® BuscaLegis.ufsc.br





A Impossibilidade de instituição ou majoração de tributo por meio de medida provisória (um conflito de normas constitucionais: § 2o do artigo 62 X inciso I do art. 150)





Renato Bernardi*





INTRODUÇÃO

As medidas provisórias, que inicialmente foram idealizadas para curar os excessos e abusos na utilização dos decretos-leis, derivaram para o mesmo erro. Institucionalizou-se uma verdadeira legislação provisória com edições de inúmeras medidas provisórias, desconfigurando as situações excepcionais.

Desde sua criação em 1988, o grande número de medidas provisórias editadas evidencia o desvio da concepção do que seja urgente e relevante, requisitos necessários para a adoção de medidas provisórias, conforme preconiza o art. 62 “caput” da Constituição Federal.

Além dos problemas relacionados com a corrente falta de critérios objetivos para se apurar a efetiva configuração dos requisitos constitucionais de relevância e urgência, surge, no campo do Direito Tributário, a questão a respeito da possibilidade ou não da utilização da medida provisória para a instituição ou majoração de tributos, mormente se levado em consideração que não havia previsão material expressa na Constituição quanto ao seu uso nessa seara antes da Emenda Constitucional n. 32, de 09 de setembro de 2001.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 32, o art. 62, § 2º, da Carta Magna, foi introduzido com a intenção de deixar claro que a utilização da referida medida, na instituição ou majoração de tributos, tinha, desde então, previsão expressa, já que o legislador constituinte derivado ressalvou a sistemática de sua utilização em algumas hipóteses.

No entanto, sem embargo de a referida Emenda nº 32 ter modificado substancialmente o tratamento até então dispensado à medida provisória, estabelecendo, inclusive, limitações materiais objetivas quanto ao seu alcance (inexistentes à época), prevendo restrições legais mais rigorosas quanto à sua tramitação e eficácia, a discussão está longe de seu término. Isso porque uma Emenda – isso se estende a qualquer outra espécie legislativa – não pode afrontar as denominadas cláusulas pétreas sem padecer do vício de inconstitucionalidade.

No presente estudo, o exame da questão ficará restrito ao confronto do disposto no art. 62, § 2º da Constituição Federal, com as disposições constitucionais pertinentes aos princípios da legalidade genérica (art. 5º, inciso II) e da legalidade estrita (art. 150, inciso I), reservando-se, para outra oportunidade, o cotejo do disposto no art. 62, § 2º, da Constituição Federal, com o princípio da anterioridade.

Não se pode perder de vista que o princípio da legalidade tipificado no artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal, é um sobre-princípio que tem status de direito fundamental. Irradia influência por todos os ramos do direito positivo brasileiro, não sendo possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos sem que a lei os estipule. Como o objetivo primordial do direito é regrar a conduta, e ele o faz criando direitos e deveres correlativos, a relevância desse princípio transcende qualquer argumentação que pretenda enaltecê-lo. A diretriz da legalidade traduz norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos. Para o direito tributário, contudo, aquele imperativo ganha feição de maior severidade, como se nota da redação do art. 150, inciso I, da Constituição Federal.

Em outras palavras, quaisquer das pessoas políticas de direito constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei, termo utilizado em sua acepção estrita.

Sendo assim, não se pode admitir que uma espécie legislativa que, tecnicamente, não seja lei, possa fazer parte do sistema do direito tributário positivo, instituindo ou majorando tributos.

A possibilidade de a Medida Provisória instituir ou majorar tributos contraria um direito fundamental do cidadão (o direito de ter contra ele constituídas obrigações tributárias somente em virtude de lei, essa compreendida em sua acepção técnica, como o fruto do trabalho do Poder Legislativo) e, considerando que tal possibilidade foi instituída por trabalho do Poder Constituinte Derivado Reformador, sujeito a limitações, pois, está ferida de morte a limitação material tipificada no inciso IV, do § 4o, do artigo 6o da Constituição Federal.

Com a formulação do presente trabalho – que envolve uma interpretação objetiva de alguns artigos do texto constitucional, por meio da qual se buscará uma exegese sistemática, literal e, finalmente, teleológica dos fins almejados não só pelo legislador constituinte originário, como também do derivado via emenda constitucional – demonstrar-se-á que a instituição ou majoração de tributos por meio de Medida Provisória, não obstante a aparente permissão constitucional prevista no § 2o do artigo 62 da Constituição Federal, contraria direito fundamental do cidadão.

Para tanto, partir-se-á do conceito legal de tributo, permeado por um breve estudo das fontes do Direito Tributário, examinando-se, posteriormente, os princípios constitucionais como critérios de valoração na solução de conflitos, passando-se a uma análise identificadora da espécie legislativa objeto de análise. De então, partir-se-á para o estudo do Poder Constituinte, com ênfase nas limitações impostas ao poder reformador. Ato contínuo, serão examinados os princípios da legalidade genérica e da legalidade estrita, ambos na acepção de Direito Fundamental, para, finalmente, chegar-se à situação do conflito para o qual o presente trabalho propõe soluções.

1. O CONCEITO DE TRIBUTO

O vocábulo “tributo” é equívoco, podendo ser empregado em diferentes acepções. 

A mais vulgar delas é aquela que alude a uma importância pecuniária, utilizada até mesmo pelo legislador pátrio no art. 166 do Código Tributário Nacional. Destaca-se aqui o objeto da prestação imposta por lei ao sujeito passivo da obrigação tributária.

Noutro aspecto, “tributo” pode significar o comportamento de determinada pessoa consubstanciado no pagamento de determinado valor. Ressalta aqui a idéia do facere, da entrega do dinheiro ao poder público.

Em oposição a essa, “tributo” pode querer significar o direito subjetivo em que está investido o sujeito ativo para exigir o objeto da prestação.

Numa quarta acepção, “tributo” pode querer expressar a relação jurídica tributária, abrangendo o complexo formado pelo direito subjetivo, pelo dever jurídico e pelo objeto da prestação. 

Em uma quinta significação, “tributo” ainda pode ser utilizado ao fazer-se referência a preceito normativo, como fartamente utilizado pela Constituição Federal vigente.

Finalmente, encontra-se o vocábulo “tributo” utilizado por aqueles que pretendem expressar toda a fenomenologia da incidência, desde a norma instituidora, passando pelo evento concreto nela descrito, até o liame obrigacional que aparece com a ocorrência, no mundo dos fatos, daquela hipótese. [1]

Estabelece o art. 3o do Código Tributário Nacional: "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."

Decompondo-se a previsão legal, temos as seguintes significações às pertinentes estipulações:

- Prestação pecuniária compulsória: o tributo deve ser pago em unidades de moeda de curso forçado (atualmente, em reais), independente da vontade do contribuinte, devendo ser satisfeita a obrigação mesmo contra a vontade do sujeito passivo. Não há, em regra, tributo in natura (pago em bens) ou in labore (pago em trabalho).

- Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: demonstrando falta de rigor e redundância, o legislador destacou que o tributo pode ser expresso em moeda corrente, abrindo a possibilidade de expressão do quantum por meio de indexadores (exemplos: ORTN, OTN, BTN, UFIR). Com tal procedimento, o legislador pátrio incorreu em duas imprecisões: a primeira ao referir “em moeda”, expressão que somente tem o condão de repetir o caráter pecuniário já dito antes, e a segunda ao explicitar “ou cujo valor nela se possa exprimir” deu ensejo a interpretações ambíguas, permitindo o entendimento de que até mesmo o serviço militar e o trabalho desempenhado pelos mesários eleitorais realizariam o conceito de tributo.

- Que não constitua sanção de ato ilícito: as penalidades pecuniárias ou multas não se incluem no conceito de tributo. Significa dizer que o pagamento do tributo não decorre da infração de determinada lei. Pelo contrário, se algo é pago por descumprimento da lei não se trata de tributo. Aqui determina-se a feição da licitude para o fato que desencadeia o nascimento da obrigação tributária.

