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Luiz Augusto Coutinho
advogado
criminalista em Salvador (BA), especialista em Direito Público pela - UFPE,
mestre em direito público pela UEFS/UFPE, Vice-presidente da Associação Baiana
dos Advogados Criminais, Coordenador do Núcleo de Direito Penal da FABAC,
professor de Direito Penal
Podemos afirmar que uma das
premissas básicas de uma boa prestação jurisdicional está relacionada com a
razoabilidade das ações dos diversos componentes da estrutura jurídica. Advogados,
membros do Ministério Público e magistrados devem-se respeito mútuo. A atuação
de cada qual há de estar voltada à atenção ao desempenho profissional do homem
médio e, portanto, de boa-fé.
A
Constituição da República, com a Emenda Constitucional 45, veio consagrar o
princípio da razoabilidade como um colorário dos julgamentos do Poder
Judiciário, seguindo a tradição do Pacto de San José da Costa Rica, que assim
já assinalava no Art. 8º. – Garantias Judiciais ("1. Toda pessoa tem
direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou tribunal competente..."). Anote-se que tal princípio deita
raízes no sistema jurídico Norte-Americano e acha-se expressamente previsto nas
emendas nºs 4 e 14.
Regulamentação
similar é encontrada no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966, redigido da seguinte
forma: "3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em
plena igualdade, a pelo menos, as seguintes garantias: (...) c) De ser
julgado sem dilações indevidas" (art. 14, 3, c)." No mesmo sentido,
confira-se a Convenção européia para salvaguarda dos direitos do homem e das
liberdades fundamentais, art. 6º, 1.
Com
estas luzes, o inciso LXXVIII do Art. 5º da Carta Magna passou a vigorar com a
seguinte redação: "... a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação".
Não
se trata apenas de um acréscimo de inciso – despiciendo, diga-se de passagem,
pois já albergado pela Carta Constitucional, se observada a norma do art. 5º §
2º, que admite ratificação dos tratados internacionais como cláusulas
integrantes do texto maior – mas, sobretudo, representa a intenção do
constituinte derivado de ratificar a extensão da celeridade no âmbito judicial,
na condição de garantia fundamental, sendo de incontestável aplicabilidade
imediata como garantia do bom recebimento da prestação jurisdicional.
Ocorre
que alguns julgados recentes do Tribunal de Justiça da Bahia têm se referido ao
princípio em comento num sentido exatamente diverso, admitindo a razoabilidade
como garantidor da prisão que se alonga por deficiência do próprio Estado, por
falta de juízes, serventuários, por falta de meios mínimos para a resposta
estatal aos reclames jurisdicionais, legitimando, desta forma, a prisão
arbitrária e indefinida. Sobretudo, tem se passado a invocar a razoabilidade
exatamente no sentido inverso de sua originária interpretação.
Justiça
seja feita: também este, Tribunal em outros momentos, de absoluta lucidez, tem
decidido pelo constrangimento ilegal na hipótese de excesso de prazo na
formação da culpa. Resta agora saber qual a efetiva orientação jurisprudencial
sobre o tema.
Procurando-se
nos mais famosos dicionaristas brasileiros as acepções do termo RAZOABILIDADE,
vemos que Aurélio Buarque de Holanda Ferreira admite cinco significados:
"a) conforme a razão, racionável; b) moderado, comedido - como um preço
razoável; c) acima de medíocre, aceitável, regular - uma atuação razoável; d)
justo, legítimo -uma queixa razoável; e e) ponderado, sensato."
Houaiss
descreve seis acepções para esse adjetivo: "a) logicamente plausível;
racionável, como uma dedução; b) o aceitável pela razão; racional, quando, por
exemplo, consideram-se as exigências feitas; c) que age de forma racional, que
tem bom senso; sensato, como uma pessoa razoável; d) o que é justo e
compreensível por se basear em razões sólidas, como um julgamento, uma decisão
razoáveis; e) não excessivo; moderado, módico, como os preços assim reputados;
e f) que é bom, mas não excelente; aceitável, suficiente, bastante, como um
vinho de qualidade razoável, um salário razoável."
Ora,
sob qualquer perspectiva que se analisem as acepções assinaladas para o termo
RAZOABILIDADE, vemos que este jamais poderá ser invocado como instrumento
legitimador da demora da prestação jurisdicional, a se entender que as
deficiências operacionais do poder judiciário poderão militar em desfavor do
jurisdicionado, muito mais, se legitimadas por uma pueril invocação de tal
princípio.
Bem
pontua o sentido e alcance da razoabilidade Ávila, ao estabelecer três
vertentes para sua interpretação. A primeira pressupõe que "a
razoabilidade exige a harmonização da norma geral com o caso individual". Neste
primeiro aspecto, deve-se considerar o que normalmente acontece bem como
aspectos individuais do caso. O segundo sentido do postulado da
razoabilidade "exige a harmonização das normas com suas condições externas
de aplicação" . Por força deste significado, deve haver um suporte
empírico para a medida adotada e uma relação de congruência entre o
critério de diferenciação escolhido e a medida adotada. O terceiro sentido
do postulado da razoabilidade "exige uma relação de equivalência entre a
medida adotada e o critério que a dimensiona". (ÁVILA. Teoria dos
princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 95-103.)
Ademais,
de há muito, se consolidou que a fixação do prazo para encerramento da
instrução criminal é de 81 dias. Esta construção se originou a partir da
tentativa encontrada pela jurisprudência de sistematizar os prazos previstos
para a prática dos diversos atos praticados durante a instrução criminal,
tomando por base o procedimento comum ordinário previsto nos arts. 394-405 do
Código de Processo Penal. O diploma de ritos, ao tratar do habeas corpus,
também aponta para a necessidade da estipulação legal de prazo para a prisão de
qualquer pessoa, seja essa prisão provisória ou definitiva, salientando no seu
art. 648, inciso II, que a coação considerar-se-á ilegal "quando alguém
estiver preso por mais tempo do que determina a lei",
Ary
Franco, por exemplo, já pontificava há tempos: "A questão
relativa ao prazo de encerramento da instrução criminal sempre foi preocupação
máxima dos poderes públicos, por isso mesmo que é mister acautelar os
interesses do réu, que não pode nem deve, como elemento da sociedade, ficar
indefinidamente à espera de que os órgãos da sociedade que integram o Poder
Judiciário ultimem a sua situação de acusado, para declará-lo inocente, ou
não."(Código de Processo Penal, Vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 7ª. ed.,
1960, p. 157.)
A
matéria é tão relevante que as Constituições de alguns países, como a espanhola
("Art. 17. (...) 4. La ley regulará un procedimiento de habeas corpus
para producir la inmediata puesta a disposición judicial de toda persona
detenida ilegalmente. Asimismo, por ley se determinará el prazo máximo de
duración de la prisión provisional "), a portuguesa ("Art. 28º
(...) 4. A prisão preventiva, antes e depois da formação da culpa, está sujeita
aos prazos estabelecidos na lei".) e a italiana ("Art. 13. (...)
La legge stabilisce i limiti massimi della"), expressamente
estipulam que a lei ordinária definirá o prazo máximo de prisão cautelar.
Assim,
não se pode ter outra compreensão senão de que o princípio da razoabilidade,
prestigiado pela Emenda 45 da Carta Constitucional, veio a ser incorporado ao
Ordenamento Jurídico Pátrio, como pressuposto do Direito Penal da Liberdade.
Acesso em: 12
de setembro de 2005
Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7272