® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br
A Emenda Constitucional nº 45 e as implicações no âmbito do Ministério Público
Thiago Litwak
Rodrigues de Souza
bacharelando em Direito pela Universidade
Católica de Pernambuco (UNICAP)
I – INTRODUÇÃO:
A
eficiência do Poder Judiciário, notadamente em razão de sua morosidade, pouca
efetividade de seus veredictos e restrição de acesso, vem sendo por muitos
questionada, razão pela qual a sociedade civil e jurídica, inquieta com os
rumos do ordenamento pátrio, cobra e exige reformas e modificações estruturais
no âmbito de tal Poder.
Diversas
são as causas apontadas para a ocorrência desse tenebroso e negativo quadro,
dentre elas: o difícil acesso da população de baixa renda à prestação
jurisdicional; a excessiva quantidade de processos em andamento; a falta de
infra-estrutura físico-pessoal; e, principalmente, a sobrecarga e possibilidade
de ajuizamento de recursos de cunho meramente protelatórios, cuja conseqüência
é a visível lentidão na tramitação dos feitos, pendentes de resolução final e
terminativa.
Foi,
a princípio, com o escopo de solucionar ou minorar tal situação que o Poder
Legislativo, legítimo representante dos cidadãos brasileiros, promulgou a
Emenda Constitucional Nº 45 (EC Nº 45), datada de 08 de dezembro de 2004,
denominada "Reforma do Judiciário", responsável pela alteração
de vários artigos da Constituição Federal.
Tanto
é que inseriu no mundo jurídico mais um princípio constitucional, o da duração
razoável dos processos (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal),
asseverando que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam celeridade
de sua tramitação".
A
priori, é oportuno
salientar que, a nosso ver, a EC Nº 45 não será responsável por atender aos
anseios de se atestar a existência de um Poder Judiciário mais célere e eficaz.
A
"Reforma do Judiciário" possui caráter principiológico,
devendo ser enxergada como a mola propulsora, o primeiro passo para a
ocorrência de uma série de posteriores modificações infraconstitucionais no
intuito de se alcançar o objetivo pretendido.
É
no âmbito processual que se faz imperiosa a introdução de reformas. O
"enxugamento" e simplificação da legislação processual, a
reformulação do sistema recursal e a eliminação dos privilégios conferidos ao
Poder Público são alguns dos aspectos que, em nosso entendimento, refletiriam e
potencializariam o vislumbre na possibilidade de um Poder Judiciário mais ágil
e em constante produção de resultados concretos.
Afastando-se
das opiniões subjetivas acerca da EC Nº 45, é inegável que a emenda
constitucional já referida provocou algumas alterações significativas na
estrutura do Poder Judiciário, trazendo, ainda, implicações consideráveis no
âmbito do Ministério Público, sendo estes últimos fatos os que constituem o objeto
do presente estudo.
O
ensaio em testilha tem por finalidade, exatamente, analisar as principais
alterações provocadas no Ministério Público pela edição da EC Nº 45.
Para
tanto, interpretando os neófitos dispositivos legais, em confronto com a
Doutrina e a Jurisprudência pertinentes aos assuntos em comento, buscaremos
tratar de alguns aspectos da EC Nº 45, demonstrando, ao final, nossas
conclusões e posicionamentos sobre as questões controvertidas e polêmicas
oriundas da emenda constitucional, que, frise-se, não estarão amparadas pelo
manto da imutabilidade.
É
oportuno salientar que deixaremos para nos aprofundar apenas nas questões
controvertidas, posto que algumas alterações são auto-explicativas, não
comportando dúvidas nem maiores ilações.
II – O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS ALTERAÇÕES
ORIUNDAS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45:
A
EC Nº 45, além de promover modificações na estrutura do Poder Judiciário,
alterou significativamente e refletiu diretamente no âmbito do Ministério
Público, sendo esses reflexos, incidentes no Parquet, o objeto de estudo
do presente trabalho.
a)Da
vedação ao recebimento de auxílio e contribuições
A
EC Nº 45 inseriu mais uma vedação aplicada aos membros do Ministério Público,
consistente em:
Art.
128, § 5º, inciso II, alínea "f" – "receber, a qualquer
título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei".
Trata-se
de dispositivo que, a rigor, já existia, sob princípio vedacional
ético, referindo-se principalmente aos membros da instituição.
Tal
alteração é auto-explicável, sendo por demais oportuna, pois é inconcebível a
possibilidade de recebimento pelos membros do Ministério Público de qualquer
tipo de "auxílio ou contribuição", sob pena de se comprometer a imparcialidade
inerente e necessária aos representantes ministeriais; sendo a neófita vedação
muito semelhante a que proíbe o recebimento de "honorários,
percentagens ou custas processuais" (art. 128, § 5º, inciso II, alínea
"a", da Constituição Federal).
Quanto
às exceções, entendo serem aquelas resultantes de convênio, a bem da função
pública.
b)Da
distribuição de processos no Ministério Público
A
EC Nº 45 inseriu no art. 129 da Constituição Federal o § 5º, asseverando a
imediata distribuição dos feitos no âmbito do Ministério Público.
Art.
129, § 5º – "A distribuição de processos no Ministério Público será
imediata".
Tal
medida segue o objetivo primordial da "Reforma do Judiciário",
qual seja, o de conferir maior celeridade na tramitação dos feitos judiciais.
Como
já enfatizado no intróito do presente trabalho, não são disposições
constitucionais que dotarão de celeridade o Poder Judiciário. Todavia, conforme
também já suscitado, tal medida deve ser interpretada e aplicada conjuntamente
com o neófito princípio da duração razoável dos processos (art. 5º, LXXVIII,
CF), de modo a possibilitar o contato imediato do representante ministerial com
o processo que lhe fora dado vista, logo após a distribuição.
A
distribuição imediata, em nosso entender, se mostra como sendo a pertinente
eliminação de barreiras burocráticas, administrativas ou não, entre os feitos
que devem ser levados ao Ministério Público, possibilitando-lhe o imediato
acesso ao processo.
c)Da
proposta orçamentária do Ministério Público
O
Ministério Público, instituição autônoma, funcional, administrativa e
financeiramente (art. 127, § 2º, da Constituição Federal), possui competência
para elaborar sua própria proposta orçamentária, dentro dos limites
estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO (art. 127, § 3º, da
Constituição Federal).