- Instituída em lei: esse o ponto central do presente estudo. Nos termos do disposto no art. 5o, inciso II, da Constituição Federal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Especializando a disposição genérica, o art. 150, inciso I, da mesma Constituição Federal, prevê que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Disso decorre que só existe a obrigação de pagar o tributo se uma norma jurídica fruto do trabalho do Poder Legislativo estabelecer a exigência.

- Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada: a intenção do legislador foi aclarar que, nesse tipo de atividade, a autoridade não goza de liberdade para apreciar a conveniência ou oportunidade de agir. A lei já estabelece minudentemente os caminhos a serem seguidos. Portanto, a autoridade fiscal age segundo previsão legal expressa. Trata-se de verdadeiro exagero, uma vez que existem atos praticados validamente pela administração tributária em que o administrador está autorizado, por lei, a integrar a norma jurídica com a sua vontade.

2. AS FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Devemos entender fontes do direito como sendo os órgãos criadores de regras jurídicas, não se podendo perder de vista que nenhuma regra jurídica ingressa no direito positivo sem que seja introduzida por outra norma que, adiante, será denominada veículo introdutor de normas, podendo-se falar em normas introduzidas e normas introdutoras.

Com isso, as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzem no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas. Tais ocorrências serão colhidas enquanto ato de enunciação, uma vez que os enunciados são as próprias normas. Daí concluir-se que o sistema de normas, introdutoras e introduzidas, integra o que conhecemos por direito positivo, enquanto que o conjunto de fatos aos quais a ordem jurídica atribuiu teor de juridicidade, se tomados na qualidade de enunciação e não como enunciados, estarão formando o território das fontes do direito posto, o que nos permitirá operar com as fontes como algo diferente do direito posto, evitando, desse modo, a circularidade ínsita à noção cediça de fontes como sendo o próprio direito por ele mesmo criado.

O estudo das fontes do direito está voltado primordialmente para o exame dos fatos enquanto enunciação, que fazem nascer regras jurídicas introdutoras, advertindo-se, que tais eventos só assumem essa condição por estarem previstos em outras normas jurídicas.

2.1 Instrumentos introdutórios de normas tributárias no Direito brasileiro

A lei e os estatutos normativos que têm vigor de lei são os únicos veículos credenciados a promover o ingresso de regras inaugurais no universo jurídico brasileiro, pelo que as designamos "instrumentos primários". Todos os demais diplomas regradores da conduta humana, no Brasil, têm sua juridicidade condicionada às disposições legais, quer emanem preceitos gerais e abstratos, quer individuais e concretos. São, por isso mesmo, considerados "instrumentos secundários" ou "derivados", não apresentando, por si só, a força vinculante que é capaz de alterar as estruturas do mundo jurídico-positivo. Realizam os comandos que a lei autorizou e na precisa dimensão que lhes foi estipulada. Os instrumentos introdutórios de normas se dividem em instrumentos primários - a lei na acepção lata - e instrumentos secundários ou derivados - os atos de hierarquia inferior à lei, como os decretos regulamentadores, as instruções ministeriais, as portarias, as circulares, as ordens de serviço etc.

Essa classificação dos instrumentos introdutórios é aplicável ao ordenamento como um todo, valendo para a ordem jurídica do Estado federal, da mesma forma que para o sistema nacional, para os sistemas estaduais e para os sistemas municipais. Por decorrência lógica, é o critério que deve ser adotado no plano das relações tributárias.

2.1.1 Instrumentos primários

São considerados instrumentos primários: 

- A Constituição Federal, norma suprema que estrutura o Estado e a sociedade, e contém regras disciplinadoras do exercício do Poder, da organização do Estado, dos direitos e Garantias Fundamentais e regras básicas da ordem econômica e social. Verdadeira sobrenorma, porque fala não diretamente da conduta que suscita vínculos tributários, mas do conteúdo ou da forma que as regras hão de conter. Na Constituição Federal é que estão consignadas as competências tributárias. Igualmente, é o texto constitucional portador dos grandes princípios que servem como diretrizes supremas a orientar o exercício das competências impositivas, consagrando os postulados que imprimem certeza e segurança às pretensões tributárias do Estado e, em contrapartida, preservam e garantem os direitos individuais dos cidadãos.

- A lei complementar, com sua natureza ontológico-formal, isto é, matéria especialmente prevista na Constituição e o quorum qualificado a que alude o art. 69 da Constituição Federal - maioria absoluta nas duas Casas do Congresso -  cumpre hoje função institucional da mais alta importância para a estruturação da ordem jurídica brasileira. Aparece como significativo instrumento de articulação das normas do sistema, recebendo numerosos cometimentos nas mais diferentes matérias de que se ocupou o legislador constituinte. Tem o mesmo procedimento das leis ordinárias, podendo, inclusive, quando se tratar de iniciativa do Presidente da República, ser votada em regime de urgência.  Difere da lei ordinária apenas pela exigência de quórum especial, de maioria absoluta, ou seja, mais da metade dos membros componentes da Casa. Para temas tributários, a Constituição Federal de 1988 prescreveu muitas intervenções de legislação complementar, que vão desde a expedição de normas gerais (art. 146, III) até a própria instituição de tributos, como no caso da competência residual da União (art. 154, I), ou na hipótese de empréstimos compulsórios (art. 148, I e II), passando por uma série de assuntos dos mais variados matizes.

De se lembrar que a Lei n. 5.172/66 - o Código Tributário Nacional - foi aprovada como lei ordinária da União. Contudo, citada lei adquiriu eficácia de lei complementar, pelo motivo de referir matéria reservada, exclusivamente, a esse tipo de ato legislativo. Com tal status, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

- A lei ordinária, que pode ser editada tanto pela União como pelos Estados e Municípios, no delineado campo de suas competências constitucionais. A lei ordinária é, inegavelmente, o item do processo legislativo mais apto a veicular preceitos relativos à regra-matriz dos tributos, assim no plano federal, como nos estadual e no municipal. É o instrumento por excelência da imposição tributária. Estabelecer um tributo equivale à descrição de um fato, declarando os critérios necessários e suficientes para o seu reconhecimento no nível da realidade objetiva, além de prescrever o comportamento obrigatório de um sujeito, compondo o esquema de uma relação jurídica. Cabe ainda à lei ordinária preceituar os deveres instrumentais ou formais que propiciam a operatividade prática e funcional do tributo.

- A lei delegada é mais uma exceção à regra genérica pela qual a atividade que consiste em editar diplomas legais pertence, com exclusividade, ao Poder Legislativo. É elaborada pelo Presidente da República, em virtude de autorização concedida pelo Poder Legislativo. As leis delegadas são comuns em regimes parlamentaristas, em que o Gabinete, chefiado pelo Primeiro Ministro, representa a maioria parlamentar. A delegação, obviamente, só pode ser feita pelo Poder Legislativo, o titular da função legislativa. A delegação é feita pelo Congresso Nacional ao Presidente da República. No presidencialismo, a utilização de leis delegadas reforça ainda mais o Poder Executivo, pois o Legislativo abre mão de sua atribuição principal. A delegação é feita por resolução do Congresso Nacional, que deve especificar "seu conteúdo e os termos de seu exercício" (CF, art. 68, § 2º). Não se admite uma delegação ilimitada da função legislativa. Há matérias que, dada a relevância, não podem ser objeto de delegação: a) atos de competência exclusiva do Congresso Nacional ou de suas Casas Legislativas (CF, arts. 49, 51 e 52); b) matérias reservadas à lei complementar; e c) leis sobre a organização do Poder Judiciário e o Ministério Público, nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais e planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos (CF, art. 68, § 1º).

- As medidas provisórias constituem inovação da Carta de 1988. Trata-se de spécie normativa (artigo 59, V) com força de lei que veio substituir o decreto-lei. O Presidente da República, em caso de relevância e de urgência, poderá editar medidas provisórias, que deverão ser submetidas de imediato ao Congresso Nacional. Só podem ser aprovadas expressamente pelo Congresso, diferentemente do que  ocorria com o decreto-lei, que podia ser aprovado por decurso de prazo.

