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A imunidade parlamentar na Emenda Constitucional n.º 35, de 20 de dezembro de 2001
Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira *
Recente alteração constitucional foi levada a
efeito com a manifestação do Poder Constituinte Derivado
Reformador que alterou a redação do art. 53 de Constituição Federal que prevê a
imunidade dos Deputados e Senadores.
Sem perscrutar os motivos que ensejaram a
alteração do Texto Supremo, teceremos algumas considerações sobre as alterações
encetadas.
As imunidades não se confundem com privilégios[1], já que estes “satisfazem o interesse pessoal
de seus beneficiários”[2], enquanto aquelas visam o escorreito desempenho das
funções estatais. São divididas em material e formal.
A imunidade material, também denominada
“inviolabilidade parlamentar”[3], está prevista no
“caput”da nova redação do Art. 53, da Constituição Federal: “Os Deputados e
Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos”. A redação antiga não continha a expressão “civil”[4], mas a doutrina[5] e o Supremo Tribunal Federal[6] já
admitiam a abrangência da responsabilidade civil, ora adotada pelo direito
positivo.
Antes do advento da Emenda Constitucional em testilha, não havia a expressão “quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos”, e o Supremo Tribunal Federal entendia que “a
imunidade material não abrange e protege o congressista na prática de quaisquer
atos, ainda que desvinculados do ofício congressual”[7],
somente abarcando “as manifestações dos parlamentares ainda que feitas fora do
exercício estrito do mandato, mas em conseqüência deste”[8]. Entendemos que a
interpretação da palavra “quaisquer” deve ser no sentido que já era adotado
pelo Pretório Excelso, não afigurando-se como
absoluta, para todo e qualquer ato, inclusive os desvinculados da função
parlamentar[9], sob pena possibilitar o desvio da finalidade para qual foi
instituída. Em síntese, é o parlamentar imune quanto a
“quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, que guardem relação com o
exercício do mandato, ainda que fora do recinto da Casa Legislativa[10].
Os parágrafos seguintes trataram da imunidade
formal ou processual.
O § 1º do artigo em comento teve redação
semelhante ao antigo § 4º, com a ressalva[11] em
negrito: “Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Impende recordar
que o Supremo Tribunal Federal modificou posicionamento, cancelando a Súmula
394, entendendo que o foro por prerrogativa parlamentar “não alcança aquelas
pessoas que não mais exerçam cargo ou mandato”[12].
Nos termos do § 2º da novel redação do artigo 53
da Lei Fundamental: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.
Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a
prisão”. Tal parágrafo tem redação semelhante ao § 1º da redação anterior, com
a ressalva que os congressistas não poderiam ser processados criminalmente sem
prévia licença, o que foi alterado pelo parágrafo terceiro. Foi incluída norma
semelhante ao antigo parágrafo 3º do artigo 53, que tratava do procedimento
para a Casa deliberar sobre a prisão em flagrante de crime inafiançável, com a
ressalva de que não mais subsiste o voto secreto, que era expresso
anteriormente.
A inovação mais relevante consiste no § 3º:
“Recebida a denúncia
contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo
Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido
político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até
a decisão final, sustar o andamento da ação”.
No regime anterior, a licença como dissemos
alhures era prévia ao processo. Agora há possibilidade de suspensão do
processo, observadas determinadas condições, que serão expostas adiante. Não
teceremos críticas acerca da conveniência, oportunidade, justiça ou injustiça
da alteração, limitaremos a proceder à interpretação.
A suspensão do processo criminal contra Deputado
ou Senador possui os seguintes requisitos:
1- crime praticado após a diplomação[13];
2- recebimento da denúncia pelo Pretório Excelso
que dará ciência à respectiva Casa;
3- requerimento inicial de partido político
representado na Casa no sentido da suspensão;
4- aprovação pela maioria de seus membros, antes
da decisão final do processo judicial.
Tal suspensão finda com o término do mandato,
aplicando-se os mesmos fundamentos defendidos pelo Supremo Tribunal Federal nos
julgados acima sobre o foro por prerrogativa de função, bem
como o parágrafo 5º, adiante tratado. É dizer, a suspensão não alcança
aquelas pessoas que não mais exerçam cargo ou mandato, motivo pelo qual não
pode ser concedida após o término do mandato.
