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A obrigatoriedade das decisões judiciais
O texto analisa os fundamentos
legais que obrigam o Poder Judiciário a proferir uma decisão ao caso concreto
posto em juízo.
Valmir Bigal
03/08/2006
INTRODUÇÃO
O homem é um ser sociável e, devido a essa natureza, por não
alcançar a plenitude isoladamente, está obrigado a manter contato com outros
homens. Assim sendo todas as pessoas dependem do intercâmbio, da colaboração e
confiança recíproca. Inobstante, o homem é um animal insatisfeito, insatisfeito
precisamente em relação aos que convivem com ele.
Desta forma desde que se formaram os primeiros círculos sociais,
na remota antiguidade, deve ter-se delineado a figura do juiz, pessoa
encarregada de resolver questões surgidas entre os membros do grupo.
Inevitáveis os conflitos de interesses, o choque das paixões,
naturalmente alguém havia de ser convocado a diminuir desavenças, sob pena de
ser colocada em risco a própria manutenção da vida em sociedade.
Nos grupos primitivos, a ordem interna era mantida por um chefe,
dotado de qualidades que o destacavam diante do grupo, tocando a ele, entre
outras prerrogativas, o julgamento de dissídios e imposição de penalidades.
O professor André Franco Montoro, em livro clássico, escreveu:
“(...) não se pode conceber uma sociedade humana em que não haja ordem
jurídica, mesmo em se tratando de um estado rudimentar. Isto se exprime em
latim pelo adágio conhecido Ubi soccietates, ibi jus (Onde há sociedade,
há direito)”. (Introdução à Ciência do Direito. 24ª edição, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, 1997, p. 54).
A progressiva complexificação social, além do aumento populacional
e territorial obrigava a delegação de certas atribuições a pessoas de confiança
do chefe ou príncipe, que cada vez mais se encontravam impossibilitados de
atender pessoalmente a todas as demandas sociais. Permanecia a autoridade nele,
mas o seu exercício tinha de ser dividido entre várias pessoas. Tal fato é um
imperativo natural da especialização de funções e da divisão do trabalho.
O Ministro Mário Guimarães entreviu nesses fatos o surgimento da
função de julgar, tão antiga como a própria sociedade.
“Na família, forma rudimentar da coletividade, juiz é o pai. No
clã, é o chefe, em cujas mãos se concentram, habitualmente, todos os poderes, é
o rei, o general, o sacerdote, o legislador, o juiz”.
“Quando se torna a grei mais numerosa, crescem e se complicam as
relações humanas. O rei, absorvido por outras atividades, máxime as de guerra,
não terá tempo de prover a todos os dissídios do seu povo. Cometerá tais
funções a um preposto. Destaca-se, nesse momento, a entidade do juiz....” (O
Juiz e a Função Jurisdicional. Rio, 1958, p. 19).
A Justiça de mão própria pela tendência a exceder os limites do necessário
à defesa de cada um nos casos concretos, não podia subsistir, havia de ser
substituída por outro sistema, no qual o juiz seria pessoa alheia aos
interesses dos litigantes.
A princípio com atribuições compreendendo questões administrativas
e religiosas, foi-se restringindo a função judicante ao mesmo tempo em que se
desenvolviam as relações sociais, até chegar-se à situação atual, em que se
destaca um Poder próprio, autônomo, composto de órgãos singulares e colegiados,
servido por não menos numeroso conjunto de auxiliares especializados: o Poder
Judiciário.
O Estado, supressa a Justiça pelas próprias mãos daquele que se
diz vítima de ameaça ou seu direito, a todos promete o remédio da prestação
jurisdicional, isto é, a tutela jurisdicional, direito de defender em juízo o
que é seu, o que lhe pertença, na forma prescrita em lei.
Assim, o Estado tomou para si o poder e o dever de, com
exclusividade, resolver de forma imparcial os conflitos de interesses entre os
particulares e até mesmo os conflitos de interesses entre o
Estado-Administração e os administrados.
