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Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano. Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)
Vania Kirzner *
Breves considerações a respeito do Estatuto da
Cidade:
Treze anos se passaram da promulgação da Constituição Federal, e, somente
em 10 de julho de 2001, foi aprovada e sancionada a Lei nº 10.257, com o nome
de Estatuto da Cidade, entrando em vigor em 10 de outubro de 2001.
Tramitando desde 1990 pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº
5.788/90, após onze anos e algumas mudanças, foi aprovado e transformado,
finalmente, na Lei que traça as diretrizes gerais para o ordenamento urbano,
conforme explicitado na Constituição Federal.
A grande ênfase dada ao planejamento municipal através do Estatuto da
Cidade, diz respeito ao equilíbrio ambiental, numa preocupação constante
com a necessidade de preservar a natureza, corrigindo os erros e
inconseqüências já cometidos por nossa geração e pelas gerações passadas, para
legar às gerações futuras uma cidade que ofereça todas as condições de vida
saudável e bem estar dos munícipes.
Traz o artigo 2º do Estatuto da Cidade:
"Art.
2º. A
política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I – garantia do direito a cidades
sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;"
Neste artigo, percebe-se com muita clareza e a importância fundamental
que o legislador deu à questão ambiental, a preocupação com as presentes e
futuras gerações, e a afirmação de que as cidades devem ser sustentáveis.
Breve comentário sobre "AGENDA 21"
A Agenda 21 – um dos mais importantes documentos produzidos na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992,
no Rio de Janeiro (ECO 92) - propõe transformações significativas nos valores e
na cultura que fundamentam nossa vida em sociedade, estimulando, assim,
mudanças em seus modos de produção e consumo, principalmente da civilização
ocidental, reconhecidamente insustentáveis.
Ela tem como fundamento uma série de reflexões e propostas que tratam de
diversos temas nas áreas ambiental, social, econômica e política,
constituindo-se, dessa forma, em um importante instrumento para a implementação
de um novo modelo de desenvolvimento econômico e social que seja verdadeiramente
SUSTENTÁVEL, garantindo não-somente a qualidade do meio ambiente, mas também a
qualidade de vida dos que nele habitam, trabalham e vivem. Nesse sentido, a
Agenda 21 é mais do que um simples documento: é o resultado de um compromisso,
um programa de ação conjunta de toda a humanidade, nações e povos, em prol de
um desenvolvimento que tenha como objetivo a promoção do bem comum, o respeito
e a responsabilidade social para com o presente e com o futuro; por isso ela
foi pensada como Agenda para o século 21.
Ao se propor uma Agenda 21 local, reconhece-se a importância de se
iniciar essas transformações pelos espaços onde a vida social acontece: as
comunidades e localidades – rurais e urbanas – os locais de trabalho e de
lazer, em nossos lares, em nossas relações com amigos e familiares, vizinhos.
Todos temos que assumir, em várias dimensões de nossas vidas, um compromisso
com essa proposta de transformação de valores e modos de vida, que nos dê
esperança e segurança quanto ao futuro de nosso Planeta Terra – a nossa casa. Para
isso é preciso promover um amplo processo de participação, descentralizando as
ações e responsabilidades para que, a longo prazo, as abordagens e propostas
contidas na Agenda 21 sejam internalizadas por todos os setores da sociedade,
promovendo, assim, uma verdadeira transformação social.
Conceito de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
"O
desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente,
sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas
próprias." (ONU, Relatório Brudtland, 1987)
"Desenvolvimento
sustentável é o desenvolvimento que provê, a todos, os serviços econômicos e
ambientais básicos, sem ameaçar a viabilidade dos sistemas natural, social
construído, dos quais estes serviços dependem. (International Council for Local
Environmental Initiatives, Toronto/Canadá – ICLEI, 1996).
O mundo todo está preocupado com a questão ambiental, com a qualidade de
vida para a nossa e para as futuras gerações. Haja vista o recente exemplo que
tivemos no Brasil, com os níveis de água em nossos reservatórios tão baixos, a
ponto de comprometerem o abastecimento de energia. Isto foi um alerta da
natureza.
OU CUIDAMOS DA QUESTÃO AMBIENTAL COM SERIEDADE, OU A NATUREZA SENTIRÁ OS
EFEITOS DE NOSSA IRRESPONSABILIDADE E SE VOLTARÁ CONTRA NÓS.
O desenvolvimento sustentável exige três situações:
1.Crescimento econômico.
2.Qualidade de vida.
3.Justiça social.
Em nenhum momento, entretanto, sugere-se que os municípios deixem de
crescer, para que a natureza fique intocável. Absolutamente, não. O crescimento
econômico tem que continuar a acontecer.
Porém, deve-se procurar alternativas e formas de crescimento econômico
que não sejam degradadoras do meio ambiente, que não sejam impactantes, e, se o
forem, devem ser procuradas fórmulas a fim de neutralizar os efeitos nocivos
para que o crescimento econômico continue, proporcionando as duas outras
situações acima mencionadas: Qualidade de vida e Justiça social.
E qualidade de vida e justiça social só se consegue com a garantia
do direito a cidades sustentáveis.
Para se conseguir o desenvolvimento sustentável são necessários: a)
Mudança de hábitos; b) luta contra o subdesenvolvimento; e c) luta contra a
injustiça social, através das dimensões social, econômica, política, cultural e
ambiental.
"Art.
2º....................diretrizes gerais:
II – gestão
democrática por
meio da participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano."
O Estatuto da Cidade, fruto de um estudo de longos anos de tramitação,
trouxe como obrigatoriedade o que foi experimentalmente realizado com sucesso
em vários municípios brasileiros: a gestão democrática, onde a população,
através da sociedade organizada, associações de bairros e segmentos da economia
local, por exemplo, manifestava-se no sentido de exigir do Poder Público, o que
ela realmente necessitava, almejava, e não o que o Poder Público imaginava ser
a necessidade da população.
A Constituição Federal, no inciso XII do artigo 29, traz como preceito
fundamental para os Municípios, "a cooperação das associações
representativas no planejamento municipal".
Seja através de audiências públicas, de plebiscitos, de abaixo-assinados,
de ações populares, de projetos de lei de iniciativa popular, enfim, todo tipo
de manifestação da vontade da população, são hoje utilizados, devendo o Poder
Público municipal ficar atento aos sinais das necessidades do povo, atendendo
as reivindicações da forma mais democrática possível.
Não se admite mais, em uma administração municipal, atos que sejam
contrários aos interesses da sociedade organizada. Assim proliferam-se os
Conselhos (tutelares de infância e juventude, de meio ambiente, de educação, de
saúde, de segurança, de transporte e outros), os mais diversos possíveis,
deliberando e levando proposições aos governos, demonstrando que a população
está, cada vez mais, tornando-se consciente de sua força e de que os governos
são os representantes legítimos da vontade dos munícipes. E o Estatuto da
Cidade traz a gestão democrática como uma das diretrizes principais da
política de desenvolvimento urbano.
Aos governos cabe, com base nesses conceitos, fazer expandir o psiquismo
coletivo familiar para o psiquismo da unidade coletiva imediatamente superior, o
da comunidade, onde o cidadão vive o seu dia-a-dia. A comunidade tem alma –
o propalado espírito comunitário. Tem, portanto, um psiquismo coletivo
próprio. Da família, o homem passa a relacionar-se com a sua vizinhança, dentro
de seu condomínio, dentro de seu bairro. O termo "bairrismo" expressa
esse psiquismo; traduz o amor que a pessoa sente pelo lugar onde nasce e
onde vive.
Quando o homem passa a viver as dificuldades das pessoas do seu bairro,
luta por melhorias, defende direitos de terceiros da sua comunidade, podemos
afirmar que está vivendo o psiquismo de natureza superior, está evoluindo, se
politizando.
Desenvolvimento Sustentável x Desenvolvimento
Sustentado
Surge, então, um novo conceito de modelo de desenvolvimento
sustentável.
Há muita controvérsia e confusão conceitual sobre esse modelo de
desenvolvimento que é chamado indiferentemente por modelo sustentável ou
modelo sustentado. No nosso entender, face aos conceitos
anteriormente expostos, diferem um do outro fundamentalmente. Este último
existe porque é sustentado pelo governo, com planejamento e
verbas oficiais. Concluída a obra ou o serviço, deixa de existir.
O povo participa muito pouco ou em nada participa do projeto. No
primeiro, o sustentável, entretanto, pressupõe-se a existência de
uma alma coletiva que lhe dá vida e sustentação.
O psiquismo coletivo da unidade coletiva, traduzido em vontade, em força
mental, é que manterá o processo de desenvolvimento, na luta pela concretização
das grandes aspirações coletivas, sejam de natureza objetiva – um bem ou um
serviço, seja subjetiva – participação, controle social, moralização dos
costumes, ética na política, etc. A dimensão psíquica caracteriza o modelo,
pois é ela que garante a sua sustentabilidade - a continuidade do
processo, das lutas por ideais, lutas que farão incorporar às almas individuais
e à alma coletiva do conjunto, os valores morais, espirituais e éticos, únicos
que conduzirão às transformações mais profundas da sociedade.
Programa Comunidade Sustentável
Com esses conceitos, podemos resumir a filosofia política do Programa
Comunidade Sustentável, em nível municipal, levando em conta a diretriz gestão
democrática:
- Todos os projetos devem estar ajustados ao modelo de desenvolvimento
sustentável – devem trabalhar uma alma coletiva, devem ter a dimensão
psíquica transformadora.
- Objetivo estratégico – mente do povo, transformação de
consciências, desde as classes populares às classes mais abastadas, talvez as
mais difíceis de serem trabalhadas.
- Instrumentos – bens e serviços que o Estado, por dever, deve
proporcionar ao povo.
- Objetivos operacionais – Organização da sociedade, formação de
lideranças e núcleos básicos comunitários, formação de Conselhos dos segmentos
organizados, participação popular em todos as fases do processo de
desenvolvimento – prioridades, planejamento, execução, controle, avaliação.
- Método de operacionalização: o dialético. Erros e
contradições constituem a matéria prima para os debates. O governo atua
inicialmente como agente das ações, apresentando propostas tendo por base o
saber acadêmico. Torna-se, a seguir, objeto das ações, debatendo, analisando
erros e contradições das propostas, incorporando o saber popular e reformulando
ações. É o agir/refletir/agir/refletir que conduzirá às transformações. E essas
mudanças têm que se iniciar no município, e, no município, no Núcleo Básico
Comunitário, onde vive e mora o cidadão.
Os municípios que ouvirem as necessidades de seus munícipes, sentirem o
clamor da natureza e elaborarem projetos viáveis e principalmente sustentáveis,
terão retorno financeiro para fazer de suas cidades uma "CIDADE DO
FUTURO".
"Art.
2º...... ....................diretrizes gerais:
..............
IV – planejamento do
desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das
atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de
modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente."
Aqui chegamos ao ponto mais importante de toda a lei. Nestas linhas se
resume tudo o que se pretende: Um planejamento adequado do desenvolvimento das
cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do
Município e do território sob a área de sua influência, de modo a evitar e
corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o
meio ambiente.
Envolve a questão fundiária, uma vez que se deve preocupar com a ocupação
territorial, para impedir o crescimento urbano desordenado.
Envolve a questão das potencialidades econômicas dos Municípios, levando
em consideração suas peculiaridades, dentro do contexto território/espaço
geográfico/meio ambiente.
Expansão urbana desordenada ocasiona:
- Sobrecarga de equipamentos e infra-estruturas urbanas.
- Ameaça ao patrimônio paisagístico e cultural.
- Elevação do preço da terra urbana.
- Descaracterização do espaço rural produtivo e reserva de recursos
naturais.
- Manutenção e agravamento do processo de exclusão social / violência
urbana.
- Formação e aceleração de processos erosivos (questão solo).
- Degradação de mananciais de água ("a água é o sangue da
terra").
- Contaminação de cursos d’água por efluentes sanitários sem tratamento e
por resíduos sólidos.
IMPACTOS
1.Crescimento desordenado
- Áreas periféricas > deslizamentos, enchentes, assoreamentos,
doenças, poluição atmosférica, poluição das águas, poluição do ar.