O prazo, improrrogável, para apreciação do pedido
de sustação, pela Casa respectiva, é de quarenta e cinco dias do seu
recebimento pela Mesa Diretora, conforme § 4º do artigo alterado. Eventual
ausência em exame do pedido de suspensão no prazo mencionado não inviabiliza
exame de outro pedido, posterior. O mencionado prazo improrrogável não extingue
o direito de apreciação de requerimento posterior, sob pena de criação de outro
requisito pelo intérprete, que estará substituindo o Poder Constituinte
Reformador, o que lhe é vedado.
Durante a suspensão do processo está suspensa a
prescrição, enquanto durar o mandato, nos termos do § 5º. A suspensão da
prescrição era prevista no parágrafo 2º, da redação antiga do artigo em
comento.
A redação dos parágrafos 6º[14] e 7º[15] é
semelhante aos antigos parágrafos 5º[16], e 6º[17], respectivamente.
Foi acrescido o § 8º: “As imunidades de Deputados
ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas
mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de
atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis
com a execução da medida. (NR)”, que anteriormente era o parágrafo 7º, com
apenas a inclusão da palavra “Nacional”.
Eventual discussão poderá surgir acerca da
aplicação desta Emenda Constitucional, que entrou em vigor na data de sua
publicação. Aplica-se a suspensão aos casos pendentes?
Entendemos que tal alteração é de aplicação
imediata, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada, nos termos do artigo 5º, XXXVI, e artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV,
ambos da Constituição Federal, aplicando-se o princípio consagrado no artigo 2º
do Código de Processo Penal .
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[1]. Flávia
Piovesan discorre acerca do assunto Imunidade: “Prerrogativa ou privilégio”,
Folha de São Paulo de 4/07/2001, p. A 3.
[2]. Raul Machado Horta, Direito Constitucional,
2ª Ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 590.
[3]. Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson
Jobim, Inquérito nº 1.296-3.
[4]. Da mesma forma não havia a expressão
“penalmente”.
[5]. Raul Machado Horta, op. cit., p. 592, Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de
1946, Rio de Janeiro: Henrique Cahen, 1946, v. 2, p.
30.
[6]. Supremo Tribunal Federal, Pleno, Recurso
Extraordinário n. 210.907/RJ, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, Informativo STF n. 118, de agosto de 1998.
[7]. RDA 183/107, no sentido do texto: RDA
181-182/275, RT 648/318, RTJ 155/396.
[8]. Agrinq 874, Rel. Min. Carlos Vellosso, j.
22/03/1995, no mesmo sentido: Inq (QO) 1.381-PR, Rel.
Min. Ilmar Galvão, 03/01/1999, Informativo STF 169..
[9]. A melhor doutrina nos dá os seguintes
exemplos, não amparados pela imunidade: “Deputado que se vale do mandato para
provocar ou estimular greves nas cidades industriais”, ou o “trafic d’influence”,
ou o exercício de “outras atividades, como a de jornalista”, ou “publicações
sediciosas, Raul Machado Horta, op. cit., p. 593-4.
[10]. Para o Supremo Tribunal Federal: “a
inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa
identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que
fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do
agente”, RE-210917 / RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
Pleno, 12/08/1998.
[11]. Alteração de somenos importância.
[12]. Supremo Tribunal Federal: Inq 687-SP (QO), Pleno, e Inq
881-MT (QO), rel. Min. Sydney Sanches; AP 313-DF (QO), AP 315-DF
(QO), AP 319-DF (QO) e Inq 656-AC (QO), rel. Min. Moreira Alves,
25.8.99, publicados no Informativo STF n. 159.
[13]. Os processos que versam sobre crimes
praticados anteriormente à diplomação não são passíveis de suspensão, pela nova
redação do Texto Supremo.
[14]. “ 6º Os Deputados e
Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou
prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou deles receberam informações”.
[15]. “§ 7º A incorporação às Forças Armadas de
Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra,
dependerá de prévia licença da Casa respectiva”.
[16]. Antiga redação do art. 53, § 5.º “Os Deputados e Senadores não serão obrigados a
testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do
mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam
informações”.
[17]. Antiga redação do art. 53, § 6.º “A incorporação às Forças Armadas de Deputados e
Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia
licença da Casa respectiva”.
* Procurador do Estado de São Paulo, foi membro eleito do Conselho Superior
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (biênio 2001/2002), mestre
FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. A imunidade
parlamentar na Emenda Constitucional n.º 35, de 20 de
dezembro de 2001.
Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 25 de
julho de 2006.