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50 Anos da Lei Fundamental Alemã
Vital Moreira*
Acabam de celebrar-se os 50 anos da
"Grundgesetz" [Lei Fundamental], a constituição alemã de 1949. É uma
história de sucesso. Nasceu quatro anos depois da Guerra como lei constitucional
provisória da parte da Alemanha então ocupada pelos aliados ocidentais. Nem
sequer lhe deram o nome de constituição, mas sim o de Lei Fundamental.
Tornou-se, porém, na constituição definitiva da República Federal Alemã, por
efeito da criação dos dois Estados alemães, um na parte ocidental e outro na
parte oriental, coincidente com a zona de ocupação soviética (a República
Democrática da Alemanha). Com o desmoronamento do Muro de Berlim e da própria
RDA, em 1989-90, e a conseqüente unificação alemã, a Lei Fundamental de 1949
tornou-se incontestadamente a constituição da nova República alemã.
Uma tal longevidade seguramente
poucos augurariam dos que há 50 anos a redigiram e aprovaram. A que se deve
esta fortuna da Lei Fundamental de 1949?
Desde logo à aprendizagem com as
lições da República de Weimar (1919-1933) e da sua morte às mãos do nazismo. A
constituição de Weimar de 1919 fora ela mesma uma constituição modelo, a
"mãe de todas as constituições" de entre as duas guerras, como alguém
afirmou na altura. A ela se deve a constitucionalização dos direitos sociais e
da economia ("constituição económica"). Foi ela que pela primeira vez
ensaiou um compromisso entre o sistema de governo parlamentar, com
responsabilidade do Governo perante o Parlamento, com um Presidente da
República diretamente eleito, dotado de importantes poderes institucionais
próprios. Mas algumas das suas soluções acabaram por favorecer a instabilidade
política da República de Weimar e a tomada do poder por Hitler.
É a essa luz que se explicam algumas
das instituições da Lei Fundamental de Bona de 1949. É o caso da opção por um
parlamentarismo racionalizado, com garantia de estabilidade governamental,
sobretudo por intermédio da "moção de censura construtiva", que só
permite o derrube de um governo desde que com a aprovação simultânea de um
governo alternativo. É o caso da cláusula barreira dos cinco por cento, que
veda a eleição de deputados por pequenos partidos extremistas e que assim
impede a pulverização parlamentar. É o caso da interdição dos partidos
anticonstitucionais, que permitiu a ilegalização do partido comunista alemão e
do partido neonazi. É o caso do afastamento da eleição direta do Presidente da
República, bem como do referendo, considerados como instrumentos propiciatórios
do poder plebiscitário. É o caso da cuidada garantia dos direitos fundamentais,
sobretudo por meio de um Tribunal Constitucional, diretamente apelável pelos
cidadãos mediante o mecanismo da "queixa constitucional", em caso de
violação dos seus direitos.
Meio século depois da sua aprovação,
a Lei Fundamental da "República de Bona" torna-se a Constituição da
Alemanha reunificada, de novo com a capital em Berlim. Coincidentemente os 50
anos ocorrem justamente na altura da transferência da capital para a velha
capital prussiana. E o Reichstag, o velho parlamento, também, ele renovado, que
foi palco das desventuras da República de Weimar, torna-se a sala de visitas da
nova "República de Berlim". É um novo capítulo na vida da Lei
Fundamental que se abre. E nada indica que seja menos venturoso do que o
anterior.
Mais importante, a Constituição
alemã tem exercido uma influência incomparável fora de fronteiras. Não existe
constituição européia elaborada nas últimas décadas que não tenha colhido
soluções na constituição alemã. Isso é evidente desde logo na Constituição
portuguesa de 1976 e na Constituição espanhola de 1978. Mas tornou-se uma
verdadeira vaga com as novas constituições dos países do Leste europeu,
nascidas da transição democrática de há dez anos e da fragmentação da União
Soviética. A Grundgesetz tornou-se um dos mais apreciados artigos alemães de
exportação. E isso não se deve somente à influência da doutrina jurídica alemã
em muitos países europeus, desde a Península Ibérica à Rússia, mas sim às virtudes
intrínsecas da Lei Fundamental.
Na história constitucional européia
nenhuma constituição terá exercido tão profunda e duradoura influência. E a
nível mundial seguramente só a Constituição americana supera a sua expressão
referencial e a sua influência externa. Com uma diferença. É que a Constituição
americana tem tido numerosas tentativas de imitação, sobretudo na América
Latina, mas poucas são as que vingaram duradouramente. Ao invés, a Constituição
alemã, juntamente com a Constituição francesa de 1958, noutro registro ainda
assim menos influente, tem sido o principal modelo daquilo a que podemos chamar
uma matriz constitucional européia, baseada nos princípios da liberdade
política, da democracia parlamentar, do Estado de direito e do Estado social.
Não admira por isso que quando se
fala numa futura constituição da União Européia o padrão da Lei Fundamental
alemã seja um obrigatório ponto de referência.
* Professor da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra
Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_02/Conti_alema.htm
Acesso no dia 29.08.05