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A eugenia de Hitler e o racismo da ciência
Antonio Baptista Gonçalves *
Sempre que se consulta qualquer arquivo histórico sobre a
origem do nazismo, o principal argumento é que Adolf Hitler buscava
incessantemente o sucesso de seus três erres: reich (império), raum (espaço) e
rasse (raça).
O
primeiro se referia ao resgate do nacionalismo alemão, abalado desde o final da
Primeira Guerra Mundial.
O segundo
era a conquista de territórios tomados da própria Alemanha em virtude da perda
da Guerra.
E o
terceiro era a busca de uma raça pura, denominada por ele de ariana, segundo a
qual somente os alemães mais fortes deveriam sobreviver.
O
resultado de toda essa planificação foi uma atrocidade sem precedentes em nossa
história, com resultados aterrorizantes e assustadores.
Entretanto, existe um dado em todo esse estratagema que foi atribuído a
Hitler, mas, na verdade é muito anterior ao führer, e foi uma das
justificativas pelo próprio, de sua utilização na Alemanha nazista: a defesa da
eugenia pela ciência.
A idéia
de eugenia nasceu na Inglaterra, prosperou nos EUA e teve seu ponto alto na
Alemanha nazista. Com nova roupagem e outros nomes, ela sobrevive até hoje.
Quando em
The origin of species, de 1859, Darwin propôs que a seleção natural fosse o
processo de sobrevivência a governar a maioria dos seres vivos, importantes
pensadores passaram a destilar suas idéias num conceito novo – o darwinismo
social.
"Devemos suportar o efeito, indubitavelmente mau, do fato de que os
fracos sobrevivem e propagam o próprio gênero, mas pelo menos se deveria deter
a sua ação constante, impedindo os membros mais débeis e inferiores de se
casarem livremente com os sadios". Darwin acreditava que os criminosos,
por sua vida mais breve e a dificuldade de se casarem, naturalmente livrariam
as raças superiores de sua má influencia. Além disso, com o predomínio dos
casamentos entre os mais fortes, sábios e moralmente superiores - e evitando a
miscigenação com as "raças inferiores" - Darwin acreditava na
evolução física, moral e intelectual das "raças superiores" pela
seleção natural.
Esse
conceito, de que na luta pela sobrevivência muitos seres humanos eram não só
menos valiosos, mas destinados a desaparecer, culminou em uma nova ideologia de
melhoria da raça humana por meio da ciência. Por trás dessa ideologia estava
sir Francis J. Galton, que era parente de Darwin, cujo nome é associado ao
surgimento da genética humana e da eugenia.
Galton
tinha a proposta de esterilizar os humanos fracos de corpo e mente, e de raças
inferiores.
Convencido de que era a natureza, não o ambiente, quem determinava as
habilidades humanas, Galton dedicou sua carreira científica à melhoria da
humanidade por meio de casamentos seletivos. No livro Inquiries into human
faculty and its development, de 1883, criou um termo para designar essa nova
ciência: eugenia (bem nascer), que nada mais é do que a ciência que estuda as
possibilidades de apurar a espécie humana sob o ângulo genético.
No início
do século XX, quando as teorias de Darwin eram amplamente aceitas na
Inglaterra, havia grande preocupação quanto à "degeneração biológica"
do país, pois o declínio na taxa de nascimentos era muito maior nas classes
alta e média do que na classe baixa. Para muitos parecia lógico que a qualidade
da população pudesse ser aprimorada por proibição de uniões indesejáveis e
promoção da união de parceiros bem-nascidos. Foi necessário, apenas, que homens
como Galton popularizassem a eugenia e justificassem suas conclusões com argumentos
científicos aparentemente sólidos.
As
propostas de Galton ficaram conhecidas como "eugenia positiva". Nos
EUA, porém, elas foram modificadas, na direção da chamada "eugenia
negativa", de eliminação das futuras gerações de "geneticamente
incapazes" – enfermos, racialmente indesejados e economicamente
empobrecidos –, por meio de proibição marital, esterilização compulsória,
eutanásia passiva e, em última análise, extermínio.
A eugenia
pode ser dividida em: eugenia positiva, que busca o aprimoramento da raça
humana através da seleção individual por meio de casamentos convenientes, para
se produzir indivíduos "melhores" geneticamente; e eugenia negativa,
que prega que a melhoria da raça só pode acontecer eliminando-se os indivíduos
geneticamente "inferiores" ou impedindo-os que se reproduzam. Tendo a
eugenia positiva se mostrado impraticável, a maioria dos eugenistas ao redor do
mundo acabou por adotar a eugenia negativa.
O líder
do movimento eugenista dos EUA foi Charles Davenport, que dirigia o laboratório
de biologia do Brooklin Institute of Arts and Science, em Long Island,
instalado em Cold Spring Harbor. Em 1903, obteve da Carnegie Institution o
estabelecimento de uma Estação Biológica Experimental no local, onde a eugenia
seria abordada como ciência genuína.
