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A administração judiciária e o planejamento
estratégico
Leonardo Peter da Silva*
Estratégia é um termo
transportado das aplicações bélicas para a administração que, em sua acepção
original está ligada à arte de planejar e executar movimentos e operações
visando alcançar ou manter posições relativas. A partir dessa idéia, percebe-se
que, inicialmente, faz-se necessário fixar os objetivos para que, a partir
destes, sejam definidos os meios para obtê-los (VALERIANO, 2001, p.54-55).
Porém a definição de estratégia
dentro do campo da administração admite, também, outras perspectivas. Além de
planejamento, que está relacionado à idéia de futuro, daquilo que a organização
pretende ser, o conceito de estratégia também traz em si a idéia de padrão,
isto é, a consistência em um comportamento ao longo do tempo, caracterizando a
preocupação organizacional com a sua imagem frente à sociedade. Além disso,
estratégia pode ser entendida como uma posição, ou seja, a colocação da empresa
frente a novos mercados, dado o seu interesse em competir nesse novo campo ou,
ainda, como uma perspectiva, traduzida na maneira fundamental de uma
organização fazer as coisas. Por fim, podemos definir a estratégia como um
truque, isto é, uma manobra específica da organização para enganar um
concorrente dentro do mundo globalizado (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000,
p.19-21).
Apesar dessas várias definições, é
preciso ficar claro que a estratégia não se confunde com a tática, outro termo
trazido para a administração a partir de idéias militares. A tática diz
respeito às ações no plano mais imediato, dispondo os meios e conduzindo os
processos para alcançar os objetivos do plano estratégico. As decisões
estratégicas são diferentes daquelas tomadas em nível tático por serem
abrangentes e de alta importância, decorrendo delas todas as ações a serem realizadas,
além de aplicarem recursos durante longo tempo e por serem de difícil alteração
ou reversão (VALENRIANO, 2001, p. 55).
Mesmo não sendo fácil definir a
estratégia, existem algumas áreas gerais de
concordância no que diz respeito à sua natureza:
- a estratégia está ligada tanto à
organização quanto ao ambiente;
- a essência da estratégia é
complexa;
- a estratégia envolve questões de
conteúdo e de processo;
- a estratégia envolve vários
processos de pensamento e é distinta em diferentes níveis corporativos
(MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21).
Como a estratégia pode ser distinta dentro
dos diversos níveis da organização, é necessário que se defina o gerenciamento
ou planejamento estratégico. É esse planejamento que formula, implementa e avalia linhas de ação multidepartamentais,
levando a organização a atingir seus objetivos de longo prazo. A não ser que as
orientações, mudanças e decisões sejam feitas de forma descoordenada,
é possível dizer que muitas organizações tenham um gerenciamento estratégico,
ainda que em caráter informal (VALENRIANO, 2001, p. 65).
É importante que fique claro
"que a estratégia é mais do que uma só decisão, mas o padrão global de
decisões e ações que posicionam a organização em seu ambiente e tem o objetivo
de fazê-la atingir seus objetivos a longo prazo"
(SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON, 2002, p.87). Esse conceito traz em si as idéias de
padrão, planejamento, posição e perspectiva estratégica.
Reconhecendo que o Judiciário não é
um poder uniforme e que não apresenta as mesmas características em todo o
território nacional, existindo vários poderes em um só – federal, estadual,
trabalhista, eleitoral, juizados especiais, primeira e segunda
instâncias, tribunais superiores – (RENAULT, 2004, p.96) é possível que
se chegue à conclusão de que é necessária a criação de uma estratégia para a
Administração Judiciária, o que certamente levará a um Planejamento Estratégico
com vistas a alcançar os objetivos propostos de acordo com os anseios da
sociedade.
A Administração Judiciária deve ser
encarada a nível macro e micro, ambos complementando-se e coordenadas entre si.
A administração dos tribunais, a nível macro, apresenta dificuldades
organizacionais, burocratização e independência dos órgãos judiciais para
traçarem seu modo administrativo sem levar em consideração o conjunto, os
demais componentes do Poder. A nível micro, o problema
está na complexidade das organizações judiciais, em geral com magistrados
exercendo duplamente a função de administração da justiça e administração da
organização (LEÃO, 2004, p.28).