A
autonomia financeira, nas abalizadas palavras de Hely Lopes MEIRELLES,
traduz-se na "capacidade de elaboração da proposta orçamentária e de
gestão e aplicação dos recursos destinados a prover as atividades e serviços do
órgão titular da dotação. Essa autonomia pressupõe a existência de dotações que
possam ser livremente administradas, aplicadas e remanejadas pela unidade
orçamentária a que foram destinadas. Tal autonomia é inerente aos órgãos
funcionalmente independentes, como são o Ministério Público e o Tribunal de
Contas, os quais não poderiam realizar plenamente as suas funções se ficassem
na dependência de outro órgão controlador de suas dotações orçamentárias"
[01].
A
EC Nº 45 inseriu no texto constitucional mais 03 (três) parágrafos [02],
disciplinando e regulando a questão do envio, eventual ausência e
irregularidades nas propostas orçamentárias elaboradas pelo Ministério Público.
Deve,
portanto, o Ministério Público encaminhar sua proposta orçamentária dentro do
prazo estabelecido pela LDO. Em não sendo encaminhada, o Poder Executivo
considerará os valores aprovados no orçamento vigente, fazendo unilateralmente
os ajustes necessários nos limites estipulados pela LDO.
Se,
ao invés, a proposta orçamentária for enviada, mas estiver em desacordo com os
limites dos demais poderes e as previsões da LDO, o Poder Executivo realizará ex
officio os ajustes necessários para consolidação do orçamento anual.
Durante
o exercício, já vigindo a aprovada proposta orçamentária, não poderá haver
despesas e obrigações que extrapolem os limites previstos na LDO e no orçamento
previsto, salvo se previamente autorizadas, através da abertura de créditos
suplementares ou especiais.
d)Da
residência fora da comarca
Nos
termos do art. 128, § 2º, da Constituição Federal [03] (redação
anterior), os membros do Ministério Público deveriam residir na comarca da
respectiva lotação.
Com
o advento da EC Nº 45, os representantes do Parquet continuam
com a obrigação de residirem na respectiva comarca de lotação,
porém poderão obter autorização do chefe da instituição (Procurador Geral da
República e/ou Procurador Geral de Justiça) para residir em outro local.
Art.
128, § 2º – "As funções do Ministério Público só podem ser exercidas
por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva
lotação, salvo autorização do chefe da instituição".
Ou
seja, a regra é que o membro do Parquet resida na
respectiva comarca de sua lotação ou na sua área de circunscrição, todavia, em
situações especiais (ausência de residência oficial, inexistência de hotéis ou
pensões salubres, p. ex.), poderá o chefe da instituição conceder autorização
para que a residência se dê em local diverso.
Tal
medida é pertinente, e só vem a legalizar o que na prática já ocorria há
bastante tempo.
e)Da
"quarentena" do ex-membro do Ministério Público
A
EC Nº 45 inseriu no art. 128 da Constituição Federal o § 6º, determinando a
aplicação aos membros do Ministério Público do disposto no art. 95, Parágrafo
único, inciso V, da Constituição Federal.
Art.
128, § 6º – "Aplica-se aos membros do Ministério Público o disposto no
art. 95, parágrafo único, V".
Por
sua vez, dispõe o mencionado art. 95, Parágrafo único, inciso V, da
Constituição Federal, sobre a vedação ao exercício da "advocacia no
juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento
do cargo por aposentadoria ou exoneração" (texto inserido pela EC Nº
45).
Ou
seja, ao ex-magistrado e ao ex-membro do Ministério Público é defeso, a partir
de agora, o exercício da advocacia no juízo ou tribunal que atuavam, pelo período
de, no mínimo, 03 (três) anos, contado da data da aposentadoria ou exoneração.
Visa
o dispositivo em questão, evitar que o ex-magistrado e o ex-membro do
Ministério Público aproveitem-se da situação e do status que possuíam
naquele foro ou tribunal, de modo a conseguir "favores" ou
privilégios.
Apesar
de concordarmos com a finalidade da norma, deixou ela de mencionar os casos de
demissão e remoção, ficando a cargo da interpretação do caso concreto a solução
para aplicação de tal dispositivo.
Supondo
que o ex-representante ministerial tenha atuado por vários anos em determinada
promotoria, vindo, em seguida, solicitar sua remoção para outra, na qual atuou
por menos de 01 (um) ano e se aposentou. Neste caso, a vedação ao exercício da
advocacia atingiria o território de ambas ou apenas da última promotoria?
Pelo
espírito da lei, em exegese constitucional, o ex-integrante estaria proibido de
exercer a advocacia no território de ambas as promotorias, haja vista ter
deixado de exercer suas funções em cada uma delas, mesmo não constando a
remoção como causa para a "quarentena". Essa é a nossa
opinião. Por seu turno, numa interpretação restritiva, a vedação atingiria
apenas a área da última promotoria.
No
mesmo sentido quanto aos casos de demissão. O membro ministerial demitido seria
proibido de exercer a advocacia no foro ou tribunal que atuava pelo período de
03 (três) anos?
Aguardaremos
o pronunciamento dos nossos egrégios tribunais.
f)Da
inamovibilidade
As
garantias constitucionais conferidas aos membros do Ministério Público, assim
como também aos integrantes da Magistratura, são prerrogativas imprescindíveis
ao livre e independente desempenho de suas funções.
Nos
termos do art. 128, § 5º, inciso I, são garantias dos membros do Parquet:
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
A
vitaliciedade consiste na aquisição pelo Procurador da
República/Promotor de Justiça da titularidade do cargo por toda a vida, do qual
não poderá ser afastado, salvo por sua própria vontade, sentença definitiva,
aposentadoria compulsória ou disponibilidade.
A
inamovibilidade refere-se à permanência dos representantes ministeriais
no cargo, não podendo ser-lhe designado outro local para o exercício de suas
funções, salvo pela remoção por interesse público. Ou seja, uma vez titular do
cargo, os representantes ministeriais somente poderão ser promovidos ou
removidos por iniciativa própria, com exceção da previsão constitucional do
interesse público.