Por outro lado, é importante frisar que as relações jurídico-tributárias que veiculam deveres instrumentais ou formais continuam podendo ser instituídas e disciplinadas por essa espécie de diploma normativo.

- O decreto-legislativo é ato de competência exclusiva do Congresso Nacional, não sujeitos a sanção ou veto do Presidente da República, geralmente com efeitos externos, utilizado nas hipóteses previstas no art. 49 da Constituição Federal. Está no nível da lei ordinária. Adquire grande relevância no direito brasileiro como veículo que introduz o conteúdo dos tratados e das convenções internacionais no sistema normativo, assim como se presta às assembléias legislativas estaduais para absorver o teor dos convênios celebrados entre as unidades federadas, transformando-os em regras jurídicas válidas.

- As resoluções, atos de competência privativa do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, geralmente com efeitos internos, utilizados nos casos previstos na Constituição Federal (CF, arts. 51 e 52) e nos Regimentos Internos respectivos. Há hipóteses de previsão expressa de resolução como forma de ato normativo exigido pela Constituição, por exemplo, nos arts. 68, § 2º (resolução do Congresso Nacional delegando função legislativa para a Presidência da República) e 155, § 2º, IV (resolução do Senado fixando alíquotas para a cobrança do ICMS).

2.1.2 Instrumentos secundários

Os instrumentos secundários são todos os atos normativos que estão subordinados à lei. Não obrigam os particulares e, quanto aos funcionários públicos, estes lhe devem obediência não propriamente em vista de seu conteúdo, mas por obra da lei que determina sejam observados os mandamentos superiores da Administração.

Por não guardarem estreita relação com o objeto do presente estudo, serão apenas mencionadas sus espécies 

- O decreto regulamentar;

- As instruções ministeriais;

- As circulares

- As portarias

- As ordens de serviço e outros atos normativos estabelecidos pelas autoridades administrativas.

3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO CRITÉRIO DE VALORAÇÃO NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Os princípios, ao lado das regras, são normas jurídicas, mas uns e outros exercem papéis distintos dentro do sistema normativo.

As regras, por descreverem fatos hipotéticos, possuem a nítida função de regular, direta ou indiretamente, as relações jurídicas que se enquadrem nas molduras típicas por elas descritas.

Quanto aos princípios, trata-se de normas generalíssimas dentro do sistema.

Diz-se que os princípios têm eficácia positiva e negativa:

por eficácia positiva dos princípios, entende-se a inspiração, a luz hermenêutica e normativa lançadas no ato de aplicar o Direito, que conduz a determinadas soluções em cada caso, segundo a finalidade perseguida pelos princípios incidíveis no mesmo; por eficácia negativa dos princípios, entende-se que decisões, regras, ou mesmo, subprincípios que se contraponham a princípios serão inválidos, por contraste normativo.[2]

Ainda, funcionam os princípios como limites de atuação do jurista, visto que, ao mesmo tempo que funcionam como vetor de interpretação, têm como função limitar a vontade subjetiva do aplicador do direito, vale dizer, os princípios estabelecem balizamentos dentro dos quais o jurista exercitará sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto.[3]

Para garantir a eficácia e a aplicabilidade dos direitos fundamentais, mostra-se imprescindível que se conceba o Direito Constitucional como um sistema normativo, composto por princípios e regras jurídicas.

A partir de uma concepção "principialista" da Constituição, é possível superar conflitos jurídicos e conceber uma adequada aplicação dos preceitos constitucionais, fazendo com que as disposições de Constituição possam interagir com a realidade fática.

No caso de conflito entre regras, a solução resulta no afastamento de uma delas, uma vez que não pode haver duas regras válidas regulando a mesma situação fática. 

Diferente é a solução a que se chega num conflito entre princípios. Quando dois princípios jurídicos entram em colisão irreversível, um deles obrigatoriamente tem que ceder diante do outro, o que, porém, não significa que haja a necessidade de ser declarada a invalidade de um dos princípios, senão que sob determinadas condições um princípio tem mais peso ou importância do que outro e em outras circunstâncias poderá suceder o inverso.[4]

Relativamente aos princípios, em virtude da dimensão de peso que Ihes é inerente, a decisão que afasta determinado princípio em uma determinada situação não implica na sua definição como "inválido", mas, simplesmente, no reconhecimento da maior importância de um determinado princípio naquele caso concreto, situação que poderá não se repetir em hipóteses futuras.[5]

Assim, conceitualmente, temos:

a) Normas: o vocábulo "norma" engloba a totalidade dos elementos que regulam juridicamente a conduta dos membros de um grupo, seja coletivamente, seja individualmente [6]; são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.[7]

b) Princípios: espécie de norma que constitui exigência de otimização, para que algo se realize, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, ou seja, normas que não proíbem, não permitem nem exigem algo em termos de "tudo ou nada", porém impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a "reserva do possível", fática e juridicamente.[8]

c) Regras: espécie de norma que prescreve imperativamente uma exigência (impõe, permite ou proíbe) que é ou não é cumprida.[9]

À teoria "principialista" do Direito Constitucional foram feitas diversas críticas teóricas, dentre as quais se destacaram a condução à perda da racionalidade e do nível científico do Direito Constitucional, determinando a eliminação do próprio conteúdo de liberdade dos direitos fundamentais; e a aniquilação da característica garantidora dos direitos fundamentais, haja vista embasar-se no arbítrio judicial com alta carga de subjetivismo.

A primeira crítica é enfrentada por Robert Alexy, para quem a concepção de um sistema de princípios e regras, muito ao contrário, cria uma maior sujeição à Constituição do que o modelo puro de regras. A primeira objeção dogmática embasa-se no fato de que uma teoria dos valores envolvendo os direitos fundamentais conduziria a uma destruição da liberdade em seu sentido liberal, uma vez que a liberdade vinculada à Constituição seria substituída pela objetividade do valor. Em verdade, essa concepção seria adequada se a liberdade e o valor fossem duas coisas opostas, o que não corresponde à verdade, no momento em que a liberdade jurídica é ela própria um valor dentre vários outros.[10]

O princípio da liberdade jurídica exige uma situação de regulação jurídica na qual se ordene ou se proíba o menos possível. A polêmica surge no momento em que se decide o que deve ser ordenado ou o que deve ser proibido, referindo-se diretamente à questão do grau ótimo de realização do referido princípio.

Uma teoria principiológica dos direitos fundamentais permite a adoção de diferentes opções quando diante de direitos em oposição, o que permite a busca da melhor solução para cada determinada situação.

Assim, uma teoria de princípios/regras acaba por maximizar a liberdade jurídica, fornecendo um instrumental racional superior à teoria pura de regras.

A segunda objeção – arbítrio judicial – da mesma forma, não se mostra suficiente a negar a validade de uma teoria constitucional de princípios e regras.

A questão já é conhecida profundamente pelo direito brasileiro, uma vez que o princípio do convencimento racional do magistrado é amplamente aceito em nosso sistema jurídico, sendo, inclusive, imposição constitucional a fundamentação dos atos judiciais (artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal).

A escolha, no caso concreto, entre uma das opções possíveis, com implementação de um mandado de otimização, é fruto de um processo racional, devendo o intérprete justificar logicamente a alternativa escolhida, fato que afasta o arbítrio ensejador do aniquilamento dos direitos de liberdade.[11]

É imprescindível que o operador judiciário conheça o âmbito de proteção das normas constitucionais consagradoras dos direitos fundamentais.

A admissibilidade teórica das restrições a direitos em um regime democrático é impositivo de caráter lógico, uma vez que a necessária convivência prática dos diversos direitos determina limitações recíprocas, evitando, com isso, que o exercício absoluto de pretensões possa gerar o próprio aniquilamento das esferas constitucionalmente protegidas.

