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A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
George
Marmelstein Lima*
“Da morte não faço caso. O que não
quero é passar por doido, porque então o princípio cairia. Que me importa a
vida? O que me importa é que o princípio se mantenha”. Passanante, regicida
italiano do século passado, recusando a justificação de irresponsabilidade que
se queria alegar em sua defesa.
Sumário: 1. Princípios: um bom começo - 2. Normas, princípios e regras - 3.
Princípios expressos e não expressos: “descobrindo” os princípios
constitucionais - 4. Pode um princípio embasar uma pretensão em juízo? - 5.
Afronta a princípios constitucionais e o recurso extraordinário - 6. Conclusão
- Bibliografia
1. PRINCÍPIOS: UM BOM COMEÇO
“os princípios haurem parte de suas majestades no mistério que os envolve.”
Jean Boulanger
Para discorrermos com segurança acerca da força normativa dos princípios
constitucionais, precisamos, antes de tudo, entender, ainda que
superficialmente, o que são os princípios[1].
“Princípio”, do latim pricipium, significa, numa acepção vulgar, início,
começo, origem das coisas. Tal noção, explica-nos PAULO BONAVIDES, deriva da
linguagem da geometria, “onde designa as verdades primeiras”[2].
Não é este, porém, o sentido que adotamos quando nos referimos aos “princípios
constitucionais”.
Realmente, aqui a palavra princípio conota a idéia de “mandamento nuclear de um
sistema”, utilizando o célebre conceito de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,
para quem princípio é, por definição,
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico...”[3]
A despeito de ser uma noção bastante clara, não podemos deixar de lado que
princípio é um termo multifacetário, equívoco[4] e polissêmico[5].
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, discorrendo sobre o tema, faz a seguinte
elucidação:
“os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance
diferente. Num primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (gerais ou
generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência,
modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se
imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições
que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações,
obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou
determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma
conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma
‘abstração por indução’”[6].
Da mesma forma, GENARO CARRIÓ, citado por EROS ROBERTO GRAU, indica sete focos
de significação assumidos pelo vocábulo princípio, a partir dele enunciando,
nada mais, nada menos do que onze significações atribuíveis à expressão
princípio jurídico[7]!
O que é importante assinalar, a despeito da multi-dimensionalidade do sentido
da palavra, é que, no atual estágio de evolução da Teoria Geral do Direito,
sobretudo do Direito Constitucional, os princípios jurídicos, em qualquer
ângulo em que se ponha o jurista ou operador do direito, caracterizam-se por
possuírem um grau máximo de juridicidade, vale dizer, uma normatividade
potencializada e predominante. “Tanto uma constelação de princípios quanto uma
regra positivamente estabelecida podem impor uma obrigação legal”[8], na
sugestiva passagem de RONALD DWORKIN. E mais: “violar um princípio é muito mais
grave do que transgredir uma norma [rectius, regra]. A desatenção ao princípio
implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais...”[9]
Dada a fundamental característica normativa dos princípios, afigura-se acertada
a noção desenvolvida por CRISAFULI, já em 1952:
“Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante
de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e
especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos
gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo:
sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis
do respectivo princípio geral que as contém”[10].
Partindo dessa “pré-compreensão” de princípio como norma jurídica, cumpre fazer
uma melhor distinção entre regras e princípios, que são, na atual fase de
evolução da Teoria Geral do Direito, as duas espécies de normas[11]. O próximo
tópico tratará do assunto.
2. NORMAS, PRINCÍPIOS E REGRAS
Durante muito tempo houve uma dissociação dos conceitos de normas e princípios,
o que leva, ainda hoje, a grandes juristas incorrerem no erro primário de
igualar as regras às normas.
