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A
proteção do patrimônio cultural. Competências constitucionais municipais e o
direito de construir regulado pela Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade)
Francisco Luciano
Lima Rodrigues *
Sumário:1- Introdução. 2 - O significado da
proteção do patrimônio cultural pelo Poder Local para a implementação da
Democracia Constitucional. 3 - Competência Legislativa do Município para
preservação do patrimônio cultural. 4 - O direito de Construir como
instrumentos jurídicos contido no Estatuto da cidade e sua utilização na
preservação do patrimônio cultural contidos no Estatuto da Cidade (Lei
10.257/01). 5- Conclusões. 6- Bibliografia.
1. Introdução
O presente trabalho sob o tema - A Proteção do
Patrimônio Cultural - competências constitucionais municipais e o direito de
construir regulado pela lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) está traçado
sobre três partes.
A primeira abordará o aspecto do significado da proteção
do patrimônio cultural pelo Poder Público para a implementação da Democracia
Constitucional.
Nesta parte, será objetivado a análise do dispositivo
constitucional contido no artigo 216, parágrafo 1o. da Carta
Política em que a obrigação de promover a proteção do patrimônio cultural é do
Poder Público com a participação da comunidade e as conseqüências desta
participação popular para a efetivação de uma democracia com participação
direta do povo.
Na segunda parte será analisado o aspecto da competência
legislativa do município e a proteção do patrimônio cultural, abordando, como
ponte central do trabalho, a abrangência da expressão interesse local frente a
autonomia municipal, bem como a questão da autonomia municipal, verificada a
possibilidade do Município legislar sobre proteção do patrimônio cultural.
Por último, serão abordados os instrumentos jurídicos de
política urbana enumerados pelo Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01 e que
poderão ser utilizados na preservação do patrimônio cultural, dentre eles, o
direito de construir nas suas formas de transferência e outorga onerosa.
2.O significado da proteção ao patrimônio cultural
pelo Poder Local para a implementação da democracia constitucional
É marcante na Constituição Federal de 1988 a intenção do
constituinte em ressaltar a importância da proteção do patrimônio cultural
nacional, indicando a obrigação do Estado em garantir o pleno exercício dos
direitos culturais, bem como, garantir o acesso às fontes da cultura nacional.
Aspecto importante na proteção constitucional ao patrimônio
cultural nacional é o fato da participação da comunidade, juntamente como o
poder público, no desempenho das formas legais de proteção.
Pelo disposto no artigo 216, parágrafo 1o. da Constituição
Federal, pode-se compreender que o poder público levará em consideração o
entendimento comunitário do que seja importante para a preservação do
patrimônio cultural. O referido artigo indica que a política de preservação do
patrimônio cultural deve ser democrática, participativa e aberta a todos os
setores sociais que através de mecanismos de proteção terá a sua memória
individual protegida pela preservação da memória plural.
A participação da comunidade nos atos de proteção do
patrimônio cultural pode ocorrer por duas formas: a primeira, pela participação
da comunidade organizada nos conselhos de cultura e nos organismos que decidem
os objetos material ou imaterial a serem preservados; a segunda é traduzida
pela utilização de mecanismos legais, tais como a ação popular para coibir os
atos políticos que ponham em riscos os valores de importância cultural definido
pela coletividade.
De par com a contribuição da comunidade para a preservação
do patrimônio cultural, o Estado poderá utilizar formas de preservação através
de isenções fiscais aos proprietários de bens culturais de interesse da
coletividade, bem como, favorecer a participação dos grandes grupos econômicos
no financiamento de trabalhos que visem a identificação de bens de interesse
cultural.
A Constituição Federal de 1988 evoluiu em comparação as
anteriores e definiu com forte delimitação a importância da preservação do
patrimônio cultural considerando, inclusive, passível de punição, os danos e
ameaças ao patrimônio cultural.
É, ainda, de se ressaltar que a Constituição Federal de
1988 no artigo 216, "caput" definiu em que se constitui o patrimônio
cultural brasileiro, afirmando que dele fazem parte os bens de natureza
material e imaterial, tomados de forma individual ou coletiva, que sejam
portadores de referência à identidade, à nação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira e nos quais se incluem: - as formas de
expressão; - os modos de criar, fazer e viver; - as criações científicas,
artísticas e tecnológicas; - as obras, objetos, documentos, edificações e
demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; - os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
A preservação do patrimônio cultural na forma estabelecida
na Constituição Federal traduz a necessidade de uma política de preservação e
não simplesmente a enumeração dos mecanismos legais de preservação.
