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A Evolução Constitucional da Remuneração dos Agentes Políticos Municipais
Raphael Peixoto de Paula Marques*
Sumário: 1.Introdução
2.Agentes políticos 3.Autonomia Municipal 4.Figuras
remuneratórias atuais 4.1.Subsídios dos agentes
políticos 4.2.Teto remuneratório 4.3 Direito adquirido
à remuneração 4.4 Revisão Geral Anual 4.5
Fixação dos subsídios 4.6 Limites à
fixação a) 5% da receita do Município b) Art.
29-A, CF/88 c) Subsídio dos Deputados Estaduais (para
Vereadores) 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o propósito de estudar a
remuneração dos agentes políticos municipais ao
longo das constituições brasileiras, começando
pela de 1824 e culminando na Constituição Cidadã
de 1988, especialmente no que pertine às Emendas
Constitucionais n.º 19 de 04 de Junho de 1998 em n. º 25 de
14 de Fevereiro de 2000.
No decorrer da dissertação,
procurar-se-á responder e esclarecer os pontos mais
discrepantes na doutrina e jurisprudência, orientando o leitor
acerca dos mais novos pontos introduzidos pelas emendas supracitadas.
Entrementes, antes de adentrar especificamente no tema, cumpre
rever alguns conceitos necessários para a compreensão
do tema ora debatido, bem como abordar, brevemente, outros aplicáveis
ao estudo do direito constitucional, tais como a questão da
interpretação e aplicabilidade das normas
constitucionais e os princípios consagrados no artigo 37,
caput , da nossa lex mater.
A conclusão do trabalho
demonstra o resultado encontrado na singela pesquisa relativa à
evolução constitucional da remuneração
dos agentes políticos municipais, particularmente no tocante
ao novo sistema remuneratório de tais agentes, estabelecido
pelas Emendas Constitucionais 19/98 e 25/00, com a esperança
de ter dado, a contento, os esclarecimentos necessários.
2.
Agentes Políticos
Antes de embrenhar-se no cerne do tema
escolhido, faz-se mister, para uma melhor percepção,
conceituar a expressão “agente político”.
Agentes políticos são “os titulares de cargos
estruturais na organização política do País,
ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional
do Estado, o esquema fundamental do Poder”.
O vínculo
exercido entre estes agentes e o Estado, portanto, não é
profissional, e sim, de natureza política, porquanto exercem
um múnus público.
Nessa esteira, o saudoso Hely
Lopes Meirelles nos ensina com propriedade que “agentes
políticos são os componentes do Governo nos seus
primeiros escalões, investidos em cargos, funções,
mandatos ou comissões, por nomeação, eleição,
designação ou delegação para o exercício
de atribuições constitucionais”.
Ainda a
respeito do assunto em tela, calha trazer à colação
magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando afirma:
“a função política implica uma atividade
de ordem superior referida à direção suprema e
geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a
determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as
diretrizes para as outras funções, buscando a unidade
de soberania estatal”.
Essas funções
políticas estão abarcadas pelo Poder Legislativo e
Executivo, como também pelo Poder Judiciário e
Ministério Público. Nesta categoria encontram-se os
Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e
Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (Ministros e Secretários
de Estado e de Município); os membros das Corporações
Legislativas (Senadores, Deputados e Vereadores); os membros do Poder
Judiciário (Magistrados em geral); os membros do Ministério
Público (Procuradores da República e da Justiça,
Promotores e Curadores Públicos); os membros dos Tribunais de
Contas (Ministros e Conselheiros); os representantes diplomáticos
e “demais autoridades que atuem com independência
funcional no desempenho de atribuições governamentais,
judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao quadro do serviço
público”.
Hely Lopes com a propriedade de sempre
afirma:
“O art. 37, XI, da CF de 1988, com a redação
da EC 19/98, consagra esse entendimento. De fato, essa norma, ao
relacionar os agentes políticos remunerados mediante subsídio,
menciona os ‘membros de qualquer dos poderes’, ‘os
detentores de mandato eletivo’, e emprega, a seguir, a
expressão ‘e dos demais agentes públicos’,
deixando, assim, entrever que outros agentes também são
considerados agentes públicos”.
À vista do
presente trabalho limitar-se apenas aos agentes políticos
municipais, discorrer-se-á somente sobre Vereadores, Prefeitos
e Vice-Prefeitos.