- Inexistência de instrumentos de avaliação de impactos.
- Intensa especulação imobiliária.
- Ocupação ilegal das periferias.
- Custo elevado dos serviços básicos.
2.Condições inadequadas nas cidades:
- Segurança, conforto, educação, saúde, lazer e cultura.
"O
desenvolvimento urbano é moral quando ocorre no interesse e em proveito de
todos os cidadãos".
O desenvolvimento urbano enseja duas acepções: o quantitativo, que
é o crescimento da população e da área ocupada, e o qualitativo, que
consiste na melhoria da estrutura urbana, com a proteção dos recursos naturais
e melhores índices de rendimento dos fatores de produção, o que repercute na
qualidade de vida dos moradores.
"O crescimento das cidades e vilas causa mudanças sociais,
econômicas e ambientais, que alcançam o seu entorno." Se for apenas
quantitativo, sem o necessário planejamento e organização das cidades, pode
ocasionar toda sorte de problemas, destacando-se, em face do presente tema, a
poluição hídrica; o acúmulo de lixo em locais não apropriados, pondo em risco a
saúde pública; o desmatamento; a falta de áreas verdes e de proteção ambiental
e o comprometimento da fauna, dentre outros.
O que se pretende, com o Estatuto da Cidade, é justamente garantir o
desenvolvimento qualitativo, em que, mesmo que haja um crescimento da
população, isso não venha a comprometer a qualidade de vida e o meio ambiente
das atuais e futuras gerações.
"Art.
2º...................................diretrizes gerais.
V - oferta de equipamentos
urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos, adequados aos
interesses e necessidades da população e às características locais."
Temos a percepção de que toda a Lei é voltada para a conscientização
governamental, no sentido de um perfeito entrosamento governo/comunidade. Nada
deve ser feito sem que se atenda aos interesses e necessidades da população,
bem como às características locais.
VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a)a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b)a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c)o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados
em relação à infra-estrutura urbana;
d)a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como
pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e)a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua
subutilização ou não utilização;
f)a deterioração das áreas urbanizadas;
g)a poluição e a degradação ambiental."
O que se entende por ordenação e controle do uso do solo?
O Município é a célula - mãe de nosso país. Com a Constituição Federal de
1988, o Município passou a ser, definitivamente, um ente federativo, com
independência administrativa, legislativa e financeira, passando seus
governantes a ter uma parcela muito maior de responsabilidade perante seus
munícipes.
É no município que vive o cidadão. É do município que retira o seu
sustento, sua educação. O Município tem a sua base territorial. Esta base
territorial tem peculiaridades e características próprias; geográficas,
hidrográficas, ambientais.
Cabe ao Governo Municipal traçar as metas para um ordenamento do espaço
físico da cidade, de forma a que a mesma possa cumprir a sua função social.
A lei determina o que deve ser evitado, para que se atinja os objetivos
propostos. O que deve, pois, ser evitado?
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos.
O que se entende por utilização inadequada de imóveis urbanos? Esta é uma
situação muito subjetiva e que depende, realmente, das situações peculiares de
cada localidade. Pode ser a utilização de um imóvel para uma finalidade diversa
da permitida em determinado local, ou de acordo com a legislação municipal, o
que deve o poder público evitar, conforme determina O Estatuto da Cidade.
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes.
O Município deve evitar, por exemplo, uma casa de shows nas proximidades
de um hospital ou de uma igreja, ou de uma serraria em pleno bairro
residencial, exemplos típicos de usos tanto incompatíveis, como inconvenientes,
pela questão da poluição sonora que acarretam.
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infra-estrutura urbana.
Através de uma legislação adequada, o Município deve normatizar a questão
do parcelamento do solo, evitando os loteamentos feitos com fins puramente
especulativos, definindo as áreas de crescimento da cidade, os parâmetros para
as edificações, as suas finalidades, e a infra-estrutura para tanto.
Exemplificando, vemos municípios que são cercados por grandes áreas rurais.
Alguns proprietários de tais áreas, decidem, simplesmente transformar sua área
rural em loteamento, seja para sítios de recreio, seja para condomínios
residenciais, ou, apenas, para venda a particulares.
O que vemos em tais situações?
Áreas rurais que se transformam em áreas urbanas ou urbanizáveis. O
crescimento da cidade, independentemente da vontade dos administradores
municipais. Repentinamente, o Município vê-se às voltas com a necessidade de
ter que disponibilizar o local com equipamentos de infra-estrutura de
saneamento básico, energia elétrica, acesso, pavimentação, transporte, além de
escola, posto de saúde e outros.
Isto vem ocorrendo com alguns municípios, que, infelizmente, acabam por
assumir despesas, sem o retorno financeiro correspondente.
Através de uma Lei de Uso do Solo adequada, onde o Município faça as
previsões de acordo com a sua realidade, no momento em que tais situações
ocorrerem, evitar-se-á abusos de determinados proprietários de terras, que,
muitas vezes, nem ao menos pagam ao Município o IPTU, mas sim o Imposto
Territorial Rural à Receita Federal, quando, através da legislação pertinente,
processará o Município à atualização de seu cadastro imobiliário, ampliando sua
área urbana ou urbanizável, e passando a lançar e cobrar efetivamente o IPTU
dessas áreas novas.
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam
funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura
correspondente;
Da mesma forma que pode acontecer com relação à ampliação da área urbana
sem a devida infra-estrutura, também deve o Município disciplinar a instalação
de empreendimentos ou atividades que venham a funcionar como pólos geradores de
tráfego, verificando se a infra-estrutura existente atenderá às necessidades do
empreendimento.
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua
subutilização ou não utilização.
Com relação a este item, o Estatuto da Cidade traz grandes novidades. É
necessário, entretanto, que o Município tenha o seu Plano Diretor, e que
nele encontre-se definida a função social da propriedade urbana.
O Plano Diretor deve definir, ainda, o que considera um imóvel
subutilizado, e mais, quais as áreas de interesse do Município para fins de
equipamentos comunitários, de utilização para fins de moradia para população de
baixa renda, e outras, de peculiar interesse para o Município.
Tendo em mãos tal instrumento, o Prefeito Municipal poderá:
- aplicar o IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota
pelo prazo de cinco anos consecutivos, respeitada a alíquota máxima de 15%;
- manter a cobrança pela alíquota máxima até que seja atendida a
obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel;
- proibir a concessão de isenções ou anistias relativamente aos imóveis
cuja tributação siga a progressividade em razão da não utilização ou
subutilização;
- desapropriar o imóvel para pagamento em títulos da dívida pública, com
resgate no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização, e aplicação de juros legais de 6% ao
ano, se, transcorridos cinco anos da aplicação e cobrança do IPTU progressivo,
o proprietário ainda não houver cumprido suas obrigações de parcelar, edificar
ou utilizar o imóvel;
- o valor real da indenização, significa que o Município pagará ao
proprietário, em dez anos, o valor venal do imóvel, que é a base de cálculo
para o IPTU, descontado o valor do imposto e taxas que porventura incidam sobre
o imóvel, descontados, se houver, contribuição de melhoria, desde que tenha
havido notificação ao proprietário;
- o valor da indenização não contemplará ao expropriado qualquer
expectativa de ganhos, lucros cessantes ou juros compensatórios, bem como os
títulos não poderão ser utilizados para pagamentos de tributos.
Verifica-se aí, para as Prefeituras, uma possibilidade de recebimento
efetivo e uma forma real de evitar a manutenção de imóveis, apenas com
finalidade especulativa, sem adequação à sua utilização com finalidade de
realizar a função social. Qual o proprietário irá querer perder o imóvel para o
Município e receber o pagamento nas formas acima descritas?
Este é, sem dúvida, um grande avanço para que os Municípios consigam
receber os valores devidos pelos proprietários de imóveis subutilizados ou não
utilizados, e ainda forçá-los ao cumprimento da função social da propriedade.
E apenas os Municípios que tenham seu Plano Diretor, poderão
valer-se desses instrumentos.
f) A deterioração das áreas urbanizadas, e g) a
poluição e a degradação ambiental."
Sendo um dos mais importantes fundamentos do ESTATUTO DA CIDADE a questão
da urbanização e do meio ambiente, necessário nos voltarmos para estes dois
itens e deles falarmos conjuntamente, porque, na realidade, não se dissociam
individualmente.
"Art.
2º...... .....................diretrizes gerais:
VII – integração e
complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o
desenvolvimento sócio-econômico do Município e do território sob sua área de
influência."
A princípio, tem-se o ESTATUTO DA CIDADE como a lei que traça diretrizes
para o desenvolvimento urbano. Pelo inciso VII acima transcrito verifica-se,
como não poderia deixar de ser, que não se pode falar em desenvolvimento
urbano, sem trabalhar o desenvolvimento rural.
Evidentemente, há inúmeros municípios, maioria mesmo, que tem sua
sustentabilidade econômica na zona rural. Como então falar em planejamento de
desenvolvimento urbano, dissociando-o do desenvolvimento rural?
Há que se preocupar com a qualidade das vias de acesso, dos transportes
de pessoas e de produtos, do atendimento à saúde e à educação, enfim, da
qualidade de vida do cidadão que tem na zona rural a sua moradia e o seu
trabalho.
Há que se preocupar, além disso, com a questão dos rios, da fauna e da
flora existente no entorno da zona urbana. A não poluição do meio ambiente em
seu município como um todo.
"Art.
2º..... ....................................diretrizes gerais:
X – adequação dos instrumentos
de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos
objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos
geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos
sociais.
XI – recuperação dos
investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis
urbanos."
A lei fala em adequação dos instrumentos de política econômica,
tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento
urbano.
Subentende-se aí, que deva existir, previamente, um planejamento de
desenvolvimento urbano, para que haja uma adequação dos instrumentos de
política econômica, tributária e financeira.
E fala mais: que essa adequação seja de modo a privilegiar os
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição pelos diferentes
segmentos sociais.
Assim, compreendemos não existir uma fórmula pré definida a respeito de
quais serão os instrumentos de política financeira e econômica deverão ser
utilizados pelos governos municipais, dependendo, estes, do planejamento
individual de cada município.
Há, entretanto, na lei, dispositivos de ordem econômica, que são "a
outorga onerosa do direito de construir", a "transferência do direito
de construir", e as "operações urbanas consorciadas".
Com relação a instrumentos de política tributária, a lei determina
algumas situações, mais de ordem sancionatória, do que de favorecedora, no
sentido de obrigar os proprietários de imóveis a cumprirem a função social da
propriedade.
"Art.
2º....................................diretrizes gerais:
XII – proteção, preservação e
recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural,
histórico, artístico, paisagístico e arqueológico."
XIII – audiência do Poder Público
municipal e da população interessada nos processos de implantação de
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população."
XIV – regularização fundiária e
urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o
estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas
ambientais;
São dois os instrumentos jurídicos previstos pelo ESTATUTO DA CIDADE no
intuito de resolver um problema que afeta a maioria das cidades: a invasão de
áreas públicas e de particulares, e a proliferação de favelas.
1.A Usucapião coletiva de imóvel urbano, e
2.A Concessão de Uso Especial para fins de moradia.
O caráter social do instituto sobressai do caput desse artigo 10
quando estabelece que as áreas urbanas suscetíveis de serem usucapidas
coletivamente são aquelas "ocupadas por população de baixa renda",
excluindo, portanto, de sua incidência as áreas ocupadas por população de média
e alta rendas. Com muita propriedade, a lei não fixa parâmetros matemáticos de
renda para delimitar o que entende por "população de baixa renda".
Hoje, o Poder Público possui uma alternativa para utilizar a
desapropriação de áreas privadas para o fornecimento de lotes urbanizados com
ou sem edificação às pessoas de baixa renda, inclusive para regularização de
loteamento em face das inovações introduzidas pela Lei 9.785, de 29 de
fevereiro de 1999, que facilitou o uso da desapropriação para o fim de moradia
para a população de baixa renda.
Portanto, a adoção da alternativa da desapropriação em substituição ao
usucapião especial urbano pode representar um ônus adicional para a
coletividade, com evidente desperdício de recursos financeiros públicos e
benefício para o expropriado, que receberá uma indenização que não receberia no
processo de usucapião e, talvez, até pleiteando e obtendo a inclusão da
valorização decorrente da implantação da infra-estrutura urbana pelo Poder
Público para atender à população ocupante ao longo dos anos.