4. A MEDIDA PROVISÓRIA NO REGIME DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001

4.1 Considerações iniciais

O Estado de Direito, mais do que jurídico, é um conceito político que vem à tona no final do século XVIII, início do século XIX. Ele é fruto dos movimentos burgueses revolucionários que se opunham ao absolutismo, ao Estado de polícia. Surge como idéia de força de um movimento que tinha por objetivo subjugar os governantes à vontade legal, porém não de qualquer lei.

Como é sabido, o Estado tem poder. Esse poder é legitimado pelo direito, que é uma regra emanada da sociedade e fundamentada na lei moral, na lei social. O direito está diretamente relacionado com uma sociedade organizada, pois é por meio dele que serão emanadas as normas que regulamentarão a sociedade. Portanto o direito é o instrumento da ordem social. O Estado de Direito consiste na existência de uma ordem jurídica capaz de enunciar e tutelar os direitos de cada cidadão. Devem existir também direitos que protejam o cidadão das arbitrariedades do Estado, ou seja, deve haver direitos contra o próprio Estado. Vale dizer que o Estado de Direito está subordinado apenas ao direito.

No Estado de Direito, o direito tem como objetivo regular não só a conduta humana, mas também a atividade estatal, juntamente com o funcionamento de seus órgãos. Incumbe ao direito também regular a relação entre o Estado e seus elementos integrantes. Para a caracterização do Estado de Direito, faz-se necessária a presença de dois requisitos básicos, quais sejam, a proteção às garantias individuais e a limitação do arbítrio do poder estatal.

Em suma, o Estado de Direito nada mais é do que o Estado limitado pelo direito, sendo que este passa a ser o parâmetro daquele, visando a evitar qualquer tipo de arbitrariedade. O Estado sempre deve buscar o máximo de juridicidade possível.

Como não poderia deixar de ser, o Estado de Direito formalista recebeu inúmeras críticas na medida em que permitiu quase um absolutismo do contrato, da propriedade privada e da livre empresa. Era necessário redinamizar esse Estado, lançar-lhe outros fins; não que se desconsiderassem aqueles alcançados, afinal eles significaram o fim do arbítrio, mas cumprir outras tarefas, principalmente sociais, era imprescindível. Dá-se início então a um processo de democratização do Estado, que irá culminar com o Estado Democrático de Direito. Vale dizer que esse princípio vem descrito no artigo 1º da Constituição Federal.

Sendo a produção legislativa um dos modos de realização do Estado de Direito, a Constituição Federal de 1988 enumera a relação das espécies legislativas capazes de regrar as condutas públicas e privadas em nosso País. As espécies legislativas são previstas em seu art. 59.

Dentro da proposta do presente trabalho, ganha relevância a medida provisória, espécie legislativa merecedora de destaque no atual regime constitucional, nos moldes fixados pelo art. 59, inciso V, e art. 62, ambos da Carta da República, o qual foi substancialmente modificado com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.

4.2 Decreto-lei e medida provisória no Brasil

O Brasil, por inspiração do Direito Italiano, adotou na Constituição de 1967 o decreto-lei, que vinha a ser um ato normativo com força de lei, de competência do Presidente da República e condicionado à ocorrência de casos de urgência ou de interesse público relevante.

A emenda constitucional nº 1, de 1969, manteve essa figura, conforme se depreende de seu art. 55:

"O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:

I - segurança nacional;

II - finanças públicas, inclusive normas tributárias; e

III - criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.

§ 1º. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias a contar do seu recebimento, não podendo emendá-lo.

§ 2º. A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência."

O decreto-lei, embora tenha sido uma figura muito utilizada até na Nova República, não era visto com bons olhos, motivo pelo qual o Constituinte de 1988 retirou-o do Texto Maior. Não obstante, foi inserida na Constituição da República de 1988 a medida provisória, que nada mais é, que um novo nome para o decreto-lei.[12]

A medida provisória é mais negativa quanto à segurança jurídica do que o malfadado decreto-lei, pois deve ser imediatamente aplicada e, no entanto, se não convertida em lei ou convertida com modificações, gera uma lacuna legislativa a ser regulada pelo Congresso Nacional, que, como é sabido, não tem se pronunciado.

Ives Gandra Martins, comentando o assunto, salienta:

Pretendendo, teoricamente, os constituintes, eliminar o decreto-lei, introduziram veículo que, para alguns, é mais abrangente que a medida eliminada do sistema, já que sem limites expressos. Tenho para mim que tais limites existem e são os mesmos da lei delegada. Se o constituinte não permitiu que determinadas matérias, por sua gravidade, fossem decididas por um homem só (direitos e garantias individuais, separação de poderes, matéria orçamentária e tributária) em veículo legislativo de maior dignidade (lei delegada), não teria sentido excluir tais limites ao arbítrio, à irresponsabilidade administrativa ou incompetência gerencial em veículo processual provisório, condenado à morte certa em trinta dias.[13]

4.3 Natureza jurídica da medida provisória

Muito se discute a respeito da natureza jurídica da medida provisória. Autores como Eduardo Marcial Ferreira Jardim[14], Ives Gandra da Silva Martins[15], José Celso de Melo Filho[16], Eros Roberto Grau[17] e Clèrmerson Merlin Clève[18] a tratam como ato legislativo, tendo em vista sua posição geográfica na Constituição Federal de 1988 no art. 59, que trata do processo legislativo.

Contudo, tal entendimento não pode ser tido como correto, já que conflita com o próprio texto constitucional, uma vez que o art. 62, “caput”, da Constituição Federal, estabelece que a medida provisória tem força de lei. Ora, o que tem força de lei, não é lei. Ademais disso, nos termos do disposto no § 3º, do mesmo artigo, compete ao Congresso Nacional converter a medida provisória em lei, ficando evidente que somente pode ser convertido em lei aquilo que antes não o era. 

Em síntese, temos: a lei, caracterizada pela normalidade, permanência, consistência, eficácia pretérita preservada e independência de pressupostos; a medida provisória, excepcional, efêmera, precária, suscetível de perda da eficácia desde sempre, e restrita às hipóteses de urgência e relevância. De tal quadro de diversidades resultam, inapelavelmente, perfis jurídicos formal e materialmente distintos para a lei e para a medida provisória.[19]

Afastada a natureza legislativa, resta classificar e medida provisória como ato normativo do Poder Executivo, dotado, como ensina Mizabel Abreu Machado Derzi [20] de “juridicidade precária”.

Américo Masset Lacombe concorda que se trata de um ato normativo do Poder Executivo, mas conclui que se trata de um ato político, de governo.

"São, portanto, as medidas provisórias atos de governo, que se distinguem dos atos administrativos apenas por serem infraconstitucionais (e não infralegais) e por serem de conteúdo genérico e abstrato, além de possuírem, enquanto em vigor, força de lei. No mais, são equivalentes: possuem seus pressupostos, requisitos e aspectos, além de amplamente controláveis pelo Judiciário."[21]

4.4 Pressupostos constitucionais da medida provisória

Na redação atual, a Constituição Federal de 1988 estabelece pressupostos formais e materiais para a existência e para a validade das medidas provisórias.

No que se refere ao aspecto formal, dois são os pressupostos de validade exigidos pela Constituição Federal: o primeiro diz respeito à legitimidade ativa e o segundo trata da necessária e imediata submissão da medida provisória editada ao Congresso Nacional.

Prevê o art. 62, “caput”, da Constituição Federal. que Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (destacou-se).

No que se refere à legitimidade ativa, a Constituição Federal confere ao Presidente da República o poder de editar medidas provisórias.

Nesse ponto, parte da doutrina não admite apossibilidade do Governador de Estado e do Prefeito editarem medida provisória, já que o instrumento caracteriza exceção – que  deve ser interpretada restritivamente – ao princípio pelo qual legislar é atividade do Poder Legislativo. Neste sentido, revendo posição anterior e contrária, as lições de Michel Temer[22].

Em sentido diverso, admitindo que governadores e prefeitos editem medidas provisórias, desde que haja previsão na Constituição Estadual ou na Lei Orgânica Municipal, estão Uadi Lammêgo Bulos[23] e Alexandre de Moraes[24]. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal, dos anos de 1991 e 1993, relativos ao art. 27 da Constituição de Tocantins, que negaram liminar e validaram medida provisória editada pelo Governador daquele Estado [25].