Neste sentido, afirma Fonseca (1) que uma
política de preservação do patrimônio abrange necessariamente um âmbito maior
que o de um conjunto de atividades visando à proteção de bens. É imprescindível
ir além e questionar o processo de produção desse universo que constitui um
patrimônio, os critérios que regem a seleção de bens e justificam sua proteção;
identificar atores envolvidos nesse processo e os objetivos que alegam para
legitimar o seu trabalho; definir a posição do Estado relativamente a essa
prática e investigar o grau de envolvimento da sociedade. Trata-se de uma
dimensão menos visível, mas nem por isso menos significativa, das políticas de
preservação.
Continuando o assunto, afirma Fonseca que no caso de
patrimônio histórico e artístico nacionais, o valor que permeia o conjunto de
bens, independentemente de seu valor histórico, artístico, etnológico etc., é o
valor nacional, ou seja, aquele fundado em um sentimento de pertencimento a uma
comunidade, no caso, a nação.
Observa-se, ainda, que o sentido traduzido pelos artigos
215 e 216 da Constituição Federal é da necessidade de uma política de
preservação que garanta aos cidadãos o direito á cultura, esta entendida como
os valores pelos quais se reconhece uma nação.
Ainda neste sentido, pode-se afirmar que o meio ambiente,
nele inserido o patrimônio cultural, é um dos elementos contribuidores para o
alcance da dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil.
A inclusão da dignidade da pessoa humana como um dos
elementos fundamentais da República é, no entendimento de Bonavides (2),
uma exigência e imperativo de elevação institucional e de melhoria qualitativa
das bases do regime e traduz a importância que o constituinte lhe atribuiu,
colocando-o no mesmo patamar dos princípios da soberania, da cidadania, do
pluralismo, do reconhecimento social e axiológico ao trabalho e á livre iniciativa,
classificados, também, como componentes medulares do sistema constitucional de
poder.
O significado da proteção do patrimônio cultural pelo
poder local e a sua importância para a implantação da Democracia Constitucional
é marcada pela possibilidade maior, por parte do Município, de preservar a
identidade cultural do povo e alcançar o sentimento do povo.
No Município, por sua própria condição, por ser nele aonde
residem os cidadãos, tem a capacidade de materializar, com maior eficiência, o
disposto no artigo 216, parágrafo 1o. da Constituição Federal, que atribuí ao
poder público, com a colaboração da comunidade, a proteção do patrimônio
cultural.
Pode-se afirmar, por fim, que, no tocante a proteção do
patrimônio cultural, é no Município onde as formas democráticas do modelo
participativo direto são mais evidentes e, dessa forma, se cumpre o princípio
da dignidade da pessoa humana por meio do resguardo da identidade coletiva do
povo.
3. Competência legislativa do município e proteção
do patrimônio cultural
Não é pacífico o entendimento que tenha o Município
competência legislativa para editar normas de proteção ao meio ambiente,
incluindo, neste caso as de proteção ao patrimônio cultural.
Afirma o artigo 23 da Constituição Federal que compete, de
forma comum, à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal
realizarem a proteção, dentre outros, dos documentos, das obras e outros bens
de valor histórico artístico e cultural.
Observe-se que esta competência não é para legislar e,
sim, para executar medidas de proteção em atendimento a normas legais de
proteção ao patrimônio cultural.
A possibilidade do município legislar sobre normas de
proteção do patrimônio cultural está contida no artigo 30, I, da Constituição
Federal quando afirma que compete ao Município legislar sobre matérias de
interesse local.
Primeiramente, é de se afirmar que o dispositivo contido
no artigo 30 da Constituição Federal é norma constitucional de eficácia plena e
aplicabilidade imediata, vez que atua de pronto, no instante em que for
incluída no tecido constitucional. Normas desta natureza, conforme ensina José
Afonso da Silva (3), dispensam norma inferior, que as torne
executáveis, para que possam produzir efeitos.
