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A inconstitucionalidade do Projeto de Emenda à
Constituição Federal (PEC) nº 150/03, que convoca uma
nova Assembléia Constituinte Revisional
William Junqueira Ramos*
1- Introdução
Foi aprovada, na sessão do último
dia 10/08/2005, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC),
a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição, PEC n.º
150/03, de autoria do deputado Luiz Carlos Santos (PFL/SP). O texto foi
aprovado com o substitutivo do relator, deputado Michel Temer (PMDB/SP), e
prevê a convocação de uma Assembléia de Revisão Constitucional, que deverá ser
instalada no dia 1.º de fevereiro de 2007 e encerrada
um ano após, ou seja, em 1.º de fevereiro de 2008.
De acordo com a PEC, o quorum para
aprovação do texto será o de maioria absoluta
Após a aprovação de uma comissão
especial que irá analisar a proposta, a PEC será votada pelo Plenário da Câmara
dos Deputados, com o quorum previsto no art. 60 da CF/88 de três quintos dos
deputados e em dois turnos, quando então seguirá para o Senado.
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2- Revisão Constitucional: breve
histórico sob o prisma da Constituição Federal de 1988
Prevê o art. 3º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, que "A revisão constitucional
será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo
voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
unicameral."
Iniciada em
Fernando Capez [01]
nos ensina, com distinta coerência, ao tratar do poder de revisão ou reforma
que "O constituinte de 1988, no entanto, tratou de estabelecer uma forma
de alteração constitucional extraordinária, denominada revisão. Tal Poder
Constituinte revisional apresenta limitação temporal, pois só pode ser exercido uma vez, passados, no mínimo, cinco anos da
promulgação da Constituição Federal; o quorum de aprovação é mais fácil, ou
seja, maioria absoluta, e o exercente do Poder
Constituinte revisional é o Congresso Nacional, mas em composição unicameral, o
que facilita a aprovação das matérias (art. 3º do ADCT). A revisão
constitucional já ocorreu, não podendo mais ser utilizada essa via, pois o
citado artigo fez menção a apenas uma revisão."
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3- Limitações implícitas ao poder
de reforma da Constituição Federal
O Poder Constituinte Derivado ou
Poder de Emenda é o legítimo responsável pelas alterações (emendas ou revisão)
feitas em face do texto constitucional elaborado pelo Poder Constituinte
Originário. Hoje, a competência para realizar tais reformas
constitucionais foi conferida, pela própria constituição, ao Congresso Nacional
[02].
Ocorre que o poder de reforma é
limitado, devendo obedecer aos limites e formas fixados pelo Poder Constituinte
Originário, sem olvidar dos parâmetros de ordem formal, material, temporal e
circunstancial.
No caso do tema posto em discussão,
basta-nos a observância das limitações formais e materiais.
Tais limitações ao Poder de Reforma
dividem-se em explícitas e implícitas.
Vejamos.
As limitações formais explícitas
dizem respeito à forma a ser obedecida, o procedimento, para instituição de
emendas e/ou revisão, enquanto as materiais explícitas
são as famigeradas cláusulas pétreas explícitas, insculpidas,
especialmente, no art. 60, § 4º e seus incisos, da Constituição Federal de
1988.
A doutrina aponta, contudo,
limitações implícitas ao Poder Reformador. São as denominadas cláusulas pétreas
implícitas. José Afonso da Silva [03], com perspicácia, e seguindo os
ensinamentos de Nelson de Souza Sampaio, demonstra-as:
- "‘as
concernentes ao titular do poder constituinte’, pois uma reforma constitucional
não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador;
- ‘as referentes ao titular do
poder reformador’, pois seria despautério que o legislador ordinário
estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte
originário;
- ‘as relativas ao processo da
própria emenda’, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la
quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não a aceitando quando
vise a atenua-lo
(sic!)."
Assim, forçoso é reconhecer que
qualquer tipo de emenda tendente a modificar o procedimento de emenda à
Constituição (limitação formal) ou mesmo a modificar o titular do Poder
Constituinte (limitação material), criando, vale dizer, situações não esposadas
pelo Poder Constituinte Originário, usufruindo de poderes que
outrora não lhe foram concedidos, estará acompanhado do vício da
inconstitucionalidade por ferir de morte cláusulas pétreas implícitas na
Constituição Federal.
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4- A inconstitucionalidade da PEC
n.º 150/03 propriamente dita
Em que pesem os argumentos
contrários, mormente a árdua defesa ancorada pelo insigne constitucionalista e
relator do caso, deputado Michel Temer, data maxima venia, não nos parece ser estes os mais corretos e coerentes.
E por várias razões.
Primeiro porque a PEC cria na Ordem
Constitucional um novo quorum para a sua aprovação, que será o de maioria
absoluta
Ora, isso fere prontamente a
limitação formal explícita traçada pela CF/88. O art. 60 dispõe que o Código
Supremo só poderá ser emendado mediante proposta de um terço, no mínimo, dos membros
do Senado Federal, ou mediante proposta do Presidente da República ou de mais
da metade das Assembléias Legislativas, com a maioria relativa de seus membros.
Somente após é que a proposta é discutida e votada,
Demais disso, e conforme visto, a
revisão constitucional prevista pelo Poder Constituinte Originário possui, de
acordo com Uadi Lammêgo Bulos [04], eficácia exaurida, e já foi realizada em 1993,
não podendo ser criada uma nova Assembléia Constituinte Revisional.