Ainda quanto aos pressupostos formais, a Constituição Federal exige que a medida provisória seja submetida, de imediato, ao exame do Congresso Nacional. Acentuas-se, aqui, a excepcionalidade e a precariedade de tal espécie legislativa, já que as medidas provisórias poderão perder a eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, admitida uma prorrogação por igual período.

Por outro lado, os aspectos materiais também se encontram explicitados no “caput” do art. 62 da Constituição Federal: Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.(destacou-se).

Posto isso, convém identificar quais seriam os fatos relevantes e urgentes que ensejariam a utilização de referida espécie legislativa.

Em primeiro lugar, frise-se que não basta a matéria ser relevante porque é preciso que seja, concomitantemente, urgente.

Relevante e urgente diante do Texto Maior são questões de ordem institucional, afastando-se logicamente as dificuldades episódicas do Governo. Temas relevantes que poderiam ser objeto de medida provisória são, segundo a Constituição, os princípios fundamentais, as cláusulas pétreas, entre outros. Não é qualquer situação de urgência e relevância que pode desencadear a edição de uma medida provisória.

Marco Aurélio Greco cita, como exemplo de questão não relevante, aquela que comporte apenas a regulamentação por decreto, e de situação não urgente aquela em que a eficácia da disposição veiculada pela medida provisória só puder se materializar após um lapso temporal suficientemente amplo que permitiria a tramitação normal do processo legislativo, em alguma das formas disciplinadas pela Constituição.[26]

Hodiernamente, percebe-se a banalização do uso da medida provisória pelo Presidente da República. Há exemplos para se provar o caráter abusivo com que o chefe do executivo federal encarou as medidas provisórias, desviando as finalidades para as quais foram criadas, como a edição de uma medida provisória para homenagear a memória póstuma de uma personalidade e de medida provisória por meio da qual o Presidente da República outorgou status de Ministro de Estado ao Presidente do Banco Central e ao Advogado Geral da União.

Será que se podem considerar essas situações como, de fato, relevantes ou urgentes, para justificarem a adoção de tão excepcional instituto? O que deveria ser excepcional está tornando-se costumeiro, com a facilmente constatável complacência dos Poderes Legislativo e Judiciário, em flagrante desvelo com o Princípio da Separação dos Poderes, tipificado no art. 2º da Constituição Federal. Informações disponíveis no site da Presidência da República dão a exata dimensão do uso de tal espécie legislativa, como a seguir reproduzido.[27]

Brastra.gif (4376 bytes)

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

 

 

MEDIDAS PROVISÓRIAS
Anteriores a EMC nº 32, de 11.9.2001.

POR GOVERNO

 

Quadro 1 -  Originárias

 

 

 

Quadro 2 – Reedições

 

 

Quadro 3 - Aprovadas ou convertidas em Lei

 

 

Quadro 4 – Revogadas

 

 

Quadro 5 - Sem eficácia

 

 

Quadro 6 – Rejeitadas

 

  

 

Brastra.gif (4376 bytes)

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

 

 

 

MEDIDAS PROVISÓRIAS
Posteriores a EMC nº 32, de 11.9.2001.

 

 

POR GOVERNO

 

 

Fernando H. Cardoso
2 o Governo

Luiz Inácio Lula da Silva

2001/2002
(15 meses)

2003/2005
(31 meses)

 

Convertidas

84

Em tramitação

10

Prejudicadas

02

Convertidas

130

Prejudicadas

02

Rejeitadas

14

Revogadas

02

Sem eficácia ou vetada

 02

Rejeitadas

06

Sem eficácia ou vetada

03

Editadas

102

Editadas

153

Média mensal

6,8

Média mensal

4,93

4.5 Medidas provisórias em matéria tributária

 

            Desde antes da promulgação da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, a possibilidade ou não de a Medida Provisória instituir ou majorar tributos já era assunto que demandava os mais acirrados debates, havendo opiniões doutrinárias de peso sinalizando tanto pela possibilidade quanto em sentido contrário.

 

            São contrários Misabel Abreu Derzi[28], Ives Gandra Martins[29], Roque Antonio Carraza[30], Paulo de Barros Carvalho[31]e Geraldo Ataliba[32], entre outros.

 

Luciano Amaro, que, embora não simpatize com as medidas provisórias, aceita-as em matéria tributária, lembra outros autores que seguem seu entendimento, referindo Leon Frejda Szklarowsky, Walter Barbosa Corrêa, Zelmo Dalari, Yoshiaki Ishihara, Eduardo Marcial Ferreira Jardim e Adilson Rodrigues Pires.[33]

           

Alguns doutrinadores admitem a utilização de medidas provisórias em matéria tributária para a criação de impostos extraordinários (de guerra) e empréstimos compulsórios de calamidade pública e guerra externa. São eles Sacha Calmon Navarro Coelho, Eduardo Maneira, Hugo de Brito Machado e Celso Ribeiro Bastos.

 

Paulo de Barros Carvalho critica a adoção de medida provisória tratando de tributos:

 

"A noção de tributo, nos países civilizados, repele a exigência de parcelas do patrimônio dos indivíduos, por ação unilateral do Estado, considerando a iniciativa como fundada em idéia vetusta, que prevaleceu em tempos medievais e em ambientes de tirania. O intervalo de tempo em que vigora a medida, sem que o Poder Legislativo a aprecie, acolhendo-a, expõe os cidadãos, comprometendo direitos que lhe são fundamentais (propriedade e liberdade), expressamente garantidos na Carta Básica. Este intertempo, onde impera a vontade monárdica do Estado sem o conhecimento antecipado e o assentimento dos destinatários da pretensão, não se compagina também com a magnitude semântica que o termo tributo ostenta nos dias atuais".[34]

 

Por sua vez, Geraldo Ataliba, com um exemplo muito prático, trata da problemática da adoção da medida provisória em matéria tributária, sendo oportuna a transcrição do seguinte trecho de sua argumentação:[35]

 

"Peço que os senhores imaginem que hoje sai uma medida provisória dizendo que todos os contribuintes que se encontrem na situação "x" pagarão o tributo "y".

 

Esta medida provisória, a partir da sua publicação, por ter força de lei, ficaria obrigatória. Então algumas pessoas teriam que recolher o tributo - as contempladas na hipótese de incidência dessa medida provisória.

 

Em 30 dias o Congresso Nacional não diz nada. Então, estas medidas provisórias perdem a sua eficácia a partir de sua publicação. Imediatamente o Estado ia ser obrigado a devolver aquele dinheiro que foi arrecadado.

 

Pergunto: Como fica o princípio fundamental da igualdade de todos diante do Estado, a igualdade de todos perante a lei tributária?

 

Aqueles que cumpriram o dever de recolher, que foram mais submissos à autoridade que emana da legislação, com amparo na Constituição, vão agora esperar (e os senhores sabem que é bastante difícil) para recorrer e receber esse dinheiro de volta!

 

Os que descumpriram é que vão ficar numa situação boa, dizendo aos outros: Estão vendo? Descumpri e a minha situação ficou tranqüila.

 

É um absurdo interpretar a Constituição de modo a gerar situações como esta.

 

Agora, imaginem ainda situações cuja reversão seja mais difícil: haverá devolução, porque foi anulado, e todas as outras pessoas que estão em situações semelhantes, do ponto de vista sociológico, econômico etc., mas que não estavam na hipótese de incidência da lei? Todas elas permanecem tranqüilas! E aqueles que contribuíram ficam na expectativa da devolução!

 

Então penso que as conseqüências são, assim, tão desarticuladas com as exigências do sistema jurídico, que o caos que se cria, a desordem que se cria, a insegurança é tão grande, que acho que ninguém pode admitir que uma Constituição Republicana, que tanto cuidou de proteger os direitos individuais ..., não pode ser interpretada de maneira a dar esta conseqüência."