De par com a eficácia plena e aplicabilidade imediata, o artigo
30 da Constituição Federal materializa a abrangência do termo autonomia
municipal. Neste sentido, afirma Bonavides (4) que a
explicitação feita pela Carta de 1988 acerca da autonomia municipal alcança uma
abrangência jamais lograda no direito positivo das Constituições antecedentes.
Argumenta, ainda, Bonavides, que a combinação do artigo 29 que trata da
necessidade de lei orgânica para reger o Município, com o artigo 18 pelo qual o
Município de parte integrante da Federação juntamente com a União e os Estados
e, por fim, com o conteúdo do artigo 30 definindo as competências do Município,
todos da Constituição Federal, formam a pedra angular da compreensão da
autonomia municipal.
Ainda sobre a abrangência da autonomia do Município na
Constituição Federal, afirma Bonavides (5) que o município, como
parte integrante de uma organização federativa, nunca esteve tão perto de
configurar aquela realidade de poder - o chamado pouvir municipal -
almejado por uma parcela de publicistas liberais dos séculos VVIII e XIX,
quando na Constituição brasileira de 1988.
Continuando seus argumentos sobre a abrangência do termo autonomia
municipal, ensina Bonavides (6) que a concepção política desse
poder transitou de uma modalidade "política" e abstrata,
historicamente frágil e passageira, não obstante sua amplitude teórica, para
uma versão mais sólida, porém menos larga, ou politicamente menos ambiciosa, a
qual, em compensação, lhe confere, dentro de quadros formais rígidos, uma
superior conotação de juridicidade institucional, de máxima autonomia possível.
Retomando o conteúdo do artigo 30 da Constituição Federal
para analisar a possibilidade do Município legislar sobre normas de proteção do
patrimônio cultural, faz-se necessário, verificar a abrangência do inciso I, do
citado artigo 30, quando se refere a possibilidade do município legislar sobre
assuntos de interesse local.
O alcance da expressão interesse local será
decisivo para a defesa do entendimento de que cabe ao município legislar sobre
matéria ambiental, particularmente, acerca da proteção do patrimônio cultural.
A discussão acerca conteúdo da expressão interesse local
não é recente, tendo, neste sentido, se manifestado Pimenta Bueno (7)
afirmando que a natureza do poder municipal revela quais devam ser suas atribuições
essenciais. Tudo quanto respeita especialmente à sociedade local, tudo quanto
não for de interesse provincial ou geral, deve ser atribuído ao conselho da
família municipal. É justo e conveniente que esta associação se governe como
melhor julgar, em tudo quanto esta liberdade não ofender os outros municípios
ou os interesses do Estado.
A expressão interesse local não significa interesse
privativo do município, mas, sim, interesse prevalentemente local, atendendo,
assim, às necessidades locais, ainda que tenham alguma repercussão sobre as
necessidades gerais do Estado. Neste sentido, assevera Sampaio Dória (8),
que, de certo modo, todos os interesses são comuns; podem, no entanto, ser
peculiares a esta ou aquela entidade, na medida em que lhes aproveitam
diretamente, e só reflexamente às demais.
O interesse que a Constituição, em seu artigo 30,I,
assegura como competência legislativa do município é aquele que diz respeito
aos aspectos peculiares, próprios daquela coletividade.
Posicionando-se contra a possibilidade do Município editar
normas de proteção ambiental, especialmente, no tocante a proteção do
patrimônio cultural, afirma Ellen de Castro Quitanilha (9) que ao
Município compete proteger, impedir, preservar, zelando o cumprimento de leis
editadas pela União ou pelos Estados, mas, nunca legislar sobre meio ambiente.
Em sentido contrário, assevera Machado (10) que
seria possível a edição de normas legais pelo Município a respeito de meio
ambiente com base no interesse local, artigo 30,I da Constituição Federal, que
não se caracteriza a exclusividade, mas sim, pela predominância de interesse.