Salvo casos excepcionais, só aos juízes compete dirimir as
dissidências, os conflitos, vale dizer, o Estado possui o monopólio da
jurisdição, isto é, somente o Estado-Juiz possui a prerrogativa de dizer o
direito aplicável a um fato concreto, solucionando um conflito de interesses em
caráter definitivo.
Nenhum juiz, entretanto, prestará a tutela jurisdicional senão
quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas da lei. O lesado
tem de comparecer diante do Poder Judiciário, o qual, tomando conhecimento da
controvérsia, se substitui à própria vontade das partes que foram impotentes
para se autocomporem. O Estado, através de um de seus Poderes, dita, assim, de
forma substitutiva à vontade das próprias partes, qual o direito que estas têm
de cumprir;
O juiz exerce a jurisdição com independência jurídica e política.
Livre da submissão a qualquer dos Poderes ou a qualquer entidade, profere suas
decisões, formula e emite seus juízos obedecendo apenas às prescrições da lei e
aos ditames de sua consciência.
A FUNÇÃO JURISDICIONAL
Primitivamente, o Estado era fraco e limitava-se a definir os
direitos. Competia aos próprios titulares dos direitos reconhecidos pelos
órgãos estatais defendê-las e realizá-los com os meios de que dispunham.
Eram os tempos da justiça privada ou justiça pelas próprias mãos,
que, naturalmente, era imperfeita e incapaz de gerar a paz social, pois a
defesa do direito por atividade própria acaba transmudando-se no império do
mais forte. Vencia a lide aquele que intimidasse o adversário. O que valia era
a força bruta, e não o direito.
Com o surgimento da escrita, gravaram se as férreas normas da
legislação mosaica expressa no Pentateuco e a Lei de Talião, consagrada no
ordenamento babilônico, mas comum a todos os povos da época. Com a evolução das
relações sociais nos primórdios da civilização, já por volta de 1711 e 1699 a.
C., com o Código de Hamurabi, temos uma das primeiras composições das leis
escritas, com tribunais minimamente organizados, onde é possível se identificar
uma forma de arbitramento.
A necessidade de se pacificar o grupo e estabelecer a ordem
jurídica, levou a sociedade a desenvolver uma intervenção no campo da
administração da justiça. Na luta contra a autodefesa, o Estado começou a
discipliná-la e limitá-la, para depois excluí-la por absoluto. João Paulo
Lucena, citado por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, afirma ser assim que
surge o interesse social, excludente dos conflitos e perturbação da ordem
pública que representava a justiça privada, oriundo de dois fatores
primordiais: a proibição expressa pelo Estado e a renúncia do indivíduo na
realização da justiça particular (Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Elementos
para uma nova Teoria Geral do Processo, p. 90).
Fazia-se, à época da idade média, imperiosa a limitação do poder
então absoluto, sendo, assim, concebida a teoria da separação dos poderes, que
representa hoje um dos pilares do constitucionalismo moderno.
Desde Aristóteles reconhece-se que a função estatal é suscetível,
em razão das diferenças que apresenta, de ser dividida num certo número de
categorias, agrupando cada qual aqueles atos do Estado que apresentam, entre
si, traços de uniformidade. O próprio Aristóteles já fixava em três essas
categorias.
O primeiro a elaborar uma teoria da divisão de poderes
sistematizada foi John Locke, inspirado na Constituição Inglesa, dizendo ser
necessário que as funções do Estado fossem exercidas por órgãos diferentes:
Executivo, Legislativo, Confederativo (Relações Internacionais) e
Discricionário (atribuições extraordinárias que o governo exercia de acordo com
as leis), tendo por fundamento a limitação do ente juspolítico.
Neste aspecto, cabia à expressão jurisdicional do poder declinar o
direito, mesmo quando o Estado-Administração fosse parte na relação processual.