Graças, em grande parte, aos estudos de ROBERT ALEXY e do jusfilósofo
norte-americano RONALD DWORKIN, sucessor de HERBERT HART na cátedra de
Jurisprudence na Universidade de Oxford, essa dissociação foi superada:
“a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em
geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em
duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As
normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às
situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou
simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma
finalidade mais destacada dentro do sistema.”[12]
Seguindo esta trilha, BOBBIO faz um clara análise dos princípios gerais do
Direito[13], inserindo-os no amplo conceito de normas:
“Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou
generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a
engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são
normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as
outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os
princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de
mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos,
através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não
devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre
animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são
extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função
de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para
regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo
que servem as normas. E por que não deveriam ser normas?”[14]
Dessume-se, por conseguinte, que, na atual classificação, de cunho
pós-positivista, norma é o gênero do qual são espécies as regras e os
princípios (e os valores, para os que aceitam essa tese), que se diferenciam
lógica e qualitativamente. Não pode, pois, o estudioso do direito equiparar a
norma jurídica às regras. Estas são apenas uma das faces das normas. O jurista,
ao analisá-las, deve aferir-lhes a espécie (princípios ou regras) e a
hierarquia (norma constitucional, legal ou mesmo infralegal) para bem entender
seu posicionamento no ordenamento jurídico.
E qual seria a diferença entre regras e princípios?
A resposta não é simples, mas se pode, com a ajuda de doutrinadores, chegar a
uma distinção satisfatória.
Para CANOTILHO, saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre
regras e princípios, é uma tarefa particularmente complexa, podendo, porém, ser
utilizado os seguintes critérios por ele sugeridos:
“a) O grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstracção
relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção
relativamente reduzida.
b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por
serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do
legislador? do juiz?), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta.
c) Carácter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios
são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico
devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios
constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico
(ex: princípio do Estado de Direito).
d) ‘Proximidade da ideia de direito’ : os princípios são ‘standards’
juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (DWORKIN) ou na
‘ideia de direito’ (LARENZ); as regras podem ser normas vinculantes com um
conteúdo meramente formal.
e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são
normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando,
por isso, uma função normogenética fundamentante”[15].
Na lição de WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, as regras “possuem a estrutura lógica
que tradicionalmente se atribui às normas do Direito, com a descrição (ou
“tipificação”) de um fato, ao que se acrescenta a sua qualificação prescritiva,
amparada em uma sanção (ou na ausência dela, no caso da qualificação como “fato
permitido”). Já os princípios fundamentais - prossegue o jurista cearense -,
igualmente dotados de validade positiva e de um modo geral estabelecidos na
constituição, não se reportam a um fato específico, que se possa precisar com
facilidade a ocorrência, extraindo a conseqüência prevista normativamente. Eles
devem ser entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado
valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos
e situações possíveis, juntamente com outras tantas opções dessas, outros
princípios igualmente adotados, que em determinado caso concreto podem se
conflitar uns com os outros, quando já não são mesmo, in abstracto, antinômicos
entre si”[16].
Em outras palavras:
a) as regras descrevem uma situação jurídica, ou melhor, vinculam fatos
hipotéticos específicos, que, preenchidos os pressupostos por ela descrito,
exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos (direito definitivo),
sem qualquer exceção. P. ex. “aquele que detiver a coisa em nome alheio,
sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou
o possuidor” (art. 62 do CPC);
b) os princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem
descrever uma situação jurídica, nem se reportar a um fato particular,
exigindo, porém, a realização de algo, da melhor maneira possível, observadas
as possibilidades fáticas e jurídicas (reserva do possível). Possuem um maior
grau de abstração e, portanto, irradiam-se por diferentes partes do sistemas,
informando a compreensão das regras, dando unidade e harmonia ao sistema
normativo. P. ex., “todos são iguais perante a lei”, onde a igualdade surge
como a instância valorativa adotada pela Carta Magna.
Como se observa, a diferença entre os princípios e as regras são quantitativas
e qualitativas.
Já no século passado, JEAN BOULANGER, que, segundo PAULO BONAVIDES, foi o mais
insigne predecessor da normatividade dos princípios, dizia:
“Há entre princípio e regra jurídica não somente uma disparidade de importância
mas uma diferença de natureza. Uma vez mais o vocábulo é a fonte de confusão: a
generalidade da regra jurídica não se deve entender da mesma maneira que a
generalidade de um princípio”[17].
Pode-se dizer, assim, que as regras são “concreções dos princípios”[18], e
estes são “mandamentos de otimização”[19] das regras. Afinal, por trás de toda
regra há um princípio que a fundamenta[20]. É a natureza normogenética dos
princípios.
