalmente, sem que fosse necessária a sua provocação pelo Poder Judiciário.

            A busca da satisfação de direitos fundamentais através da via judicial marca o impasse vivenciado pelo cidadão moderno que vive sob o regime democrático. O Estado por si não atua de forma a implementar todas as medidas necessárias para a concretização das promessas democráticas estabelecidas pelo legislador constituinte.

Seja por razões eminentemente econômicas, quer por motivações políticas ou pela própria falência do Estado provedor, os governos não atingem a eficácia das garantias mínimas. Resta somente ao cidadão comum o ideário da justiça, já que a representação política não produz o efeito desejado. Ademais, a questão da representação política sempre foi problemática em nosso país, tendo em vista as constantes atividades clientelista exercidas ao longo de nossa história.

Considerando que o Judiciário atua cada dia mais nas esferas de atuação dos demais Poderes, e os operadores do Direito atuam de forma a lutar pela garantias mínimas, resta a expectativa que os governos e governantes tomem consciência de seu papel na sociedade democrática e torne realidade a letra fria da lei.

 

V - Referências bibliográficas

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* Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.

 

 

 

Disponível em: <  http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=748 >. Acesso em: 18/09/06.



[1] ESPING-ANDERSEN, The three worlds of welfare capitalism, apud Marcelo Medeiros Coelho de Souza, A transposição de teorias sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos, pág. 1.

[2] PIORE, SABEL, The second industrial divide: possibilities for prosperity, apud Marcelo Medeiros Coelho de Souza, A transposição de teorias sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos, pág. 4.

[3] G. VACCA, Estado e mercado, público e privado, apud Marcelo Medeiros Coelho de Souza, A transposição de teorias sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos, pág. 4.

[4] SABEL, op. cit., pág. 5.

[5] A. PRZERWORSKY, M. WALLERSTEIN, O capitalismo democrático na encruzilhada, página 30.

[6] ESPING-ANDERSEN, op. cit., pág. 6.

[7] A. PRZERWORSKY, M. WALLERSTEIN, op. cit., pág. 34.

[8] Idem, ibidem, pág. 34.

[9] LIPIETZ, Towards a new economic order: postfordism, ecology and democracy apud Marcelo Medeiros Coelho de Souza, A transposição de teorias sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos, pág. 6.

[10] FLORA E HEIDENHEIMER, The historical core and the changing boundaries of the welfare state, apud Marcelo Medeiros Coelho de Souza, A transposição de teorias sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos, pág. 8.

[11] OFFE E LENHARDT, Social policy and the theory of the state, apud Marcelo Medeiros Coelho de Souza, A transposição de teorias sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos, pág. 10.

[12] Idem, ibidem. Loc. cit.

[13] ESPING-ANDERSEN, op. cit., pág. 10.

[14] OFFE E LENHARDT, op. cit., pág. 12.

[15] T. BARCELLOS, A Política Social Brasileira 1930-64: evolução institucional no Brasil e no Rio Grande do Sul, pág. 11.

[16] S. DRAIBE, As políticas sociais brasileiras: diagnósticos e perspectivas. In: Para a década de 90: prioridades e perspectivas de políticas públicas – Políticas Sociais e Organização do Trabalho, pág. 8.

[17] Idem, ibidem, pág. 10.

[18] Idem, Ibidem, pág. 218.

[19] S. DRAIBE., A política brasileira de combate a pobreza, pág. 310.

[20] E. FAGNANI, Política social e pactos conservadores no Brasil: 1964/92.

[21] Interessante notar que na própria obra de Montesquieu, O espírito das leis, há grande influencia de Aristóteles, mormente nos seus primeiros livros.

[22] N. BOBBIO, A teoria das formas de governo, pág. 137.

[23] R. ARON, As etapas do pensamento sociológico, pág. 33.

[24] Idem, Ibidem. Loc. cit.

[25] GUILHON ALBUQUERQUE, Montesquieu: sociedade e poder. In: Os clássicos da política, pág. 119.

[26] Idem, Ibidem, pág. 120.

[27] P. BONAVIDES, Ciência Política.

[28] Idem, ibidem, pág. 139.

[29] Idem, ibidem, pág. 140.

[30] Idem, ibidem, pág. 143.

[31] COSTE-FLORET, Les projects constitutionnels Francais, págs. 13-15, apud BONAVIDES, op. cit., pág. 147.

 

[32] N. BOBBIO, O positivismo jurídico, pág. 211.

[33] Idem, ibidem. Loc. cit.

[34] Idem, ibidem, pág. 212.

[35] HERMES LIMA, Introdução à Ciência do Direito, pág. 163.

[36] P. BOURDIEU, O poder simbólico, pág. 221.

[37] M. CAPPELLETTI, Juízes legisladores, pág. 128.

[38] T. FERRAZ JR, Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, pág. 307.

[39] Idem, ibidem, pág. 308.

[40] A. GARAPON, O juiz e a democracia: o guardião de promessas, pág. 41.

[41] L. BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, pág. 80.

[42] Vale esclarecer que considero que a eficácia e aplicabilidade das demais normas do sistema jurídico também sejam de suma importância para a sociedade.  Entretanto, o foco do presente trabalho diz respeito à questão da efetividade das normas fundamentais constitucionais. Por este motivo apenas falo apenas deste tipo especifico de norma no parágrafo em comento.

[43] Idem, ibidem, pág. 83.

[44] E. GRAU, Direito, conceitos e normas jurídicas, apud BARROSO, L; O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira; pág. 85.

[45] L. BARROSO; op. cit.; pág. 87.

