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Jurisdição

 

 

Autor Desconhecido

 

 

Cuidaremos, hoje, de um conceito básico de Direito, cuja compreensão é necessária ao estudo de praticamente qualquer disciplina jurídica. Trata-se da definição e do estudo da jurisdição.

Podemos definir jurisdição como o poder de dizer o direito aplicável a determinado caso concreto a fim de dirimir um conflito de interesses.

A palavra jurisdição deriva do latim juris (direito) dictionis (ação de dizer). Jurisdição significa exatamente isso: dizer o direito.

Em países que adotam o denominado Sistema Inglês ou sistema de jurisdição única, somente o Poder Judiciário possui a atribuição de, quando provocado, dizer, em caráter definitivo e imutável, o direito aplicável a determinado caso concreto.

Diversamente, o Sistema Francês ou sistema do contencioso administrativo é aquele em que se veda o conhecimento pelo Poder Judiciário de atos da Administração Pública, ficando estes sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo, formada por tribunais de índole administrativa. Nesse Sistema há, portanto, uma dualidade de jurisdição: a jurisdição administrativa (formada pelos tribunais de natureza administrativa, com plena jurisdição em matéria administrativa) e a jurisdição comum (formada pelos órgãos do Poder Judiciário, com a competência de resolver os demais litígios).

No Brasil, a inafastabilidade da jurisdição como competência do Poder Judiciário encontra-se expressa no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Como se vê, o Brasil adotou o Sistema Inglês.

Portanto, em nossa sociedade, todos os conflitos de interesses que não sejam resolvidos espontaneamente, seja por não lograrem as partes envolvidas chegarem a um acordo, seja por ser vedada a solução espontânea do conflito (como é a regra no caso da jurisdição penal), deverão ser dirimidos pelo Poder Judiciário, mediante o exercício da jurisdição.

FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

a) AUTOTUTELA

A autotutela dos interesses é, historicamente, a mais primitiva forma de solução de conflitos adotada pelas sociedades humanas.

Como o nome mesmo indica, na autotutela cada um defende, por seus próprios meios, os direitos que entenda possuir. Em outras palavras, os conflitos são resolvidos pela força bruta, prevalecendo, inexoravelmente os interesses do mais forte.

É desnecessário comentar que a autotutela é incompatível com a paz social, tendo sido praticamente abolida nos atuais Estados de direito. Entretanto, resquícios ainda subsistem em situações tais como a legítima defesa, o estado de necessidade e umas poucas outras.

b) AUTOCOMPOSIÇÃO

A autocomposição ocorre quando as partes envolvidas em um conflito chegam de comum acordo a uma solução que entendam adequada. Pode ocorrer de uma parte renunciar integralmente à sua pretensão original ou, o que é mais comum, ambas as partes abrirem mão de uma parcela de sua pretensão em favor da outra.

A autocomposição pode ocorrer mediante:

desistência: uma parte renuncia integralmente à sua pretensão;

submissão: a parte contra a qual era feita a pretensão aceita-a e cumpre a prestação pretendida;

transação: caracterizada por concessões recíprocas entre as partes.

c) INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

A intervenção de terceiros na solução de um conflito iniciou com a livre escolha pelas partes de um árbitro, que entendessem ser imparcial, que decidiria o caso a ele apresentado e cuja decisão, fosse qual fosse, deveria ser acatada pelos litigantes.

Essa forma de composição de conflitos é hoje bastante utilizada no âmbito do Direito Internacional Público e encontra exemplo, em nosso ordenamento, nos denominados juízos arbitrais, em que conflitos, se as partes assim acordarem, são resolvidos por um árbitro (não é um juiz nem um órgão do Poder Judiciário).

d) PROCESSO

No processo, o papel do terceiro imparcial é exercido pelo Estado-juiz, que exerce a jurisdição determinando, de forma definitiva, o direito aplicável ao caso concreto a ele apresentado. Os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos.

Transcrevo a brilhante definição de lavra do Professor Fernando Capez, em sua obra "Curso de processo penal" (Ed. Saraiva, 5ª edição, São Paulo, 2000):

"Jurisdição é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui, na pessoa de um juiz, aos titulares dos interesses em conflito, para, imparcialmente, aplicar o direito ao caso concreto, a fim de fornecer uma pacífica solução ao litígio, reafirmando a autoridade da ordem jurídica e a verticalidade da relação Estado-Particular".

PRINCÍPIOS INFORMADORES DA JURISDIÇÃO

Muitos dos princípios aplicáveis à atividade jurisdicional encontram sede na Constituição, como veremos a seguir.