O próximo
passo de Davenport foi identificar os que deveriam ser impedidos de se
reproduzir. Em 1909 criou o Eugenics Record Office para registrar os
antecedentes genéticos dos norte-americanos e pressionar por legislação que
permitisse a prevenção obrigatória de linhagens indesejáveis. Para isso, o
grupo concluiu que o melhor método seria a esterilização, e o estado de Indiana
foi a primeira jurisdição do mundo a introduzir lei de esterilização
coercitiva, logo seguido por vários outros estados. Desde o início, porém, o
uso de câmaras de gás estava entre as estratégias discutidas para eliminação
daqueles considerados indignos de viver.
O
movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924, leis
que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados
americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes.
O modo de
ação preferido da eugenia estadunidense foi a esterilização compulsória. Houve
também isolamentos – para que os "débeis mentais", conceito que nunca
foi explicitado com clareza, não se reproduzissem – e restrição a casamentos,
principalmente entre brancos e negros, mas a grande vitória do movimento
eugenista dos Estados Unidos foi conseguir aprovar leis estaduais que permitiam
a médicos esterilizar seus pacientes.
Confrontada com tamanha violação dos princípios da Constituição
americana, a Suprema Corte fez o pior, dando sua bênção à eliminação dos mais
fracos. "Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por
crimes, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente
incapazes de procriar sua espécie", disse o juiz Oliver Wendell. Entre os
anos 1920 e 1960, pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente
- a maioria mulheres. ´´Os esforços americanos para criar uma super-raça
nórdica chamaram a atenção de Hitler´´
A maior
lição sobre o tema nos Estados Unidos pode ser acompanhada nos relatos de Edwin
Black no livro A guerra contra os fracos.
Apesar de
a Alemanha ter desenvolvido, ao longo dos primeiros vinte anos do século XX,
seu próprio conhecimento eugenista, tendo suas próprias publicações a respeito
do assunto, os adeptos alemães da eugenia ainda seguiam como modelo os feitos
eugenistas americanos, como os tribunais biológicos, a esterilização forçada, a
detenção dos socialmente inadequados, e os debates sobre a eutanásia.
"Enquanto a elite americana descrevia os socialmente indignos e os
ancestralmente incapazes como "bactérias", "vermes",
"retardados", "mestiços" e "subumanos", uma raça
superior de nórdicos era progressivamente considerada a solução final para os
problemas eugenistas do mundo." (Um tribunal Biológico: Tratando a Causa,
Eugenical News, v. IX, 1924, p. 92, apud Edwin Black, op. cit., p. 419).
Os
Estados Unidos também foram responsáveis pela criação e desenvolvimento do
amplamente conhecido teste de QI, popular até hoje. O aludido teste nada mais é
do que uma derivação direta dessas teses. Ninguém dirá que uma pessoa com
resultado baixo pode ser considerada tão "inteligente" quanto a outra
de resultado acima da média.
As
atrocidades cometidas pelo nazismo em nome da construção de uma Alemanha
exclusivamente para a "raça ariana" foram tão grandes e tão chocantes
que tiveram como efeito misturar o nazismo e a eugenia considerando a mesma
coisa. Após o fim da Segunda Grande Guerra, o sentimento de repulsa e revolta
com a revelação das torturas e mortes nos campos de concentração talvez tenha
sido uma das razões que levaram a opinião pública em geral a se
"esquecer" de que a idéia de higiene racial não foi uma invenção
original de Hitler e de seus companheiros de partido.
Entretanto, infelizmente, este malefício não pode ser atribuído ao
nazismo, porque as teorias de superioridade racial, de anti-semitismo, de
seleção da espécie já se encontravam largamente difundidas, especialmente entre
as elites científicas e acadêmicas, bem antes de Adolf Hitler assumir o poder.
Na Alemanha, a eugenia
norte-americana inspirou nacionalistas defensores da supremacia racial, entre
os quais Hitler, que nunca se afastou das doutrinas eugenistas de
identificação, segregação, esterilização, eutanásia e extermínio em massa dos indesejáveis,
e legitimou seu ódio fanático pelos judeus envolvendo-o numa fachada médica e
pseudocientífica.
Mesmo com
o final da Segunda Guerra Mundial a eugenia ainda continua cada vez mais
presente em nossos dias. Muitos dizem que a morte de Hitler também sepultou os
dias de loucura e insensatez.
Entretanto, o que a humanidade presenciou nos cinqüenta anos posteriores
a existência do Führer, novamente pelas mãos da ciência?
Para
sermos sucintos, dentre tantas outras coisas, duas de relevante importância: o
Projeto Genoma e a experiência em células-tronco, como meio regenerativo.
E, em
ambos os casos as teorias cientistas envolvidas foram as de melhoria da vida
humana, eliminação de doenças, correção de imperfeições. Frases amplamente
utilizadas e difundidas por Darwin há 150 anos atrás.
Com o
avanço desenfreado da tecnologia os eugenistas tiveram uma gama enorme de
recursos para ampliar seu campo de pesquisa, sem nunca, desviar de seus
propósitos.
O Projeto
Genoma visa um mapeamento com a seqüência dos genes humanos e verificar em que
série do código genético existe um gene defeituoso e então substituí-lo.