Por
fim, a irredutibilidade de vencimentos significa a impossibilidade de
diminuição dos subsídios (proventos) dos membros ministeriais.
Pela
redação constitucional anterior, os membros do Ministério Público poderiam ser
removidos por motivo de interesse público, desde que a decisão do Órgão
Colegiado competente do Ministério Público (Conselhos Superiores) fosse
aprovada por voto de 2/3 (dois terços) de seus integrantes,
assegurando-se a ampla defesa [04].
Com
a edição da EC Nº 45, o texto constitucional passou a ter a seguinte redação:
Art.
128, § 5º, inciso I, alínea "b" – "inamovibilidade, salvo por
motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do
Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros,
assegurada ampla defesa" (original sem grifos).
Vê-se,
portanto, que, a partir de agora, a decisão do órgão colegiado exige maioria
absoluta (primeiro número inteiro subseqüente à divisão dos membros)
para respaldar a remoção dos membros do Ministério Público por motivo de
interesse público.
Ao
contrário do que a princípio pensávamos, essa inovação, a nosso ver,
facilitando a possibilidade de decretação de remoção de membros ministeriais
por interesse público (haja vista ter diminuído o quorum exigido), foi o
equívoco da EC Nº 45, podendo, se mal utilizada, enfraquecer e inibir a atuação
livre e independente do Ministério Público, bem como possibilitar os
"pedidos" de remoções com interesses diversos, tão comuns em sede
policial.
g)Da
criação do Conselho Nacional do Ministério Público
A
EC Nº 45 instituiu, no art. 130-A, da Constituição Federal, o Conselho Nacional
do Ministério Público, "cujo funcionamento deverá observar todas as
garantias e funções institucionais e dos membros do Parquet, impedindo a
ingerência dos demais poderes de Estado em seu funcionamento, pois a Carta
Magna caracterizou a Instituição como órgão autônomo e independente, e
destinou-a ao exercício de importante missão de verdadeiro fiscal da
perpetuidade da federação, da Separação dos Poderes, da legalidade e moralidade
pública, do regime democrático e dos direitos e garantias individuais"
[05].
O
Conselho Nacional do Ministério Público será composto por 14 (quatorze)
membros, divididos entre integrantes do próprio Ministério Público, do Poder
Judiciário, da Advocacia e da sociedade civil, escolhidos pelo Poder
Legislativo.
Os
membros do Ministério Público que comporão o Conselho Nacional estão assim
divididos: 08 (oito) membros no total, sendo o Procurador Geral da República,
que o presidirá; 04 (quatro) membros do Ministério Público da União, assegurada
a representação de cada uma de suas carreiras; e, 03 (três) membros do
Ministério Público dos Estados.
Oriundos
do Poder Judiciário serão 02 (dois) juízes, sendo um indicado pelo Supremo
Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça.
Os
Advogados também serão em número de 02 (dois), ambos indicados pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Nesse
ínterim, é oportuno mencionar que o texto constitucional prevê que o Presidente
do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oficiará junto ao Conselho
Nacional do Ministério Público. Logo, conseqüentemente, o Presidente do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não poderá compor o Conselho
como membro da advocacia.
Por
fim, a sociedade civil também será representada no Conselho Nacional do
Ministério Público por 02 (dois) cidadãos, de notável saber jurídico e
reputação ilibada, indicados um pela Câmara Federal e outro pelo Senado
Federal.
Conforme
a EC Nº 45, os membros do Conselho Nacional do Ministério Público serão
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela
maioria absoluta do Senado Federal.
O
mandato dos membros do Conselho é de 02 (dois) anos, permitindo-se, apenas, uma
única recondução.
Caberá
ao Conselho escolher, em votação secreta, um Corregedor Nacional, dentre
os membros do Ministério Público que o integram, sendo, neste caso,
vedada a recondução, competindo-lhe:
-
receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros
do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares;
-
exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral;
-
requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes
atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público;
-
além de outras que lhes forem atribuídas por lei.
O
art. 5º, da EC Nº 45 previu a instalação do Conselho Nacional do Ministério
Público no prazo de 180 (cento e oitenta dias) a contar da promulgação da
emenda (08 de dezembro de 2004), devendo a indicação ou escolha de seus membros
ser efetuada até trinta dias antes do termo final, ou seja, em 150 (cento e
cinqüenta) dias da data da promulgação.
Em
não sendo efetuadas as indicações e escolha dos nomes para o Conselho Nacional
do Ministério Público dentro do prazo fixado, caberá ao Ministério Público da
União realizá-las.
Compete
ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa
e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de
seus membros, cabendo-lhe, ainda:
-
zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências;
-
zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação,
a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los
ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;
-
receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério
Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem
prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo
avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla
defesa;
-
rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros
do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;
-
elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre
a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual
deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI.
No
intuito de conferir maior efetividade à atuação do Conselho Nacional do
Ministério Público, a EC Nº 45 previu a criação pela União e pelos Estados de
ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e
denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério
Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente
ao Conselho Nacional do Ministério Público.
Vê-se
que o Conselho Nacional do Ministério Público surge como um órgão de controle
administrativo, financeiro e funcional, não se tratando de um verdadeiro
"controle externo" do Ministério Público, haja vista sua composição
se dar pela maioria dos membros do Ministério Público, além da possibilidade de
impugnação das decisões tomadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público,
cuja competência para processo e julgamento de eventuais ações será sempre do
Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, alínea "r", da
Constituição Federal).
Deve-se,
contudo, ter o cuidado necessário para que as atribuições do Conselho Nacional
do Ministério Público não acabem por fragilizar as garantias constitucionais e
nem venham inibir a atuação dos representantes ministeriais.
A
atuação do Conselho Nacional do Ministério Público inclina-se ao controle da
atuação administrativa e financeira do Ministério Público e o controle dos
deveres funcionais dos Procuradores da República/Promotores de Justiça, sendo
essa sua primordial e constitucional função, não devendo suas atribuições
interferirem no desempenho das funções dos membros ministeriais.