Na mesma linha de entendimento de que o Município poderá
editar normas de proteção ao meio ambiente, incluindo, neste caso, as normas de
proteção do patrimônio cultural, afirma Toshio Mukai (11) que a
competência do Município é sempre concorrente com a da União e a dos Estado,
podendo legislar sobre todos os aspectos do meio ambiente, de acordo com sua
autonomia municipal ( art.30 da CF), prevalencendo sua legislação sobre
qualquer outra desde que inferida do seu predominante interesse: não
prevalecerá em relação às outros legislações, nas hipóteses em que estas forem
diretamente inferidas de sua competências privativas, subsistindo a do
Município, entretanto, embora observando as mesmas.
Especificamente sobre a possibilidade do Município
legislar sobre normas de proteção do patrimônio cultural, entende Rodrigues
(12) que a competência concorrente do Município decorre da interpretação
conjunta do artigo 216,parágrafo 1o., com o artigo 30, IX, da Constituição
Federal. Cabe ao Município promover a proteção cultural dentro da área sob a
sua administração, observando a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual, ou que deva copiá-la, ferindo sua tradicional autonomia
constitucional para assuntos locais. O que o Município não pode é desrespeitar
a legislação de proteção estadual e federal que sobre ele recaia protegendo
bens culturais em seu território.
Observa-se, ainda, que cabe ao município, por disposição
constitucional contido no artigo 30,I da Constituição Federal, legislar sobre
matéria de interesse local.
No tocante a normas de proteção ambiental, especialmente,
as de proteção ao patrimônio cultural, é possível a sua edição baseada no
princípio da autonomia municipal. No entanto, tais normas somente poderão ser
editas e, assim, não ferir a repartição constitucional de competências, quando
o objeto a ser protegido seja de interesse restritamente local. Caso contrário,
sendo o objeto a ser protegido de interesse, pelo menos regional, falece
competência do Município para editar normas de proteção.
Por fim, ressalte-se o entendimento de José Afonso da
Silva (13) acerca da competência legislativa dos municípios em
matéria cultural, quando afirma que os municípios como se vê no caput do
artigo 24, não estão contemplados nas regras de competência concorrente. Mas
eles, a rigor, não estão fora inteiramente desse contexto, por que é prevista
competência para a proteção da cultura. Ora, tendo em vista isso e mais as
normas de distribuição de competência a eles no artigo 30, pode-se afirmar que
lhes restam área de competência concorrente. A eles cabem legislar
suplementarmente à legislação federal e estadual no que couber (art.30,I), vale
dizer, naquilo em que se dá a eles possibilidade de atuar; esse aspecto está
consignado no mesmo artigo 30,IX, onde se lhes dá a competência para promover a
fiscalização do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e
a ação fiscalizadora federal e estadual. Aí está: se se reconhece a existência
de um patrimônio cultural local, que só pode ser patrimônio cultural municipal,
então é que, por essa via, se lhes pode outorgar competência legislativa para
normatizar sobre tal patrimônio.
4.O direito de construir como instrumento jurídico
contidos no Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01 e sua utilização na proteção do
patrimônio cultural.
4.1 - O direito de construir na lei 10.257/01
A lei 10.257/2001 faz duas referências ao direito de
construir. A primeira no artigo 28, quando possibilita a outorga onerosa do
direito de construir e a segunda, no artigo 35, quando oferece a possibilidade
da transferência do direito de construir para ser alienado ou exercido em outro
local diferente do imóvel.
As duas hipóteses do exercício do direito de construir
fora do imóvel são exceções ao princípio de que o direito de construir esteja
fundamentado no direito de propriedade e dele seja inerente.
A análise da possibilidade de transferência do direito de
construir pode ser considerada como possibilidade jurídica a partir do fato de
que na lei 10.257/2001 o legislador instituiu e regulamentou o direito de
superfície, destacando-o do direito de propriedade, elevando-o a qualidade de
direito real.
O que de mais importante se pode verificar pela inclusão
do direito de superfície dentre os instrumentos jurídicos de implementação da
política urbana é a possibilidade de se ter uma construção em solo alheio.
A importância do direito de superfície foi abordado por
Orlando Gomes (14) quando afirma que a superfície é o direito real
de ter uma construção ou plantação em solo alheio. Afirma, ainda, Gomes que ao
se construir, opera-se uma cisão nas faculdades elementares do domínio: o solo
continua a pertencer ao proprietário que concede o direito de superfície e o
titular deste direito é dono da construção sobre ele levantada.