Apenas por esses dois aspectos já
fica fácil visualizar que a PEC n.º 150/03 quer
modificar e criar situações que não foram previstas pelo Poder Constituinte
Originário. Não pode o Poder Constituinte Derivado, fruto do Poder Constituinte
Originário e existente no mundo jurídico por vontade deste, criar um poder que
é de competência exclusiva do Constituinte Originário.
E por assim dizer "Trata-se de uma limitação implícita ao poder reformador de
inegáveis efeitos práticos. É decorrência lógica da própria rigidez
constitucional que o procedimento de emenda seja mais exigente do que o das
leis ordinárias. Cuida-se de limitação essencial e inafastável.
Assim, se uma emenda estabelecesse
que, em determinada época, poder-se-ia emendar a constituição brasileira por
maioria simples (ou mesmo maioria absoluta) estar-se-ia diante de inegável inconstitucionalidade
(formal e material). Não pode o reformador estabelecer modificações que
facilitem o procedimento de emenda à Constituição, ainda que temporariamente.
Em outras palavras, pode-se afirmar
que a possibilidade de revisão não mais pode ser legitimamente estabelecida na
ordem constitucional brasileira vigente. Uma vez ultrapassada a oportunidade
estatuída pelo constituinte (art. 3o do ADCT), não é mais possível alteração da
Constituição Brasileira por procedimento diferente do traçado no artigo 60, CF.
Trata-se, portanto, de uma limitação material/formal, que, a despeito de não
expressamente elencada como cláusula pétrea,
apresenta-se insuperável para o poder reformador. As alterações que
desrespeitem esta limitação, modificando o procedimento de emenda, mesmo que
temporariamente, e as alterações perpetradas segundo este procedimento
facilitado, serão irremediavelmente inconstitucionais, a despeito da manta de
legitimidade que procure se lhes dar." [05]
E é exatamente isso que o que está
acontecendo.
Com a máscara do referendo popular
(que será decidido por um povo que infelizmente ainda não é politizado) e
arvorando-se no art. 1º, parágrafo único da CF/88, os defensores da criação de
uma nova Assembléia Constituinte Revisional a apresentam como a panacéia dos
problemas da nação.
Conforme se deflui de uma leitura
mais acurada do dispositivo acima citado, é inconteste que o poder emana do
povo, exercido por meio de seus representantes eleitos ou diretamente por ele
nos termos da Constituição. Ou seja, não há diferença de quem exerça o poder,
ou os representantes eleitos ou o povo diretamente: o poder será sempre do
povo. De maneira que há de se concluir que a realização de referendo para
aprovação do texto final, sugerido pelo deputado Michel Temer, não constituiria
conditio sine qua non para promulgação do novo
texto a ser elaborado pela Assembléia Constituinte Revisional. Parece-nos mais
um lóbi dos parlamentares defensores da proposta,
mormente pelo catastrófico cenário político em que se encontra o país.
Afora tudo isso, com a exceção dos
direitos sociais previstos nos artigos 6.º a 11.º, bem
como das cláusulas pétreas descritas no art. 60 § 4.º e seus incisos, da
Constituição Federal, tudo mais poderá ser facilmente alterado ao bel prazer
das conveniências dos políticos.
Em que pese a Constituição
Brasileira, hoje, mais parecer periódicos vendidos em bancas de jornal
(considerando o grande número de emendas que sofreu e vem sofrendo desde a sua
promulgação), pensamos não ser a realização de uma nova revisão contituicional a melhor opção, pois, juridicamente
pensando, e se assim aquiescêssemos, estaríamos a romper descaradamente,
ao lado da inconstitucionalidade, com a Ordem Constitucional de 1988. Quiçá, a
melhor opção para os anseiam por uma reformulação do texto magno seria a
convocação de uma nova Assembléia Constituinte, com o fito de arquitetar uma
nova Constituição. Ao menos, e em tese, seria menos horripilante do que propor
um projeto de revisão constitucional totalmente inconstitucional.
Esta é a opinião defendida, com
vigor, pelo decano dos constitucionalistas brasileiros, professor Paulo Bonavides, em recente entrevista concedida à Folha de São
Paulo, onde ele chama a PEC de "terrorismo constitucional",
"maquinada por congressistas cuja cegueira não lhes (sic!) deixa perceber
que, ao convocarem uma Constituinte bolso, nos termos em que pretendem fazê-lo,
estão perpetrando duas monstruosas inconstitucionalidades:
a primeira está na convocação mesma (sic!) de tal assembléia; a segunda, no
aniquilamento do quorum constitucional do art. 60" [06].
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5- Conclusão
Ante todo o exposto, concluímos que
a Proposta de Emenda à Constituição n.º 150/03 está
eivada de inconstitucionalidade, por ferir as limitações ao Poder Reformador
(cláusulas pétreas implícitas e explícitas), e propugnamos, a exemplo dos ensinamentos
do professor Paulo Bonavides, pela sua total
rejeição.
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Notas
01 CAPEZ, Fernando. Direito
Constitucional. 14ª edição – São Paulo: Ed. Damásio de Jesus, 2005. p. 66.
02 SILVA,
José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 64.
03 Op. citada, p. 68.
04 BULOS, Uadi
Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2003, p. 1403.
05 ADÃO,
Marco Aurélio Alves. Limitações implícitas ao poder reformador da Constituição.
Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 37, dez. 1999.
Disponível em: .
06 Folha
de São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2005, p. A 14.
* bacharelando em Direito pela UNIFEOB
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7578
Acesso em: 22 nov. 05