Importante salientar que tanto as regras quanto os princípios são necessários à
composição do sistema jurídico, pois, na lição de CANOTILHO:
“Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a
um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina
legislativa exaustiva e completa - legalismo - do mundo da vida, fixando, em
termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas.
Conseguir-se-ia um ‘sistema de segurança’, mas não haveria qualquer espaço
livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o
constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um
legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das
concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade
pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política monodimensional
(...).
O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios (...) levar-nos-ía a
conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras
precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a dependência do
‘possível’ fáctico e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de
segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do
próprio sistema”[21].
Malgrado possa parecer que essa idéia de sistema jurídico como o somatório de
regras e princípios tenha valor meramente doutrinário, o certo é que ela
enfatiza a força normativa e vinculante dos princípios, impondo sua aplicação
sempre e sempre.
De fato, na antiga noção que distinguia as normas dos princípios, estes, por
possuírem grande traços de indeterminação, tinham valor suplementar, meramente
indicativo, quando muito, subsidiário. Tratava-se mais de disposição política
do que jurídica[22].
Com o evoluir da Teoria Geral do Direito, mormente em face da inserção dos
princípios nos textos constitucionais, operou-se “uma revolução de juridicidade
sem precedentes nos anais do constitucionalismo. De princípios gerais se
transformaram, já, em princípios constitucionais”[23]. Assim, “as novas
Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,
convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico
dos novos sistemas constitucionais”[24], tornando “a teoria dos princípios hoje
o coração das Constituições”[25]. E mais: “a constitucionalização dos
princípios constitui-se em axioma juspublicístico de nosso tempo”[26].
Realmente, considerando que a Constituição é um sistema de normas[27], e que os
princípios, doravante, são peremptoriamente normas de hierarquia
constitucional, não há mais como negar o seu caráter jurídico e vinculante,
impondo, por esse motivo, a sua observação, densificação e concretização pelos
três poderes[28] estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) e, por que não
dizer, pela própria sociedade, que, longe de querer adentrar em discussões
jusfilosóficas, é a principal destinatária das normas jurídicas.
Concretizar o princípio, seguindo a lição de CANOTILHO, é fazer com que ele
chegue até a norma de decisão, ou seja, é fazer com o princípio “construa” a
norma jurídica concreta, passando de normas generalíssimas abstratas (dos
textos normativos-constitucionais) a normas concretas de decisão (contextos
jurídicos-decisionais).
Densificar, por sua vez, significa preencher, complementar e precisar o espaço
normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de
concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos
problemas concretos.
As tarefas de concretização e de densificação de normas andam pois, associadas:
densifica-se um espaço normativo (= preenche-se uma norma) para tornar possível
sua concretização e a conseqüente aplicação a um caso concreto.
É de grande importância ter em mente que a densificação não é tarefa apenas do
legislador. De fato, a densificação de um princípio é uma tarefa complexa, que
se inicia com a leitura isolada do texto que enuncia o princípio, passando, em
uma segunda fase, por uma análise sistemática do texto constitucional, e, a
partir daí, buscando os contornos capazes de preencher o significado do
princípio. Esses “contornos”, portanto, podem ser encontrados tanto no próprio
texto constitucional, quanto na lei, na doutrina, na jurisprudência etc. Ou
seja, a densificação do princípio é qualquer atividade capaz de fornecer
subsídios hábeis a melhorar a compreensão do significado da norma.
3. PRINCÍPIOS EXPRESSOS E NÃO EXPRESSOS: “DESCOBRINDO” OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
“Por que, toleirões, fazer tratantadas fora da lei, se há lugar de sobra para
fazê-las dentro?” G. Dossi
Se por um lado parece fácil aceitar a idéia de que os princípios expressos são
normas jurídicas e, por isso mesmo, devem ser tratados como normas capazes de
impor obrigações e direitos no mundo fático, o mesmo não se pode afirmar quando
nos referimos aos princípios não expressos.
Com efeito, ninguém duvida que o “princípio da função social da propriedade”,
explícito no art. 5o, inc. XXIII, da CF/88, deve ser por todos observado,
sobretudo por se tratar de norma elevada à categoria de cláusula pétrea ou,
como preferem alguns, garantia de eternidade.