 

Em nível Judicial, o Supremo Tribunal Federal já havia solidificado entendimento no sentido da possibilidade de utilização de tal espécie legislativa na instituição ou majoração de tributos.[36]

5. O § 2O DO ARTIGO 62 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR.

A partir de 11 de setembro de 2001 – data da promulgação da Emenda Constitucional n. 32 – a questão encontra-se um tanto quanto esquecida por parcela dos estudiosos do Direito Tributário Constitucional, talvez em função do disposto no § 2º, do art. 62 da Constituição Federal, que dispõe:

Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

            A partir de tal disposição, fruto do trabalho do Poder Constituinte Derivado Reformador, parece ter ganho corpo a doutrina da aceitação da instituição ou majoração de tributos por medida provisória.

            No entanto, o estudo da matéria em cotejo com lições de Constitucionalismo aponta em sentido contrário, já que uma Emenda Constitucional não tem o poder de ofender as denominadas cláusulas pétreas sem padecer do vício de inconstitucionalidade intrínseco, devendo estar presente a idéia das limitações que são impostas pelo sistema constitucional ao Poder Constituinte Derivado Reformador.

            Recorrendo-se às lições iniciais de Direito Constitucional, deve-se lembrar que Poder Constituinte pode ser definido como um fato político, pré-jurídico, com força político-social, que tem o poder de elaborar uma constituição ou alterar a vigente, conferindo-lhe supremacia. Divide-se em Poder Constituinte Originário – aquele que estabelece a Constituição de um novo Estado, seja quando do surgimento de uma primeira Constituição, seja quando da elaboração de qualquer Constituição subseqüente – e  Poder Constituinte Derivado – aquele que está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de nível constitucional, sujeito a limitações constitucionais expressas e implícitas, passível de controle de constitucionalidade.

            No que interessa ao presente estudo, importa conhecer as limitações impostas ao Poder Constituinte Derivado no momento em que vai estabelecer uma reforma na Constituição Federal. Tais limitações podem ser formais, materiais, circunstanciais e implícitas.

As limitações formais referem-se ao processo legislativo, abrangendo a competência, a tramitação e a forma especial para aprovação, exigindo-se dois turnos em cada Casa do Congresso, com 3/5 dos votos favoráveis dos respectivos membros, em ambos os turnos (CF, art. 60, § 2º).

Limitações circunstanciais referem-se a certos eventos. Não pode haver emenda na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio (CF, art. 60, § 1º).

As limitações materiais ou substanciais referem-se a matérias da Constituição que não admitem modificação (cláusulas pétreas - CF, art. 60, § 4º).

Finalmente, as limitações implícitas são as apontadas pela interpretação sistemática e lógica. Se, por exemplo, não se pode modificar determinada matéria, é evidente que também não se pode cancelar nem modificar o dispositivo que proíbe a modificação.

No campo das limitações materiais, estabelece a Constituição Federal:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

...

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

...

IV - Os direitos e garantias individuais.”

            De tal disposição, deflui a impossibilidade de o Poder Constituinte Derivado Reformador contrariar direitos ou garantias individuais inseridas na Constituição Federal por obra do Poder Constituinte Originário.

            Os direitos e as garantias fundamentais constituem um amplo catálogo de dispositivos, onde estão reunidos os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, os direitos políticos, os relativos à nacionalidade e os direitos sociais, dentre outros.

A Constituição refere-se tanto a direitos como a garantias fundamentais. Embora árdua a tarefa, pois não são nítidas as diferenças entre os direitos e as garantias fundamentais, mesmo porque, em última instância, estas são direitos e os direitos são garantias constitucionais, consegue-se diferenciar uns dos outros. Enquanto os direitos teriam por nota de destaque o caráter declaratório ou enunciativo, as garantias estariam marcadas pelo seu caráter instrumental, vale dizer, seriam os meios voltados para a obtenção ou reparação dos direitos violados.

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as suas dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade). Formam, como afirmado, uma categoria jurídica. Isso significa que todos os direitos que recebem o adjetivo de fundamental possuem características comuns entre si, tornando-se, assim, uma classe de direitos.

Os direitos fundamentais não se localizam somente no Título II da nossa Constituição, mas são todos os que se enquadrem no mínimo necessário ao cidadão para existir com dignidade. O direito à saúde é exemplo típico. Trata-se de direito fundamental, que está explicitamente reconhecido no Título II da Constituição Federal, em seu art. 6º, como direito social. A interpretação sistemática, por seu lado, faz com que os direitos se espalhem pelo texto, de forma que o assegurado genericamente no art. 6º seja detalhado nos arts. 196 e 197.

Um exemplo dessa situação é o direito à anterioridade tributária, que, apesar de constar do art. 150, III, b, na parte relativa às limitações do poder de tributar, por preencher todas as características de direito fundamental, reveste-se de tal natureza, como, aliás, já declarou o Supremo Tribunal Federal (ADIn 939), em julgamento de ação direta de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 3. [37]

5.1 O Princípio da Legalidade como Direito Fundamental.

O art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, expressão jurídica do princípio da legalidade.

A história mostra que o Princípio da Legalidade surge da necessidade de consentimento do povo para a imposição de obrigações, sendo que a reserva de lei nessa matéria é exigida, de forma universal, nos Estados Constitucionais de Direito.

A legalidade é a base na qual se assenta o Estado de Direito, conforme disposto no art. 1º da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos.

O conceito de lei, tal como previsto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, refere-se a todo ato normativo editado ordinariamente pelo Poder Legislativo, ou, excepcionalmente, e de modo genérico, pelo Poder Executivo, no caso de Leis Delegadas (artigo 68 da Constituição Federal) e das Medidas Provisórias (artigo 62 da Constituição Federal), no desempenho de suas competências constitucionais.

Contudo, em se tratando de Direito Tributário, o princípio da legalidade vem reforçado no que tange à sua aplicação, já que não se satisfez o legislador constitucional com a disposição genérica do art. 5º, II, indo além no detalhismo característico dos temas constitucionais tributários e formulando, na especificidade do art. 150, I, a exigência de lei para a instituição ou majoração de exações tributárias.

Visceralmente ligado aos Princípios da República e da Democracia, pela ponte da representatividade popular, também a Legalidade, inclusive a Tributária, como irrecusável direito e garantia individual do cidadão-contribuinte que constitui, nos termos expressos do art. 150, caput, encontra-se seguramente protegida entre as cláusulas de pedra da Lei Maior (art. 60, § 4º, IV).[38]

Um dos principais argumentos contrários à utilização da medida provisória em matéria tributária é que só a lei obriga e, como já explorado, medida provisória não é lei – tem força de lei – e assim sendo a instituição ou aumento de tributos não poderia dar-se através desse instrumento.

Invoca-se o princípio da legalidade, com muito mais razão, em matéria tributária, haja vista que o constituinte reservou nessa seara do Direito um dispositivo especial dentro do Texto - art. 150, inciso I - para ressaltar a sua importância, quando se tratar de criação ou aumento de tributo.

Diante do exposto, verifica-se uma incongruência entre a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória, atividades pretensamente autorizadas pela Emenda Constitucional n. 32/2001, fruto do Poder Constituinte Derivado Reformador, sujeito a limitações de ordem material, entre elas os direitos fundamentais, e o direito fundamental do cidadão, consubstanciado no princípio da estrita legalidade do Direito Tributário, o que será melhor explorado no tópico seguinte.

5.2. O princípio da legalidade genérica (artigo 5º, inciso II) e a legalidade estrita do direito tributário (artigo 150, inciso I)

No direito brasileiro, o Princípio da Legalidade deve ser entendido como uma relação de conformidade com a lei em sentido formal, ato oriundo do órgão que detém a competência constitucional para legislar e revestido da forma estabelecida para as leis, e não só em sentido material, como regra de comportamento genérica e coativa.

Tão robusto é o papel do Princípio da Legalidade no Brasil, que Pontes de Miranda viu-se impelido a cunhar-lhe novo rótulo, dada a sua especificidade e a despeito de riqueza da língua-mãe. Batizou-o de “legalitariedade”.[39]

Legalitariedade tipificada na Constituição Federal, configurando o Princípio da Estrita Legalidade da Tributação (art. 150, inciso I).