3. Autonomia Municipal
A remuneração
dos agentes políticos municipais está intimamente
ligada à questão da autonomia municipal, porquanto sem
esta, aquela não se concretiza.
Assinala o Prof. José
Alfredo de Oliveira Baracho: “A existência na Federação
brasileira de três esferas de governo, que são a
federal, a estadual e a municipal, gera a distribuição
de encargos e serviços, nas três áreas de
competência, mas gera, também, particularidades no que
toca à definição institucional e constitucional
dos entes destacados”.
Acerca da evolução da
autonomia municipal, Isabela Barbosa Marinho Falcão assevera:
“Como entidade político-administrativa, o Município
surgiu na República Romana como uma solução de
submissão pacífica das cidades vencidas às quais
eram concedidos alguns privilégios (eleição de
seus governantes e direção administrativa) em troca da
obediência às leis romanas. Tais cidades eram chamadas
municípios.
Através da expansão do domínio
territorial romano, esta forma de administração
descentralizada chegou à França, à Espanha e
Portugal que, mais tarde a transferiria para suas colônias.
Àquela época, embora tenham surgido alguns
municípios, a idéia centralizadora das capitanias
hereditárias não foi propícia ao municipalismo,
e os povoados existentes não tinham representação
político-administrativa”.
Colhe-se da lição
de Pinto Ferreira que o regime municipal, adotado no Brasil desde a
colônia, remonta a 1549, à época do
Governo-Geral, quando as Câmaras Municipais, com os seus
Senados, administravam o município, arrecadavam os impostos e
tinham influência política, cuidando, ainda, de
administrar a justiça. Tão grande era o seu prestígio
político porquanto representavam contra capitães-mores
e governadores e até mesmo os afastavam de suas funções.
A Constituição brasileira de 1824 referia-se, em
seu art.167, ao “governo econômico e municipal das
cidades e vilas”, cuja organização se daria nos
termos da Lei de 1º de outubro de 1828. As Câmaras não
tinham autonomia financeira, pois não votavam seus impostos, e
suas resoluções poderiam ser invalidadas e tornadas sem
efeito pela Assembléia Legislativa Provincial.
A autonomia
municipal foi assegurada, embora de forma sintética, pelo art.
68 da Constituição de 1891, sendo os preceitos desta
complementados pelas Constituições estaduais e pelas
Leis Orgânicas Municipais. Todavia, os Estados-membros da época
outorgaram à Assembléia Legislativa a competência
para elaborar a Lei Orgânica dos Municípios, excetuados
os Estados de Goiás e Rio Grande do Sul, onde estes atribuíram
a cada município a competência para a elaboração
das suas próprias Leis Orgânicas.
O problema da
organização municipal foi minuciosamente tratado pela
Constituição de 1934, onde, nos diversos preceitos
relativos à matéria, utilizou a experiência
tradicional da República, elaborando um modelo que se
aperfeiçoaria nas Constituições democráticas
posteriores.
O municipalismo sofreu um retrocesso com o advento
da Carta de 1937, a qual negou a autonomia municipal, ao estabelecer
a nomeação dos chefes dos municípios ou
prefeitos por meio do interventor ou do executivo estadual.
A
Constituição brasileira de 1946 fortaleceu
consideravelmente o regime municipal, tanto no aspecto
político-administrativo, quanto no econômico-financeiro,
erigindo o município à entidade estatal de terceiro
grau, necessária ao nosso sistema federativo.
O golpe
militar de 1964 tem como base os atos institucionais 01 e 02.
Com
relação aos municípios, o AI 02/65, dispõe:
“Os vereadores não perceberão remuneração,
seja a que título for”.
A Constituição
de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional
nº 1, de 17 de outubro de 1969, manteve a autonomia dos
municípios, revelada pelo poder de eleição do
prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores, por parte dos munícipes;
pela competência do município para a auto-administração,
especialmente quanto à organização dos serviços
públicos locais. Não obstante mantivesse a eleição
direta de Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores, limitava a
remuneração destes últimos nos limites nela
estabelecidos.
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969,
referindo-se à remuneração, e não mais a
subsídio, deu à matéria relativa à
remuneração dos vereadores tratamento diverso do
previsto na Constituição de 1946.