Por outro lado, bem mais difícil é admitir a juridicidade de princípios tais
qual o da proporcionalidade, ou mesmo da unidade da Constituição, que carecem
de disposição expressa[29].
No entanto, deve-se ter em conta - e isto já é pacífico, apesar das
intermináveis discussões em torno do Direito Natural, que parece estar superada
em face do surgimento dessa nova teoria pós-positivista que, ao “valorizar” a
norma, considera que o Direito Natural está “positivado” - que os princípios
não necessitam estar expressos num determinado diploma jurídico para ter força
vinculante, vez que eles podem ser encontrados “de forma latente” no
ordenamento. “Assim como quem tem vida física, esteja ou não inscrito no
Registro Civil, também os princípios ‘gozam de vida própria e valor substantivo
pelo mero fato de serem princípios, figurem ou não nos Códigos”[30].
Com efeito, os princípios jurídicos podem estar expressamente enunciados em
normas explícitas ou podem ser descobertos no ordenamento jurídico, sendo que,
neste último caso, eles continuam possuindo força normativa. Ou seja, não é por
não ser expresso que o princípio deixará de ser norma jurídica. Reconhece-se,
destarte, normatividade não só aos princípios que são, expressa e
explicitamente, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que,
defluentes de seu sistema, são anunciados pela doutrina e descobertos no ato de
aplicar o Direito[31].
Como observa LUÍS ROBERTO BARROSO,
“os grandes princípios de um sistema jurídico são normalmente enunciados em
algum texto de direito positivo. Não obstante, e sem pretender enveredar por
discussão filosófica acerca do positivismo e jusnaturalismo, tem-se, aqui, como
fora de dúvida que estes bens sociais supremos existem fora e acima das regras
legais, e nelas não se esgotam, até porque não tem caráter absoluto e se
encontram em permanente mutação. No comentário de Jorge Miranda, ‘o Direito
nunca poderia esgotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e
revogados pelos órgãos do poder’”[32].
Apesar disso, o mais prudente é que os princípios sejam, na medida do possível,
expressos, a fim de que se prestigiem a segurança jurídica e a harmonia
sistemática do direito[33], evitando-se, dessa forma, que os mais apegados aos
formalismos de outrora neguem a existência de determinado princípio, tal como
ocorre ainda hoje com o princípio da proporcionalidade, ou então que haja um
“abuso principiológico” por parte dos operadores do direito, levando o
intérprete a “encontrar” um princípio que não esteja “descoberto” no texto
constitucional, “mas em instância valorativa fundada em subjetivismos, em posturas
axiológicas, ideológicas, ou outras formas de subjetividade interpretativa, que
frustrem a tendencial objetividade exigível na atividade de extração dos
princípios da ordem constitucional positiva”, fazendo com que, de forma
arbitrária, sejam introduzidas normas exóticas, que poderão destruir a
ordenação jurídica[34].
LUÍS ROBERTO BARROSO, no mesmo texto já citado, enumera alguns princípios que,
embora não expressos no texto constitucional ou em qualquer outro diploma
escrito, são de comum observância: princípio da supremacia da Constituição,
princípio da unidade da Constituição, princípio da continuidade da ordem
jurídica, princípio da interpretação conforme a Constituição. Em suma: são
princípios que, embora não constem no texto constitucional, estão positivados,
pois decorrem do próprio sistema em que estão inseridos.
Aliás, é interessante notar que a própria Constituição pátria vigente
“positiva” este entendimento quando afirma que “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados” (§2o, do art. 5o).
4. PODE UM PRINCÍPIO EMBASAR UMA PRETENSÃO EM JUÍZO?
Feitas essas considerações, podemos agora formular e responder uma questão
processual que atormenta deveras os juristas. Diz respeito às condições da
ação, mais especificamente à possibilidade jurídica do pedido: pode um
princípio, por si só, fundamentar uma pretensão em juízo? Em outras palavras:
decorrem direitos subjetivos dos princípios ou seria “juridicamente impossível”
recorrer ao juridiciário fundamentado tão-somente em um princípio
constitucional?