Vale
salientar, ainda, que o Senado Federal editou a Resolução de Nº 07, estabelecendo
as normas para apreciação das indicações para composição do Conselho Nacional
da Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.
O
Ministério Público comporá, também, o Conselho Nacional da Justiça, com um
membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da
República, e um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo
Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente
de cada instituição estadual (art. 103-B, incisos X e XI, da Constituição
Federal).
Os
membros do Conselho Nacional do Ministério Público, nos crimes de
responsabilidade, serão processados e julgados perante o Senado Federal (art.
52, inciso II, da Constituição Federal).
Algumas
manifestações surgiram questionando a constitucionalidade ou não da composição
dos Conselhos Nacionais, da Justiça e do Ministério Público, todavia o Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3367, ajuizada pela Associação dos
Magistrados Brasileiro – AMB, afastou o vicio formal da inconstitucionalidade
argüido, sendo essa, também, a opinião do festejado jurisconsulto Alexandre
MORARES [06].
Por
fim, ventila-se a possibilidade de corporativismo entre os integrantes do
Conselho Nacional do Ministério Público e seus
"subordinados"/"controlados", em virtude, justamente, da
composição desse órgão colegiado se dar pela maioria de membros do próprio
Ministério Público.
Ora,
inicialmente, é importante que os componentes do Conselho Nacional do Ministério
Público estejam imbuídos e conscientes de seu papel. Em assim sendo, a ética e
o comprometimento profissional são bastantes para refutar qualquer tipo de
corporativismo.
No
mais, entendo ser melhor correr o risco de eventual corporativismo, que
imaginar o enfraquecimento da atuação ministerial, caso que, com certeza,
ocorreria se a composição do Conselho Nacional do Ministério Público se desse
unicamente por pessoas estranhas aos quadros do Ministério Público, cujos
objetivos e comprometimentos são totalmente desconhecidos, afigurando-se as
importantes atribuições do Conselho, neste caso, uma "arma de alto
calibre" contra a independência do Parquet.
h)Da
vedação ao exercício de atividade político-partidária
A
EC Nº 45 alterou significativamente o relacionamento entre os membros do
Ministério Público para com o exercício da atividade político-partidária, que,
a partir de agora, é vedada, de forma absoluta e expressa,
não comportando exceções, como acontecia no texto anterior.
Art.
128, § 5º, inciso II, alínea "e" – "exercer atividade
político-partidária" (Redação anterior: "e) exercer atividade
político-partidária, salvo exceções previstas em lei").
Consoante
o entendimento vigente, tal vedação constitui causa absoluta de
inelegibilidade, uma vez que os membros ministeriais não poderão mais
se filiar a partidos políticos, nem disputar qualquer cargo eletivo, a não ser
que estejam aposentados ou exonerados.
Como
a questão era regulamentada anteriormente?
A
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (art. 44, inciso V, da Lei Nº.
8.625/93) e as Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos estaduais, como, p. ex.,
a do Estado de Pernambuco (art. 73, inciso I, da LC Nº 12/2004), de acordo com
a redação constitucional anterior, asseguravam o direito dos membros do
Ministério Público de filiarem-se a partidos políticos e concorrer a mandatos
eletivos, desde que, neste caso, fossem obedecidas as regras da legislação
eleitoral (filiação ao partido político pelo menos um ano antes da data fixada
para o pleito, majoritário ou proporcional – arts. 18 e 20, da Lei Nº.
9.096/95; domicílio eleitoral na circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um
ano antes da eleição – art. 9º, da Lei Nº. 9.504/97; e, observância dos prazos
de desincompatibilizações da Lei Complementar Nº. 64/90).
Sempre
existiram muitas discussões sobre a participação de membros do Ministério
Público no certame eleitoral, com posicionamentos prós e contra, além de serem
constantes as disputas judiciais quando os representantes ministeriais
almejavam concorrer no processo eleitoral.
Diante
disso, o então Procurador Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, ajuizou
perante o STF a ADI 1371/DF, no intuito de serem considerados inconstitucionais
e incompatíveis entre si os dispositivos que permitiam a filiação de membros do
Ministério Público.
Em
decisão por maioria, assim decidiu o STF:
"EMENTA:
- Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Artigo 80 e a expressão
"ressalvada a filiação", constante do inciso V, do art. 237, da Lei
Complementar nº 75, de 25 de maio de 1993. 3. Dispositivos que permitem a
filiação de membros do Ministério Público a partido político. 4. Alegação de
incompatibilidade das normas aludidas, quanto à filiação partidária, com o art.
128, § 5º, inciso II, letra e, da Constituição. 5. Ação julgada procedente, em
parte, para, sem redução de texto, dar a) ao art. 237, inciso V, da Lei
Complementar federal nº 75/93, de 20/5/93, interpretação conforme a
Constituição, no sentido de que a filiação partidária de membro do Ministério
Público da União somente pode efetivar-se nas hipóteses de afastamento de suas
funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei, e b) ao art. 80 da
Lei Complementar federal nº 75/93, interpretação conforme à Constituição, para
fixar como única exegese constitucionalmente possível aquela que apenas admite
a filiação partidária, se o membro do Ministério Público estiver afastado de
suas funções institucionais, devendo cancelar sua filiação partidária, antes de
reassumir essas funções, não podendo, ainda, desempenhar funções pertinentes ao
Ministério Público Eleitoral senão dois anos após o cancelamento da filiação
político-partidária"
(ADI 1371/DF – Distrito Federal; Ação Direta de Inconstitucionalidade. Min.
Néri da Silveira. Pleno. Publicado em 03/10/2003).
Ou
seja, a partir de tal decisão, os membros do Ministério Público só podiam
concorrer a mandato eletivo desde que se afastassem de suas funções, mediante
licença não remunerada, 01 (um) ano antes do pleito, devendo sua filiação ser
da mesma época, até porque se mostrou incompatível existência de filiação
anterior, com o exercício das atribuições funcionais (não poderia ser
concomitante), sob pena de ser considerada nula de pleno direito, sem produzir
qualquer efeito tal filiação.
Com
a EC Nº 45, tais assuntos, pelo menos a princípio, restam superados, pois a
vedação agora é absoluta, como já enfatizado anteriormente.