Coube ao Poder Judiciário a predominância da jurisdição, vale ratificar, dizer
o direito.
Foi, no entanto, Montesquieu quem melhor sistematizou a chamada
repartição dos poderes estatais, propondo um sistema de organização e
funcionamento do poder estatal de modo que cada órgão desempenhasse uma
atividade distinta, ao mesmo tempo em que a atividade de cada qual servisse de
contenção da atividade de outro órgão.
A preocupação de Montesquieu era a defesa da liberdade contra o
poder político, único existente na época. Para alcançar esse fim dividiu o
exercício do poder entre as diferentes classes sociais (estamentos) que
constituíam a sociedade, única forma eficaz de impedir a opressão de uma classe
por outra.
Hoje se fala de separação de órgãos, especialização de funções e,
sobretudo, cooperação entre órgãos, para que o poder limite o poder. Então,
quando se fala em “separação de poderes”, não se cogita de exclusividade, mas
preponderância de funções.
Sendo ilimitadas as pretensões humanas e limitados os bens para
satisfazê-las, inevitável é o conflito, situação em que surge a insatisfação.
Com isso, a existência de uma ordem reguladora, como o é o direito, é
insuficiente ante a possibilidade do seu descumprimento. Mas a insatisfação é
fator anti-social por excelência, provocando a desagregação e a instabilidade
social. Por isso é necessária a criação de mecanismos destinados a tornar
suportáveis os conflitos sociais.
No direito primitivo, esses mecanismos eram a autocomposição e a
autodefesa. Como o Estado de Direito não tolera a justiça feita pelas próprias
mãos dos interessados, caberá à parte deduzir em juízo a lide existente e
requerer ao juiz que a solucione na forma da lei, fazendo, de tal maneira, a
composição dos interesses conflitantes, uma vez que os respectivos titulares
não encontraram um meio voluntário e amistoso para harmonizá-los.
Tomando conhecimento das alegações de ambas as partes o magistrado
definirá a qual deles corresponde o melhor interesse, segundo as regras do
ordenamento jurídico em vigor, e dará composição ao conflito, fazendo
prevalecer a pretensão que lhe seja correspondente.
Saliente-se, ainda, que no direito moderno jogam papel bastante
relevante a defesa de terceiro, a mediação e o processo. Daí o papel da
jurisdição, função do Estado moderno.
Por outro lado desde que o Estado privou os cidadãos de fazer
atuar seus direitos subjetivos pelas próprias mãos, a ordem jurídica teve que
criar para os particulares um direito à tutela jurídica estatal. Em
conseqüência, passou o Estado a deter não apenas o poder jurisdicional, mas
também assumiu o dever de jurisdição.
Em renomada obra, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins,
mencionando o festejado mestre Arruda Alvim, prelecionam que podemos, assim,
afirmar que a função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário,
tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo
regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui,
definitivamente, a atividade e vontade das partes (Comentários à Constituição
do Brasil Promulgada em 13 de outubro de 1998. São Paulo, 1997, 4º volume, tomo
III, p. 13).
Cândido Rangel Dinamarco define jurisdição como: “... a atividade
pública e exclusiva com a qual o Estado substitui a atividade das pessoas
interessadas e propicia a pacificação de pessoas ou grupos em conflito,
mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos” (Fundamentos do
Processo Civil Moderno. São Paulo, 2000, p. 115).
Ao criar a jurisdição no quadro de suas instituições, visou o
Estado a garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento
jurídico efetivamente conduzam aos resultados enunciados, ou seja: que se
obtenham, a experiência concreta, aqueles precisos resultados práticos que o
direito material preconiza. E assim, através do exercício da função
jurisdicional, o que busca o Estado é fazer com que se atinjam, em cada caso
concreto, os objetivos das normas de direito substancial. Es outras palavras, o
escopo jurídico da jurisdição é a atuação das normas de direito objetivo.