Nossa resposta a essa pergunta é categórica: é óbvio que os princípios,
enquanto normas jurídicas, podem fundamentar autonomamente uma pretensão!
Embora possa não parecer difícil essa assimilação, sobretudo em face de tudo o
que foi exposto acerca da normatividade dos princípios, o certo é que não foi
fácil - como ainda hoje para alguns juristas não o é - aceitar que os
princípios podem gerar direitos subjetivos. Até CANOTILHO já defendeu, nos seus
primeiros estudos, que os princípios não poderiam, de per si, fundamentar
autonomamente pretensões: “enquanto um direito constitucional pode ser
directamente invocado em tribunal como justificativo de um recurso de direito público,
já a inobservância de um princípio é considerada insusceptível de, por si só,
fundamentar autonomamente um recurso contencioso. Seria, por exemplo, difícil
fazer valer uma pretensão em tribunal invocando-se tão somente o princípio da
proporcionalidade. Os princípios fundamentais, fornecendo embora directivas
jurídicas para uma correta análise dos problemas constitucionais, não possuem
normatividade individualizadora que os torne suscetíveis de aplicação imediata
e autónoma”[35]. Somente posteriormente, após seu “encontro teórico” com ALEXY
e DWORDIN, é que o mestre português passou a ter um posicionamento mais
principialista, passando a reconhecer a força normativa imediata dos princípios
constitucionais.
5. AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O RECURSO EXTRAORDINÁRIO
É possível encontrar uma postura tradicional (anti-principiológica) nas
decisões do Supremo Tribunal Federal ao entender que:
“não cabe recurso extraordinário quando a alegada ofensa à Constituição é
reflexa ou indireta, porquanto, a prevalecer o entendimento contrário, toda a
alegação de negativa de vigência de lei ou até de má interpretação desta passa
a ser ofensa a princípios constitucionais genéricos como o da reserva legal, o
do devido processo legal ou o da ampla defesa, tornando-se, assim, o recurso
extraordinário - ao contrário do que pretende a Constituição - meio de ataque à
aplicação à legislação infraconstitucional” (STF, AgRg 170637-7, rel. Min.
Moreira Alves).
No nosso entender, quando a Constituição determina que caberá recurso
extraordinário quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da
Constituição (art. 102, III, a), é inegável que, se a decisão recorrida
contrariar princípio constitucional, configurado está o pressuposto para o
cabimento do recurso extraordinário. Nem se diga que, no caso, a contrariedade
seria “reflexa” ou “mediata”. Primeiro, porque a Constituição não exige que a
contrariedade seja direta; segundo, porque os princípios constitucionais são
normas jurídicas e, por isso, sempre que a decisão contrariar o princípio
estará contrariando a norma constitucional diretamente e na sua pior forma de
violação, que é a contrariedade a princípio. Do contrário, o princípio
constitucional seria mero ideário político, destituído do força sancionatória,
e todos se sentiriam “à vontade” para os contrariar.
Em sintonia com esse posicionamento, o Min. Marco Aurélio dá-nos a solução
ideal:
“Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a
matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com
procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se
necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum.
Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um
Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com
a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas
estritamente legais” (RE-158655 / PA).
6. CONCLUSÃO
Não há mais dúvidas: os princípios, ao lado das regras, são normas jurídicas. E
mais: os princípios, cuja ambiência natural é a Constituição, são normas
jurídicas com um grau máximo de juridicidade, cuja normatividade é, por
conseguinte, potencializada.
Se isso é verdade - e, nesse ponto, parece que não há mais tanta discussão
quanto havia outrora -, por que então os nossos Tribunais insistem em não
reconhecer a força normativa dos princípios? Por que há quem afirme que o
princípio não pode fundamentar uma pretensão jurídica em juízo? Por que há quem
defenda que um mandado de segurança não pode ser impetrado com base unicamente
em princípios? Será que um princípio não pode ser um 'direito' em líquido e
certo? Por que a violação a princípio constitucional, segundo a orientação
vetusta do Supremo Tribunal Federal, não enseja o cabimento de recurso
extraordinário? Violar um princípio constitucional não é violar a própria
Constituição, de forma direta?
