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A Crise do Estado e o Movimento em Direção ao Terceiro Setor

 

 

José Anastácio

 

 

Nos últimos anos, assistimos em todo o mundo a um debate acalorado, ainda longe de ser concluído, sobre o papel que o Estado deve desempenhar na vida contemporânea e o grau de intervenção que deve ter na economia. No Brasil, o tema adquire relevância particular, tendo em vista que o Estado, em razão do modelo de desenvolvimento adotado, desviou-se de suas funções precípuas para atuar com grande ênfase na esfera produtiva. Essa maciça interferência do Estado no mercado acarretou distorções crescentes, que se tornaram insustentáveis na década de 90.

A crise do Estado pode ser definida:

(1) como uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa;

(2) como o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas, dentre as quais a crise do Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no Terceiro Mundo, e o estatismo nos países comunistas; e

(3) como uma crise da forma de administrar o Estado, isto é, por meio do advento de disfunções da burocracia estatal.

No Brasil, a crise do Estado somente se tornará clara a partir da segunda metade dos anos 80. Suas manifestações mais evidentes são a própria crise fiscal e o esgotamento da estratégia de substituição de importações, que se inserem num contexto mais amplo de superação das formas de intervenção econômica e social do Estado.

Só em meados dos anos 90 surge uma resposta consistente com o desafio de superação da crise. A reforma do Estado não é, assim, um tema abstrato: ao contrário, é algo cobrado e iniciado pela sociedade, que vê frustradas suas demandas e expectativas.

Nesse sentido, são inadiáveis:

(1) o ajustamento fiscal duradouro;

(2) reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional;

(3) a reforma da previdência social;

(4) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua governança, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas de maneira conjugada com a sociedade.

Um processo que se insere no quadro mencionado acima é o movimento em direção ao setor público não-estatal, no sentido de responsabilizar-se pela execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de publicização. Por meio de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal, o denominado terceiro setor, a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle.

Desse modo, o Estado abandona o papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente dos serviços sociais, como educação e saúde, que são essenciais para o desenvolvimento, na medida em que envolvem investimento em capital humano. Como promotor desses serviços o Estado continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participação da sociedade.

 

A Publicização como Estratégia da Reforma do Estado

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado distingue quatro setores estatais, em relação aos quais elabora diferentes diagnósticos e proposições. São eles:

a) NÚCLEO ESTRATÉGICO, que corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e ao Poder Executivo. Trata-se do governo, em sentido amplo. É no núcleo estratégico que as leis e as políticas públicas são definidas e seu cumprimento é cobrado. É, portanto, o setor onde as decisões estratégicas são tomadas.

b) ATIVIDADES EXCLUSIVAS, setor no qual são prestados serviços que só o Estado pode realizar, ou seja, aqueles em que se exerce o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar.

c) SERVIÇOS NÃO-EXCLUSIVOS corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado, mas este se faz presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem economias externas relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços pela via do mercado. São exemplos desse setor as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus.

d) PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O MERCADO corresponde à área de atuação das empresas estatais do segmento produtivo ou do mercado financeiro. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado, como, por exemplo, as do setor de infra-estrutura.

 

Organizações Sociais

Organizações Sociais (OS) são um modelo de organização pública não-estatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica. Trata-se de uma forma de propriedade pública não-estatal, constituída pelas associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público. As OS são um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade.

O Estado continuará a fomentar as atividades publicizadas e exercerá sobre elas um controle estratégico: demandará resultados necessários ao atingimento dos objetivos das políticas públicas. O contrato de gestão é o instrumento que regulará as ações das OS.

As Organizações Sociais constituem uma inovação institucional, embora não representem uma nova figura jurídica, inserindo-se no marco legal vigente sob a forma de associações civis sem fins lucrativos. Estarão, portanto, fora da Administração Pública, como pessoas jurídicas de direito privado. A novidade será, de fato, a sua qualificação, mediante decreto, como Organização Social, em cada caso.

Qualificada como Organização Social, a entidade estará habilitada a receber recursos financeiros e a administrar bens e equipamentos do Estado. Em contrapartida, ela se obrigará a celebrar um contrato de gestão, por meio do qual serão acordadas metas de desempenho que assegurem a qualidade e a efetividade dos serviços prestados ao público.

Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais tenderão a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento.

Não é correto, contudo, entender o modelo proposto para as Organizações Sociais como um simples convênio de transferência de recursos. Os contratos e vinculações mútuas serão mais profundos e permanentes, porque as dotações destinadas a essas instituições integrarão o Orçamento da União, cabendo às mesmas um papel central na implementação das políticas sociais do Estado.