Essa
neófita emenda não se aplica aos membros do Ministério Público que tenham
ingressado na carreira antes da promulgação da Constituição de 1988, optantes
do art. 29, § 3º, ADCT [07]. Neste caso, serão asseguradas ao
membro do Ministério Público a filiação partidária e a candidatura a mandatos
eletivos, respeitadas as regras eleitorais.
O
cerne da questão reside em saber como fica a situação dos membros do Ministério
Público admitidos antes da EC Nº 45?
Existe
um projeto paralelo de emenda às modificações introduzidas pela EC Nº 45 (PEC
paralela). Em tal projeto, o Senado Federal já votou a proposta de emenda,
enviando o texto à Câmara Federal para as votações de praxe.
Pelo
texto aprovado no Senado Federal, estabeleceu-se que, como uma forma de
transição, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da EC
Nº 45, poderá exercer atividade político-partidária, na forma da lei.
Segundo
o entendimento vigente, enquanto não houver aprovação ou rejeição pela Câmara
dos Deputados e, posteriormente, promulgação e publicação pelas Mesas da Câmara
e do Senado, prevalece, quanto aos membros do Ministério Público admitido antes
da promulgação da EC Nº 45, o que dispõe o art. 29, § 3º, ADCT, assegurando-se
àqueles a filiação partidária e a candidatura a mandatos eletivos, nos termos
da ADI.
A
nosso ver, tal alteração é positiva. Nossa sociedade não possui educação
político-cultural para diferenciar e separar as atividades políticas das
funções desempenhadas pelos membros do Ministério Público. Além do mais, nem
todos os representantes ministeriais possuem a necessária ética para não
utilizar o cargo que possui em prol de nefastos e espúrios objetivos políticos.
Destarte,
entendo que, nesse estágio de desenvolvimento social, deve ser afastado
qualquer tipo de ligação entre as funções ministeriais da atividade
político-partidária, devendo, infelizmente, os casos isolados e exemplares de
membros do Parquet "pagar" pela aculturação social e pelos
maus exemplos de seus "colegas de profissão".
i)Da
federalização dos crimes contra os direitos humanos
A
EC Nº 45 ampliou a competência penal da Justiça Federal (art. 109, inciso V-A,
da Constituição Federal [08]), prevendo, nas hipóteses de "grave
violação de direitos humanos", a possibilidade do Procurador Geral da
República, no intuito de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela
União decorrentes de tratados internacionais, suscitar, perante o Superior
Tribunal de Justiça (STJ), incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal, em qualquer fase do inquérito ou processo [09].
A
CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), esta mediante a
emissão de Nota Oficial datada de 07 de março de 2005, e a AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros), através do ajuizamento de ADIN, mostraram-se
contrárias ao incidente de deslocamento inserido pela EC Nº 45, entendendo ser
o mesmo inconstitucional.
A
federalização dos crimes contra os direitos humanos encontrou sustentáculo e
foi motivado pela crescente onda de violência em várias regiões do país, bem
como pelos altos índices de impunidade em delitos de repercussões externas,
levando o Brasil a ser pressionado pelos organismos internacionais.
O
incidente de deslocamento de competência (IDC), na definição do Procurador da
República do Paraná Vladimir Aras, surge como um "instrumento político-jurídico,
de natureza processual penal objetiva, destinado a assegurar a efetividade da
prestação jurisdicional em casos de crimes contra os direitos humanos", e,
por conseguinte, resguardar a prevalência dos direitos humanos.
O
texto constitucional anterior à EC Nº 45, já previa a possibilidade de
intervenção federal nos Estados para assegurar a observância dos direitos da
pessoa humana [10].
A
hipótese em análise, além de não configurar uma forma de intervenção federal,
trata-se de alternativa complementar da atuação da Justiça Federal nos casos em
que a prestação jurisdicional estadual não se mostre eficaz, repassando para o
âmbito federal o processo e julgamento daqueles crimes de evidente interesse da
União, ente responsável internacionalmente pelo cumprimento dos tratados e
direitos relacionados à pessoa humana.
A
federalização dos crimes não se mostra incompatível com o princípio do juiz
natural. Este, consiste na previsão constitucional de juízes, tribunais e
órgãos jurisdicionais munidos do poder de julgar.
No
entendimento de Alexandre de MORAES, "o referido princípio deve ser
interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se, não só a criação de
tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras
objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a
independência e imparcialidade do órgão julgador" [11].
Logo,
não há qualquer ofensa ao princípio do juiz natural no caso do incidente de
deslocamento de competência.
Ademais,
o objetivo do IDC é pautado pelo interesse público na eficácia da persecução
criminal, para redução da impunidade. Logo, havendo o propósito de ampliar a
efetividade da Justiça, reduzir a impunidade e resguardar os direitos da pessoa
humana, tudo isso de forma legítima e formalmente perfeita, há que se
harmonizar o reconhecimento de sua constitucionalidade, através de critérios de
razoabilidade.
Acresce
que, é inegável a existência de precedentes que afastam a alegada ofensa ao
princípio do juiz natural, sendo exemplo o desaforamento (art. 424, do Código
de Processo Penal), onde, havendo suspeita sobre a parcialidade do júri ou
dúvida sobre a segurança pessoal do acusado, por razão de ordem pública, ou no caso
de demora do julgamento causada pelo juiz, pode ser pleiteado o deslocamento da
competência para a realização da sessão plenária de julgamento, em outra
comarca estadual ou em outra circunscrição judiciária federal.
Assim,
existindo o desaforamento, que se pauta em razões de ordem pública para sua
concessão, não há razão para se imputar ao incidente de deslocamento de
competência o vício da inconstitucionalidade.
Uma
das questões levantadas pelos opositores da federalização dos crimes contra
direitos humanos, de grande importância por sinal, até porque não se
pode banalizar tal expediente e instituto de exceção, é a
inexistência de um conceito acerca do que venha a ser "grave violação
de direitos humanos".