Já a
Emenda Constitucional n.º 4/75 dá nova face a redação
do §2º do artigo 15 da referida Constituição,
estabelecendo:
“Art. 15. A remuneração dos
Vereadores será fixada pelas respectivas Câmaras
Municipais para a legislatura seguinte, nos limites e segundo
critérios estabelecidos em lei complementar”.
Com
essa nova redação, a lex fundamentallis começa a
dar importância aos princípios da impessoalidade e
moralidade, vez que impede os vereadores de legislarem em causa
própria.
A Constituição Federal de 1988
fortaleceu sobremaneira os municípios, modificando
substancialmente sua posição na Federação
Brasileira. Com efeito, por duas vezes o texto constitucional da
República oferece os fundamentos da nova face reconhecida ao
município, no art. 1º e no art 18.
O Município,
então considerado pelo Código Civil (art.14) pessoa
jurídica de direito público interno, somente com o
advento da Constituição Federal de 1988, tem
reconhecida essa situação.
Desta feita, o Município
tem, agora, a autonomia política (capacidade de
auto-organização e de autogoverno), a autonomia
normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria
de sua competência), a autonomia administrativa (administração
própria e organização dos serviços
locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação
de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é
uma característica da auto-administração).
4.
Figuras remuneratórias atuais (Emendas Constitucionais 19/98 e
25/00)
4.1. Subsídio dos Agentes Políticos
É
de bom alvitre destacar a alteração da nomenclatura
introduzida pela reforma administrativa, através do vocábulo
subsídio.
O termo subsídio vem substituir, para
determinadas categorias de agentes públicos, os termos
remuneração ou vencimentos, “consubstanciando-se
em importância salarial retributória de natureza
alimentar paga pelo Estado em retribuição de serviços
prestados”.
Vale consignar as judiciosas observações
de Georgenor de Souza Filho:
“O subsídio pode ser
definido como remuneração irredutível devida aos
agentes políticos da Administração Pública,
representada por parcela única, defeso acréscimo em
espécie de qualquer natureza, fixada por lei específica,
sujeito à revisão anual, limitado em qualquer caso,
pelos valores percebidos pelos Ministros do Supremo Tribunal
Federal”.
A discussão acerca da remuneração
dos agentes públicos sempre foi, em nossa literatura jurídica,
um tema controvertido. A Lei 8.112/90, nos seus arts. 40 e 41,
conceitua vencimento e remuneração, não obstante
não seja de boa técnica legislativa fazê-lo.
Nesta esteira, afirma Christine Oliveira Peter da Silva :
“O
resgate da figura do subsídio, no âmbito da reforma
administrativa impulsionada pela EC 19/98, teve por escopo corrigir
distorções ocasionadas pela falta de precisão
conceitual dos termos ‘vencimento’ e ‘remuneração’,
de forma a tornar mais transparentes os salários de agentes
públicos ocupantes de cargos de alta relevância para a
Administração Pública. Resta evidente que o
intuito da reforma, neste particular, foi evitar controvérsias
e discussões que, muitas vezes, levavam a interpretações
judiciais equivocadas sobre temas relacionados aos salários
dos agentes públicos”.
Contudo, faz-se necessário
tornar saliente a existência de outras parcelas que, por não
serem de natureza remuneratória, isto é, por não
fazerem parte da remuneração em si mesma considerada,
podem ser pagas também aos agentes públicos recebedores
de subsídios, v.g. décimo terceiro salário. Da
mesma formam, não integram os subsídios as vantagens de
caráter indenizatório, tais como as diárias,
ajudas de custo, etc.
Faz-se necessário trazer à
lume os ensinamentos de Ari Sundfeld acerca da matéria em
tela:
“O fato de ter o seu trabalho remunerado por
subsídio, que deve ser versado em parcela única, não
impede o servidor de receber dos cofres públicos outras
importâncias, sem caráter remuneratório do
específico exercício de seu cargo. São exemplos:
uma indenização por gastos de transporte, uma bolsa de
estudos para completar a sua formação, um prêmio
em concurso de monografias, um abono pela apresentação
de idéia que gere economia de recursos públicos, uma
gratificação pela participação em banca
de concurso universitário, um adicional pelo comparecimento em
sessão do ‘Conselho de Cidadãos’, uma verba
de representação pela atuação em jugo
esportivo, como integrante de time formado pelos servidores do órgão;
bem assim um subsídio, um salário ou um vencimento pelo
exercício, em regime de acumulação lícita,
de outro cargo ou emprego; ou um provento de aposentadoria ou uma
pensão".