A resposta para todas essas questões é bem simples: os nossos juristas ainda
não dão o devido valor à força normativa dos princípios. E o pior: fazem uma
completa inversão de valores, fazendo com o princípio tenha que se rebaixar à
lei para ser aplicado, como se fosse o princípio que girasse em torno da lei, e
não o inverso.
Para finalizar o presente artigo, que abordou sucintamente alguns aspectos
acerca da normatividade dos princípios constitucionais, permitimo-nos
transcrever passagem de texto de PAULO BONAVIDES que sintetiza bem tudo o que
foi exposto:
“Tudo quanto escrevemos fartamente acerca dos princípios, em busca de sua
normatividade, a mais alta de todo o sistema, porquanto quem os decepa arranca
as raízes da árvore jurídica, se resume no seguinte: não há distinção entre
princípios e normas, os princípios são dotados de normatividade, as normas
compreendem regras e princípios, a distinção relevante não é, como nos
primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e
princípios, sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a espécie.
Daqui já se caminha para o passo final da incursão teórica: a demonstração do
reconhecimento da superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide
normativa; supremacia que não é unicamente formal, mas sobretudo material, e
apenas possível na medida em que os princípios são compreendidos e equiparados
e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos
ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a
organização do poder”[36].
BIBLIOGRAFIA
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VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 3a ed. Malheiros, São Paulo,
1993
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[1] Para uma compreensão mais completa e profunda do tema, fundamental é a
leitura da obra Conceito de Princípios Constitucionais - Elementos teóricos
para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, de Ruy Samuel
Espíndola. Da mesma forma, o capítulo 8 (Dos Princípios Gerais de Direito aos
Princípios Constitucionais) do Curso de Direito Constitucional (7a ed.) do
professor Paulo Bonavides traz uma análise insuperável do tema.
[2] Curso de Direito Constitucional. 7a ed. Malheiros, São Paulo, 1998, p. 228.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed.
RT, São Paulo, 1980, p. 230. Em sentido semelhante, a Corte Constitucional
italiana assim definiu princípios: “são aquelas orientações e aquelas diretivas
de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da
coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar
assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.” (apud
BONAVIDES, Paulo. Curso...p. 230)
[4] Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9a ed.
Malheiros, São Paulo, 1994, p. 84.
[5] Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 4a ed.
Malheiros, São Paulo, 1998, p. 76.
[6] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho -
Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Ed.
Ltr, 1991, Vol. I,
pp. 73-74.
[7] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 4a ed.
Malheiros, São Paulo, 1998, p. 76.
[8] apud BONAVIDES, Paulo. Curso, p. 238.
[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed.
RT, São Paulo, 1980, p. 230. Os colchetes são nossos.
[10] Apud BONAVIDES, Paulo. Curso...p. 230. Em sentido contrário, ARNALDO
VASCONCELOS: “Os princípios gerais de Direito, nada obstante sua força
vinculante, não são, contudo, normas jurídicas no sentido formal do termo”
(Teoria da Norma Jurídica, 3a ed. Malheiros, São Paulo, 1993, p. 210). '(...)
apesar de terem positividade, não constituem normas jurídicas” (p. 208). Porém,
mais à frente, o professor cearense, a meu ver, contraditoriamente, sustenta
que o princípio “não representa mera aspiração ideológica (...), mais do que
isso: uma norma jurídica iguais às outras, sem mais, nem menos, tanto que não
lhe falta a possibilidade de sancionamento”(p. 210).
[11] Deve ser ressaltado, outrossim, que alguns autores (Perez Luño, Pietro
Sanchis e García de Enterria) incluem os valores, ao lado dos princípio e das
regras, como espécies de norma. Porém, por transcender aos estreitos limites do
objeto desse estudo, deixaremos de tratar dos valores como espécie de normas,
preferindo incluí-los como parte componente do próprio princípio, tendo em
vista a enorme carga valorativa que nele está inserida.
[12] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2a ed.
Saraiva, São Paulo, 1998, p. 141.