O
ilustre membro do Parquet citado anteriormente acredita ser
"apropriado considerar crimes contra os direitos humanos, para os efeitos
do § 5º do artigo 109 da Constituição, todos os delitos previstos nos
tratados internacionais de direito humanitário de que o Brasil seja parte,
sempre que a vítima for uma pessoa humana ou um grupo de pessoas. Nesta
categoria, estão inseridos os crimes de tortura, de genocídio, de racismo, os
delitos contra crianças e adolescentes, de exploração de trabalho escravo,
entre outros".
No
que tange à questão da gravidade, a conclusão é de que, "pelo artigo 2º,
letra "b", da Convenção das Nações Unidas contra Crime Organizado
Transnacional (Convenção de Palermo), concluída em 2000 e em vigor para
o Brasil desde 28 de fevereiro de 2004, é considerado crime grave todo
"ato que constitua infração punível com uma pena de privação de
liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena
superior". A convenção, já integrada ao ordenamento jurídico
brasileiro, tem força de lei e pode servir de parâmetro seguro para a
conceituação da expressão "grave violação a direitos humanos",
pressuposto do incidente de deslocamento de competência. Por isto, esta nos
parece a melhor solução para a aparente indeterminação do §5º, do artigo 109 da
Constituição".
Ao
contrário do que se apregoa, a federalização dos crimes não "resulta na
quebra da razoável duração do processo"; ao invés, há potencial
possibilidade de, na esfera federal, existir maior celeridade na tramitação dos
inquéritos e das ações penais, já que as varas criminais federais e os
tribunais regionais comumente são menos "abarrotados" de processos
que os foros criminais estaduais. E, ainda, não deve o ajuizamento do IDC
resultar na suspensão da ação penal em curso, que deverá seguir seu tramite
normalmente, até para assegurar a colheita de provas e evitar excessos no
período de prisão de acusados, ensejando, assim, seu relaxamento,
aproveitando-se, ademais, os atos processuais já realizados e praticados.
Em
nome do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, é inegável
que deve ser dada oportunidade ao Ministério Público Estadual (dominus litis)
e ao réu ou indiciado (titular do jus libertatis) para manifestação no
bojo do incidente, porque são ou serão partes na relação jurídica processual
estadual.
Por
fim, o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal só deve
ser suscitado quando houver a prática de grave crime contra os direitos
humanos; existir a possibilidade de responsabilização internacional do Brasil;
e, principalmente, verificar-se a omissão, excessiva demora ou conivência
dos órgãos de persecução criminal do Estado-membro. Esses 03 (três)
requisitos cumulativamente.
O
IDC deve ser utilizado, apenas quando a Polícia Civil, o Ministério Público e o
Judiciário estaduais forem de todo omissos, inertes ou coniventes com situações
de flagrante e grave violação a direitos humanos.
Concluindo,
não vislumbro inconstitucionalidade em tal incidente de deslocamento de
competência, enxergando ele como um instituto que visa proteger o interesse
público, além de motivar saudável "competição" entre as instituições
estaduais e federais, havendo estímulo à pronta e eficaz atuação estadual na
persecução criminal.
No
mais, os órgãos federais são mais bem aparelhados e equipados, estando mais
distantes de influência e pressões locais, aptos, portanto, em caso de
inércia das instituições estaduais de persecução criminal, a
processar e julgar os delitos de grave violação aos direitos humanos.
Vale
salientar, a título ilustrativo, que, em virtude do assassinato da missionária
Dorothy Stang, fato ocorrido em 12 de fevereiro de 2005, em Anapu/PA, o
Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, provocou o STJ através do
incidente de deslocamento de competência (IDC 001/PA), tendo o feito sido
distribuído ao Min. Arnaldo Esteves Lima, integrante da 3ª Seção do STJ.
É
interessante que, posteriormente, deve haver uma modificação no Regimento
Interno do STJ, a fim de ficar consignado o rito processual a ser observado no
IDC no âmbito daquele tribunal. Como ainda não existe essa previsão, o nobre
Relator do IDC 001/PA seguiu o rito previsto para os casos de desaforamento,
considerando serem tais institutos muito semelhantes.
Por
fim, o STJ, em julgamento realizado, após sustentar todos os argumentos
defendidos neste trabalho (é importante fazer uma leitura no voto do relator)
indeferiu o IDC, por entender que as instituições estaduais se mostram imbuídas
em reprimir o delito em questão. Saliento a importância do voto proferido pelo
relator do IDC.
J)Da
atividade jurídica para ingresso na carreira do Ministério Público
A
EC Nº 45 inovou o texto contido no art. 129, § 3º, da Constituição Federal
[12], passando a exigir do candidato ao ingresso na carreira do
Ministério Público, o mínimo de 03 (três) anos de atividade jurídica.
Art.
129, § 3º – "O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á
mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em
direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas
nomeações, a ordem de classificação".
O
objetivo de tal inovação legislativa, a nosso ver, é exigir dos neófitos
membros do Ministério Púbico (ou da Magistratura, uma vez que tal modificação
também atingiu o ingresso na carreira de Juiz) um mínimo de experiência, para
que suas funções sejam exercidas com maior preparação, eficiência e maturidade.
A
nova exigência, por sua vez, vem causando grande repercussão no mundo jurídico,
principalmente aos acadêmicos de Direito, os quais se mostram preocupados com a
aplicação de tal regra, enxergando-a como um obstáculo ao ingresso nas
carreiras do Ministério Público e da Magistratura.
Diante
disso, passaremos à análise de tal dispositivo constitucional.
A
priori, é oportuno se
indagar sobre a constitucionalidade da exigência contida no novo texto
constitucional.
O
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1040/DF, que questionava a
constitucionalidade da expressão "há pelo menos dois anos",
contida do art. 187 [13], da Lei Complementar Nº 75/93
(Estatuto do Ministério Público da União), asseverou que:
"A
lei pode impor condições para inscrição em concurso público desde que não sejam
desarrazoadas, e que o requisito objetivo adotado pela norma impugnada, considerando
a presunção da aquisição de maturidade pessoal e de experiência profissional do
concursando nesses dois anos, atenderia aos princípios da razoabilidade, da
isonomia, do livre exercício das profissões e do livre acesso aos cargos
públicos (CF, art. 5º, I, XIII, LIV e art. 37, I)".