Entre nós, o princípio da legalidade foi albergado desde a Constituição Federal de 1824, que, em seu art. 179, inciso I, estabelecia:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:

I - Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude de Lei.”

Na primeira Constituição Federal Republicana, de 1891, o princípio em tela constou do art. 72:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros, residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes:

§ 1º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude de lei.

(...)

§ 30. Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize.”

A Carta Magna de 1934 dispôs em seu art. 113:

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual, e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

2) Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.”

A Constituição Federal de 1946 tornou expressos os princípios da legalidade e da estrita legalidade em seu art. 141, §§ 2º e 34. No Texto Constitucional de 1967, os princípios em tela foram registrados expressamente no art. 153, § 2º, e no art. 19, inciso I.

O princípio da estrita legalidade ou princípio da reserva absoluta da lei formal foi enfatizado pelo legislador constituinte de 1988, que fez questão de reforçar a obrigatoriedade desse princípio em matéria tributária ao fazer constar, no art. 150, inciso I, da atual Constituição, em dispositivo integrante do capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional, vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.

É um comando genérico à Administração Pública e traduz a idéia de que é preciso resguardar o contribuinte da aplicação de tributos arbitrários. Isso significa que a lei tributária deve proteger o contribuinte, estabelecendo previamente o fato que, se e quando ocorrido, nos termos previstos em lei, dará surgimento à obrigação do particular de recolher aos cofres públicos valores determinados a título de tributo.

Destaque-se que a previsão que deve constar em lei sobre a exigência ou majoração de tributos deve ser completa.

Por isso, a majoritária doutrina entende que o princípio da legalidade em sede tributária tem hodiernamente o mesmo cunho de reserva legal que o Direito Penal, dada sua especificidade; elevado, pois, à categoria de princípio da tipificação tributária.

Certamente, o princípio da tipificação tributária conduz todos à certeza e à segurança de que a tributação só terá seu conteúdo especificado por lei, em seu sentido formal (instrumento normativo proveniente do poder legislativo) e material (norma jurídica geral, impessoal, abstrata e compulsória), obstando interferências ocasionais e contingenciais tanto da parte do administrador quanto da parte do juiz.

Ensina Roque Carrazza, referindo-se à lei como limitação ao exercício da competência tributária:

De fato, em nosso ordenamento jurídico, os tributos só podem ser instituídos e arrecadados com base em lei. Este postulado vale não só para os impostos, como para as taxas e contribuições que, estabelecidas coercitivamente, também invadem a esfera patrimonial privada.

No direito positivo pátrio o assunto foi levado às últimas conseqüências, já que uma interpretação sistemática do Texto Magno revela que só a lei ordinária (lei em sentido orgânico-formal) pode criar ou aumentar tributos. Dito de outro modo só à lei -tomada na acepção técnico-específica de ato do Poder Legislativo, decretado em obediência aos trâmite e formalidade exigidos pela Constituição - é dado criar ou aumentar tributos.”

Trata-se, pois, de princípio inderrogável, erigido como direito individual, absolutamente insuperável, até mesmo pelo legislador. Esse primado da legalidade impõe que as leis sejam votadas e aprovadas por representantes eleitos pelo povo. É, acima de tudo, uma garantia ao Estado de direito. 

Assim sendo, para a instituição de qualquer tributo, é preciso que a lei, compreendida em sentido formal, traga em seu bojo todos os critérios identificadores do fato jurídico tributário e da relação jurídica tributária, não podendo qualquer dos aspectos da regra-matriz de incidência ser introduzido por veículo diverso.

Deve o legislador, portanto, ao formular a lei, definir, de modo taxativo e completo, as situações, os tipos tributáveis cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária e os critérios de quantificação do tributo.

Disso decorre a tipicidade tributária cerrada, de tal sorte que o brocardo nullum tributum sine lege traduz o imperativo de que todos os elementos necessários à tributação do caso concreto se contenham e apenas se contenham na lei.

6. CONCLUSÕES

            Firme no conceito legal de tributo, fornecido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, ganha destaque        o fato de a obrigação tributária de entregar dinheiro aos cofres públicos somente poder ser imposta em virtude de lei.

            Por “lei”, nas mais diversas searas do Direito, pode-se entender todo e qualquer comando normativo editado por autoridade competente, segundo o devido processo legislativo; interpretação que não pode ser seguida no Direito Tributário.

            Face à disposição genérica do princípio da legalidade, estabelecida no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, reforçado pelo princípio da estrita legalidade tributária, tipificado no art. 150, inciso I, também da Constituição Federal, o vocábulo “lei”, constante na definição legal de tributo, deve ser interpretado de forma a significar o fruto do trabalho do Poder Legislativo, tão somente, excluídos outros estatutos normativos, ainda que estabelecidos por autoridade competente, mesmo que sigam os respectivos trâmites de elaboração previamente estabelecidos.

 

            Diante das disposições constitucionais acima referidas, o único instrumento introdutório de obrigação tributária principal em nosso ordenamento jurídico, com o condão de obrigar os administrados, é a lei, na acepção estrita que o termo deve encerrar. Nesse ponto, deve ser feita uma ressalva: as relações jurídico-tributárias que veiculam deveres instrumentais ou formais, chamadas de "obrigações tributárias acessórias", podem ser instituídas e disciplinadas por meio de instrumento normativo que tenha apenas força de lei, como a medida provisória.

 

            Não obstante a estrita legalidade, a Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, alterando a redação do art. 62 da Constituição Federal, trouxe a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória, espécie normativa que não é lei, na acepção estrita do termo, uma vez que não resulta do trabalho do Poder Legislativo – que, em nosso País, tem a função típica de estabelecer regras de conduta gerais e abstratas – mas é editada pelo Presidente da República, irradiando efeitos tão logo seja publicada no órgão da Imprensa Oficial.

 

            Diante de tal previsão constitucional, resultante de atividade constituinte reformadora, estabeleceu-se um conflito de normas constitucionais: de um lado a estrita legalidade (art. 150, inciso I), texto original da Constituição Federal; de outro, a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória (art. 62, § 2º), inserção feita pelo Poder Constituinte Derivado Reformador.

 

            A função do intérprete não é questionar a falta de técnica legislativa, mas sim encontrar soluções para os conflitos normativos eventualmente existentes.

 

            Sendo assim, há que se buscar, no sistema jurídico, uma solução para o conflito acima identificado. Essa solução vem apontada com a aplicação de princípios e de lições de constitucionalismo.

 

            Num primeiro momento, há que se privilegiar o princípio da estrita legalidade em prejuízo da regra reformadora. Recorrendo-se à eficácia negativa dos princípios, lembre-se que decisões, regras, ou mesmo sub-princípios que se contraponham a princípios serão inválidos, por contraste normativo.  Assim, a regra do art, 62, § 2º, deve ceder em função do princípio tipificado no art. 150, inciso I, ambos da Constituição Federal.

 

            Como se não bastasse, necessário que se leve em consideração que a estrita legalidade consta na Constituição Federal desde sua edição ou seja, é fruto do Poder Constituinte Originário, poder ilimitado responsável pela elaboração de uma nova Constituição, ao passo que a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória foi inserida na Constituição Federal por obra do Poder Constituinte Derivado Reformador, poder que somente pode ser exercido de modo válido uma vez observados os limites previstos – explícita ou implicitamente – no texto constitucional do qual deriva.

 

            E uma das limitações diz respeito aos direitos fundamentais, que não podem ser abolidos por emenda constitucional, ex vi o disposto no inciso IV do § 4º do art. 60, da Constituição Federal.

 

            Considerada a estrita legalidade como um direito fundamental do contribuinte (art. 150, inciso I da Constituição Federal), tanto quanto a anterioridade, a malsinada Emenda Constitucional n. 32 não poderia prever a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória.  Ao fazê-lo, contrariou dispositivo constitucional originário, o que permite concluir pela inconstitucionalidade do disposto no § 2º do art. 62, contrastado com a norma originária tipificada no art. 150, inciso I, ambos da Constituição Federal.