4.2. Teto remuneratório
Um ponto
altamente discrepante na doutrina e jurisprudência é o
relacionado ao teto remuneratório. De acordo com a nova
redação do art. 37, XI da CF/88 , ninguém poderá
receber mais, em espécie, do que recebem os Ministros do STF.
Uma das novidades introduzidas pela EC 19/98 foi a instituição
de um teto de remuneração único para os três
poderes e para todos os entes federados. Destarte, estabeleceu-se o
limite máximo para a remuneração de qualquer
agente público, qual seja, o subsídio recebido pelos
Ministros do Supremo Tribunal Federal.
No texto original,
existiam três limites máximos de remuneração:
na União, no Distrito Federal e nos Estados e um nos
Municípios. No texto reformado, há um único teto
constitucional nacional: o valor definido para subsídio dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal. A redação do
texto original permitiu, ainda, que se falasse em princípio da
paridade ou equivalência dos tetos constitucionais, mecanismo
iludente do princípio pela qual se exigia o aumento por lei
específica, terminando esta exigência com a nova
redação.
Transcreve-se aqui, por oportuna, a
deliberação proferida pelo Supremo Tribunal Federal por
ocasião da sessão administrativa realizada em 24/06/98,
in verbis:
"Não são auto-aplicáveis as
normas do artigo 37, XI e 39, § 4º, da Constituição,
na redação que lhes deram os artigos 3º e 5º,
respectivamente, da Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho
de 1998, porque a fixação do subsídio mensal, em
espécie, de Ministro do Supremo Tribunal Federal - que servirá
de teto - nos artigos 48, XV, da Constituição, na
redação do artigo 7º, da referida Emenda
Constitucional n.º 19, depende de lei formal, de iniciativa
conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Em
decorrência disso o Tribunal não teve por auto-aplicável
o artigo 29, da Emenda Constitucional n.º 19/98, por depender a
aplicabilidade dessa norma, da prévia fixação,
por lei, nos termos acima indicados".
Merece crítica,
data máxima vênia, tal entendimento. Faz-se mister tecer
algumas considerações acerca da aplicabilidade das
normas constitucionais antes de fundamentarmos nossa posição.
Assim, de acordo com o eminente jurista José Afonso da Silva,
a eficácia jurídica das normas constitucionais é
graduada em três níveis, a saber: dotam-se de eficácia
plena aquelas normas aplicáveis imediata, direta e
integralmente, independendo de legislação posterior
para a sua inteira operatividade; as normas de eficácia
contida são aquelas que, inobstante tenham aplicabilidade
imediata, podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legislador
infraconstitucional; por derradeiro, tem-se como de eficácia
limitada as normas dependentes da emissão de uma normatividade
futura, sem a qual são insuscetíveis de serem
concretamente aplicadas.
Nesse viés, é de se
descordar do Pretório Excelso do ponto de vista
jurídico-constitucional, porquanto a decisão supra
citada é meramente administrativa, vinculando apenas o órgão
emitente. Dessarte, acredita-se que o art. 37, XI, da nossa Carta
Política é de aplicação imediata, sendo
de eficácia limitada, uma vez dependente, para sua aplicação
plena, de emissão de uma norma futura, para dar-lhe total
eficácia.
Relativamente ao assunto em tela, leciona Ivan
Barbosa Rigolin:
“A deliberação
administrativa e não judicante do STF, contestada praticamente
por toda a doutrina e os estudiosos brasileiros, além de por
todo o Poder Judiciário Federal - tendo ensejado um triste
episódio de confrontação até mesmo do
Conselho da Justiça Federal e o STF, é com todo efeito
um dos mais lamentáveis de que se tem notícia na
história do direito brasileiro. Quando o e. STF por maioria
manifestou administrativamente entender que não se aplica
desde já o artigo da emenda que manda que o novo teto
remuneratório seja desde logo aplicado, já em 5 de
junho de 1998, parece ter revogado a emenda constitucional, com
apenas 21 dias de existência. Quando, em função
daquilo, manifestou que entende que, ao invés do novo inciso
XI, do art. 37 constitucional, deve ser aplicado o artigo, que a EC
n.º 19 revogou expressamente, simplesmente emudeceu o leitor,
que, estarrecido, simplesmente não acreditou no que lia - como
este modesto escriba até o presente momento em sã
consciência não acredita. A decisão, por
administrativa que seja - e custa crer que judicialmente a mesma
maioria de Ministros teria coragem suficiente para manter aquela
deliberação -, pura e simplesmente não faz
sentido em direito, já que contraria, um a um, todos os
princípios, os cânones e as regras, abstratas ou
concretas, de mera leitura - nem se fala em interpretação
- de textos jurídicos. Não tem o menor pé nem
cabeça, e o que todos no País desejam é que seja
extirpada - algo como raspada com estilete - o mais breve possível
da história do augusto sodalício, porque o submete a
uma humilhação imerecida."
