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A modalidade da licitação Carta Convite, sob a ótica
principiológica constitucional
Trata-se de uma abordagem da
modalidade licitação Carta Convite, a qual acreditamos violar alguns preceitos
constitucionais.
Introdução
Sob o paradigma constitucional,
existem certos valores substanciais normativos que tendem a conduzir todo o
processo legislativo.
Dentre estes valores encontram-se enraizados certos princípios,
tanto implicitamente quanto explicitamente.
No âmbito da Administração Pública, o legislador originário
atribuiu certos princípios, como fontes de sustentação de toda estrutura
administrativa, vinculando portanto, todo ato administrativo à sua fiel
observância.
Dentro da esfera de procedimentos administrativos, a licitação
constitui-se hoje um dos instrumentos primordiais na garantia de aplicação do
dinheiro público, pois visa o controle de seus gastos, com base na escolha da
melhor proposta, quando da necessidade de contratação pela Administração
Pública, além de garantir uma certa paridade competitiva entre os possíveis
contratados.
Para Maria Silvia Zanella Di Pietro, a licitação seria:
Uma oferta dirigida a toda a coletividade de pessoas que preencham
os requisitos legais e regulamentares constantes do edital; dentre estas,
algumas apresentarão suas propostas, que eqüivalerão a uma aceitação da oferta
de condições por parte da Administração; a esta caberá escolher a que seja mais
conveniente para resguardar o interesse público, dentro dos requisitos fixados
no ato convocatório. [1]
No tocante às modalidades de licitação, quais sejam, concorrência,
tomada de preços, concurso, leilão, pregão e convite, esta última merece
destaque no presente trabalho por conseqüência de dispositivo normativo infra-
constitucional, diga-se Lei 8.666/93, que por ora acreditamos violar alguns dos
princípios constitucionais.
Princípios norteadores da Administração Pública
Na concepção de José Crettella Júnior, princípio seria: Causa
primária, início. Proposição que se situa na base de uma ciência, norteando-a.
ou as preposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as
estruturações subsequentes. [2] Princípios neste sentido,
são os alicerces da ciência. [3]
Para Ana Cristhina de Sousa Santana, citando Miguel Reale:
(...)...os princípios são normas fundantes de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido
comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional,
isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da praxis. [4]
Assim o ramo do Direito Administrativo tem instituído
constitucionalmente determinados princípios (artigo 37, caput, com
redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 04/06/98), imbuídos com o
propósito de apontar-lhes o norte na conduta dos responsáveis por sua
utilização e aplicação, a saber, os princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
No entanto, já com relação expressa à licitação, o artigo 37, XXI,
CF 1988, enumera um outro princípio adstrito a esta atribuição administrativa:
Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.....
(grifo nosso).
Partindo de uma interpretação literal do artigo supra citado,
destacamos o princípio da igualdade, sendo que este constitui nas palavras de
Maria Silva Zanella Di Pietro como:
Um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa não
apenas permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também
assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em contratar. Esse
princípio que hoje está expresso no artigo 37, XXI, da Constituição, veda o
estabelecimento de condições que impliquem preferência em favor de determinados
licitantes em detrimento dos demais. [5]
Antinomias destacadas
Dentre as diversas assertivas supra citadas, surge a seguinte
indagação: poderia o legislador criar um ato normativo, pelo qual, um ou mais
princípios constitucionais fossem desprezados?. Até que ponto poderia se
atribuir a um ato administrativo, através de regramento normativo
infra-constitucional, poderes para que seja dispensada sua vinculação aos
preceitos substanciais, os quais estaria umbilicalmente interligado?.
Nas palavras de Lenio Luiz Streck [6], sendo os princípios a condição de possibilidade
do sentido da Constituição. Nenhuma Lei pode ser editada se qualquer de seus
dispositivos confrontar um princípio da Lei Maior. Dentro do mesmo contexto
o autor reitera: não se olvide que princípios são normas e, portanto
vinculam! (grifo nosso).
Após estas breves considerações passemos a analisar o fundamento
legal pertinente.
Estabelece o artigo 2º, parágrafo 3º da Lei 8666/1993, que:
Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo
pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados, (grifo
nosso), em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual
afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá
aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu
interesse com antecedência de 24 horas da apresentação das propostas.
Da simples leitura do texto, percebemos uma afronta gritante a um
dos princípios basilares da Administração, que é o da impessoalidade, conforme
salienta Maria Silvia Zanella Di Pietro [7] a administração não pode
atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, portanto
a Administração, ao escolher discricionariamente os candidatos aos quais
enviará o convite do certame licitátorio, estaria ferindo tal princípio pois
nada impediria que tais propostas sejam direcionadas à determinadas empresas de
interesse pessoal dos administrados, obtendo com isto certa vantagem sobre
possíveis concorrentes, apesar de se exigir que o convite estenda-se em forma
de edital a outros interessados, porém estes teriam que estar em vigília diária
perante os locais de fixação, enquanto que aos outros seria dado o privilégio
de permanecerem tranqüilos até o recebimento do certame, perfeitamente
acomodados em seus respectivos endereços.