O Poder Público local, no exercício de sua competência discricionária,
não tem ao seu arbítrio a faculdade de escolher ao seu talante entre uma ou
outra alternativa como se fossem equivalentes ou reciprocamente neutras, sem
qualquer motivação fundamentada. Como ensinam os administrativistas, o
exercício do juízo discricionário pela autoridade pública pressupõe a opção
pela alternativa que, sob todos os aspectos envolvidos, represente a melhor
alternativa para o interesse público.
Do ponto de vista urbanístico, "a separação entre propriedade e
efetiva ocupação ocasionou uma transformação radical na forma da cidade, na
medida em que aparecem a figura do loteamento ou arruamento, o desenho das ruas
e lotes prévios ao próprio ato de construir". (Rolnik, 1997) com
repercussão importante no espaço que as cidades brasileiras passariam a
apresentar a partir de então.
Além disso, a separação entre propriedade e efetiva ocupação acabou por
gerar uma outra divisão, tão importante quanto a anterior, na produção do
espaço urbano: a divisão entre a cidade legal, constituída pelos lotes,
legalmente adquiridos mediante a compra, e a cidade real, erigida por
aqueles que, impedidos de ter acesso à terra pela insuficiência de suas rendas,
passaram a ocupar os terrenos aparentemente esquecidos das cidades. É assim que
surge um número crescente de ocupações ilegais de terras, dando origem às
conhecidas favelas, que marcam, escandalosamente, a paisagem de tantas cidades
brasileiras.
Quando o problema se tornou demasiado grande para ser ignorado – não
apenas do ponto de vista urbanístico mas também político –, o princípio da
função social da propriedade veio resgatar a idéia de que a ocupação é
também uma forma legítima e, portanto, legal, de acesso ao lote urbano. É nesse
contexto e durante esse processo que o País institui o usucapião urbano,
instrumento jurídico capaz de mediar os conflitos fundiários em crescente
evolução na sociedade urbana brasileira.
3.A Concessão de Uso Especial para fins de moradia.
O Presidente da República vetou o artigo que tratava desse assunto,
editando, para este fim, a Medida Provisória nº 2.220, de 04 de setembro de
2001, que, embora bastante semelhante às condições para a usucapião de terra
urbana particular, traz algumas diferenças.
A usucapião é instituto que permanecerá no tempo, independentemente de
ser adquirido o direito hoje, ou daqui a três, a cinco ou a dez anos.
Já na concessão de uso especial para fins de moradia, a Medida Provisória
estende o benefício apenas aos ocupantes de área pública, que tenham ocupado
ininterruptamente e sem oposição, por cinco anos, até a data máxima de 30 de
junho de 2001. Isto significa dizer que quem ainda não tinha 5 anos em 30 de
junho de 2001, se completou os cinco anos de posse no dia 1º de julho, não terá
direito à concessão de uso especial para fins de moradia e, mesmo que continue
ocupando, não conseguirá o título.
O título é concedido pela via administrativa, de forma gratuita, sendo
que o título não transfere a propriedade, podendo ser extinto, em duas
situações:
1.se o concessionário der ao imóvel destinação diversa da moradia para si
ou sua família, ou
2.se o concessionário adquirir a propriedade ou a concessão de uso de
outro imóvel urbano ou rural.
Instrumentos à Aplicabilidade do ESTATUTO DA
CIDADE
O Capítulo II do ESTATUTO DA CIDADE traz os instrumentos da política
urbana, necessários para que se possa atingir, de forma satisfatória, as
diretrizes constantes do Capítulo I.
Discorreremos dando ênfase aos aspectos mais importantes.
"Art.
4º. Para os
fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais
e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
III – planejamento municipal.
Os instrumentos da política urbana são, portanto, nas três esferas de
governo, devendo todas trabalhar em consonância, para atingimento dos objetivos
comuns.
A nível nacional, o CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano,
órgão deliberativo e consultivo, recentemente criado pela Medida Provisória nº
2220, de 04 de setembro de 2001, com as seguintes competências, que dizem
respeito aos municípios:
- propor diretrizes, instrumentos, normas e prioridades da política
nacional de desenvolvimento urbano;
- acompanhar e avaliar a implementação da política nacional de
desenvolvimento urbano, em especial as políticas de habitação, de saneamento
básico e de transportes urbanos, e recomendar as providências necessárias ao
cumprimento de seus objetivos;
- propor a edição de normas gerais de direito urbanístico e manifestar-se
sobre propostas de alteração da legislação pertinente ao desenvolvimento
urbano;
- emitir orientações e recomendações sobre a aplicação da Lei nº 10.257,
de 10 de julho de 2001, e dos demais atos normativos relacionados ao
desenvolvimento urbano;
- promover a cooperação entre os governos da União, dos estados, do
distrito Federal e dos Municípios e a sociedade civil na formulação e execução
da política nacional de desenvolvimento urbano.
A nível estadual, os Municípios devem manter-se atualizados com relação
aos programas nas diversas áreas afetas ao desenvolvimento urbano de forma
global, principalmente no tocante ao Meio Ambiente (questão dos recursos
hídricos, das bacias hidrográficas, da energia elétrica, do saneamento, do
transporte, dentre outros).
Com relação ao planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, a lei torna claro que todo planejamento deve ser feito
em conjunto, pois o desenvolvimento pode e deve ser feito de forma conjunta, ou
por tratar-se de município pertencente a região metropolitana, onde existe um
município pólo e os demais acompanham de acordo com o potencial
geo-sócio-econômico local, ou por tratar-se de aglomeração urbana, ou por
pertencer a uma determinada microrregião, onde geograficamente falando, os
problemas e potenciais são geralmente da mesma ordem, devendo ser tratados
conjuntamente, em proveito de todos.
Mas o que nos importa, realmente, é o planejamento municipal, do qual
falaremos amplamente, a seguir:
III –
planejamento municipal, em especial:
a)plano diretor;
b)disciplina do
parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c)zoneamento
ambiental;
d)plano
plurianual;
e)diretrizes
orçamentárias e orçamento anual; gestão orçamentária participativa;
f)planos,
programas e projetos setoriais;
g)planos de
desenvolvimento econômico e social;
IV –
institutos tributários e financeiros:
a)imposto sobre
a propriedade predial e territorial urbana – IPTU;
b)contribuição
de melhoria;
c)incentivos e
benefícios fiscais e financeiros;
V –
institutos jurídicos e políticos:
a)desapropriação;
b)servidão
administrativa;
c)limitações
administrativas;
d)tombamento de
imóveis ou de mobiliário urbano;
e)instituição de
unidades de conservação;
f)instituição de
zonas especiais de interesse social;
g)concessão de
direito real de uso;
h)concessão de
uso especial para fins de moradia;
i)parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios;
j)usucapião
especial de imóvel urbano;
k)direito de
superfície;
l)direito de
preempção;
m)outorga
onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
n)transferência
do direito de construir;
o)operações
urbanas consorciadas;
p)regularização
fundiária;
q)assistência
técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos
favorecidos;
r)referendo
popular e plebiscito;
V – estudo prévio de impacto
ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV)
§ 1º. Os instrumentos mencionados
neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto
nesta Lei.
§ 2º. Nos casos de programas e
projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou
entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a
concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada
coletivamente.
§ 3º. Os instrumentos previstos
neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público
municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades,
movimentos e entidades da sociedade civil."
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO
O Capítulo III do ESTATUTO DA CIDADE trata, especificamente, do PLANO
DIRETOR. Vejamos:
"Art.
39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade
de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades
econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.
Art. 40. O plano diretor, aprovado
por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana.
§ 1º. O plano diretor é parte
integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual,
as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as
prioridades nele contidas.
§ 2º. O plano diretor deverá
englobar o território do Município como um todo.
§ 3º. A lei que instituir o plano
diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.
§ 4º. No processo de elaboração
do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo
e Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências
públicas e debates com a participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos
documentos e informações produzidos.
Art. 41. O plano diretor
é obrigatório para cidades:
I – com mais de vinte mil
habitantes;
II – integrantes de regiões
metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público
municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da
Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de
especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência
de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
regional ou nacional.
§ 1º. No caso da realização de
empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos
técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos
entre as medidas de compensação adotadas.
§ 2º. No caso de cidades com mais
de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte
urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
Art. 42. O plano diretor
deverá conter no mínimo:
I – a delimitação das áreas
urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para
utilização, na forma do art. 5º desta Lei;
II – disposições requeridas
pelos arts. 25, 28, 29, 32 2 35 desta Lei;
III – sistema de acompanhamento
e controle.
Em síntese, o artigo fala em propriedade urbana e sua função
social.
Determina que a propriedade urbana cumpre sua função social, quando ela
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor. E que essas exigências fundamentais devem assegurar o atendimento
das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça
social e ao desenvolvimento das atividades econômicas.
E mais, que elas devem respeitar as diretrizes previstas no artigo 2º do
ESTATUTO DA CIDADE.
O parágrafo único do artigo 1º indica a finalidade da função social da
propriedade urbana como sendo o bem coletivo, a segurança e o bem-estar dos
cidadãos, além de incluir, como novidade, o equilíbrio ambiental.
Este último, será obtido na medida em que os diversos tipos de meio
ambiente (artificial, cultural, natural e do trabalho) se equilibrem no seu uso
sustentável, evitando a degradação do meio ambiente e das relações de uma forma
geral.
O artigo 2º, que estabelece o objetivo da Política Urbana, está, na
verdade, indicando as diretrizes que o Poder Público deverá tomar para que
consiga objetivar a função social da propriedade urbana. O inciso I acrescenta,
às funções tradicionais da cidade, a necessidade de contemplar o aspecto
sustentável, o saneamento ambiental, que procuram um equilíbrio maior, difuso,
na organização da cidade, através do respeito a todas as formas de vida (água,
ar, solo, pessoas, fauna, flora).
Com base nesses dispositivos da Lei 10.257/2001, o Poder Público
Municipal deve definir, então, o seu próprio conceito de "função social
da propriedade", que deve estar explícito no Plano Diretor, através
das exigências fundamentais de ordenação da cidade.
A Lei nº 10257/2001 – ESTATUTO DA CIDADE – tendo tratado exaustivamente
das questões da Política Urbana, traz uma série de instrumentos legais que
devem ser utilizados para se conseguir atingir os objetivos propostos.
Entretanto, o mais importante de todos os instrumentos, que a Lei coloca como
sendo o básico, é o plano diretor, que deve revestir-se da
forma de lei municipal.
É o Plano Diretor a lei municipal que deve tratar de todo o processo de
desenvolvimento e de expansão urbana.
Ora, se o Plano Diretor é o instrumento básico, significa dizer
que, sem ele, os municípios não conseguirão alcançar seus objetivos de
ordenação da cidade.
A abrangência deste artigo é ainda maior quando determina que o plano não
é apenas relativo ao desenvolvimento urbano, mas também de expansão urbana. E
o § 2º, a nosso ver, complementa caput, quando diz:
"§ 2º. O plano diretor deverá
englobar o território do Município como um todo."
Esta é uma dúvida presente na maioria dos Municípios, pois a idéia de
Desenvolvimento Urbano, geralmente exclui a zona rural. Mas o ESTATUTO DA
CIDADE contempla, expressamente, a zona rural e as áreas de expansão urbana, no
artigo e parágrafo supratranscritos. Assim, não há que se falar em Plano
Diretor, sem a inclusão de toda a área do Município, todos os seus distritos,
vilas, localidades, zona rural em geral.
O Plano Diretor vai definir o planejamento do Município para um período
de 5 a 10 anos. Todas as ações governamentais de maior vulto, em todas as áreas,
deverão estar previstas, como uma vontade da população para a cidade que
planejam para o futuro.
O Plano Diretor deve ser tido como a orientação para as futuras
administrações municipais, que deverão pautar suas ações dentro do que estiver
definido no Plano, por ser esta a "vontade do povo".