4.3. Direito
adquirido à remuneração
Outro ponto
palpitante é a hipótese de tal remuneração
ser superior ao teto estabelecido pela EC 19/98 à época
do seu advento.
Há quem defenda, em relação
a esta questão, que há de se interpretar a norma
constitucional nova referente ao teto remuneratório de forma
respeitante ao direito adquirido à remuneração
atualmente percebida. Sustenta-se a interpretação
conforme à Constituição sem redução
de texto, de modo a reduzir o alcance valorativo do dispositivo que
trata do teto de vencimentos (hoje subsídios), excluindo-lhe a
interpretação concedente de retroatividade em relação
às situações jurídicas já
consolidadas antes da promulgação da Emenda
Constitucional nº 19/98.
Todavia, a doutrina constitucional
pátria tradicionalmente rejeita a existência de direito
adquirido em face de norma constitucional. O Supremo Tribunal tem
jurisprudência firme no sentido de que não se pode falar
em direito adquirido a regime jurídico, nem em direito
adquirido contra a Constituição.
Ademais, o art. 17
do ADCT dispõe, in verbis:
"Art. 17 Os vencimentos, a
remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os
proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo
com a Constituição serão imediatamente reduzidos
aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso,
invocação de direito adquirido ou percepção
de excesso a qualquer título.
Art. 18. Ficam extintos os
efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou
administrativo, lavrado a partir da instalação da
Assembléia Nacional Constituinte, que tenha por objeto a
concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso
público, da administração direta ou indireta,
inclusive das fundações instituídas e mantidas
pelo poder público."
Portanto, resta pacífico
a inexistência de direito adquirido a regime jurídico.
4.4. Revisão Geral Anual
O artigo 37, em seu inciso X,
pretendendo dissipar a dúvida por vezes levantada sobre a
possibilidade de fixação ou alteração do
padrão remuneratório dos agentes políticos
mediante ato administrativo, agora determina claramente que somente
por lei específica isso pode ser feito, observada a iniciativa
privativa em cada caso.
Sobre o assunto afirma Ricardo Teixeira
do Valle Pereira :
“Por outro lado, deve ser frisado que a
obrigatoriedade da revisão em princípio não
significa garantia de manutenção do valor real dos
estipêndios, ou de automática reposição da
inflação verificada no período. Garante a
Constituição revisão anual. Somente isso. Os
índices, respeitada a iniciativa privativa em casa caso, serão
os estabelecidos em lei, e aqui o critério político
evidentemente preponderará”.
Cabe esclarecer que,
independentemente da denominação, reajuste quer
significar revisão ou recomposição de perdas
salariais ao longo de determinado período, não se
confundindo com o aumento real significante do verdadeiro acréscimo
visando à correção de situações de
injustiças ou de necessidade de revalorização
profissional de determinadas carreiras em decorrência de
alterações no mercado de trabalho.
Os critérios
de reajuste dos subsídios dos vereadores, prefeito, vice e
secretários deverão ser expressamente consignados nos
correspondentes atos fixatórios como forma de se evitar a
violação do princípio da anterioridade
consagrado pela EC nº 25.
4.5. Vedação de
vinculação
A Constituição Federal, em
seu artigo 37, inciso XIII, vedava a vinculação ou
equiparação de vencimentos para o efeito de remuneração
de pessoal do serviço público. Entretanto, tinha regras
aparentemente conflitantes. O artigo 39, no qual trata do regime
jurídico único dos servidores públicos civis, em
seu § 1º, assegura isonomia de vencimentos para cargos de
atribuições iguais ou assemelhados entre os servidores
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A
situação agora está diferenciada, pois a redação
do inciso XIII do artigo 37 ficou mais incisiva:
"É
vedada a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de
remuneração de pessoal do serviço público".