É preciso que seja traçado o rumo a
ser seguido pela Administração Judiciária brasileira e esse norte deve ser
lançado de forma coordenada para que seja alterada a visão de que existem
vários judiciários no Brasil. Há que se realizar, para tanto, um trabalho
pautado na mudança de cultura na administração, na quebra de paradigmas,
exigindo o aprimoramento da área de gestão, vinculada a uma política global do
Judiciário (LEÃO, 2004, p.36). Essa política global pode ser traduzida na
estratégia do Judiciário, no planejamento e gerenciamento da forma de
administrar a prestação jurisdicional.
Segundo Paulo Roberto MOTTA (1996,
p.86), "o Planejamento Estratégico siginifica a
conquista da visão de grande escopo e longo prazo na determinação dos
propósitos e caminhos organizacionais". Essa conquista tem seu início no
nível de mudanças conceituais que resultam em novos modelos de comportamento
administrativo, além de novas técnicas e práticas de planejamento, controle e
avaliação.
Vários são os modelos de
planejamento estratégico, mas a maior parte pode ser traduzida nas seguintes
idéias relacionadas ao modelo SWOT e a fixação de objetivos (MINTZBERG,
AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.45).
O modelo SWOT é um meio bastante
difundido para realização do diagnóstico estratégico da empresa. Esse método
busca definir as relações existentes entre os pontos fortes (strenghts) e fracos (weaknesses)
da empresa com as tendências mais importantes do ambiente organizacional, tanto
interno, quanto externo, delimitando as oportunidades (opportunities)
e ameaças (threats) para a empresa. "A idéia é
que o empresário descubra como, por exemplo, usar suas forças para minimizar as
suas fraquezas, aumentar as suas oportunidades e diminuir as ameaças que estão
ao seu redor" (CLEMENTE, 2004).
O Planejamento Estratégico parte da
idéia de que o ambiente onde está inserida a organização está em constante
mutação e turbulência, exigindo um processo contínuo de formulação e avaliação
de objetivos, baseado no fluxo de informações entre ambiente e organização
(MOTTA, 1996, p.85).
Quando tratamos da Administração
Judiciária, falar em planejamento estratégico é discutir qual o rumo que esse
poder deve tomar, de forma coordenada e controlada, para atingir aquilo que a
sociedade demanda. A preocupação do Judiciário não está na concorrência ou no
mercado, visto que sua atribuição é exclusiva por força legal, mas em
corresponder às expectativas dos cidadãos no que diz respeito à prestação
jurisdicional.
É importante observar que, além da
idéia de planejamento, gerenciamento e controle estratégico, existem diversas
outras escolas que trabalham a questão da estratégia empresarial sobre os mais
variados aspectos. Mintzberg, Ahlstrand
e Lampel (2000, p.14) apresentam dez escolas
estratégicas, agrupadas em três grupos: no primeiro, as escolas de natureza
prescritiva; no segundo, as escolas de natureza descritiva e, por fim, um grupo
que possui uma única escola: a configuração da estratégia.
As escolas prescritivas
preocupam-se mais em como as estratégias devem ser formuladas, e não com o que
elas realmente são. As descritivas por sua vez, pretendem demonstrar como as
estratégias são formuladas e não se ocupam da prescrição do comportamento
estratégico. A escola de configuração combina as demais, agrupando vários
elementos. É importante salientar que tais escolas surgem em diferentes
estágios do desenvolvimento da administração estratégica e é importante que a
organização avalie qual o seu estágio e a escola que mais se adapta à sua
necessidade (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.15).
A observação do parágrafo anterior
se faz oportuna, pois muito se tem falado sobre as modernas idéias de
gerenciamento estratégico, sobre as diversas escolas e novos modelos de
organização. Ocorre que todos esses elementos devem ser analisados dentro de
cada cenário para que se extraia a melhor solução a ser adotada. É preciso que
os administradores entendam que qualquer situação pode ter múltiplas
interpretações. Um simples aspecto da cultura organizacional pode abranger
muitas dimensões: traduzir uma forma mecanicista de organização, refletir a
cultura empresarial, explicitar quem exerce o poder no departamento. E todos
esses aspectos estão presentes simultaneamente – pense em "estrutura"
da organização e terás estrutura, pense em "cultura" empresarial e
apareceram todas as dimensões culturais, pense em "política"
organizacional e surgirão os aspectos políticos de cada instituição (MORGAN,
2002, p.25).