[13] Segundo PAULO BONAVIDES, os princípios gerais do direito foram os
antecedentes históricos dos princípios constitucionais. Vale ressaltar que
SAMPAIO DÓRIA, em trabalho pioneiro escrito em 1926 (!), cujo título era
Principios Constitucionais, tendo como referência a Constituição Republicana de
1891, já definia os princípios como normas: 'principios se entendem por normas
geraes e fundamentaes que inferem leis. E, em direito constitucional,
principios são as bases organicas do Estado, aquelas generalidades do direito
publico, que como naus da civilização devem sobrenadar ás tempestades
politicas, e ás paixões dos homens. Os principios constitucionaes da União
brasileira são aquelles canones, sem os quaes não existiria esta União tal qual
é nas suas características essenciaes' (apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de
Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 109).
[14] BOBBIO, Norbeto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 7a ed. Unb, Brasília,
1996, p. 159.
[15] Apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios
Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 65.
[16] Direitos Fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: Dos
Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais. Coor. WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO.
Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1997, p. 17.
[17] BONAVIDES, Paulo. Idem, p. 239.
[18] GRAU, Eros Roberto. Licitação e Contrato Administrativo. Malheiros, São
Paulo, 1995, p. 16.
[19] A expressão é de Alexy, conforme SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio
Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Celso Bastos Editor, São Paulo,
1999, p. 14. Ressalte-se que Alexy é um dos grandes expoentes dessa dogmática
principialista que domina os discursos constitucionais da atualidade.
[20] Dessa assertiva, vem logo à tona a famosa frase do jurisconsulto WACH de
que 'a lei é mais sábia que o legislador', ou seja, a regra 'tem no espírito do
intérprete sua usina e complemento de produção' (FALCÃO, Raimundo Bezerra.
Hermenêutica. Malheiros, São Paulo, 1997, p. 265). Cabe, pois, ao hermeneuta
extrair da regra o sentido que melhor se coadune com a diretriz dada pelo
princípio que fundamenta essa regra mesma.
[21] Apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios
Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 186.
[22] Ainda hoje, há juristas que não compreendem a verdadeira força normativa
dos princípios. Assim, por exemplo, há quem entenda que a violação a um
princípio não justifica a concessão de um mandado de segurança, porquanto, no
caso, não haveria um 'direito' líquido e certo a ser protegido. Trata-se,
porém, de uma visão distorcida e desatualizada que, na verdade, retira grande
parte da eficácia protetiva do mandado de segurança, vez que, na maioria dos
casos, a violação a direito líquido e certo ocorre por transgressão a
princípios.
[23] BONAVIDES, Paulo. Curso...p. 232.
[24] Idem. P. 237
[25] Idem, p. 253.
[26] Idem, p. 18.
[27] 'A Constituição, uma vez posta em vigência, é um documento jurídico, é um
sistema de normas. As normas constitucionais, como espécie do gênero normas
jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a
imperatividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um mandamento,
uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua
inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento
forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo estabelecimento
das conseqüências de insubmissão ao seu comando. As disposições constitucionais
são não apenas normas jurídicas, como têm um caráter hierarquicamente superior,
não obstante a paradoxal equivocidade que longamente campeou nesta matéria,
considerando-as prescrições desprovidas de sanção, mero ideário não-jurídico'.
(BARROSO, Luís Roberto. A Constituição e a efetividade de suas normas. Limites
e Possibilidades da Constituição Brasileira. 3a ed. atual, Renovar, Rio de
Janeiro, 1996, p. 287)
[28] O termo é aqui utilizado com acepção semelhante à dada por Montesquieu,
qual seja, a de “Poder Constituído”, pois, conquanto seja termo bastante
criticado - vez que “poder”, no aspecto substancial, é uno e indivisível e
pertence ao povo - ainda está consagrado em nossa Carta Magna e reforça a
importância e força política das três funções estatais, além de ser amplamente
usado pela melhor doutrina. Nas palavras de José de Albuquerque Rocha: 'a
'divisão dos poderes', na verdade, é divisão de órgãos, ou separação relativa
de órgãos, para exercitarem as distintas funções do Estado. Uma coisa é o poder
do Estado, uno e indivisível, outra coisa é a diversidade de funções com a
correspondente diversidade de órgãos preordenados ao seu exercício' (Estudos
sobre o Poder Judiciário. Malheiros, São Paulo, 1995, p. 13)
[29] Quanto ao princípio da proporcionalidade, é de se anotar que várias leis
infraconstitucionais fazem a ele referência, sendo de se destacar que a recente
Lei do Processo Administrativo Federal (9.784, de 29 de janeiro de 1999), em
seu art. 2o, inclui expressamente a proporcionalidade entre os informadores do
procedimento administrativo.