[46] R. BARBOSA, Comentários à Constituição Federal brasileira, pág. 41 apud BARROSO, L., op. cit, pág. 88.

[47] L. VIANNA, M. CARVALHO, M. CUNHA MELO, M. BURGOS, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, pág. 25.

[48] Idem, ibidem, pág. 24.

[49] Idem, ibidem. Loc. cit.

[50] A. GARAPON, op. cit.,  pág. 48.

[51] A. GARAPON, op. cit, pág. 53.

[52] Idem, ibidem, pág. 141.

[53] L. VIANNA..., op. cit., pág. 53.

[54] A. GARAPON, op. cit.

[55] Obviamente, ainda existem muitos magistrados que insistem numa visão estritamente positivista do Direito, não assimilando a nova tendência e dinâmica da justiça e da própria sociedade que caminha cada vez mais para a maleabilidade das normas e decisões.

[56] A. GARAPON, op. cit, pág 270.

[57] O escopo do presente trabalho diz respeito principalmente ao desrespeito das normas constitucionais fundamentais pelo próprio Estado e a função do judiciário de zelar pelo devido cumprimento das disposições encerradas na Carta Magna.

[58] L. BARROSO, op. cit.

[59] A. GARAPON, op. cit., pág. 45.

[60] Importante ressaltar que não efetuaremos um estudo quantitativo de jurisprudências, logo, não poderíamos afirmar que absolutamente a maioria da magistratura nacional caminha nesta direção. Todavia, esta é uma tendência que se acentua nos últimos anos e que já foi objeto de estudo de muitos autores. Maiores detalhes a esse respeito podem ser identificados na obra já mencionada neste trabalho “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil”.

[61] L.VIANNA, op. cit., pág. 10.

[62] L. BARROSO, op. cit., pág. 99.

[63] Idem, ibidem, pág. 100.

[64] C. BANDEIRA DE MELO, Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social, pág. 8.

[65] L. BARROSO, op. cit., pág. 106.

[66] Esta expressão é relativamente nova e pode ser encontrada nos livros de doutrina de pesquisadores mais contemporâneos. No caso da citação acima, retiramos a expressão da obra de Barroso, já inúmeras vezes mencionada ao longo deste trabalho.

[67] M. GOUVEA, Controle judicial das omissões administrativas, pág 105.

[68] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Constitucional. Recurso ordinário em mandado de segurança. Fornecimento de medicação. Recurso ordinário em mandado de segurança nº 11129/PR. Segunda Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 02/10/2001.

[69] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial. Tratamento de doença no exterior. Recurso especial nº 353147/DF. Segunda Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 15/10/2002.

Vale ressaltar que embora a decisão em comento possa ser considerada louvável, no ano seguinte a publicação deste recurso especial, outra decisão do STJ com base na mesma matéria entendeu de forma distinta a questão discutida. Ver Mandado de Segurança nº 8895/DF.

[70] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Recurso especial. Medicamentos para tratamento da AIDS. Recurso especial nº 325337/RJ. Primeira Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 21/06/2001.

[71] M. GOUVEA, op. cit., pág. 272.

[72] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Recurso especial. Direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos. Recurso especial nº 575280/SP. Primeira Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 02/09/2004.

[73] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Constitucional. Recurso especial. Direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente. Recurso especial nº 577836/SC. Primeira Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 21/10/2004.

[74] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo e Processo Civil. Recurso especial. Obras de recuperação em prol do meio ambiente. Recurso especial nº 429570/GO. Segunda Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 11/11/2003.

[75] M. GOUVEA, op. cit., pág. 156.

[76] Idem, ibidem, pág. 235.

[77] Menciono este autor como sendo de vanguarda, tendo em vista que ele como alguns outros jovens juristas como Clèmerson Merlin Clève, tem dedicado seus estudos a uma nova visão da ciência jurídica constitucional.

[78] Idem, ibidem, pág. 237.

[79] A. GARAPON, op. cit., pág. 188.

[80] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo Civil e Administrativo. Recurso especial. Coleta de lixo. Recurso especial nº 575998/MG. Primeira Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 07/10/2004.

[81] Não trataremos aqui de todas as espécies de ações constitucionais, mas somente aquelas cuja importância possa exercer um caráter emblemático no mote deste trabalho.

[82] L. BARROSO, op. cit., pág. 189.

[83] A. MORAES, Direito Constitucional, pág. 163.

[84] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Constitucional. Recurso ordinário em mandado de segurança. Direito fundamental à saúde e à vida. Recurso nº 17903/MG. Segunda Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 10/08/2004.

[85] A. MORAES, op. cit., pág. 173.

[86] L. BARROSO, op. cit., pág. 211.

[87] A. MORAES, op. cit., pág. 192.

[88] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Recurso Especial. Remuneração de vereadores. Desvio de poder. Recurso nº 21156/SP. Primeira Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 19/09/1994.

[89] L. BARROSO, op. cit., pág. 218.

[90] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo Civil. Recurso Especial. Dano ao patrimônio de órgão estadual. Recurso nº 132107/MG. Primeira Turma Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF, 13/11/997.

[91] A. MORAES, op. cit. 630.

[92] L. BARROSO, op. cit., pág. 160.

[93] A. MORAES, op. cit., pág. 631.

[94] Ver artigo 103, incisos I a IX da Constituição Federal.

[95] L. VIANNA, op. cit., pág. 140.

[96] Idem, ibidem, pág. 89.

[97] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. ADI nº 2504/MG. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Brasília, DF, 19/03/2002.

[98] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. ADI nº 2061/DF. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Brasília, DF, 25/04/2001.