Assim, mesmo que o próximo Prefeito e seu partido tenham uma determinada
linha de ação, ela deverá pautar-se dentro daquilo que os munícipes esperam, e
não com criações novas, que sejam contrárias à vontade popular.
Desta feita, todas as diretrizes orçamentárias, o Plano anual e o
Plurianual vão encontrar suas linhas mestras dentro do Plano Diretor, devendo
adequar-se a ele, e fazer suas previsões de acordo com ele.
Afinal, estamos falando de desenvolvimento das cidades. Mas o prazo
ficará a critério de cada administração municipal.
§ 4º. No processo de elaboração
do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo
e Executivo municipais garantirão:
I – a promoção de audiências públicas
e debates com a participação da população e de associações representativas dos
vários segmentos da comunidade;
II – a publicidade quanto aos
documentos e informações produzidos.
Esta obrigatoriedade de audiências públicas e debates no processo de elaboração
do Plano Diretor, é a obediência ao princípio consubstanciado na gestão
democrática.
É a população influenciando e dizendo "o que quer para a sua
cidade para os próximos dez anos, em termos de qualidade de vida, justiça
social e crescimento econômico."
Quais são os municípios que devem fazer seu PLANO
DIRETOR?
Art. 41. O plano diretor
é obrigatório para cidades:
I – com mais de vinte mil
habitantes;
II – integrantes de regiões
metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público municipal
pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da
Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de
especial interesse turístico;
V – inseridas na área de
influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental
de âmbito regional ou nacional.
§ 1º. No caso da realização de
empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos
técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos
entre as medidas de compensação adotadas.
§ 2º. No caso de cidades com mais
de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte
urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
A Constituição Federal, no § 1º do artigo 182, definia que o Plano
Diretor era obrigatório apenas para cidades com mais de 20.000 habitantes.
"Art.
182. A
política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes.
§ 1º. O plano diretor, aprovado
pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão
urbana.
Conforme lemos acima, o ESTATUTO DA CIDADE, que veio regulamentar os
artigos 182 e 183 da Constituição federal, tem diretrizes mais amplas. Então,
vejamos:
I – com mais de vinte mil habitantes;
Este número cria um pouco de dúvidas e vários municípios tem-nos
consultado se este número seria de habitantes apenas da zona urbana, ou se o
número seria global, acrescido da zona rural.
A resposta é para a última opção. Os municípios, como vimos
anteriormente, devem fazer o Plano diretor englobando toda a sua área, urbana,
de expansão urbana e rural. Nada mais correto que considerar, portanto, o
número correto de habitantes, incluindo o município como um todo.
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
Temos encontrado muitos municípios mineiros que, pelo fato de fazerem
parte de região metropolitana, deixaram de fazer o seu Plano Diretor
individual, específico para seu próprio município, aproveitando o Plano
Regional ou Estadual porventura existente.
No entanto, não basta o plano regional ou da região metropolitana. O
Município que for parte de região metropolitana ou de aglomeração urbana,
deverá fazer o seu próprio Plano Diretor.
Isto se justifica porque, embora possa existir um Plano Diretor para tais
regiões, os Municípios envolvidos apenas obterão recursos ou poderão
utilizar-se dos instrumentos jurídicos e legais que lhes proporcionarão adequar
suas ações para a função social da propriedade e para o pleno desenvolvimento
da cidade.
Os Municípios que fazem parte de regiões, tais como os que participam do
PRODESCOM, devem fazer em conjunto, diferenciando apenas nas peculiaridades de
cada um, o que torna mais viável economicamente a elaboração dos Planos
Diretores, bem como dos demais instrumentos obrigatórios.
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os
instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;
É o caso dos municípios que queiram utilizar os instrumentos do parágrafo
4º, do artigo 182, da Magna Carta, que dispõe sobre as sanções ao proprietário
que não utilizar do forma adequada seu imóvel urbano. A utilização desses
dispositivos, pelo município, é uma maneira convincente de compelir os
proprietários a cumprirem a função social. Já a impossibilidade de uso desses
dispositivos, em um município, torna mais difícil a realização da função social
em face da ausência de meios de pressão eficazes. São eles: o parcelamento
ou edificação compulsórios; o imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana progressivo no tempo; e a desapropriação com pagamento
mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado
Federal, com prazo de resgate de até dez anos,, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
Minas Gerais tem inúmeros municípios integrantes de áreas de especial
interesse turístico, seja em razão de sua história, por terem sido palco de
eventos que marcaram profundamente a história do Brasil, e que recebem turistas
de todo o mundo em razão de suas riquezas históricas e patrimoniais.
Também os Municípios localizados no circuito das águas, outros onde a
beleza natural de suas serras, matas e cachoeiras se traduzem em um novo tipo
de turismo, o ecológico, encontram novas fontes de riquezas e recursos a serem
explorados.
Sem falar nos Municípios cuja principal atividade é a agropecuária, e que
também encontram no turismo nova fonte de renda, com a proliferação de Hotéis e
Pousadas - Fazenda, os Pesque-pague, e os festivais de flores e frutas de
época.
Esses municípios, independentemente do número de habitantes, devem
elaborar seus Planos Diretores, em razão do disposto no inciso supratranscrito.
V – inseridas
na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo
impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
§ 1º. No caso
da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do
caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor
estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.
Esta obrigatoriedade dispensa maiores comentários, em razão de que não se
trata de Municípios isolados, mas que estão inseridos em empreendimentos ou
atividades de significativos impactos ambientais. O importante de se ressaltar
nesse caso é que os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do Plano
Diretor, no caso de tais empreendimentos, já são computados entre as medidas de
compensação adotadas, o que significa que os Municípios em questão deverão, o
quanto antes, adotar os procedimentos necessários à sua elaboração.
§ 2º. No caso de cidades com mais
de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte
urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
Este parágrafo também dispensa maiores comentários, uma vez que não há
discussão a respeito de municípios de tal dimensão demográfica. Apenas deve
inserir em seu planejamento, um plano de transporte urbano integrado.
Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios
O parcelamento do solo é instrumento indutor da urbanização, sendo
realizado de forma espontânea pelo proprietário da terra, que planeja o
parcelamento da gleba em lotes e submete o projeto à aprovação da prefeitura,
visando a sua inscrição no Registro de Imóveis para alienação dos lotes a
terceiros, transferindo ao domínio público as ruas e as áreas destinadas ao uso
público de lazer e a equipamentos comunitários, além de implantar as obras de
infra-estrutura necessárias à densidade populacional prevista, executadas de
conformidade com as disposições legais vigentes, cumprindo, dessa forma, a
primeira etapa da exigência constitucional, sendo que, após a edificação e
futura utilização, em atendimento às normas urbanísticas, dará cumprimento à
função social da propriedade.
A lei municipal específica, para a área indicada no plano diretor, nos
termos do § 4 o do artigo 182 da CF e nos termos do artigo 5 o do Estatuto da
Cidade, deverá estabelecer os usos permitidos, segundo predominância desejada,
com intensidade de ocupação mínima e máxima, para estabelecer os parâmetros de
controle da função social da propriedade. Deve-se ressaltar que o Estatuto da
Cidade introduziu a utilização como obrigatoriedade compulsória de forma muito
apropriada, pois, a utilização, ou seja, a atividade instalada na propriedade
urbana, é atributo essencial para o estabelecimento das restrições urbanísticas
e edilícias, as quais deverão ser atendidas para o pleno atendimento da função
social.
As leis de parcelamento, uso e ocupação do solo estabelecem parâmetros
mínimos e máximos relacionados com os diferentes tipos de assentamentos
urbanos, visando, de um lado, ao controle populacional e, de outro, ao controle
da ocupação e da área edificável, de forma a garantir uma distribuição eqüitativa
e funcional da densidade compatível com a infra-estrutura e equipamentos
instalados e previstos, para alcançar o pleno desenvolvimento de cada parcela
territorial ou região, de forma harmônica com o desenvolvimento do conjunto do
município, assegurados a preservação dos imóveis de interesse cultural, dos
recursos naturais que valorizam a paisagem urbana e garantem qualidade
ambiental.
Como fatores sociais estão compreendidos os resultados de análise dos
dados demográficos, em especial a renda. Deve-se salientar, no entanto, que,
nos pequenos municípios, a renda é representativa para o município como um
todo. Nesse caso, a caracterização da provável faixa de renda da população, por
parcela territorial do município, poderá ser feita através de outras variáveis,
como a dimensão dos lotes, o tipo de edificação, o estado de conservação, a
maior ou menor presença de espaços verdes privados e públicos, a predominância
ou exclusividade de uso residencial, dentre outros. Como indicador,
recomenda-se os de renda média para a aplicação desse instrumento.
Como fatores econômicos, estão relacionados à distribuição espacial das
áreas de produção industrial, às áreas de maior concentração das atividades
comerciais e de prestação de serviços e às áreas de uso misto, com densidade de
ocupação média, que disponham de glebas, lotes ociosos e edificações
subutilizadas ou não utilizadas, situadas em zonas adensáveis.
Como fatores de infra-estrutura, podem ser estabelecidos critérios de
pontuação com incidência de maior valor para a rede de água, seguidos de
valores decrescentes para o esgoto, a pavimentação e a iluminação pública.
A interação dos fatores decorrerá de ponderação atribuída a cada fator,
segundo objetivos e prioridades estabelecidos nas simulações e cenários realizados
para a formulação do plano diretor, que permitam identificar na estrutura
urbana as áreas passíveis de parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios.
Finalidade do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
a) O principal objetivo é combater a retenção de glebas e lotes não
edificados, dotados de infra-estrutura e serviços urbanos, visando à redução
dos custos de urbanização e otimizando os investimentos públicos realizados.
A função social da gleba poderá ser cumprida, tanto pelo seu adequado
parcelamento (loteamento ou desmembramento), com a destinação de parte da gleba
para áreas públicas (vias, áreas verdes e áreas para equipamentos comunitários)
e o restante em lotes para posterior edificação, quanto pela adequada
utilização, realizada por meio da implantação de uso permitido e de grande
efeito transformador na região, que poderá ser instalado na totalidade da
gleba, como, por exemplo: shopping center, centro empresarial, supermercado ou
até mesmo uma indústria não poluente, devendo, para tanto, a gleba estar
voltada para via de circulação oficial e atender às condições estabelecidas
pelos órgãos municipais responsáveis pelo controle de tráfego e ambiental, que
poderão, inclusive, fazer exigências para reduzir os possíveis impactos, quer
seja sobre o tráfego local, quer seja sobre os incômodos causados à vizinhança,
devendo, para tanto, o proprietário apresentar estudo prévio de impacto de
vizinhança (EIV) e, quando for o caso, estudo prévio de impacto ambiental
(EIA).
b) Punir qualquer utilização em desacordo com a legislação de
parcelamento, uso e ocupação do solo, de forma a estimular o uso da propriedade
urbana de conformidade com a sua função social.
• Outro desvio da função social da propriedade são as edificações de
interesse de preservação histórico e arquitetônico não utilizadas e
abandonadas.
• E, para reverter a situação de degradação, deve ser imputada a
utilização ou a edificação compulsória à edificação não utilizada, em ruínas,
que apresentem problemas de segurança, de forma cumulativa com as demais
penalidades decorrentes do código civil e do código de edificações.
Cada município precisa verificar como estão estruturadas suas normas,
pois alguns têm uma lei municipal de desenvolvimento urbano, às vezes
coincidindo com a lei do Plano Diretor, que inclui as normas para parcelamento,
uso e ocupação do solo; outros municípios têm leis separadas de Loteamento (ou
parcelamento) e de Zoneamento (ou uso e ocupação do solo).
Praticamente, todas as leis municipais de zoneamento hoje em vigor fixam
índices máximos de aproveitamento de terrenos, bem como outras restrições à
ocupação, e não requisitos mínimos. Isso significa que essas normas precisam
ser reavaliadas e complementadas.
Finalmente, o município precisa fixar em "lei específica" as
condições e prazos para aplicar o IPTU progressivo no tempo nas áreas sujeitas
à obrigação de parcelar, edificar e utilizar os imóveis.