Outrossim, o artigo 39 foi profundamente alterado. O Regime
Jurídico Único dos Servidores foi extinto, e a regra do
§ 1º, que assegurava isonomia para cargos de atribuições
iguais ou assemelhadas também foi eliminada. Os padrões
remuneratórios serão doravante fixados por conselho de
política de administração e remuneração
de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos
Poderes (art. 39, caput e § 1º), sem qualquer garantia
constitucional de tratamento igualitário aos cargos que se
mostrem similares.
Na hipótese de majoração
dos subsídios dos Deputados Estaduais o Tribunal de Contas do
Estado do Paraná tem o seguinte entendimento:
“A
Constituição Federal proíbe a equiparação
ou vinculação de quaisquer espécies
remuneratórias para efeito de remuneração de
pessoal de serviço público, impedindo assim, a
vinculação de índices de reajuste e a utilização
de um cargo como paradigma para legitimar vinculações
ocasionando revisões automáticas e aleatórias. O
critério estipulado no art. 29. A, acrescentado pela EC nº
25, qual seja, o de adoção dos subsídios
percebidos, em espécie, pelos deputados estaduais é
apenas referência para a fixação dos subsídios
dos edis, ou seja, não é possível vincular nem
os subsídios e nem o critério de reajuste aos dos
Deputados Estaduais.”
Com relação ao critério
a ser adotado quando o reajuste for geral, porém com índices
diferenciados, a mesma Corte de Contas nos dá a resposta:
“Pelo inciso X, do art. 37, da CRFB/88, somente podem ser
estendidos aos agentes políticos os percentuais concedidos
visando recomposição do poder aquisitivo da moeda,
geral e irrestrita a todos os servidores. Quanto aos aumentos reais
concedidos a todos os servidores ou a adequação dos
valores percebidos por determinada categoria àqueles
praticados no mercado ou, ainda, as majorações
verificadas em razão da reestruturação de cargos
e carreiras e as realizadas em razão de mandamento
constitucional (FUNDEF) não devem ser repassadas em respeito
ao princípio da irrevisibilidade.”
4.6. Fixação
dos subsídios
Sobre o processo legislativo de fixação
dos subsídios dos agentes políticos municipais o art.
29, V, VI dispõe, in verbis:
“Art. 29. (...)
V -
subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários
Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal,
observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4°,
150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
VI- subsídios
de Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras
Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o
que dispõe esta Constituição, observados os
critérios estabelecidos na Lei Orgânica (...)”.
Deste modo, os subsídios dos Prefeitos e Vice-Prefeitos
serão fixados por lei ordinária de iniciativa da Câmara
Municipal e os subsídios dos Vereadores através de
resolução de competência exclusiva do Poder
Legislativo Mirim.
Do cotejo entre o texto anterior e a nova
redação dada aos incisos V e IV do artigo 29,
poder-se-ia afirmar, com relação ao Prefeito e
Vice-Prefeito, o abandono do princípio da anterioridade, vez
que o novo texto, ao menos expressamente, faz alusão ao
referido princípio. Contudo, uma interpretação
sistemática do texto constitucional distância essa mera
interpretação literal. Traz-se como fundamento os
princípios elencados no caput do artigo 37 da nossa Carta
Magna. Ora, os princípios da impessoalidade e da moralidade
impõem a fixação da remuneração
dos Prefeitos, Vice-Prefeitos e secretários antes do início
dos seus mandatos.
Assim já se manifestou a
jurisprudência:
"CONSTITUCIONAL-REMUNERAÇÃO
DE VEREADORES, PREFEITOS E VICE-PREFEITO - FIXAÇÃO -
COMPETÊNCIA - CRITÉRIOS - AÇÃO POPULAR -
FIXAÇÃO EM PERCENTUAL SUPERIOR A SETENTA E CINCO POR
CENTO AO DA LEGISLATURA ANTERIOR - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA
MORALIDADE – INOCORRÊNCIA.. Compete à Câmara
Municipal, em cada legislatura, e antes da realização
das respectivas eleições, fixar a remuneração
do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores para a legislatura
subseqüente.”