1 – PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO

Já aqui mencionado, esse princípio basilar de nosso ordenamento veda qualquer tentativa, ainda que por meio de lei, de se dificultar ou de excluir o acesso dos particulares ao Poder Judiciário na busca de tutela a direitos que entendam estarem sofrendo ou ameaçados de sofrer lesão.

Por força desse princípio, no Brasil, somente o Poder Judiciário tem jurisdição, ou seja, somente ele pode fazer a coisa julgada, dizendo, em caráter definitivo e imutável, o direito aplicável a determinado caso concreto.

2 – PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Decorrência lógica do princípio da igualdade, afirma que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (CF, art. 5º, LIII). Reforça esse princípio a vedação à instituição de juízos ou tribunais de exceção, constante do inciso XXXVII do artigo 5º da Constituição.

3 – PRINCÍPIO DA INVESTIDURA

Reza este princípio que a jurisdição somente pode ser exercida por quem tenha sido regularmente investido no cargo e esteja no legítimo exercício de suas atribuições. A inobservância desse princípio implica a nulidade do processo e da sentença.

4 – PRINCÍPIO DA IRRECUSABILIDADE

Citado pelo Professor Mirabete, este princípio veda às partes recusarem o juiz que o Estado lhes oferece, exceto nos casos de suspeição, impedimento e incompetência.

5 – PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO

Também mencionado pelo Professor Mirabete, este princípio assegura a correspondência entre o pedido e a sentença. É vedado o exercício da jurisdição além daquilo que foi pedido pela parte autora ou a concessão de provimentos estranhos a este pedido. São as denominadas sentenças ultra petita (além do pedido) e extra petita (estranha ao pedido), vedadas em razão deste princípio.

6 – PRINCÍPIO DA INÉRCIA

O juiz não pode exercer a jurisdição sem que seja solicitado. O Judiciário somente atua sob provocação das partes (ne procedat judex ex officio).

O Ministério Público detém a titularidade da acusação nas ações penais públicas. Nas ações penais privadas a persecução é de titularidade exclusiva da vítima ou de seu representante legal. Na jurisdição civil, a iniciativa compete à parte interessada.

CARACTERÍSTICAS DA JURISDIÇÃO

1 - SUBSTITUTIVIDADE

O Estado substitui a atuação dos litigantes na solução dos conflitos de interesses, uma vez que, regra geral, é vedada a autotutela.

2 - IMPARCIALIDADE

Como o órgão jurisdicional não possui interesse próprio no conflito, a imparcialidade necessária é assegurada, sendo uma das mais importantes características da jurisdição.

3 – DEFINITIVIDADE

No Brasil, somente o Poder Judiciário tem a possibilidade de dizer o direito com força de coisa julgada. Assim, encerrado o processo (com julgamento de mérito), faz-se a denominada coisa julgada material e a manifestação do Poder Judiciário torna-se imutável para as partes envolvidas, não podendo ser alterada ainda que por meio de lei.

ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO

A jurisdição, por definição, é una e indivisível, uma vez que é a função estatal cuja finalidade é a aplicação do direito objetivo público ou privado. Entretanto, costuma-se dividir a jurisdição, conforme o aspecto considerado para efeito de classificação, em:

a) inferior e superior:

Diz-se inferior a jurisdição exercida na primeira instância e superior à exercida na segunda e demais instâncias recursais nos diversos tribunais.

b) contenciosa ou voluntária:

É contenciosa a jurisdição em que há litígio e voluntária a jurisdição apenas homologatória de acordo feito entre as partes.

c) penal, civil, eleitoral e militar:

Essa classificação leva em conta a matéria sobre a qual se exerce a jurisdição. A jurisdição civil é a residual, ou seja, tudo aquilo que não disser respeito às demais jurisdições será matéria concernente à jurisdição civil.

d) jurisdição necessária:

Diz-se necessária a jurisdição quando os interesses em conflito, por serem extremamente indisponíveis, não admitem autocomposição ou outra forma de solução que dispense o exercício da jurisdição. A jurisdição penal é, em razão da natureza dos interesses envolvidos, tipicamente necessária, ou seja, o criminoso não pode, voluntariamente, submeter-se à pretensão punitiva do Estado sem que este exerça a jurisdição penal. O conflito de interesses entre o autor de um crime (interesse em manter sua liberdade) e o Estado (interesse na persecução e repressão dos delitos) somente pode ser dirimido pelo exercício da jurisdição penal. O Estado não pode exercer o jus puniendi sem exercer a jurisdição, mesmo que o autor do delito assim desejasse. A jurisdição necessária em matéria penal foi um pouco atenuada com a edição da Lei nº 9.099/1995, uma vez que passou a ser admitida a transação em crimes de menor lesividade social.

 

 

Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_sub=1&page_id=251> Acesso em: 18 de Ago. 2006.