Se for constatado, além disso, que os critérios de cálculo do IPTU
convencional cobrado no município precisam ser revistos para dar efetividade ao
parcelamento e edificação compulsórios, a reorganização da legislação municipal
deverá incluir esse campo.
O resultado final disso seria a obtenção de uma "família" de
textos legais coerentes, tratando das áreas urbanizáveis e não urbanizáveis, do
parcelamento, uso e ocupação – inclusive o compulsório – do território
municipal e da tributação dos imóveis urbanos.
Uma vez elaborados os textos dos projetos de leis municipais e a
respectiva exposição de motivos, é essencial promover extensos esclarecimentos
e debates dentro e fora da câmara municipal, pois os interessados têm o direito
de refletir e opinar sobre:
- o que é a repartição não eqüïtativa dos encargos e benefícios da
urbanização;
- o que é a retenção especulativa de imóveis vagos ou pouco utilizados e
os prejuízos à sociedade decorrentes;
- o que se espera do IPTU progressivo no tempo e da eventual
desapropriação com indenização em títulos da dívida pública.
Concluindo: se não há Plano Diretor, não pode haver a aplicação dos
dispositivos supra-referidos, porém, mesmo assim, a função social dos imóveis
urbanos deverá ser determinada pelo Poder Público municipal e realizada pelo
proprietário.
Art. 42. O plano diretor
deverá conter no mínimo:
I – a delimitação das áreas
urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para
utilização, na forma do art. 5º desta Lei;
II – disposições requeridas pelos
arts. 25, 28, 29, 32 2 35 desta Lei;
III – sistema de acompanhamento
e controle.
O artigo 5º da Lei nº 10.275/2001 – Estatuto da Cidade, define quais são
as diretrizes mínimas essenciais a um Plano Diretor, sobre as quais discorremos
a seguir:
1. A delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência
de infra-estrutura e de demanda para utilização.
O Estatuto da Cidade delimitou as competências das esferas legislativas e
coube ao município legislar e prestar os serviços públicos de interesse local,
suplementar a legislação federal e estadual, e promover adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação
do solo urbano.
A maioria dos problemas residem na deficiente conceitualização dos
problemas urbanos, como, por exemplo, deixar de considerar as demandas de
habitação e serviços; coordenação deficiente entre agências governamentais, o
setor formal, o informal e a comunidade, bem como a falta de recursos para
execução de programas urbanos.
Através do zoneamento, o Poder Público controla o uso e as destinações
possíveis de serem dadas ao território, além de ordenar as atividades urbanas
que serão levadas a efeito através do uso adequado do solo. A cidade e as áreas
urbanísticas serão repartidas em zonas através desse instrumento, atendendo à
vocação do solo atingido pelo zoneamento.
Pelo zoneamento serão fixados os usos dos terrenos e edificações,
objetivando a promoção da plena distribuição racional das populações nas
diversas zonas cujo desenvolvimento se pretende alcançar e organizar.
E, ainda que o município fixe, quando possível, normas mais restritivas,
o fará em atenção às suas peculiaridades.
E é aí, exatamente que entra a questão da definição das áreas urbanas
onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios,
considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização.
É através do Plano Diretor que essas áreas devem ser definidas, sob pena
de se tornarem inócuas suas aplicações.
2. O direito de preempção que confere ao Poder Público Municipal a
preferência na aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre
particulares.
O Direito de Preempção permite ao Poder Público municipal a prerrogativa
na obtenção de áreas estratégicas ao desenvolvimento da cidade, bem como a
manutenção do preço do imóvel livre de processos especulativos de valorização
fundiária e imobiliária. A articulação regional de municípios conurbados
permitirá a gestão compartilhada de serviços e infra-estrutura, além de prever
um desenvolvimento econômico integrado.
Somente com a definição prévia das áreas de interesse do Município no
desenvolvimento da cidade, poderá valer-se da prerrogativa do direito de
preempção.
Assim como entre particulares, o Município poderá, em determinados casos
e em locais previamente reconhecidos em lei como área de desenvolvimento ou
área de interesse comunitário, valer-se do direito de preferência na aquisição
de imóveis de particulares, colocados à venda pelo proprietário. O Município
poderá, então, manifestar-se a respeito da aquisição ou não do imóvel, pelo
valor colocado à venda pelo particular. Em caso de venda pelo particular por
valor inferior ao oferecido ao Município, a venda poderá ser anulada, e
arrematado o imóvel pelo Município, com pagamento pelo valor venal utilizado
para fins de IPTU.
3. A regularização fundiária, a execução de programas e projetos
habitacionais de interesse social, a constituição de reserva fundiária, o
ordenamento e direcionamento da expansão urbana, a implantação de equipamentos
urbanos e comunitários, a criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes,
a criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse
ambiental, a proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou
paisagístico.
A partir da década de 1970, uma das principais características da
dinâmica do crescimento intra-urbano no Brasil foi a distribuição espacial da
população pobre. Houve uma significativa periferização dessa população em
cidades de grande e médio porte, durante a última década, devido, entre outros
fatores, às dificuldades das famílias de baixa renda em ter acesso à terra
urbana. Isso resultou em acentuada proliferação de assentamentos humanos
informais (favelas, mocambos, alagados e loteamentos clandestinos).
Nas áreas periféricas das aglomerações urbanas os problemas estão
freqüentemente associados ao uso do solo e à pobreza, geralmente, agravados
pelo aumento da favelização e pelo ímpeto da incorporação de novas áreas
parceladas clandestinamente. Em sua maioria, situados em zonas de legislação
restritiva à ocupação e à construção, esses loteamentos tornaram-se uma
alternativa de habitação para a população mais pobre.
0 fenômeno da favelização é um processo nitidamente urbano e que se faz
sentir de forma mais expressiva nas aglomerações urbanas e nos grandes centros
urbanos. Grande parte das habitações, em geral situadas em áreas restritivas à
ocupação, caracterizada por baixo padrão de qualidade e custo, tem sido
produzida por um setor não estruturado, geralmente sem assistência direta do
Poder Público.
os seguintes fatores:
a)tolerância ou falta de aplicação estrita de normas urbanísticas
inacessíveis de uso do solo e construção;
b)capacidade do setor não estruturado de produzir uma variedade de tipos
de habitação de baixo custo;
c)políticas urbanas e habitacionais que permitem aproveitar terrenos e
possibilitam a oferta de materiais de construção de baixo custo para a
população;
d)políticas que integram e consolidam áreas informais de ocupação à
cidade formal, tais como as Zonas Especiais de Interesse social (ZEIS).
A cidade deve dar acesso, para cumprimento de suas funções sociais, a
todos os que nela vivem, assegurando-lhes o direito "à moradia, aos
equipamentos e serviços urbanos, transporte público, saneamento básico, saúde,
educação, cultura, esporte, lazer, enfim, aos direitos urbanos que são
inerentes às condições de vida na cidade".
As funções sociais da cidade devem espelhar o seu desempenho em relação à
coletividade e à região em que esteja localizada. E o Plano Diretor será o
instrumento básico que as espelhará.
4. A fixação de áreas onde poderá ser permitida alteração do uso do
solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
O artigo 28 do estatuto da cidade determina que o Plano Diretor poderá
fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do
coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser
prestada pelo beneficiário.
Está evidenciado que sem a fixação de áreas e sem a definição do
coeficiente de aproveitamento, a outorga onerosa não poderá ser aplicada. Para
tanto, faz-se necessária a complementação da legislação federal pela legislação
municipal. E assim será no tocante aos demais mecanismos que mencionamos.
5. As operações urbanas consorciadas
O artigo 32 dispõe que lei específica, baseada no Plano Diretor, poderá
delimitar área para aplicação de operações consorciadas. Estas são definidas
pelo § 1º do artigo e se compõem de um conjunto de intervenções e medidas
coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação de diversos
segmentos da comunidade, com o objetivo de alcançar, em uma área,
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorizações
ambientais.
6. A transferência do direito de construir.
O artigo 35 dá à lei municipal, baseada no Plano Diretor, a possibilidade
de autorizar o proprietário do imóvel urbano, privado ou público, a exercer em
outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir
previsto no Plano Diretor ou em legislação urbanística decorrente, quando o
imóvel for considerado necessário para: I – implantação de equipamentos urbanos
e comunitários; II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse
histórico, ambiental, paisagístico, social e cultural; III – servir a programas
de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda e habitação de interesse social.
7. O sistema de acompanhamento e controle.
Exigência do Estatuto da Cidade, toda a Lei do Plano Diretor será nula de
pleno direito se não constar da mesma, expressamente, o sistema de
acompanhamento e controle.
Isto se justifica em razão de que todo o fundamento do ordenamento da
cidade repousa no fato da realização das aspirações da comunidade, da sociedade
organizada. A elaboração do Plano Diretor, por si só, já configura a expressão
do desejo da comunidade, pois todos os seus passos devem ser antecipados de
audiências públicas, onde a participação da comunidade é condição sine qua
non.
A Lei assim aprovada, resguardará a vontade da população, as aspirações
de qualidade de vida do Município, as metas a serem seguidas para alcançar os
objetivos da população, que opinou em todos os aspectos e situações surgidas
durante a sua feitura.
Por este motivo, sua execução também deve ter o mesmo acompanhamento
democrático, o mesmo tratamento dado à sua elaboração, sob pena de ser
considerada inconstitucional.
Para fins de promoção do desenvolvimento urbano, destacamos, a seguir,
algumas possibilidades abertas pela definição das exigências fundamentais de
ordenação da cidade que configuram a função social da propriedade urbana:
• definição de áreas urbanas adensáveis e não adensáveis, segundo a
disponibilidade de infra-estrutura urbana, associada à definição de parâmetros
mínimos e máximos de utilização, para evitar a ocupação urbana de áreas não
suficientemente equipadas, bem como a retenção especulativa de imóveis vagos ou
subutilizados em áreas urbanas dotadas de infra-estrutura;
• definição de áreas especiais para proteção ambiental ou para proteção
de patrimônio cultural, associada à autorização para transferência do seu
potencial construtivo, possibilitando a realização desse potencial e de seu
valor em outro local;
• definição de áreas especiais destinadas à habitação de interesse
social, para exigir sua urbanização ou ocupação compulsórias, para essa
finalidade, sob pena de imposto territorial ou predial progressivo ou até de
desapropriação, com pagamento em títulos da dívida pública;
• autorização para outorga de direitos de construir, com sua
contrapartida de interesse social como fonte de novos recursos financeiros para
habitação de interesse social, ou para equipamentos de infra-estrutura urbana,
ou para programas de reurbanização;
• realização de estudos de impacto ambiental de empreendimentos de porte
significativo e exigência de reparação dos eventuais impactos sobre o ambiente
urbano como fonte de novos recursos para infra-estrutura urbana, além da
eventual contrapartida por danos a interesses difusos.
A Recuperação de Investimentos Públicos
Diz a Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000 – que estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal:
"Art. 11. Constituem
requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição,
previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação.
A autonomia municipal (administrativa e financeira) princípio consagrado
pela Constituição Federal, e o aumento da sobrecarga de responsabilidades, tais
como a municipalização da saúde e da educação, exigem que os municípios se
munam de todas as possibilidades de aumentar sua receita própria, sendo-lhe
defeso renunciar a qualquer que seja ela, tornando-as requisitos essenciais da
responsabilidade na gestão fiscal.
Os municípios investem em infra-estrutura urbana, aberturas de vias,
redes de águas e esgotos, transporte, saúde, educação, em serviços públicos
tais como coleta de lixo, limpeza pública, guarda municipal, conservação de
estradas vicinais, transporte escolar, etc.
É ainda um costume arraigado nos munícipes, achar que o Prefeito não pode
cobrar impostos e taxas, mas fazer tudo de graça para a população.
Este é um costume que precisa ser, de toda maneira, modificado junto à
população. É preciso um trabalho bastante eficaz de conscientização da
população. Afinal, o Prefeito é o administrador dos bens públicos, e os
munícipes são os usuários dos mesmos bens.
O Município pode ser comparado com um grande condomínio. Ora, se moramos
em um prédio de apartamento, ou em um condomínio fechado, temos que pagar nossa
taxa condominial que serve para custear as despesas comuns, que são rateadas
entre os moradores.