Porque,
desta feita, os genes defeituosos responsáveis por defeitos congênitos,
transmissões hereditárias de características indesejáveis ou doenças,
simplesmente deixariam de existir, uma vez que seriam substituídos.
Estaríamos loucos ou seria uma derivação mais aperfeiçoada da raça
ariana pura defendida por Hitler?
O líder
nazista ordenou que milhões de judeus fossem dizimados em nome da chamada
"raça pura" idealizada por ele; e que portadores de deficiências
físicas e mentais servissem de cobaias para experimentos genéticos realizados
por Josef Mengele, "médico" de confiança do Füher (PEDROSA, 2005).
Os atos
de Adolf Hitler refletem a aversão em se conviver com a condição da fragilidade
humana, inclusive no medo que tange a si próprio de gerar um filho
"fraco" ou "imperfeito".
No
entanto, este temor não era exclusividade de um dos maiores genocidas da
história, porque esta aversão às fraquezas do homem está presente na humanidade
desde épocas ancestrais. E perdura nos dias de hoje sobre o pretexto de uma
melhora significativa da qualidade de vida da humanidade.
Agora
entre um pensamento que deixamos mais para o final, não seria então a ciência
racista?
Este
procurar incansável de uma raça melhor, mais forte e perfeita, denota um
profundo preconceito com os cidadãos portadores de deficiências.
Não que
seja um racismo dirigido, mas, se trata de uma espécie de vergonha dos
cientistas de "permitirem" que existam pessoas tidas como fora dos
padrões de normalidade.
O Projeto
genoma apenas nos mostra a profunda intolerância que a ciência tem com os menos
favorecidos. E fortalece este pensamento na medida em que anuncia a proximidade
de erradicação de doenças e deficiências.
E como se
desenvolverá tal processo? Primeiro identificando os genes causadores dos
defeitos e doenças, e na seqüência, os alterando ou erradicando dos embriões,
para evitar que uma pessoa desenvolva a deformidade.
O mais
simples será eliminar o embrião que apresentar alguma doença séria, como já é
feito em muitos países, mas se os pais objetarem por motivos éticos ou
religiosos, poderá ser feita uma intervenção visando modificar o gene e
retorná-lo à codificação de normalidade, antes de permitir o desenvolvimento
posterior em feto.
O segundo
passo será "tratar" das pessoas já vivas, numa substituição das
seqüências defeituosas por outras "corrigidas".
E muitos
podem pensar que isso nunca irá acontecer, mas o que dizer das experiências com
as células-tronco? Até agora tem apresentado resultados bastante polêmicos e
restritos.
Em termos
comparativos, os resultados obtidos até agora são muito mais significativos que
antigamente. É apenas uma questão de tempo para que as pesquisas avancem e se
aperfeiçoem a tal ponto que num futuro se tornem procedimentos de rotina,
realizados em consultório.
Nada mais
é do que uma correção de problemas para pessoas que já os possui. A diferença é
que agora essas pessoas não eram mortas como há dois séculos atrás.
A
correção dos "defeitos" pode ser encarada apenas como uma etapa
inicial, porque num futuro, ainda que muito distante de nossa realidade,
poderá, com base no próprio mapeamento genético desenvolver um ser humano
"ideal", sem defeitos, forte e virtuoso.
E, neste
ponto, as pessoas ainda não enxergaram os riscos. Por que, se no futuro será
possível eliminar as doenças e tornar a vida das pessoas mais saudáveis, o que
impedirá a ciência de alteraras funções e estruturas normais do corpo?
E não
estamos falando de corrigir problemas de saúde. Poderão os pais escolher a cor
dos olhos de seu filho? Da pele? Do cabelo? Ou mudar tendências genéticas de
temperamento, personalidade, preferências sexuais, etc.
Pode ser
uma profetização, e Oxalá estejamos errados, mas de que impede que a ciência
proporcione que as pessoas fiquem mais inteligentes com as alterações dos
genes, e por fim, queiram brincar de serem Deus e prolongar a longevidade de um
ser humano?
Pode ser
que a diferença esteja no contexto de brutalidade em que Hitler idealizou sua
"melhoria da raça", mas, de qualquer forma, o cerne da questão
continua sendo o mesmo: trata-se de eugenia.
E não
criticamos em momento algum as conquistas obtidas pela ciência até o presente
momento, mas Hitler nos deixou um legado que não pode ser esquecido.
A eugenia
tem de ser tratada com muito cuidado, porque tende a se tornar um racismo
exacerbado e incontrolável, a busca por uma perfeição imperfeita.
Será a
transformação da humanidade num padrão, e porque não, numa robotização.
O nazismo
nos ensinou que a eugenia pode trazer muitos benefícios, mas que os seus
malefícios podem causar estragos numa escala muito mais devastadora. A missão
da ciência é inglória: aperfeiçoar o homem, que não se percam os pesquisadores.
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BIBLIOGRAFIA
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Cantarino, Carol. Nova genética desestabiliza idéia de "raça"
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* advogado, pós-graduado em Direito Penal Econômico na Fundação Getúlio Vargas (FGV), aluno de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/ >. Acesso em: 23 mai. 2006.