A idéia de que o Estado procura a realização do direito material
há de coordenar-se com a idéia de que os objetivos buscados são, antes de mais
nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito objetivo material
seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e
ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O interesse
que se satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da
própria sociedade.
As considerações acima expostas coadunam-se perfeitamente à
moderna teoria da jurisdição de Gian Antônio Micheli que apresentou como nota
distintiva do conceito de jurisdição, não tanto o caráter da substitutividade,
como afirmou Chiovenda, mas sim o da imparcialidade do órgão que profere a
decisão. A norma a aplicar, é, para a administração pública, a regra que deve
ser seguida para que uma certa finalidade seja alcançada. Já para o órgão
jurisdicional, a mesma norma passa a ser o objeto de sua atividade
institucional, no sentido de que a função jurisdicional se exercita com o único
fim de assegurar o respeito ao direito objetivo.
A jurisdição, para este autor, tem a sua principal característica
não só na qualidade de terceiro do juiz – terzietà, mas também nos
princípios da demanda e do contraditório. O juiz exerce a clara figura do
terceiro imparcial, retirando o poder de decisão dos envolvidos ou partes,
passando este poder a alguém que, não estando envolvido no conflito, pode
melhor solucioná-lo.
A crítica contra a teoria desenvolvida por Micheli foi o
questionamento de como o juiz pode representar um órgão imparcial, quando
decide acerca de questões em que o próprio Estado é parte. Esta crítica é
rechaçada lembrando-se ser o Judiciário um poder independente dos demais.
O DIREITO DE AÇÃO
O Estado almeja ter, numa perspectiva extremamente dogmática, o
monopólio da produção e aplicação das normas jurídicas e quer ver efetivada a
prevalência das fontes estatais do direito (lei e jurisprudência) em detrimento
das demais fontes.
Para tanto, existem dogmas, tidos como “verdades inquestionáveis e
indiscutíveis”, se bem que, na verdade, não o sejam. O compromisso do direito,
como um todo, ao final, não é tanto com a verdade, mas com a dissolução de
conflitos, a fim de tornar viável uma convivência intersubjetiva.
Há, então, a essencialização de dois princípios: princípio da
inegabilidade dos pontos de partida (dogmas), também denominado princípio da
negação; e o princípio da proibição do “non liquet”, neste o Estado
decide tudo, sempre.
Em razão de o Estado ter assumido o monopólio da justiça,
proibindo a autotutela, surge, em contrapartida, a necessidade de armar o
cidadão com um instrumento capaz de levar a cabo o conflito intersubjetivo em
que está envolvido. Esse direito é exercido com a movimentação do Poder
Judiciário, que é órgão incumbido de prestar a tutela jurisdicional.
Através da função legislativa o Estado estabelecea ordem jurídica,
fixando em forma preventiva e hipotética as normas que deverão incidir sobre as
situações ou relações que, possivelmente, venham a ocorrer entre os homens no
convívio social.
Assim o ordenamento jurídico atribui aos cidadãos “seus direitos”
prefixando as pretensões que cada um pode ostentar diante dos outros, bem como
estabelece os deveres dos vários integrantes do grupamento social juridicamente
organizado.
Quando o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição da República
solenemente assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”, não só vem garantido o direito de ser pedida a
tutela jurisdicional, com base na afirmação da existência de ato lesivo a
direito individual, como também afirmado está que todo cidadão tem o direito de
pedir ao Judiciário que obrigue o autor da lesão ou ameaça a reparar o ato
danoso que praticou.
Explicito também quanto ao papel tutelar da jurisdição é o Código
de Processo Civil, no seu artigo 2º, ao dispor, textualmente, que é tarefa da
jurisdição civil prestar a tutela jurisdicional, quando a parte a requerer nos
casos e formas legais.