Se o Município é um grande condomínio, onde os munícipes são os
condôminos, nada mais justo que ser rateado entre todos as despesas necessárias
para seu custeio e manutenção.
São inúmeras as possibilidades de recuperação dos investimentos públicos
que são feitos no município. Falaremos apenas dos que decorrem da Lei
101.257/2001 – ESTATUTO DA CIDADE.
A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA
Constituição Federal:
"Art.
145. A
União, os Estados, o Distrito federal e os Municípios, poderão instituir os
seguintes tributos:
III – contribuição de melhoria,
decorrente de obras públicas."
A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA é um tributo que compete às três esferas de
governo. E a maioria dos Códigos Tributários Municipais trazem sua previsão
legal.
Entretanto, pouquíssimos, ou talvez raríssimos municípios têm
efetivamente cobrado dos beneficiados de obras públicas, o ressarcimento dos
valores que valorizaram seus imóveis. Este tributo, por ser facultativo, e por
não ser politicamente interessante, da forma como era entendida a política até
algum tempo atrás, no sistema municipal paternalista, onde o Município era
responsável por dar tudo o que a população precisava, sem pedir nada em troca,
pois o governos federal e estadual proviam as necessidades.
O IPTU progressivo no tempo
Estudo de viabilidade – A compulsoriedade de parcelar, edificar ou
utilizar imóveis de propriedade particular implica benefícios, mas também
encargos políticos e administrativos.
O IPTU tradicional já é um imposto difícil de ser cobrado de forma a
pesar no bolso dos cidadãos – particularmente naqueles com maior poder
econômico, porque não está oculto no preço de mercadorias: o contribuinte
verifica facilmente, no seu carnê, quanto vai pagar e como o valor foi calculado.
As tarefas operacionais, além disso, são complexas, porque a base de cálculo do
imposto deveria ser o valor de mercado do imóvel, muito mais difícil de estimar
do que o preço de outras mercadorias.
O imposto progressivo no tempo, para ser aplicado com justiça e eficácia,
implica um preparo cuidadoso.
Ao considerar sua adoção num determinado município, portanto, cabe
inicialmente avaliar se a cidade tem de fato problemas decorrentes da ocupação
excessivamente dispersa e se o governo está preparado para adotar um
instrumento novo e relativamente sofisticado de gestão.
Trata-se de organizar os argumentos que viriam a formar a justificativa
para a proposta de implantação do IPTU progressivo no tempo, ou, eventualmente,
de concluir que a adoção desse instituto seria prematura, devendo ser precedida
por aperfeiçoamentos na aplicação dos instrumentos convencionais de política
urbana.
Caso o município conte com um Plano Diretor recente, é nesse documento
que o problema deveria estar mencionado, com mapas ou fotos aéreas e planilhas
para a respectiva ilustração e quantificação.
Caso os diagnósticos disponíveis estejam desatualizados, cabe verificar
se no município a retenção de terrenos urbanos vagos tem diminuído, nos últimos
anos.
Com efeito, o problema dos "vazios urbanos" foi particularmente
grave nas décadas de 70 e 80, quando havia, ao mesmo tempo, crescimento
acelerado da população urbana, inflação alta e escassez de alternativas para
aplicações que protegessem o investidor da desvalorização da moeda.
Nessa época, além dos especuladores, muitas pessoas de classe média
compravam imóveis, ainda que não precisassem ocupá-los, para "reserva de
valor", isto é, para se defender da inflação.
Nos anos 90, em muitos municípios, a taxa de crescimento populacional tem
caído, reduzindo os investimentos especulativos baseados na expectativa de
grande demanda por lotes e de valorização rápida dos terrenos, por conta do
crescimento acelerado da cidade. Além disso, a inflação sob controle e as
oportunidades de aplicações financeiras reduziram a demanda de terra para
reserva de valor.
• A urbanização através de assentamentos dispersos no território pode ser
atribuída, pelo menos em parte, à ausência de delimitação criteriosa dos
perímetros legais da área urbana, de expansão urbana e não urbanizável? Isso
ocorre por omissão do Executivo e do Legislativo.
A questão coloca-se porque, desde a promulgação da Lei Federal 6.766/79,
cabe expressamente ao município definir em lei a(s) área(s) destinada(s) à
expansão da cidade-sede e dos núcleos urbanos dos distritos, discriminando
assim a área rural, onde é proibido lotear para fins urbanos.
Caso as autoridades locais tenham definido uma área urbana e de expansão
urbana de extensão muito superior à necessária para abrigar o acréscimo de
população e de atividades econômicas, ou – pior – caso permitam a multiplicação
em área rural de "chácaras" que são, na verdade, loteamentos urbanos,
estão contribuindo para um padrão anti-econômico de urbanização. Não seria
justo, então, responsabilizar apenas os agentes privados pelo problema.
• O cadastro imobiliário do município é confiável? Está atualizado?
Um bom cadastro é a fonte indispensável para as informações que vão
fundamentar a implantação – ou não – do IPTU progressivo, bem como para
acompanhar a situação dos imóveis a que for aplicado, ano a ano.
• A planta de valores em que se baseia o cálculo do imposto territorial
urbano é elaborada levando em conta todos os equipamentos e serviços
disponíveis para os imóveis, nos diferentes setores fiscais? É atualizada toda
vez que há aumento significativo desses benefícios?
Essa verificação justifica-se porque a cobrança correta do imposto
territorial urbano "convencional" já é uma forma de se obter um
retorno, para os cofres públicos, do que foi gasto em equipamentos e serviços
que beneficiam também os imóveis vagos ou subutilizados, bem como de coibir sua
retenção especulativa. Não faria muito sentido adotar alíquotas crescentes no
tempo, partindo de uma base de cálculo do imposto equivocada ou desatualizada.
• O município já está cobrando taxas pela utilização potencial de
serviços públicos específicos e divisíveis, postos à disposição do
contribuinte?
Se a resposta for afirmativa, já estará havendo cobrança aos
proprietários de terrenos ociosos, mesmo por serviços que os imóveis não estão
utilizando de fato.
• Qual é a diferença entre os valores venais dos imóveis e seu valor de
mercado, nos diferentes setores fiscais?
• Partindo da planta de valores e das alíquotas da legislação municipal
em vigor, o acréscimo do imposto em cinco anos chegaria a ser significativo?
Se sim, em que setores fiscais?
Essa avaliação é necessária caso o governo pretenda minimizar o risco de
que o aumento no tempo do IPTU seja insuficiente para estimular o
aproveitamento ou a venda de imóveis não utilizados.
Não teria tanta importância se o objetivo prioritário da comunidade fosse
a desapropriação de terrenos por títulos da dívida pública, visando executar
programas de habitação de interesse social. Em tal caso, entretanto, a desapropriação
como finalidade deveria ser sustentada pela comunidade e não apenas por uma
determinada administração, porque as condicionantes legais, ora em exame,
tornam complicada e demorada essa modalidade de desapropriação.
Em todo caso, é importante que, ao debater o tema, se tenha clareza sobre
a lógica do IPTU convencional e a respectiva mudança no caso do IPTU ser usado
para estimular o aproveitamento dos terrenos.
Definição dos imóveis a que o IPTU progressivo vai ser aplicado –
A tarefa fundamental é uma avaliação da dinâmica de crescimento da cidade
e da legislação urbanística e ambiental (se houver) em vigor, com particular
atenção ao coeficiente máximo de aproveitamento fixado para cada zona e à
respectiva justificativa.
Tendo uma noção clara dos padrões de expansão e ocupação da área
urbanizada e das eventuais restrições ao adensamento decorrentes de requisitos
para a qualidade ambiental, podem ser delimitados os setores da área urbana
legal em que os imóveis desocupados ou subutilizados estarão sujeitos ao
aproveitamento compulsório.
A fase seguinte é a identificação dos imóveis específicos cujos
proprietários serão notificados. Parece lógico dar prioridade aos imóveis
claramente sem uso.
Trata-se de mapear e identificar no cadastro imobiliário os imóveis de
propriedade privada caracterizados como lotes vagos ou glebas não arruadas,
verificando, ainda, se não constituem endereço de atividade para a qual foi
expedida licença de funcionamento.
Desse conjunto, cabe em seguida retirar os terrenos cuja edificação não é
de interesse da coletividade, por estarem contemplados em planos ou projetos de
obras e serviços públicos, com especial atenção a programas de:
– preservação de patrimônio paisagístico ou cultural,
– habitação de interesse social,
– macrodrenagem,
- saneamento,
- equipamentos para lazer ao ar livre.
Com efeito, não seria lógico estimular a construção de benfeitorias em
terrenos que se pretende desapropriar para a futura instalação de parques,
campos de esportes, "piscinões", ou estações de tratamento de esgoto,
por exemplo.
Finalmente, é preciso avaliar – no conjunto de imóveis remanescente – que
proprietários seriam primeiramente notificados porque o motivo mais provável
para a ociosidade de seus terrenos é a especulação imobiliária. O conhecimento
da dinâmica do mercado imobiliário local permitirá estimar para quais imóveis
desocupados e não colocados à venda haveria de fato demanda.
A notificação a proprietários de imóveis subutilizados, isto é, que têm
aproveitamento de intensidade inferior ao mínimo fixado, pode ser deixada para
uma segunda fase, de forma que as autoridades locais possam aproveitar a
experiência da aplicação das normas aos terrenos totalmente vagos.
A DESAPROPRIAÇÃO
Desapropriação - Sanção
Fecha-se o cerco ao proprietário de imóvel que não dá à sua propriedade a
função social estabelecida pelo Plano Diretor.
O instituto da desapropriação é utilizado para permitir ao Poder Público
a transferência de forma compulsória da propriedade privada para o domínio
público, por utilidade, necessidade pública ou interesse social,
constituindo-se num ato administrativo que se inicia pela declaração de
utilidade ou de interesse social dos imóveis atingidos, promovendo a avaliação
dos mesmos, para a realização da justa indenização em dinheiro (CF, art. 5 o,
XXIV), visando à obtenção da adjudicação dos bens ao Poder Público, para a
conseqüente realização do plano de obras e serviços.
No entanto, o artigo 182, § 4 o, III, da Constituição Federal previu que
as propriedades urbanas indicadas no plano diretor que não forem edificadas,
sendo mantidas subutilizadas ou não utilizadas, estão sujeitas a penalidades
cumulativas, que se iniciam pela cobrança do imposto predial territorial urbano
progressivo no tempo, por meio de majoração da alíquota anual, pelo prazo de
cinco anos consecutivos, respeitada a alíquota máxima de 15%.
Decorridos os cinco anos, e se a obrigação de parcelar, edificar ou
utilizar não tiver sido cumprida, o Executivo municipal manterá a cobrança pela
alíquota máxima até que se cumpra a referida obrigação, podendo proceder a
desapropriação-sanção, com pagamento em títulos da dívida pública, previamente
aprovados pelo Senado Federal, resgatáveis em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, no prazo de até dez anos, assegurados o valor real da indenização e
os juros legais de 6% ao ano.
A denominação "sanção" decorre do gravame imputado à
propriedade urbana, por não ter cumprido a sua função social expressa na
Constituição Federal, sendo, por essa razão, lícita a redução da justa indenização.
O valor real da indenização terá como referência a base de cálculo do
imposto predial territorial urbano, sendo descontado o montante incorporado em
função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza,
após a notificação, não sendo cabíveis, pela natureza da desapropriação,
expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
A aplicação desse instrumento, associada à operação urbana consorciada,
seria recomendável para buscar apoio de investimentos privados, especialmente
quando da execução da desapropriação-sanção, que o Executivo municipal terá que
promover o aproveitamento da área expropriada, por seus próprios meios ou por
alienação ou concessão a terceiros, mediante licitação, devendo ser mantidas ao
adquirente do imóvel as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou
utilização.
O Direito de Superfície
O direito de superfície poderia ser uma solução para muitos outros
problemas correntes. Permitiria, por exemplo, que a entidade pública
construtora de habitações populares alienasse ao adquirente apenas a
construção, não o solo que a suporta, que permaneceria na propriedade do Poder
Público. O custo da habitação, nesse caso, seria menor porque excluiria o valor
do terreno e, no futuro, caso o local dessa habitação precisasse ser ocupado
por uma nova avenida ou via de transporte público, por exemplo, o custo da
desapropriação seria apenas o das construções, não o do solo a ser ocupado.