O Poder Judiciário apresenta uma
estrutura piramidal e uma forma burocrática de administração instalada com
todos os seus paradigmas. O modo de atuação do Judiciário, de forma
estratificada, com o conhecimento cada vez mais especializado e
individualizado, não permite a integração da problemática em termos do todo,
mas sim em fragmentos de gestão. Em função da burocratização da Administração
Judiciária, tanto no que concerne à atividade meio quanto a
atividade fim, reina uma situação de conformismo e estagnação intelectual que
dificulta a transformação de qualquer modelo (LEÃO, 2004, p.19).
Em uma realidade como a descrita no
parágrafo anterior, a mudança no modelo de gestão é um processo que tende a ter
resistências naturais e deve ser implementado com
cuidado, de forma planejada e controlada, por meio de indicadores que apontem o
sucesso ou não das atitudes adotadas. Surge a idéia de que, mais do que o
simples planejamento, é preciso preocupar-se com a gerência estratégica, ou
seja, o estabelecimento de metas e objetivos para organização ajustados às
demandas onde a organização está inserida, reforçando as idéias de processo
contínuo, inovação e adaptação. É preciso que fique claro que o planejamento
racional, centralizado, restrito ao topo da organização não é o mesmo que o
planejamento estratégico. Esse último busca incorporar a visão estratégica aos
diversos níveis gerenciais, instituindo o processo contínuo e sistemático de
tomada de decisão de acordo com alternativas de futuro, criadas a partir de
cenários em função das mudanças no ambiente organizacional (MOTTA, 1996,
p.88-90).
Dessa forma, não basta que um ou
outro órgão jurisdicional busque atuar de acordo com os anseios e expectativas
da sociedade, mas é necessário que o Judiciário atue a partir das idéias
definidas como estratégicas para esse Poder, pautadas nos novos princípios da
administração pública gerencial.
Alguns podem pensar que o produto
do planejamento estratégico é um plano ou um conjunto de planilhas e tabelas.
Muito mais que isso, o produto do planejamento estratégico são os resultados
compatíveis com a missão e objetivos organizacionais. A proposta desse tipo de
iniciativa é estabelecer um sentido e direção para organização, e não aumentar
a burocracia (MOTTA, 1996, p.92).
É necessário, para que se obtenha
sucesso na elaboração de um planejamento estratégico, que se rompam as
barreiras das vaidades humanas. O sistema Judiciário não pode ser visto como um
emaranhado de órgãos desvinculados entre si, cada qual realizando a prestação
jurisdicional a seu modo. Claro que medidas isoladas, quando não se tem uma
unidade possível, podem surtir algum efeito. Mas são insignificantes para o
todo da população que prescinde dos serviços daquele Poder.
É preciso que o planejamento estratégico
do Judiciário seja desenvolvido a partir do consenso daqueles que detém o poder
para decidir sobre os rumos a serem seguidos por todo o poder. E mais que isso,
é necessário que esses se preocupem com a questão administrativa do Poder
Judiciário, pois mais do que nunca essa administração envolve questões técnicas
e políticas e deve ser buscada uma solução que envolva pessoas que conheçam de
todos os ramos envolvidos nessa gestão.
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referências
CLEMENTE, A. Sem planejamento
estratégico, não há investidor que se arrisque a colocar dinheiro em sua
empresa. UniversiaBrasil,
São Paulo, out. 2002. Disponível em http://www.universiabrasil.net. Acessado
em: 15/11/2004.
LEÃO, E. A Realidade Vigente na
Administração de Tribunais. In: LEÃO, E. (Org.) Qualidade na Justiça. São
Paulo: INQJ, 2004.
MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.;
LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman,
2000.
MORGAN, G. Imagens da Organização. trad. Geni
Goldschmidt. 2.ed. São
Paulo: Atlas, 2002.
MOTTA, P.R.M. Gestão contemporânea:
a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro :
Record, 1996.
RENAULT, S.R.T. O Poder Judiciário
e os Rumos da Reforma. Revista do Advogado, São Paulo, n. 75, p. 96-103, abr.
2004.
SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R. Administração da Produção. Trad.
Maria Teresa Corrêa de Oliveira. 2.ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo: Makron Books, 2001.
* servidor do Tribunal Superior do Trabalho, atualmente lotado no Conselho Superior da Justiça do Trabalho, MBA em Administração de Sistemas de Informação, engenheiro Civil e bacharelando em Direito pelo UniCeub
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7562
Acesso em: 25 nov. 05