A respeito da possibilidade de transferência ou de outorga
onerosa do direito de construir não se pode perder de vista que utilização
destes instrumentos de política urbana necessita de sua provisão no plano
diretor ou na legislação urbanística da cidade, visto que o disposto na lei
10.257/2001 é apenas regras gerais e que não são aplicáveis ao município sem a
existência de diploma legal municipal.
4.2 - Outorga onerosa do direito de construir
É instrumento jurídico de política urbana pelo qual o
proprietário poderá exercer o direito de construir acima do coeficiente de
aproveitamento básico adotado pelo Plano Diretor ou pela lei específica
municipal.
A própria lei 10.257/2001 no seu artigo 28, parágrafo 1o.
define coeficiente de aproveitamento como sendo a relação entre a área
edificável e a área do terreno.
O coeficiente de aproveitamento é definido pelo Plano
Diretor e poderá ser apenas um para todo o território do município ou mais de
um de acordo com as peculiaridades da região.
A este coeficiente estão submetidos todas pessoas, sejam
direito público ou de direito privado, inclusive o próprio município que para
utilizar-se do direito de construir deverá, obrigatoriamente, submeter-se as
regras do coeficiente de aproveitamento.
A utilização da outorga onerosa do direito de construir
exige, dentre outros critérios de ordem legal, a necessidade de contraprestação
por parte do beneficiário.
A outorga do direito de construir compete ao Município e,
em contrapartida o beneficiário deverá efetuar o pagamento em dinheiro, em bens
ou em serviços.
Deve-se ressaltar que a transação referente ao direito de
construir deverá ser realizada entre o proprietário do terreno e o Município.
Tal operação não se confunde com a transferência do direito de construir
contida no artigo 35 da Lei 10.257/2001 que ocorre hipóteses específicas e
motivadas pelo interesse público localizados.
Por fim, observe-se que a outorga onerosa do direito de
construir foi limitada, quanto a utilização dos recursos auferidos pelo
Município, as finalidades contidas no artigo 26, incisos I a IX que tratam das
hipóteses da utilização do direito de preempção pelo Município. Esta imposição
de uma utilização específica para os recursos arrecadados com a outorga onerosa
do direito de construir possibilitará o mau uso do instituto e,
consequentemente, proporcionará o atingimento da finalidade precípua do plano
diretor que o desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de
seus habitantes.
4.3 - Transferência do direito de construir
A transferência do direito de construir pode ser definido
como a prerrogativa do proprietário de imóvel urbano, privado ou público, de
exercer em outro lugar, ou ainda de alienar, o direito de construir previsto no
plano diretor ou em legislação urbanística específica desde que o imóvel de sua
propriedade seja necessário para fins de interesse público, como na hipótese,
por exemplo de preservação do patrimônio cultural.
O instrumento jurídico da política cultural denominado de
transferência do direito de construir está contido no artigo 35 da Lei
10.257/2001.
Há diferenciações entre o instrumento da outorga onerosa
do direito de construir e a transferência do direito de construir. No primeiro,
o interesse é do particular que deseja vender o seu direito de construir ao
município por não ter interesse em utilizá-lo e, por outro lado, o interesse do
beneficiário em adquirir o direito de construir além do seu coeficiente de
aproveitamento. Nesta hipótese não existem circunstâncias específicas que
interesse ao município a aquisição do direito de construir do particular. O
interesse é do administrado que deseja utilizar-se de coeficiente de
aproveitamento superior ao permitido pelo plano diretor. No segundo, a
transferência de direito de construir se dará como forma de ressarcimento ou
incentivo a participação do administrado nas hipóteses da necessidade de
utilizar o imóvel na promoção de interesses coletivos.
Assim, pode-se afirmar que na outorga onerosa do direito
de construir o interesse é do particular que, mediante pagamento do dinheiro,
bens ou serviços poderá, na forma do plano diretor, exercer seu direito de
construir com coeficiente de aproveitamento diferenciado. Ao contrário, na
transferência do direito de construir o interesse protegido primordialmente é o
interesse público.