Por outro lado, o instrumento deveria permitir aproveitar o espaço aéreo
dos terminais metroviários, ferroviários ou rodoviários para a construção de
habitações populares, ou de áreas para exploração comercial, às quais não
estaria vinculada uma quota ideal de terreno. Os espaços subterrâneos poderiam
também ser ocupados por garagens, passagens, galerias e centros comerciais.
Enfim, haveria um uso mais intenso do espaço urbano, cujo custo é crescente em
todo o mundo.
Outra utilização do instrumento seria a possibilidade de um proprietário
sujeito á construção compulsória, mas sem recursos para efetivá-la, alienar a
superfície para quem pudesse fazer, mediante um contrato de interesse para
ambas as partes.
Uma questão a ser vislumbrada para o futuro é:
Para o Poder Público, em especial o município, seria de interesse ser
superficiário de alguma área? Seria o caso, por exemplo, de, no alargamento de
uma via já com muitas construções verticalizadas, o Poder Público adquirir
apenas a "superfície" de tais imóveis para penetrar nas estruturas,
sem destruí-las, criando novos passeios? Ou mesmo faixas para veículos?
Plano Diretor e o Direito de Preempção
O artigo 25 diz que o Poder Público municipal (somente) terá preferência
para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.
É o direito de preempção em favor da Administração municipal, visando fins de
interesse urbanístico, ambiental, histórico, artístico, paisagístico, social ou
de utilidade pública.
E será o Plano Diretor que há de delimitar áreas em que incidirá esse direito,
e que também deve fixar prazo de vigência não superior a cinco anos, renovável
a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência. Portanto, a
renovação é por uma única vez e deve obedecer ao interregno de um ano.
Nota-se, aqui, que o Estatuto prevê a existência de um direito de
preempção temporário, e em zonas territoriais previamente definidas por lei
especial. O prazo de cinco anos, renovável após um ano de intervalo, é o mesmo
previsto na Lei de Desapropriações para a eficácia do decreto de utilidade
pública. Se a desapropriação não for intentada nesse prazo, somente após o
decurso de um ano poderá o mesmo bem ser objeto de nova declaração (Decreto-Lei
3.365/41, art. 10).
Durante o prazo de vigência do direito de preempção, este é assegurado
independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel. Deixa-se
claro, portanto, que o Poder Público municipal pode deixar de exercer o seu
direito de preferência numa alienação e efetivá-lo numa outra, em relação ao
mesmo imóvel.
Note-se que a lei municipal que instituir o direito de preempção deve
enquadrar cada área em uma ou mais das finalidades apontadas. Assim, abre-se a
possibilidade de oposição do particular ao exercício da preferência do
município se a lei for omissa a respeito, ou não estar o Poder Público dando o
destino previsto para os imóveis adquiridos.
Por conseguinte, é indispensável que o Poder Público municipal tenha sua
administração preparada para exercer o direito de preempção no exígüo prazo de
30 dias. Consideramos esse prazo excessivamente curto para que o município
possa efetuar a aquisição.
Plano Diretor e a Outorga Onerosa. O Solo Criado
O artigo 28 faculta ao Plano Diretor a fixação de áreas nas quais o
direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento
básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, e o §
1 o define coeficiente de aproveitamento como sendo a relação entre a área
edificável e a área do terreno.
Portanto, a outorga onerosa diz respeito a uma concessão (no sentido
comum), pelo Poder Público municipal, ao particular, mediante pagamento do
direito de construir acima de um coeficiente de aproveitamento básico, sendo
que este poderá ser fixado como sendo único, pelo Plano Diretor, para toda a
zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana (§ 2 o
do art. 28).
Trata-se aqui do "plafond legal" existente na
França e que, entre nós, com o previsto no caput do artigo 28,
denominou-se de "solo criado".
Em todos os países, e sobretudo nos países em desenvolvimento, como é o
caso do Brasil, a ocupação do espaço urbano se faz marcada pelo déficit
habitacional, pela carência de qualidade de infra-estrutura, pela ocupação
desordenada das áreas urbanas, por serviços públicos deficientes, inclusive de
transporte, água, esgoto, etc.
As causas do adensamento populacional urbano e seu inadequado
assentamento devem-se a inúmeros fatores. Entretanto, os fatos falam por si e
demonstram a necessidade de políticas urbanas bem planejadas.
O direito urbanístico é baseado, essencialmente, em duas idéias-forças
fundamentais.A primeira advém do fato de que o direito de propriedade se
transformou (como já vimos). O interesse social deve impor-se sobre o
individual, em sua conformação urbanística. A segunda advém da necessidade de
que, nas edificações, a utilização do solo urbano não pode ficar atrelada às
conveniências eminentemente privadas, ao sabor das conveniências do mercado
imobiliário.
Compreendia-se assim o solo criado como o resultado da criação de áreas
adicionais utilizáveis, não apoiadas diretamente sobre o solo natural. Não se
confunde, no entanto, a noção – mesmo quando nesses termos entendida – com a
ocupação do espaço aéreo, visto que pode haver ocupação de espaço aéreo sem
criação de solo; seria o caso de construção de uma torre de grande altura, sem
pavimentos intermediários, ou da nave de uma catedral gótica, também de grande
altura, mas sem nenhum plano utilizado no intermediário. Por outro lado, pode
haver criação de solo sem ocupação do espaço aéreo: seria o caso das
construções no subsolo, que ocupam um espaço subterrâneo.
Quando estivéssemos diante de aquisições ao Poder Público, poderiam ser
pagas em dinheiro ou mediante permuta por áreas de terreno destinadas à
preservação de áreas verdes, do patrimônio histórico e artístico, à criação de
áreas de lazer, etc.
Acreditamos que, em virtude dos poderosos interesses econômicos
envolvidos, é imprescindível que somente por intermédio de lei (em sentido
formal e material), com claros critérios, a Administração Pública
"transacione" direitos de construção em seu relacionamento com o
particular.
A primeira questão que vem à mente, diz respeito ao conceito e extensão
das áreas enunciadas no projeto. Toda e qualquer "área" municipal
pode ser passível de receber a norma em tela? Verifica-se que, até logicamente,
o programa legislativo pressupõe que os municípios estejam dotados de um Plano
Diretor atualizado, moderno, que efetivamente atenda ao desenvolvimento da
cidade.
Logicamente, deve-se, em primeiro lugar, verificar se o zoneamento
municipal está bem estruturado, se atende com razoabilidade às demandas do
desenvolvimento urbano. Nesse contexto é que se insere a alteração proposta.
Após essa verificação, e implementação (caso necessária), passa-se à utilização
do instrumento proposto, como uma das novas alternativas urbanísticas.
Essa característica – estreita vinculação com o zoneamento (atualizado,
adequado, legítimo) –, é constante em todo o capítulo analisado. Creio que há
grande risco em tentar aplicar os novos instrumentos, sem que, antes, haja um
diagnóstico preciso dos problemas urbanos municipais. A negociação e pressão
política na implementação dos novos instrumentos, sem que antes seja realizado
o diagnóstico da "ordenação urbana", poderia levar a graves
distorções.
A regra de ouro para o provável sucesso da proposta está, insistimos, na
conformação democrática e legítima do espaço urbano, sem o que o instrumento
torna-se perigoso, seja porque a Administração Municipal poderá usá-lo como
"moeda" de negociação política, com a câmara ou com a sociedade
empresarial, seja em virtude de falta de autoridade, que poderá levar ao mesmo
resultado, um "balcão de negócios" imobiliários.
Nesse sentido, o §2º do artigo 28 dispensa maiores comentários. São
exatamente os urbanistas, a comunidade local, os técnicos e a Administração
Municipal, respeitado o princípio participativo, as pessoas competentes para
definir com responsabilidade se adotaram coeficiente único ou diferenciado,
respeitadas as peculiaridades locais.
O §3º já indica os critérios que informam as decisões. A
proporcionalidade entre solos e equipamentos públicos e solos privados deve ser
respeitada.
A proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de
densidade esperado em cada área não pode ser o único critério que informará o
legislador municipal. Ele é insuficiente na tentativa de equilibrar a proporção
entre áreas públicas e privadas, a não ser que nele também possamos inserir o
conceito de "redistribuição" urbanística.
Entendemos por "redistribuição urbanística" a adoção de uma
política que consiga captar mais-valias imobiliárias nas áreas de grande
investimento, de modo a possibilitar o financiamento de projetos sociais (áreas
verdes, parques, centros de lazer, e, sobretudo, habitação).
Ademais, seria interessante imaginar-se a criação de um Fundo Municipal
de Desenvolvimento, com o intuito de gerir os recursos auferidos com a venda do
solo criado, fundo este com composição democrática e paritária, que
efetivamente controlasse a aplicação dos recursos e, sobretudo, os critérios de
desenvolvimento urbano municipal.
O artigo 30 já oferece as condições a serem observadas para outorga onerosa
do direito de construir, estabelecendo em que hipóteses poderá se dar a
"contrapartida do beneficiário": ativos financeiros, bens imóveis,
execução de obras e serviços relevantes para o desenvolvimento urbano
municipal, e créditos relativos a indenizações não pagas pelo município.
Operações Urbanas Consorciadas
A adoção de novos instrumentos de política urbana nas cidades, como as
operações de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada, vincula-se
certamente ao surgimento de um novo modo de pensar e agir sobre o espaço
urbano, que vai ganhando corpo nas gestões municipais na década de 1980, seja
pelo esgotamento dos modelos de planejamento urbano, seja pelo escasseamento de
recursos financeiros para viabilizar obras urbanas, ou pela combinação dessas
duas circunstâncias.
Finalmente, com a promulgação da nova Constituição brasileira, que
incluiu um capítulo de Política Urbana – artigos 182 e 183 –, introduzindo o
conceito de função social da propriedade. É importante assinalar que esse
avanço reflete um novo padrão de política urbana que se configura na década,
fundamentado nas seguintes orientações:
a) instituição da gestão democrática da cidade, visando ampliar o espaço
da cidadania e aumentar a eficácia/eficiência da política urbana;
b) reformas nas relações intergovernamentais, através da municipalização
da política urbana e nas relações governo-cidadão;
c) fortalecimento da regulação pública do solo urbano, com a introdução e
novos instrumentos de política fundiária, como o solo criado, imposto
progressivo sobre a propriedade, usucapião especial urbano e outro, em sintonia
com os princípios da função social da propriedade imobiliária e da justa
distribuição dos custos e benefícios da urbanização;
d) inversão de prioridades no tocante à política de investimentos urbanos
que favoreça as necessidades coletivas de consumo das camadas populares.
Embora tais perspectivas estejam referidas a uma dimensão de reforma da
política urbana bem mais abrangente, pode-se afirmar que as operações de
parceria entre os setores público e privado, como as Operações Urbanas
Consorciadas, ou, simplesmente, Operações Urbanas, são um importante
instrumento para a alavancagem de um novo modo de gestão dessas políticas,
diferenciando-se em muitos aspectos do zoneamento, embora possa utilizá-lo como
referência.
Primeiramente, é preciso ter presente que uma Operação Urbana, de forma
oposta ao zoneamento, permite ao Poder Público recuperar para si a valorização
que os imóveis adquirem com a elevação de coeficientes de aproveitamento do
solo, valorização esta que, em ambos os casos, é induzida pelo próprio Poder
Público. Entretanto, nessas operações de parceria, o aumento nos índices de
aproveitamento de um terreno é oneroso, ou seja, há uma contrapartida a ser
paga pelo seu proprietário ao Poder Público em troca dessa concessão.
Esse mecanismo de reversão dos recursos à municipalidade confere às
Operações Urbanas um caráter redistributivo, na medida em que ingressos
oriundos do setor privado venham a ser aplicados em obras, melhorias,
equipamentos ou programas de interesse da coletividade.
Além disso, mais flexível que o zoneamento – que é um instrumento mais
genérico – permite adequar a utilização do lote às condições específicas de sua
localização.