 

Agências Executivas

A denominação Agência Executiva é uma qualificação a ser concedida, por decreto presidencial específico, a autarquias e fundações públicas , responsáveis por atividades e serviços exclusivos do Estado. O Projeto Agências Executivas, portanto, não institui uma nova figura jurídica na Administração pública, nem promove qualquer alteração nas relações de trabalho dos servidores das instituições que venham a ser qualificadas. É também importante ressaltar que a inserção de uma instituição no Projeto se dá por adesão, ou seja, os órgãos e entidades responsáveis por atividades exclusivas do Estado candidatam-se à qualificação, se assim o desejar a própria instituição e, obviamente, seu Ministério supervisor.

Não basta, entretanto, a manifestação da vontade das instituições e respectivos Ministérios. Conforme estabelecido na Lei nº 9.649 de 27 de maio de 1998, a qualificação de uma instituição como Agência Executiva, exige, como pré-requisitos básicos, que a instituição candidata tenha:

(1) um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em andamento e

(2) um Contrato de Gestão, firmado com o Ministério supervisor.

Além dos pré-requisitos acima expostos, um outro aspecto distingue as autarquias e fundações qualificadas como Agências Executivas das demais: o grau de autonomia de gestão que se pretende conceder às instituições qualificadas.

Com a ampliação de sua autonomia de gestão, busca-se oferecer às instituições qualificadas como Agências Executivas melhores condições de adaptação às alterações no cenário em que atuam - inclusive com relação às demandas e expectativas de seus clientes e usuários - e de aproveitamento de situações e circunstâncias favoráveis ao melhor gerenciamento dos recursos públicos, sempre com vistas ao cumprimento de sua missão.

 

O Contrato de Gestão

No âmbito do Projeto Agências Executivas, conforme já mencionado, o Contrato de Gestão constitui o principal instrumento para a supervisão ministerial, para a gestão estratégica da instituição e para a consolidação da Administração gerencial. Isso porque a elaboração do Contrato baseia-se, necessariamente, no planejamento, que culminará com o estabelecimento dos objetivos e metas a serem atingidos durante sua vigência, assim como de indicadores de desempenho que permitam avaliar, de forma objetiva, os resultados apresentados, em comparação com os compromissos acordados no documento.

Para garantir que as políticas públicas formuladas pelo Núcleo Estratégico sejam implementadas e as demandas e expectativas da sociedade atendidas, a dinâmica de monitoramento do Contrato de Gestão deve tornar possível a identificação - preferencialmente, de forma antecipada - de eventuais dificuldades ou desvios, a tempo de se promoverem as alterações necessárias, seja nas condições, seja nos objetivos e metas ou na sua forma de implementação.

Na elaboração do Contrato de Gestão , a instituição e o Ministério supervisor devem assegurar, entre outros itens, que:

• os objetivos e metas tenham coerência com a missão institucional;

• existam indicadores que cubram diferentes aspectos do desempenho;

• as metas e os indicadores sejam úteis para permitir o aprimoramento do desempenho;

os indicadores sejam apropriados para comunicar os resultados;

• tenham sido identificadas, de forma clara, as fontes básicas de dados e os procedimentos de coleta e que existam mecanismos para controle da validade dos dados;

• a linguagem utilizada possa ser compreendida por pessoas que não pertençam à instituição;

• conste do documento, quando necessário, um glossário com os termos-chave, de forma a evitar diferentes interpretações quanto ao que se pretende alcançar.

Conteúdo Básico

O Contrato de Gestão deve conter, no mínimo, cláusulas que tratem dos seguintes aspectos:

• disposições estratégicas: objetivos da política pública à qual se vincula a instituição, sua missão, objetivos estratégicos e metas institucionais;

• objetivos, metas e respectivos planos de ação; • indicadores de desempenho;• meios e condições necessários à execução dos compromissos pactuados: explicitação dos recursos disponíveis e dos níveis de autonomia concedidos à instituição;

• sistemática de avaliação: definição das instâncias da instituição, do Ministério supervisor ou de natureza coletiva,

responsáveis pelo acompanhamento do desempenho institucional, da periodicidade (no mínimo semestral) e dos instrumentos de avaliação e de comunicação dos resultados;

• condições de revisão, suspensão e rescisão do contrato; • definição de responsáveis e de conseqüências decorrentes do descumprimento dos compromissos pactuados;

• obrigações da instituição, do Ministério supervisor e dos Ministérios intervenientes;

• condições de vigência e renovação do contrato;

• mecanismos de publicidade e controle social.

 

 

Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_sub=5&page_id=46> Acesso em: 18 de Ago. 2006.