Dentre as hipóteses de transferência do direito de
construir destaca-se, com relevo especial, a do proprietário de imóvel de interesse
do patrimônio cultural que poderá utilizar-se do seu direito de construir,
dentro do coeficiente de aproveitamento estabelecido, em outro local ou, ainda,
alienar este direito, mediante escritura pública.
A apresentação deste instrumento jurídico de política
urbana deverá, com certeza, favorecer a resolução de um problema crucial na
aplicação dos instrumentos de proteção do patrimônio cultural, como no caso do
tombamento.
Nesta forma de preservação - o tombamento - o maior e mais
intrigante aspecto de sua utilização é a indenização do proprietário pela
inviabilidade da utilização econômica do bem tombado.
O tombamento do imóvel de interesse do patrimônio cultural
tem natureza jurídica de limitação administrativa ao direito de propriedade.
Dessa forma, pode-se entender que sendo a limitação administrativa uma
imposição genérica e não indenizável se afastaria a possibilidade de
indenização. No entanto, na prática, tem-se visto que muitas vezes o tombamento
leva a impossibilidade da utilização econômica do imóvel e, consequentemente,
como qualquer ato da administração pública que lesione o particular, poderá ser
passível de indenização.
A transferência do direito de construir será solução
jurídica para a efetivação do tombamento como instrumento de proteção do
patrimônio cultural.
O proprietário do imóvel de interesse do patrimônio
cultural terá a possibilidade de ser ressarcido do prejuízo alegado pelo
tombamento, visto que poderá utilizar o coeficiente de aproveitamento em outro
imóvel ou, ainda, alienar seu direito de construir.
Um aspecto extremamente importante no instrumento jurídico
da transferência do direito de construir é o contido no artigo 35, parágrafo 1o.
da Lei 10.257/2001 que estabelece a possibilidade da concessão de tal
prerrogativa ao proprietário que doar parte do seu imóvel para os fins
previstos no caput do referido artigo. Esta hipótese favorece, no caso
prático, aos imóveis de grande área em que nele estejam situados construções de
interesse do patrimônio cultural e que poderá ser facultado ao proprietário do
imóvel a transferência do direito de construir apenas da parte aonde esteja
inserido o bem de interesse do patrimônio cultural. Poderão existir, de forma a
harmônica, a preservação do patrimônio cultural e a utilização do conteúdo econômico
da propriedade.
No entanto, este instrumento de política urbana -
transferência do direito de construir - somente alcançará a sua utilidade,
visto está contido em diploma legal que estabelece apenas regras gerais, quando
a vontade política do município for compatível com a importância da preservação
do patrimônio cultural.
A determinação política do município em regulamentar, por
meio de lei municipal, o instituto da transferência do direito de construir,
é possível dentro da autonomia municipal, sem ferimento a repartição
constitucional de competências, quando se tratar de objetos cujo interesse de
preservação seja eminentemente local e para preservar a identidade cultural do
município.
Por fim, a transferência do direito de construir poderá
ser a solução eficiente para a efetivação do tombamento com o afastamento da
alegativa de prejuízos e a cessação das condutas criminosas de destruição das
obras, muitas vezes às escondidas, outras com a participação omissiva do poder
público.
5. Conclusões
É marcante na Constituição Federal de 1988 a intenção do
constituinte em ressaltar a importância da proteção do patrimônio cultural
nacional, indicando a obrigação do Estado em garantir o pleno exercício dos
direitos culturais, bem como, garantir o acesso às fontes da cultura nacional.
A participação da comunidade nos atos de proteção do
patrimônio cultural pode ocorrer por duas formas: a primeira, pela participação
da comunidade organizada nos conselhos de cultura e nos organismos que decidem
os objetos material ou imaterial a serem preservados; a segunda é traduzida
pela utilização de mecanismos legais, tais como a ação popular para coibir os
atos políticos que ponham em riscos os valores de importância cultural definido
pela coletividade.
A Constituição Federal de 1988 evoluiu em comparação as
anteriores e definiu com forte delimitação a importância da preservação do
patrimônio cultural considerando, inclusive, passível de punição, os danos e
ameaças ao patrimônio cultural.