Vê-se,
portanto, que a exigência de, "no mínimo, três anos de atividade
jurídica", não se mostra inconstitucional, pois sua finalidade é
selecionar candidatos maduros e experientes ao desempenhos das árduas e
importantes atribuições das carreiras do Ministério Público e da Magistratura.
Concordamos
com tal posição, pois até mesmo para benefício das instituições, é necessário o
ingresso em seus quadros apenas de membros capazes e preparados.
Em
seguida, resta saber se a norma em análise é auto-aplicável (eficácia plena) ou
se prescinde de norma regulamentadora para produção de seus efeitos (eficácia
limitada).
Consoante
bem enfatizou José Afonso da SILVA, "não é fácil determinar um critério
para distinguir as normas constitucionais de eficácia plena daquelas de
eficácia contida ou limitada. Constitui, mesmo, esse, um problema tormentoso de
interpretação das normas constitucionais, e a sua solução se reveste, não
obstante, de grande importância prática" [14].
As
normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desde a sua vigência,
produzem, ou têm potencialidade de produzir, todos os efeitos que o legislador
quis regular. Ou seja, possuem todos os meios e elementos necessários à sua
executoriedade; são auto-aplicáveis, dispensando a elaboração de normas
infraconstitucionais posteriores e complementares.
As
normas constitucionais de eficácia limitada, por sua vez, dependem,
necessariamente, de complementação a ser dada pelo legislador
infraconstitucional para que tenham e possuam total eficácia jurídica.
O
conceito de "atividade jurídica" afigura-se como sendo um
conceito juridicamente indeterminado, vago e incerto, necessitando, pois, ser
delimitado, em prol da segurança jurídica.
Inexiste
na Constituição Federal, ou na EC Nº 45, definição sobre o que venha a ser "atividade
jurídica". Não há elementos contidos em regras de natureza
constitucional capazes de apontar um conceito para o que seja "atividade
jurídica".
Logo,
à vista de tamanha abstração, é imprescindível a conceituação da expressão "atividade
jurídica" por normas infraconstitucionais, a fim de que o dispositivo
constitucional em questão produza os efeitos jurídicos pretendidos.
Conclui-se,
pois, que as regras contidas nos arts. 129, § 3º, e 93, inciso I, da
Constituição Federal, constituem normas constitucionais de eficácia limitada,
só sendo exigíveis após prévia regulamentação, podendo, em não sendo acatado
tal entendimento, ser questionada por meio de Mandado de Segurança.
No
intuito de reforçar as conclusões anteriores, temos que, analisando o inciso I,
do art. 93, em sintonia com o caput do mesmo artigo, há exigência
expressa de que "lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura (...)". Logo,
considerando que o Estatuto da Magistratura vigente é anterior à EC Nº 45, e
que o mesmo não traz qualquer tipo de disposição sobre a questão em análise, afigura-se
necessária edição de Lei Complementar para definição do conceito de "atividade
jurídica". Da mesma forma, com as devidas adaptações quanto ao
tipo de legislação e à iniciativa legislativa, ocorre tal situação também com o
Ministério Público, haja vista o que passou a dispor o art. 129, § 4º, da
Constituição Federal, com a nova redação dada pela EC Nº 45.
Tem-se, ainda que, o TST, de forma, data
venia, irregular e usurpante, aprovou a Resolução Administrativa Nº
1046/2005, no intuito de conceituar o que vem a ser "atividade
jurídica", demonstrando, estreme de dúvidas, "a premente
necessidade de regulamentação de nova exigência constitucional de três anos de
atividade jurídica".
Por
fim, o conceito de "atividade jurídica" a ser posteriormente
previsto por norma complementar, há de pautar-se pelos critérios da
proporcionalidade e razoabilidade, devendo tais termos serem entendidos de
forma ampla.
A
expressão "atividade jurídica" (gênero da expressão "prática
forense"), é conceitualmente ampla, reputando a toda e qualquer ação
relacionada e vinculada ao jurídico.
Destarte,
devem ser levadas em conta para a aferição da "atividade jurídica"
todas as atividades capazes de propiciar conhecimentos jurídicos.
Esse
é o entendimento pacificado no STJ, que deve ser mantido.
STJ:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE.
CERTIDÃO EXPEDIDA PELO TRF/2º REGIÃO. LOTAÇÃO EM CARGO DE ASSISTENTE
DATILÓGRAFO. NÃO COMPROVAÇÃO DE TER REALIZADO ATIVIDADE CAPAZ DE PROPICIAR
CONHECIMENTOS FORENSES.
É
pacífico o entendimento nesta Corte Constitucional de Justiça de que o conceito
de prática forense comporta amplitude, de modo a albergar as atividades
realizadas perante Tribunais, Juízos de primeira instância e estágios nas
Faculdades de Direito, no entanto, a simples certidão emitida pelo Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, atestando lotação em cargo de Assistente
Datilógrafo, não comprova, por si só, a realização de atividade capaz de
propiciar conhecimentos forenses.
Embargos
rejeitados" (EDcl
no MS 6623/DF; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0095147-6.
Min. Hélio Quaglia Barbosa. 3ª Seção. Publicado em 02.08.2004).
STJ:
"MS - ADMINISTRATIVO - CONCURSO PUBLICO – PRATICA FORENSE - PRATICA E
ATIVIDADE, DESENVOLVIMENTO NA ESPECIE, DE HABILITAÇÃO TECNICA. FORENSE TRADUZ
IDEIA DE SERVIÇO PROPRIO DO FORO (NÃO RESTRINGE - NO FORO). COMPREENDE TANTO O
TRABALHO NA 1A. INSTANCIA COMO NOS TRIBUNAIS. PODE, ADEMAIS, SER DESENVOLVIDA
SEM A PRESENÇA FISICA NOS FORUNS. COMPREENDE AINDA ASSESSORIA, PESQUISA EM
BIBLIOTECAS, REVISTAS E COMPUTADOR. O ESTAGIO DAS FACULDADES ATINGE O MESMO
FIM, COLOCA O ESTUDANTE, COMO APRENDIZAGEM, EM CONTATO COM AS LIDES
FORENSES" (MS 4628/DF; MANDADO DE SEGURANÇA 1996/0043276-7. Min.