No entanto, ainda resta destacar que na forma como encontrava-se o
referido artigo, a Administração não estaria impedida de enviar as cartas
convites, sempre para os mesmos interessados, sendo assim, aparentemente o
legislador percebendo que desta maneira a afronta constitucional seria muito
evidente, resolveu por bem alterar o parágrafo 6º do artigo 22, pela Lei
8.883/94, exigindo-se a partir de então que nos casos onde houver na praça mais
de três interessados, que a cada novo convite, persistindo mesmo objeto, seja
endereçado a pelo menos mais um interessado.
Entretanto é gritante a persistência da violação ao princípio da
igualdade, pois o referido artigo só seria aplicado nos casos em que houvessem
mais de três interessados, isto é se a Administração também os tivesse
convidado, daí surgiu a necessidade de que o Tribunal de Contas da União,
alterasse seu entendimento a respeito da legitimidade do certame, exigindo-se a
repetição do ato, caso o número de interessados não atingir o mínimo de três (
DOU de 11-08-93, p. 11.635), o que a nosso ver ainda não contribui para a
solução do empasse.
Outro questionamento pertinente encontra-se devidamente enraizado
no artigo 32, parágrafo 1º, cujo texto menciona: A documentação de que se
tratam os artigos 28 a 31 (documentos de habilitação), poderá ser
dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite(...). Portanto a
aplicação da regra, impõe-se aos não cadastrados, que desejarem apresentar
propostas sem terem sidos convidados pela Administração, o ônus de terem que se
habilitar previamente, sob pena de não participarem do certame, o que afronta
de sobremaneira o princípio da igualdade, conforme salienta Maria Silvia
Zanella Di Pietro:
O princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação,
na medida em que esta visa, não apenas permitir à administração a escolha da
melhor proposta, como também assegurar igualdade de direito a todos os
interessados em contratar. Esse princípio, que hoje está expresso no artigo 37,
XXI, da Constituição, veda o estabelecimento de condições que impliquem preferência
em favor de determinados licitantes em detrimento dos demais. [8]
Portanto em conformidade com o questionamento levantado a própria
autora assevera:
Do modo como está na lei, a norma levará ao absurdo de permitir a
inabilitação de um licitante que não tenha o certificado de registro cadastral
em ordem, quando, para os convidados, nenhuma documentação foi exigida. [9]
CONCLUSÃO
Com base nos fundamentos apresentados, percebe-se claramente o
verdadeiro desrespeito à hierarquia constitucional no que concerne à matéria
legislativa pertinente à modalidade de licitação convite.
O que pretende-se levantar com os questionamentos supra citados, é
até que ponto o legislador infra-constitucional, tem legitimidade para
instituir instrumentos normativos, que venha a confrontar os princípios
constitucionais, e qual o fundamento de validade de tais regramentos a ponto de
que os mesmos ainda não tenham sido extirpados do ordenamento jurídico.
Aparentemente, o que o legislador objetivou, foi um sistema de
regras para determinada modalidade de licitação cujos valores considerados de
pequeno vulto, poderiam emperrar a máquina administrativa devido à burocracia
envolvida em seu processo licitatório.
Porém, não podemos olvidar que existem valores constitucionais que
são instituídos como substância essencial de todo o ordenamento do Estado
Democrático de Direito, e que o desrespeito a determinados valores axiológicos
e ou dogmáticos, podem por em xeque todo um conjunto de princípios, que tem
como objetivo a persecução da convivência harmônica de toda a sociedade,
fragmentando o equilíbrio tênue existente entre os poderes legalmente
constituídos e banalizando aspectos relevantes. No nosso entendimento toda
legitimidade formal deverá estar sempre atrelada a atuação em favor da
substancialidade da norma.
BIBLIOGRAFIA
CRETTELA NETO, José. Dicionário de processo civil. Rio de
Janeiro:Forense, 2002.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 17ª ed. – São Paulo:
Atlas, 2004
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e
legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
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2002.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 7. ed. São Paulo,
Saraiva, 1980.
SANTANA, Ana Cristhina S. Princípios Administrativos Aplicados À
Licitação Pública. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/action=doutrina&iddoutrina=1907.
acesso em 13/03/2006 23:30
STRECK, Lênio Luiz. JURISPOIESES. Revista Jurídica dos Cursos de
Direito da Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro: Universidade Estácio de
Sá, ano 7 – n.º 6 - 2004
[1] DI PIETRO, M. S. Z. Direito
Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 305
LOPES,
Marcos Vinícius. A modalidade da licitação Carta Convite, sob a ótica
principiológica constitucional. Disponível
em < http://www.direitonet.com.br/artigos/x/28/09/2809/>. Acesso em 9 de
agosto de 2006.