O significado da proteção do patrimônio cultural pelo
poder local e a sua importância para a implantação da Democracia Constitucional
é marcada pela possibilidade maior, por parte do Município, de preservar a
identidade cultural do povo e alcançar o sentimento do povo.
Não é pacífico o entendimento que tenha o Município
competência legislativa para editar normas de proteção ao meio ambiente,
incluindo, neste caso as de proteção ao patrimônio cultural.
A possibilidade do município legislar sobre normas de
proteção do patrimônio cultural está contida no artigo 30, I, da Constituição
Federal quando afirma que compete ao Município legislar sobre matérias de
interesse local.
O interesse que a Constituição, em seu artigo 30, I,
assegura como competência legislativa do município é aquele que diz respeito
aos aspectos peculiares, próprios daquela coletividade.
No tocante a normas de proteção ambiental, especialmente,
as de proteção ao patrimônio cultural, é possível a sua edição baseada no
princípio da autonomia municipal.
No entanto, tais normas somente poderão ser editas e,
assim, não ferir a repartição constitucional de competências, quando o objeto a
ser protegido seja de interesse restritamente local. Caso contrário, sendo o
objeto a ser protegido de interesse, pelo menos regional, falece competência do
Município para editar normas de proteção.
A lei 10.257/2001 faz duas referências ao direito de
construir. A primeira no artigo 28, quando possibilita a outorga onerosa do
direito de construir e a segunda, no artigo 35, quando oferece a possibilidade
da transferência do direito de construir para ser alienado ou exercido em outro
local diferente do imóvel.
As duas hipóteses do exercício do direito de construir
fora do imóvel são exceções ao princípio de que o direito de construir esteja
fundamentado no direito de propriedade e dele seja inerente.
A utilização da outorga onerosa do direito de construir
exige, dentre outros critérios de ordem legal, a necessidade de contraprestação
por parte do beneficiário.
A outorga do direito de construir compete ao Município.
A transferência do direito de construir é a prerrogativa
do proprietário de imóvel urbano, privado ou público, de exercer em outro
lugar, ou ainda de alienar, o direito de construir previsto no plano diretor ou
em legislação urbanística específica desde que o imóvel de sua propriedade seja
necessário para fins de interesse público.
Há diferenciações entre o instrumento da outorga onerosa
do direito de construir e a transferência do direito de construir. No primeiro,
o interesse é do particular que deseja vender o seu direito de construir ao
município por não ter interesse em utiliza-lo e, por outro lado, o interesse do
beneficiário em adquirir o direito de construir além do seu coeficiente de
aproveitamento. Nesta hipótese não existem circunstâncias específicas que
interesse ao município a aquisição do direito de construir do particular. O
interesse é do administrado que deseja utilizar-se de coeficiente de
aproveitamento superior ao permitido pelo plano diretor. No segundo, a
transferência de direito de construir se dará como forma de ressarcimento ou
incentivo a participação do administrado nas hipóteses da necessidade de
utilizar o imóvel na promoção de interesses coletivos.
A determinação política do município em regulamentar, por
meio de lei municipal, o instituto da transferência do direito de construir,
é possível dentro da autonomia municipal, sem ferimento a repartição
constitucional de competências, quando se tratar de objetos cujo interesse de
preservação seja eminentemente local e para preservar a identidade cultural do
município.
A transferência do direito de construir poderá ser a
solução eficiente para a efetivação do tombamento com o afastamento da
alegativa de prejuízos e a cessação das condutas criminosas de destruição das
obras, muitas vezes as escondidas, outras com a participação omissiva do poder
público.
6.Bibliografia
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Democracia Participativa por um Direito Constitucional de luta e resistência,
por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da legalidade, São
Paulo, Editora Malheiros, 2001.
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4a. edição, São Paulo, Editora Malheiros, 1993.
BUENO, Pimenta. Direito Público brasileiro e análise
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MUKAI, Toshio. Legislação, meio ambiente e autonomia
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7. Notas
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processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil, Rio
de Janeiro, UFRJ/IPHAN, 1997, página 30.
2. BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da
Democracia Participativa por um Direito Constitucional de luta e resistência,
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* Juiz de Direito no Ceará, professor de Direito
Civil da Universidade de Fortaleza.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3160>. Acesso em: 04 ago. 2006.