Tem, assim, o autor, por meio do direito público subjetivo de ação
que lhe foi conferido pelo Estado, um direito em face do próprio Estado, e,
correlatamente, existe um dever da parte deste para com o indivíduo de lhe
prestar a tutela. Esta regra é valida também para o réu no sentido de ser
objeto de decisão, e, bem assim, qualquer outros incidentes levantados pelo
demandado.
Destarte frente à violação de um bem juridicamente protegido, não
cabe outra atividade que não a invocação da devida tutela jurisdicional.
Impõe-se a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado – o
processo judicial – em que, mediante a atuação de um terceiro imparcial, cuja
designação não corresponde à vontade das partes e resulta na imposição da
estrutura institucional, será solucionado o conflito e sancionado o autor.
Ressalte-se que mais do que imparcial (porque “impessoalidade” é
requisito de qualquer agente que atue em nome do Estado em qualquer de suas
funções soberanas e não tributo apenas dos juízes) o órgão jurisdicional é
sempre um terceiro diante da relação material controvertida. Mesmo quando o
juiz aprecia uma causa em que o Estado seja parte, a função jurisdicional fica
a cargo de um organismo completamente estranho à Administração Pública e cujo
único comprometimento é com a ordem jurídica.
Segundo a teoria do direito da ação, concebida pelo eminente
processualista italiano Enrico Túlio Liebman, o autor não precisa ter razão
para provocar a atividade jurisdicional, já que o direito processual de ação
existe, mesmo que o direito material alegado não exista. Ademais, aquele
corresponde a um agir contra o titular do poder jurisdicional, que é o Estado,
sendo o direito de ação, em última análise, o direito à jurisdição.
A pedra de toque do direito de ação para Liebman é o direito a uma
decisão de mérito sobre a demanda; assim, partindo do pressuposto de ser a ação
um direito à jurisdição, é mister saber onde começa a jurisdição; para o autor
em testilha, esta só existe quando o juiz pronuncia sobre o mérito – decide
sobre a lide, seja esta decisão favorável ou contrária ao autor.
Dessa forma, o exercício da ação cria para o autor o direito à
prestação jurisdicional, direito que é um reflexo do poder-dever do juiz de dar
a referida prestação jurisdicional.
Pode-se, com isso, dizer que o direito fundamental à ação é a
faculdade garantida constitucionalmente de deduzir uma pretensão em juízo, e,
em virtude dessa pretensão, receber uma resposta satisfatória (sentença de
mérito) e justa, respeitando-se, no mais, os princípios constitucionais do
processo (contraditório, ampla defesa, motivação dos atos decisórios, juiz
natural, entre outros).
Digna de comento é a teoria do direito de ação de Ovídio Araújo
Baptista da Silva, segundo o qual a ação não se confunde com o direito
subjetivo público de provocar a tutela jurisdicional. Segundo esse
processualista “a ação não é um direito subjetivo público pela singela razão de
ser ela própria a expressão dinâmica de um direito subjetivo público que lhe é
anterior e no qual ela mesma se funda, para adquirir sua pressuposta legitimidade”.
E mais adiante complementa: “a ação será, em qualquer caso, o
exercício de um direito preexistente ou simplesmente deixará de ser ação
legítima, fundada em direito. Tenho ação processual por que antes a hei de ter
direito subjetivo público para exigir que o Estado me preste tutela capaz de
tornar efetivo meu direito, cuja realização privada o próprio Estado tornou
impossível”.
Sob a dicção de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”, a Constituição da República empalmou o
princípio da inafastabilidade da jurisdição, que, em síntese, de um lado
outorga ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, e, de outro, faculta ao
indício o direito de ação, ou seja, o direito de provocação daquele.
METODOLOGIA JURÍDICA
O termo metodologia tem dois significados. Os primeiros são os
modos de investigação que uma determinada ciência utiliza. O outro, as
doutrinas que sistematizam o conhecimento científico e a própria transformação
da realidade.