 

            Nunca é tarde relembrar que a medida provisória é medida excepcional para momentos de urgência, desde que relevante a matéria; não pode ela ser instrumento de instituição de impostos sem o debate dos cidadãos interessados por meio de seus representantes eleitos (no taxation without representation). E se já era assim compreendido desde a Magna Carta do João Sem-Terra no início do século XIII, quanto mais hodiernamente, quando se busca cada vez mais o fortalecimento do Estado Democrático de Direito!

 

            No momento histórico em que está mergulhada toda a humanidade, amedrontada com ameaças terroristas capazes de abalar as mais sólidas estruturas, cabe a analogia feita por José Roberto Vieira ao comentar a Emenda Constitucional n. 32, no que se refere ao disposto no § 2º, do art. 62 [40]:

 

Aliás, promulgada em 11 de setembro de 2001, mesma data dos ataques terroristas a Nova Iorque e Washington, quiçá pudéssemos identificá-la, por analogia, como algo próximo de um ataque terrorista ao Estatuto Supremo. 

7. Referencial bibliográfico

AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997.

ATALIBA, Geraldo. Medida Provisória e tributos. RDT, Ano 13, jan-março - 1989, v. 47. Seminário realizado do Auditório do Ministério da Fazenda, em 17/10/88.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 11ª ed. rev. e complementada por Misabel Abreu Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

_______. Direito tributário brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4º V., Tomo I. São Paulo: Saraiva, 1995.

BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 2002

BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 – Conteúdo Jurídico das Expressões. 1a. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

BRITO MACHADO, Hugo de. Comentários ao Código Tributário Nacional. Volumes 1 e 2. São Paulo: Atlas, 2004.

_______. Curso de Direito Tributário. 24a. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

_______. Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência. 3a. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CHIESA, Clélio. O regime jurídico-constitucional das medidas provisórias. Curitiba: Juruá, 1996.

DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (coordenador). Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

FREITAS, Vladimir Passos de (coordenador). Código Tributário Nacional Comentado. 2a. ed. São Paulo: RT, 2004.

GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.

LACOMBE, Masset Américo. "Medidas Provisórias" In: Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. 2a ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

________. Princípios Constitucionais Tributários. 2a ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Perfil constitucional das medidas provisórias. In: Revista de Direito Público, nº 95/30.

MELO, José Eduardo Soares. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 16a. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

_______. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2004.

NIEBUHR, Joel de Menezes. O Novo Regime Constitucional da Medida Provisória. São Paulo: Dialética, 2001.

NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito tributário. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 1989.

OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código Tributário Nacional – Comentários, Doutrina e Jurisprudência. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. – Porto Alegre: Safe, 1999.

SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. 2a ed. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1952.

[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.

[2] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 55.

[3] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 256.

[4] ALEXY, Robert.  Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. p.89

[5] A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental n.º 152676-0/PR, tendo como Relator Ministro Maurício Corrêa, enfrentou a questão envolvendo a convivência de diversos princípios no sistema constitucional, decidindo que "os princípios constitucionais que garantem o livre acesso ao Poder Judiciário, o contraditório e a ampla defesa, não são absolutos e hão de ser exercidos, pelos jurisdicionados, por meio das normas processuais que regem a matéria, não se constituindo negativa de prestação jurisdicional e cerceamento de defesa a inadmissão de recursos quando não observados os procedimentos estatuídos nas normas instrumentais. (Supremo Tribunal Federal, Rei. Min. Maurício Corrêa, Agravo Regimental n" 152676-0, PR, DJ 03.11.95, ementário n" 1807-02.)

[6] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 112

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo:  Malheiros, 2001. pp. 84/85

[8] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1035.

[9] Ibidem.

[10] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. p. 170.

[11] SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais: proteção e restrição. Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2001. p. 43

[12] BERNO, Cheryl. Medidas Provisórias em Matéria Tributária. Artigo publicado no Juris Síntese nº 22 – mar/abr de 2000. Porto Alegre: Síntese.

[13] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 310.

[14] Manual de Direito Financeiro e Tributário. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 134

[15] Medidas Provisórias e o Direito Tributário. Repertório IOB de Jurisprudência – Tributário e Constitucional, n. 19, São Paulo: IOB, out., 1990, p. 323.

[16] Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 33, São Paulo: Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, jun., 1990, p. 203.

[17] Medidas provisórias na Constituição Federal de 1988. Revista dos Tribunais n. 658. São Paulo: RT, ago. 1990, p. 241.

[18] Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 70.

[19] VIEIRA, José Roberto. “Legalidade Tributária e Medida Provisória: Mel e Veneno”. In: FISCHER, Octávio Campos (coord.), Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 175/215.

[20] Medidas Provisórias – sua Absoluta Inadequação à Instituição e Majoração de Tributos. Revista de Direito Tributário, n. 45. São Paulo: RT, jul/set., 1988, pp. 132/133.

[21] LACOMBE, Masset Américo. "Medidas Provisórias". In: MELLO, Celso Antônio Bandeira (org.). Direito administrativo e constitucional. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba 2ª. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 116.

[22] Elementos de Direito Constitucional. 12.ª ed. Malheiros, 1996. p. 152.

[23] Constituição Federal Anotada. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 772.

[24] Direito Constitucional. 6.ª ed. Atlas, 1999. p. 538.

[25] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 425, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19/12/03. No mesmo sentido: ADI 812-MC, voto do Min. Moreira Alves, DJ 14/05/93

[26] GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 24.

[27] Casa Civil da Presidência da República - Subchefia para Assuntos Jurídicos. Secretaria Geral da Presidência da República - Secretaria de Assuntos Parlamentares. https://www.planalto.gov.br/ Capturado em 13.07.2005, 06h.

[28] DERZI, Misabel Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 79 e ss.

[29] Op. cit., p. 310.

[30] CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 176.

[31] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 52

[32] ATALIBA, Geraldo. Medida Provisória e tributos. RDT, Ano 13, jan-março - 1989, v. 47, p. 225-226. Seminário realizado no Auditório do Ministério da Fazenda, em 17/10/88.

[33] AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 166.

[34] Op. cit. p. 54

[35] BERNO, Cheryl. Medidas Provisórias em Matéria Tributária. Artigo publicado no Juris Síntese nº 22 – mar/abr de 2000. Porto Alegre: Síntese.

[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1667 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO. Julgamento:  25/09/1997. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno. Publicação:  DJ 21-11-1997 PP-60586 EMENT VOL-01892-02 PP-00315 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NOVA REDAÇÃO DADA AO PARÁGRAFO 2º DO ART. 21 DA LEI Nº 8.692/93, PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.520/93. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 62; 150, I, III, B E § 6º; E 236, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Contrariamente ao sustentado na inicial, não cabe ao Poder Judiciário aquilatar a presença, ou não, dos critérios de relevância e urgência exigidos pela Constituição para a edição de medida provisória (cf. ADIs 162, 526, 1.397 e 1.417). De outra parte, já se acha assentado no STF o entendimento de ser legítima a disciplina de matéria de natureza tributária por meio de medida provisória, instrumento a que a Constituição confere força de lei (cf. ADIMC nº 1.417). Ausência de plausibilidade na tese de inconstitucionalidade da norma sob enfoque. Medida cautelar indeferida.

[37] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 939 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES. Julgamento: 15/12/1993. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755. Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em conseqüência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

[38] VIEIRA, José Roberto. op. cit. p. 185.

[39] Comentários à constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, t. V, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 1.

[40] Op. cit. p. 212.



* Procurador do Estado de São Paulo
Mestre em Direito Constitucional – ITE–Bauru
Doutorando em Direito Tributário – PUC-SP
Professor de Direito Constitucional das Faculdades Integradas de Ourinhos



Disponível em: <
http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/index.htm >. Acesso em: 15 ago. 2006.