[30] BONAVIDES, Paulo. Curso.... p. 229. Crítica interessante acerca da
necessidade de se 'normatizar' a Constituição é feita por LUÍS ROBERTO BARROSO:
'(...). Em matéria de Direito Constitucional, é fundamental que se diga, ser
positivista não significa reduzir o direito a norma, mas sim elevá-lo à
condição de norma, pois ele tem sido menos que isto. Não é próprio das normas
jurídicas - e, ipso facto, das normas constitucionais - sugerir, aconselhar,
alvitrar. São elas comandos imperativos. O resgate da imperatividade do texto
constitucional, por óbvio que possa parecer, é uma instigante novidade neste
País habituado a maltratar suas instituições.
Em busca desse desiderato, é importante difundir uma concepção de Direito
Constitucional dotada de rigor científico, com apropriada utilização de
princípios, conceitos e elementos interpretativos. Esta é a única forma de
isolá-lo do que se poderia chamar de charlatanismo constitucional, que é o
discurso constitucional inteiramente dissociado do direito, desenvolvido em
nível retórico, com vulgaridade e inciência.
Este discurso normativista e 'científico' não constitui uma preferência
acadêmica ou uma opção estética. Ele resulta de uma necessidade histórica. Sem
ele, o Direito Constitucional continuaria uma miragem, com as honras de uma
falsa supremacia, que não se traduz em nenhum proveito para os cidadãos.
Sobretudo os que, já desamparados pela fortuna, ficam também desamparados da
proteção das normas jurídicas.
Faço, todavia, a ressalva de que, não sendo filosoficamente positivista, espero
ainda viver o dia em que, resgatada a densidade jurídica do direito
constitucional, possa dedicar-me à atividade mais atraente de combiná-lo e
temperá-lo com outros domínios. Não apenas os mais evidentes - política,
sociologia, economia - , mas outros mais fascinantes, como a psicanálise, a
metafísica, a linguagem.' Cf. 'A Efetividade das Normas Constitucionais
Revisitada', Revista de Direito Administrativo, Rio de janeiro, Renovar, n.
197, jul./set. 1994, p. 30-60, p. 31.
[31] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios
Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 55.
[32] BARROSO, Luís Roberto. Direito...p.288.
[33] Neste sentido, JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA: “Segundo alguns, os princípios
não necessitariam de formulação normativa explícita. No entanto, pensamos que a
falta de concreção normativa dos princípios, expressão da certeza jurídica,
pode trazer certo grau de insegurança. Ademais, são tantas, e tão heterogêneas,
as proposições que se incluem entre os princípios gerais, que o mais prudente é
recorrer ao ordenamento jurídico-positivo para determiná-los, especialmente à
Constituição que, como norma fundamental, e fundamentadora do ordenamento
jurídico, é a instância onde devemos colher os materiais para uma reflexão
sobre os princípios. Isto não nega, porém, a existência de princípios que, embora
não expressos, podemos considerar implícitos no ordenamento jurídico”
(Teoria...p. 48).
[34] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios
Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 197 e 200. Vale a
pena reproduzir o ensinamento de CANOTILHO sobre o assunto: 'Mas o que deve
entender-se por princípios consignados na constituição? Apenas os princípios
constitucionais escritos ou também os princípios constitucionais não escritos?
A resposta mais aceitável, dentro da perspetiva principialista (....), é a de
que a consideração de princípios constitucionais não escritos como elementos
integrantes do bloco da constitucionalidade só merece aplauso relativamente a
princípios reconduzíveis a uma densificação ou revelação específica de
princípios constitucionais positivamente plasmados' (ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.
Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999,
p. 198)
[35] Esse texto pode ser encontrado na primeira edição de seu Direito
Constitucional, de 1977.
[36] Curso de Direito Constitucional, p. 255.
Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em junho/2002.
*Juiz Federal Substituto
LIMA, George Marmelstein. A força normativa dos princípios
Constitucionais.
Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=42
>. Acesso em 04 de agosto de 2006.