O primeiro é o ponto de vista estritamente técnico, o que os
juristas na prática realizam em uma ordem jurídica como a nossa; também
conhecido como ponto de vista “dogmático” porque parte do princípio da
inegabilidade dos pontos de partida, segundo o qual não se deve discutir as
premissas do direito positivo, posto e positivado pelo Estado.
Essas premissas justificam-se no plano sociológico, isto é, pela
natureza tácita de normas que exprimem algo subentendido pela coletividade.
As leis, as regras e os costumes em vigor (incluindo as normas não
redigidas que servem de base para a aplicação da lei) repousam, em primeiro
lugar na certeza de que seu cumprimento é a garantia do bem-estar tanto do
indivíduo como da comunidade, e na confiança de que são atingidos determinados
objetivos, acerca dos quais existe um indiscutível consenso.
Evidentemente as normas nunca são totalmente efetivas, não
conseguindo evitar que a ordem seja violada pelo conflito, situação que ocorre
com freqüência nas sociedades modernas. E quando a ordem social é violada,
surge a necessidade de ser restaurada, evitando-se sua destruição, o que é
alcançado mediante a imposição do direito, tornando efetivos os valores que
expressa.
De mencionar-se que a ordem surge da conexão dialética com a
realidade social e econômica, que constitui a base da sociedade, estando ínsita
em qualquer sociedade, sendo-lhe inerente, já que a realidade social
manifesta-se, historicamente, como um todo estruturado, produzindo
espontaneamente, as regras que a governam. É a força normativa inseparável da
vida social.
A justiça, na atualidade, deve ser realizada de acordo com a lei;
mais precisamente de acordo com os princípios do estado de direito, contexto de
igualdade no qual o poder e a autoridade do Estado são derivados única e exclusivamente
da lei, proibida toda ação ultravires, ou seja, todo ato oficial que
ultrapassa os limites juridicamente estabelecidos de poder e autoridade, mesmo
quando a ação é realizada com a melhor das intenções e em nome do interesse
público.
Levados pela necessidade de tomar decisões com base no direito
(que não pode ser colocado em dúvida, em razão das premissas acima
mencionadas), os juristas preparam normas e as fórmulas para os órgãos
legislativos, executam-nas no vasto âmbito do Poder Executivo e ainda
desempenham “funções jurisdicionais”, isto é, ajuízam ações ou normas segundo
outras normas. Vista dessa perspectiva, a metodologia jurídica são “atos de
decisão”, técnica prático-científica dos processos de decisão orientados por
normas, vale dizer, o juiz e o tribunal têm diante de si o infrator e a
obrigação de proferir uma sentença.
O “NON LIQUET”
O multicitado artigo 5º, inciso
XXXV, da Carta Política, consagra o direito de invocar a atividade
jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o
direito de agir, o direito de ação, mas também o direito de obter do Poder
Judiciário a apreciação do pedido posto.
Uma vez provocado, o órgão jurisdicional não pode eximir-se de
decidir a questão submetida a sua apreciação, havendo sempre de manifestar-se
sobre os pedidos que lhe sejam endereçados, sob pena de violação ao princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional, com insculpido na Carta Magna no
artigo anteriormente mencionado.
Conforme esclarecimentos de Alexandre de Moraes o Poder
Judiciário, desde que haja plausibilidade de ameaça ao direito, é obrigado a
efetivar o pedido de prestação jurisdicional requerido pela parte de forma
regular, pois a indeclinabilidade da prestação jurisdicional é princípio básico
que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma
ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue (Direitos
Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos artigos 1º ao 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. São
Paulo, 1998, volume 3, p. 197).
Corroborando com esta obrigatoriedade está inscrito no artigo 35
da Lei Orgânica da Magistratura em seu inciso I que são deveres do magistrado:
cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as
disposições legais e os atos de ofício e no inciso III que o juiz deve
determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem
nos prazos legais, ou seja, a tarefa do magistrado é a de interpretar e aplicar
a legislação, dada pelo Poder Político Constituinte.