Luiz Vicente Cernicchiaro. 3ª
Seção. Publicado em 16.03.1998).
STJ:
"RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE.
ELASTICIDADE DA CONCEITUAÇÃO. TÉCNICO DO TESOURO. INCOMPATIBILIDADE DA FUNÇÃO
COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. PRECEDENTES.
É
firme o posicionamento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o conceito
de prática forense é mais amplo, não abrangendo somente o exercício da
advocacia, mas estágios profissionais, atuações em Tribunais, juízos de
primeira instância, entre outros. O caso se amolda à jurisprudência deste
Tribunal. Violação não caracterizada.
Recurso
desprovido" (RESP
487844/RJ; RECURSO ESPECIAL 2002/0173509-9. Min. José Arnaldo da Fonseca. 5ª
Turma. Publicado em 31.05.2004).
Vale
salientar, ainda, que o requisito inserido pela EC Nº 45 só pode ser exigido no
ato da posse, consagrando e estendendo o entendimento da Súmula 266, do STJ.
STJ:
Súmula 266 – "O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo
deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público".
Ou
seja, é inegável a necessidade de regulamentação da exigência constitucional em
análise. Em nosso sentir, tal regulamentação deve ocorrer por meio de Lei
Complementar, até mesmo para uniformizar o conceito de "atividade
jurídica", evitando conceituações diversas pelos vários editais de
concursos.
Por
fim, deve o conceito a ser dado futuramente abranger amplamente todas as
atividades capazes de propiciar conhecimentos jurídicos, as quais podem ser
obtidas antes ou depois da conclusão do curso (a lei não
exige que seja depois, apenas requer que o bacharel a possua) e não se
restringe às atividades típicas de Advogado.
III – CONCLUSÕES:
Acreditamos
que a Emenda Constitucional Nº 45/2004 trouxe, na essência, inovações positivas.
Destarte,
os novos dispositivos constitucionais, até porque jamais poderiam ensejar
modificações no trâmite processual das ações, não sendo, portanto, o meio hábil
a produzir a reforma que almejamos, devem ser vistos como os primeiros passos a
posteriores e imprescindíveis alterações infraconstitucionais. Ou seja, seu
cunho principiológico é o ponto mais importante.
No
âmbito do Ministério Público os reflexos foram diversos, cujas opiniões já
foram manifestadas ao longo do presente ensaio, deixando a cargo do leitor as
conclusões que lhes parecerem pertinentes.
TODAS as alterações, com exceção da questão da
inamovibilidade, foram, a meu ver, importantes e pertinentes, merecendo
aplausos de minha parte.
IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALMEIDA,
Dayse Coelho de. A exigência de 3 anos de atividade jurídica nos concursos
públicos para o ingresso na Magistratura e Ministério Público e a Resolução do
TST. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 669, 5 mai. 2005. Disponível em:
ALMEIDA,
Pericles Ferreira de. Prática jurídica e a Emenda Constitucional nº 45/2004.
Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 575, 2 fev. 2005. Disponível em:
ARAS,
Vladimir. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Jus Navigandi,
Teresina, a. 9, n. 687, 23 mai. 2005. Disponível em:
FERRARI
NETO, Luiz Antonio. Estudo comparado sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004.
Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 670, 6 mai. 2005. Disponível em:
GOMES,
Luiz Flávio; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. A atividade jurídica como
requisito para ingresso nas carreiras do Ministério Público e Magistratura.
Eficácia e aplicabilidade das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Jus
Navigandi, Teresina, a. 9, n. 669, 5 mai. 2005. Disponível em:
GUASTI,
Rogério Wanderley. O significado de atividade jurídica sob a ótica da Emenda
Constitucional nº 45/2004. Breves relatos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n.
614, 14 mar. 2005. Disponível em:
MAFFINI,
Rafael Da Cas. Emenda constitucional nº 45/04 e o conceito de "atividade
jurídica" como requisito de ingresso nas carreiras da Magistratura e do
Ministério Público. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. v. 8.
jan-mar, 2005.
MAZZILLI,
Hugo Nigro. A prática de
atividade jurídica nos concursos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 560, 18
jan. 2005. Disponível em:
MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
MORAES,
Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SILVA,
José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
_______.
Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
SILVA,
Wagner Lopes da. A atividade jurídica como requisito para concursos públicos.
Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 669, 5 mai. 2005. Disponível em:
NOTAS
01 In, Direito
administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
02 Art. 127, §§ 4º, 5º e 6º, CF: "§ 4º Se o
Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do
prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo
considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os
valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os
limites estipulados na forma do § 3º.
§
5º Se a proposta
orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo com os
limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo procederá aos ajustes
necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.
§
6º Durante a
execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas
ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a
abertura de créditos suplementares ou especiais".
03 Art. 128, § 2º, CF: "As funções de Ministério
Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir
na comarca da respectiva lotação".
04 Redação anterior – b) inamovibilidade, salvo por motivo de
interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério
Público, por voto de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa;
05 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 27. ed.
São Paulo: Atlas, 2005. p. 560.
06 In, Direito
constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 474-475.
07 Art. 29, § 3º, ADCT: "Poderá optar pelo regime
anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério
Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às
vedações, a situação jurídica na data desta".
08 Art. 109, V-A, CF: "as causas relativas a direitos
humanos a que se refere o § 5º deste artigo".
09 Art. 109, § 5º, CF: "Nas hipóteses de grave violação
de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de
assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o
Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,
incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal".
10 Art. 34, VII: "assegurar a
observância dos seguintes princípios constitucionais:
(...)
b)
direitos da pessoa humana".
11 In, Direito
constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 76.
12 Redação anterior – Art. 129, § 3º, CF: "O ingresso
na carreira far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada
participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, e observada,
nas nomeações, a ordem de classificação".
13 Art. 187, LC 75/93: "Poderão inscrever-se no
concurso bacharéis em Direito há pelo menos dois anos, de comprovada idoneidade
moral".
14 In, Aplicabilidade
das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 91.
Acesso em: 20 de outubro de 2005
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7441