Ainda com referência ao assunto em
tela, extrai-se do corpo do acórdão relativo à
Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação
Civil n° 50.752, in verbis:
"Bem assinalou a sentença
de Primeiro Grau que ‘uma vez estipulado a remuneração,
esta será para toda a legislatura subseqüente, ou melhor
enfatizado, para todo o período de mandato imediato’
(fls. 177)."
"É essa, sem dúvida, a
correta exegese do inciso V do art. 29 da Constituição
Federal, que estabelece dever a remuneração do
Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores ser fixada ‘em cada
legislatura, para as subseqüente’, não cabendo
nesta conceder-se novos aumentos, ressalvados reajustes, isto é,
mera atualização ante a corrosão inflacionária,
o que não foi o caso, contudo, do aumento objeto da Lei n°
1.776/93" (grifei).”
Muito embora o texto
constitucional não o inscreva expressamente, o entendimento
segundo o qual a ‘anterioridade’ tem significado de
‘anterior às eleições’ foi fixado
pelo STF, ao apreciar o Recurso Extraordinário n.º
62.594, interposto em sede de ação popular, de cujo
acórdão foi relator o Ministro Djaci Falcão:
“(...) quando a lei fala em fixação de
remuneração, em cada legislatura, para a subseqüente,
necessariamente prevê que tal fixação se dê
antes das eleições que renovem o corpo legislativo.
Isso decorre, necessariamente, da ratio essendi do preceito”.
4.7. Limites à fixação
A nossa Carta
Magna traz como limites fixadores do subsídio dos agentes
políticos os seguintes:
a) Limite de 5% da receita do
Município
As receitas municipais que compõem a base
de cálculo para o cômputo do limite de 5% (cinco por
cento) destinado à fixação dos subsídios
dos vereadores, compreendem o total da receita arrecadada diminuídos
os convênios, auxílios, subvenções e
instrumentos congêneres, operações de crédito
e produto da alienação de bens.
Buscando-se
conformação da legislação complementar
(LRF nº 101) com os dispositivos constitucionais reguladores da
mesma matéria, há que prevalecer as disposições
da Constituição Federal constantes do artigo 29, VII,
para considerar como receita municipal o consignado nos termos do
citado inc. VII, do art. 29.
Esta é exclusivamente
destinada a submeter o total da remuneração dos edis ao
limitador de 5%, sendo composta de todas as receitas tributárias
(transferidas e próprias), receitas de capital e corrente,
excluídas as verbas provenientes de auxílios, convênios
e instrumentos congêneres, as advindas de operações
de crédito, de alienações de bens e o superávit
do FUNDEF.
b) Art. 29-A, CF/88
São computados para
fins de cálculo das despesas com o Legislativo, além
dos subsídios dos vereadores, remuneração de
seus servidores, encargos previdenciários, despesas com
custeio de seus serviços internos e materiais de consumo e as
despesas de capital (investimentos).
Tal assertiva encontra
respaldo na Lei Federal nº 4.320/64, ao classificar as despesas
nas seguintes categorias econômicas:
DESPESAS CORRENTES
Despesas de Custeio : Pessoal Civil, Pessoal Militar, Material de
Consumo, Serviços de Terceiros e Encargos Diversos.
Transferências correntes: Subvenções Sociais,
Subvenções Econômicas, inativos, Pensionistas,
Salário Família e Abono familiar, Juros da Dívida
Pública, Contribuição da Previdência
Social, Diversas Transferências Correntes.
DESPESAS DE
CAPITAL
Investimentos Obras Públicas, Serviços em
Regime de Programação Especial, Equipamentos e
Instalações, Material Permanente, Participação
em Constituição ou Aumento de Capital de Empresas ou
Entidades Industriais ou Agrícolas.
Inversões
Financeiras Aquisição de Imóveis, Participação
em Constituição ou Aumento de Capital de Empresas ou
Entidades Industriais ou Agrícolas, Aquisição de
Títulos Representativos de Capital de Empresas em
Funcionamento, Constituição de Fundos Rotativos,
Concessão de Empréstimos, Diversas Inversões
Financeiras.
Transferências de capital Auxílios para
Equipamentos e Instalações, Amortização
da Dívida Pública, Auxílio para Obras Públicas,
Auxílios para inversões Financeiras, Outras
Contribuições.
O mencionado diploma legal impõe
ainda, a discriminação dos investimentos na Lei
Orçamentária segundo o projeto de obras e de outras
aplicações.