O juiz está obrigado a julgar, a faze-lo de acordo com as
disposições do Código de Processo, aplicando a tutela jurisdicional quando
provocado pela parte ou pelo interessado segundo regra geral (no procedat
judez ex officio). Não se exime de sentenciar ou despachar, alegando lacuna
ou obscuridade na lei. Cabendo-lhe aplicar as normas e, inexistindo estas,
desempenhar-se-á do encargo recorrendo á analogia, aos costumes e aos
princípios gerais do direito.
Também se infere a obrigatoriedade de apreciar o pedido posto em
juízo do quanto disposto artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que
dispõe na hipótese da lei ser omissa que o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
O artigo 126 do Código de Processo Civil, por sua vez, adverte que
o juiz não se eximirá de sentenciar ao despachar alegando lacuna ou obscuridade
da lei. Por mais que se desagrade com os dissabores de uma interpretação nem
sempre albergadora da tese defendida, a decisão jurídica se impõe. Verifica-se,
pois, que, embora não se possa assegurar direito a uma sentença favorável,
existe o direito a uma decisão ou sentença mesmo que desfavorável, ou, então,
que inadmita mesmo a ação, ou, ainda, que dê pela invalidade do processo.
E se a lei for clara é dever do magistrado interpreta-la e
aplica-la, apesar de não encontrar dificuldades. Se a lei for obscura ou
ambígua, deverá interpreta-la empregando certa engenhosidade intelectual.
Lacuna pode existir na lei, fórmula mais ou menos perfeita do
direito, não, porém, no direito. O juiz nunca pode esquivar-se de sua função,
mesmo quando se depara com casos em que a lei é omissa ou possui lacunas. Em
seu trabalho de aplicador, o juiz pode ser levado a revelar o direito, integrar
a norma jurídica. É-lhe vedado pronunciar o “non liquet”, isto é, que o
direito não está revelado, declarado, explicitado.
A expressão “non liquet” é usual na ciência do processo,
para significar o que hoje não mais existe: o poder de o juiz não julgar, por
não saber como decidir.
O direito é, existe. Cabe ao juiz, técnico em matéria jurídica,
enuncia-lo (jura novit cúria), no desempenho de suas funções de prestar
a tutela jurisdicional que o Estado a todos promete.
Curiosa a posição de Zitelmann: não é a lei, propriamente dita,
que tem lacunas, e sim nosso conhecimento a seu respeito.
CONCLUSÃO
Pelo quanto exposto podemos concluir que o juiz é um agente do
poder público subordinado às restrições que lhe são impostas pela organização
estatal que tomou para si a função de julgar os conflitos sociais e delegou ao
juiz a obrigação de decidir tais conflitos dentro das normas legais vigentes.
Assim, o magistrado tem poderes-deveres, pois os poderes
incumbidos ao juiz são intrinsecamente deveres, sem os quais não poderia
exercer plenamente o comando jurisdicional que o Estado lhe outorgou.
Cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em
nome próprio e muito menos por um direito próprio: ele é, aí, um agente do
Estado (age em nome deste). O Estado o investiu, mediante determinado critério
de escolha, para exercer uma função pública; o Estado lhe cometeu, segundo seu
próprio critério de divisão de trabalho, a função jurisdicional referente a
determinadas causas. E agora não poderá o juiz, invertendo os critérios da
Constituição Federal e da lei, deixar de conhecer dos processos que elas lhe
atribuíram.
O juiz, atualmente, não pode deixar de julgar. Ainda que nada
tenha ficado provado; ainda que não saiba quem tem razão; ainda que não saiba
qual das partes é vítima e qual o algoz; ainda que ignore qual das partes o
está enganando, o juiz tem o dever de julgar. Não sabe e, entretanto, deve
julgar, como se soubesse. “Il giudice decide non perché as ma come se
sapesse.” (CARNELUTTI, Franesco. Diritto e Processo. Napoli, Morano, 1958,
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