Acredita-se que esse novo instrumento deverá encontrar bastante
receptividade por parte dos governos municipais das cidades que eventualmente
não o tenham ainda aplicado, por trazer a possibilidade de viabilizar obras e
melhorias de interesse público com os recursos provenientes do setor privado.
Ao mesmo tempo, abre a perspectiva de estabelecer-se novas formas de
relacionamento entre o Poder Público e os setores da sociedade envolvidos, mais
participativas.
Nesse sentido, a iniciativa de inclusão das Operações Urbanas
Consorciadas, como um dos instrumentos da política urbana no denominado
Estatuto da Cidade – é bastante positiva, em vista de seu alcance na
implementação de políticas de desenvolvimento urbano.
Uma Operação Urbana, é um tipo de ação conjunta entre os setores público e
privado, visando permitir a reurbanização ou a ocupação de áreas ainda
disponíveis, com o aproveitamento pleno da capacidade de iniciativa e
investimentos particulares, buscando atender ao interesse público.
Poderão ser objeto de Operações Urbanas porções do território onde a
previsão ou realização de novos investimentos vá ocasionar valorização do
imóveis atingidos, mas também áreas que necessitam de revitalização ou que
estejam sujeitas a diretrizes especiais de preservação.
Como cada Operação Urbana é um plano para uma área específica, é possível
estudá-la em função das características que apresenta e do tipo de intervenção
pretendido (renovação, preservação, etc.); porém, para lograr êxito na
consecução dos objetivos, é preciso definir uma estratégia capaz de despertar o
interesse da iniciativa privada, para que esta venha efetivamente a custear a
implantação de obras, melhorias ou equipamentos de interesse público.
De forma geral, a viabilidade econômica da intervenção pretendida irá
depender do interesse de investidores privados em adquirir da municipalidade
direitos adicionais à legislação municipal, já que o principal instrumento de
geração de recursos na Operação Urbana é a concessão onerosa de modificações à
legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, sempre orientada por um
estudo urbanístico, definido a partir de objetivos e diretrizes de intervenção.
Através desse mecanismo, os proprietários de imóveis abrangidos pela
Operação Urbana e que tenham interesse em participar da ação podem solicitar,
por exemplo, potencial de construção excedente aos limites estabelecidos pelo
zoneamento, o qual poderá ser outorgado pela prefeitura mediante o pagamento de
contrapartida financeira.
O pagamento da contrapartida, sempre calculada com base na estimativa de
valorização que os imóveis adquirem com tais concessões, poderá ser realizado
na forma que a lei estabelecer, ou seja, em obras ou em moeda corrente
nacional; neste último caso, os recursos deverão sempre vincular-se a uma conta
e fundo específicos da operação, e destinar-se às finalidades ali previstas. O
pagamento também poderá realizar-se por meio de certificados de potencial
adicional de construção.
Apontados os pontos principais, para cada município ou para cada situação
particular dentro do mesmo município, a legislação específica poderá definir a
estratégia mais adequada a cada caso. Por outro lado, um dos limites do
instrumento condiciona-se à existência de uma dinâmica imobiliária ativa, ao
interesse de participação do setor privado na Operação Urbana. Por isso, áreas
mais dinâmicas do ponto de vista da atividade imobiliária podem ser
aproveitadas para captação de recursos extras, remanejados para áreas que
necessitam de intervenção e que não oferecem tantos atrativos para esse
segmento de investimentos. Desse ponto de vista, a obrigatoriedade de
utilização dos recursos arrecadados unicamente na própria Operação Urbana,
conforme propõe o projeto de lei do Estatuto da Cidade, poderá inibir esse tipo
de ação, ou o da criação de um Fundo de Desenvolvimento Urbano, solução que
talvez seja mais adequada a alguns municípios, em especial os que apresentam
maior heterogeneidade entre regiões.
De qualquer modo, o êxito de uma Operação Urbana estará vinculado a
outros fatores, que vão além da existência do interesse de determinados setores
em participar da ação, ou do acerto de critérios técnicos adotados na
elaboração do plano.
Um deles é, certamente, lograr estabelecer um controle eficaz sobre toda
a gestão da Operação Urbana, ou seja, desde a aprovação de cada proposta até a
destinação final dos recursos dali gerados.
Aliás, entende-se que esse aspecto está presente no Estatuto da Cidade,
no inciso VII do artigo 33, segundo o qual deverá constar da lei específica que
aprovar a Operação Urbana a forma de controle da Operação, que deverá ser
obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil.
Evidentemente, surgirão questões ou resistências, muitas vezes vinculadas
ao sentimento de identidade, de pertencimento à localidade, que devem ser
compreendidas e avaliadas perante as necessidades da cidade como um todo. Por
um lado, é preciso respeitar e preservar as relações de identidade dos
moradores com a localidade, com "seu" bairro, e, por outro, é preciso
ter sempre presente a dimensão de cidade, da qual o bairro e os moradores
também fazem parte. Outros tipos de questões poderão surgir, relacionadas ou
não à comunidade local.
Na verdade, os conflitos jamais deixarão de existir nas cidades, e eles
são até mesmo saudáveis para o exercício da democracia. No entanto, para que
esse exercício de fato aconteça, é fundamental que haja espaços institucionais
onde possam ser explicitadas dúvidas, divergências consensos, enfim, onde possa
travar-se o diálogo entre os diferentes interesses e pontos de vista
envolvidos.
Pré-requisitos para a Implantação de Operações Urbanas Previstos no
Estatuto da Cidade
O projeto de lei impõe seis pré-requisitos para o estabelecimento de
determinada Operação Urbana:
• Lei municipal específica – Para tanto, deverá ser observado o rito
estabelecido na lei orgânica do respectivo município. É preciso, ainda,
utilização fica sujeita ao controle social, definido como garantia da
participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
Vale à pena lembrar que não existe hierarquia de leis por níveis da
federação – lei federal, lei estadual, lei municipal. Existe matéria reservada
a cada nível.
• Fundamento no Plano Diretor – O cuidado do projeto de lei é
evitar a instituição de Operações Urbanas que não se destinem a atender
interesses urbanísticos, sejam eles coletivos ou difusos. Por isso, obriga a
sua vinculação ao Plano Diretor, que, por força constitucional, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento urbano.
• Participação Comunitária. Investimento Privado. Coordenação do Setor
Público Municipal – A comunidade é representada pelos proprietários,
moradores e usuários permanentes da área, considerado o perímetro atingido pela
Operação Urbana no momento de sua implantação, e o perímetro de
determinada sub-área ou do terreno quando da apreciação das propostas de
adesão à Operação Urbana.
Investidor privado é o empreendedor que pode se confundir com o
proprietário do terreno. Nesse sentido, o projeto de lei melhor diria se
referisse o investimento de terceiros, uma vez que o parceiro do Poder Público
municipal, além do investidor privado, pode ser também uma empresa de capital
público ou uma outra entidade governamental.
O Poder Público municipal deve exercer a coordenação, diretamente ou
mediante delegação a uma entidade de Administração indireta, como uma Empresa
Municipal de Urbanização.
• Finalidade urbanística – O objetivo, diz o projeto de lei, é
alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a
valorização ambiental. O escopo é amplo, mas a cada Operação Urbana serão
fixados objetivos específicos, como a implantação de sistema viário local, o
estabelecimento de determinado desenho urbano, a implantação de um programa de
obras, a ampliação de espaços públicos, áreas verdes ou equipamentos coletivos,
o incentivo à ocupação de áreas vazias, para melhor aproveitamento da
infra-estrutura existente, a preservação e restauração do patrimônio histórico,
cultural e ambiental e muitos outros.
• Vinculação da contrapartida – A contrapartida referida, que pode
ser financeira, em bens imóveis e em obras públicas, deve ser aplicada dentro
do perímetro da Operação Urbana. Assim, os recursos aplicados voltam na forma
de benefícios para a comunidade local. O estabelecimento de novos padrões
edilícios de uso, ocupação eparcelamento do solo, via permissão de exceções ao
Código de Edificações e à Lei do Zoneamento, justifica-se por propiciar o
desenvolvimento da região de modo equilibrado, garantindo os padrões ambientais
adequados.
ZONEAMENTO AMBIENTAL
A AUTONOMIA MUNICIPAL NA CONSTITUIÇÃO
A Constituição de 1988 inovou no cenário brasileiro na área do
Direito Ambiental, abrindo novos espaços para as ações de proteção ao meio
ambiente e, no que se refere aos direitos e garantias individuais, à
organização do Estado, tributação, e ainda à ordem econômica e social do País.
A autonomia municipal, definida pelos artigos 18,29 e 30 da CF,
significa, genericamente, que o Município tem poder de gerir os seus próprios
negócios. A autonomia do Município, portanto, tem por base a sua capacidade de
auto-organização e de auto-governo, por meio de ações normativas, isto é,
elaborando sua própria legislação nas áreas de sua competência exclusiva,
suplementar ou comum às demais unidades federadas e, implementando sua
auto-administração, ou seja, assumindo uma administração própria, especialmente
para manter e prestar serviços de interesse local.
O artigo 30 da CF relaciona as competências normativas que cabem
unicamente ao Município, entre as quais merecem destaque:
a)legislar sobre assuntos de interesse local;
b)suplementar, no que couber, a legislação estadual e federal;
c)promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
E temos, no artigo 225 da CF:
"Art.
225. Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º. Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os
processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a
integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas
à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as
unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de
lei. Vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V – controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade".
A Constituição Estadual de Minas Gerais, publicada em 21 de setembro de
1989, veio, por sua vez, consolidar os princípios estabelecidos na Constituição
da República. Em seu capítulo IV, atribuiu autonomia política, administrativa e
financeira ao Município, tendo-lhe delegado competências como por exemplo "legislar
sobre a preservação dos recursos naturais em caráter regulamentar, observadas
as peculiaridades dos interesses locais e as normas gerais da União e as
suplementares do Estado", desde que não seja menos restritivo que o
Estado e a União.
O zoneamento ambiental é um dos instrumentos de maior importância
da Política de Desenvolvimento Urbano, posicionado em terceiro lugar, logo após
o Plano Diretor e a Disciplina do Parcelamento, do Uso e da Ocupação do Solo.
O zoneamento ambiental é o instrumento de gestão adequado para dirimir os
conflitos gerados pelo desenvolvimento simultâneo de várias atividades impactantes
numa dada região, além de regulamentar a preservação dos recursos naturais.
Ao identificar as áreas representativas dos ecossistemas, ele retrata o
perfil ecológico-territorial, e explicita as atividades, usos e tipos de
ocupação que devam ser vedados, condicionados ou permitidos nas diversas áreas.
Os dados tornam possível reconhecer a realidade ambiental na região e
estabelecer modos de convivência da comunidade com o meio ambiente.
O zoneamento ambiental deve ser estabelecido pelo Município e integrar-se
à legislação urbanística, subsidiando a elaboração do Plano Diretor,
instrumento básico e referencial do planejamento municipal.
O planejamento territorial engloba o zoneamento urbano e rural e deve Ter
cunho ambiental. O zoneamento industrial é licenciado ambientalmente pela União
e pelos Estados, embora também o Município possa e deva promovê-lo em seu
território, desde que respeitadas as normas ambientais em vigor.
O estabelecimento de normas de uso e ocupação do solo é crescentemente
exigido por empreendimentos que têm interesse em manter o padrão de qualidade
de seus produtos, induzindo à formalização de compromissos dos governos
estadual e municipal, com o objetivo de restringir a instalação de atividades
poluidoras em seu entorno.
Pode ser valioso para prevenir os danos decorrentes das inundações,
deslizamentos de encostas e outros prejuízos sociais e econômicos ocasionados
pelo uso inadequado do solo. Além disso, atende a necessidades de segurança
aeroviária, evitando localizar próximos de aeroportos atividades que possam
comprometer a segurança dos vôos.
Em resumo, o Estatuto da Cidade é o instrumento normativo mais eficaz,
completo e promissor para todos os Municípios que desejarem estar inseridos no
contexto das novas propostas de desenvolvimento sustentável do século XXI.
* Consultora jurídica, coordenadora na implantação de
legislação municipal relativa ao Estatuto da Cidade.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3899>. Acesso em: 08 ago. 2006.