As receitas integrantes da base de
cálculo para os fins do artigo 29 são o somatório
da receita tributária e das transferências previstas no
§ 5º do art.153 e nos arts.158 e 159, conforme disciplinado
no art. 29, A, da EC 25 (base de cálculo coincidente com a
receita efetivamente realizada no exercício anterior).
Infere-se do texto constitucional que são os impostos (IPTU,
ITBI, ISS, art.156, I, II, III), taxas, contribuições
de melhoria de competência municipal acrescidos da quota parte
das transferências tributárias constitucionais, tais
como, o Imposto de Renda na Fonte (IR), quota-parte do Imposto de
Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA),
Imposto Territorial Rural (ITR) , Impostos sobre Produtos
Industrializados para Exportação (IPIEx) e por fim, a
tributação sobre o ouro na forma do inc. V, do citado
art, 153, limitados:
? 8% para Municípios com população
de até 100.000 habitantes;
? 7% para Municípios com
população entre 100.001 e 300.000 habitantes;
? 6%
para Municípios com população entre 300.001 e
500.000 habitantes;
? 5% para Municípios com população
acima de 500.000 habitantes;
c) Subsídios dos Deputados
Estaduais (para Vereadores)
O subsídio dos Vereadores terá
que observar o limite do subsídio recebido pelos Deputados
Estaduais, observados os parâmetros diferenciados segundo a
população de cada Município.
5.
Conclusão
Diante do exposto, espera-se ter espancado as
dúvidas existentes acerca da remuneração dos
agentes políticos municipais.
Pode-se, dessarte,
sintetizar as seguintes orientações:
Aplicáveis
a todos os agentes políticos:
1. Princípio da
anterioridade, que atribui à Câmara Municipal a
competência exclusiva para fixação dos subsídios
dos prefeitos, vice-prefeitos, e vereadores, para vigorar somente na
legislatura seguinte;
2. Fixação dos subsídios
do prefeito, vice-prefeito através de lei ordinária e
dos vereadores, através de resolução;
3.
Princípio da irrevisibilidade, proibidor da modificação
dos subsídios durante a legislatura para a qual foi fixado
(art.37, X);
4. Submissão ao teto constitucional presente
no art. 37, inc. XI (subsídio percebido pelos Ministros do
STF).
Para os vereadores há, além dos acima
citados, a observância simultânea:
5. Fixação
de subsídios até o limite de 75% dos subsídios
percebidos pelos deputados estaduais (art.29, VI, letras “a”
a “f”) observados os parâmetros diferenciados
segundo a população de cada município;
6.
Obediência ao limite imposto no art. 29, inc. VII,
constitucional, consistente em 5%, (cinco por cento) da receita do
Município;
7. Imposição do art. 29-A, §
1º, pelo qual a Câmara Municipal não poderá
gastar mais de 70% de sua receita com folha de pagamento, incluído
o gasto com subsídio de vereadores;
8. Os direitos sociais
elencados no art. 39, § 3º, da Constituição
Federal de 1988 (dentre eles o terço de férias e 13º
salário), são indevidos aos membros de poder (prefeito,
vice e vereadores) posto que não são servidores
públicos e sim detentores de mandato eletivo, excetuando-se os
secretários municipais, detentores de cargos comissionados;
9. Impossibilidade de fixação intempestiva da
remuneração, por inconstitucional, em consonância
com os princípios da anterioridade e da irrevisibilidade.
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CONSULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO
PARANÁ. Remuneração dos Agentes Políticos
Municipais.
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ. Verba
de representação – Presidente da Câmara.
Impossibilidade do pagamento – Fixação em parcela
única. Voto do Relator Conselheiro Nestor Baptista nos autos
do processo 440.831/98-TC.
_____________________________________________. Vice-Prefeito –
Verba de representação. Suspensão do pagamento –
impossibilidade. Parecer da Diretoria de Contas Municipais nos autos
do processo n.º 352.618/99-TC.
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dos Vereadores e as novas disposições da emenda
constitucional n.º 25/00. Boletim de Direito Municipal,
Março/2001.
Artigo confeccionado em maio de 2001
*Bacharel em direito pela UNIPÊ-PB
Disponível em:
http://www.sbdp.org.br/revista.php. Acesso em: 12 ago. 2006.