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A
educação na Constituição Federal de 1988
Gustavo de Resende Raposo
Advogado,Especialização
em Direito Constitucional – UFES
1.Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo
menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é
obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso
aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função
do seu mérito.
2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao
reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos
raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações
Unidas para a manutenção da paz.
3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de
educação a dar aos filhos.
Declaração Universal dos Direitos do Homem
Artigo 26º
Introdução
O Brasil parece ter despertado para a relevância da temática da educação.
Ao lado da atuação governamental orientada pelos objetivos de expansão de todos
os níveis de ensino e implementação de políticas de avaliação e controle de
qualidade, também a sociedade civil demonstra interesse e participa do processo
de reconhecimento da necessidade de melhoria dos índices de escolaridade, como
requisito para real possibilidade de desenvolvimento do País.
A educação, enquanto dever do Estado e realidade social não foge ao
controle do Direito. Na verdade, é a própria Constituição Federal que a enuncia
como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de
garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado
Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só tempo, a educação
representa tanto mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da
própria sociedade em que ele se insere.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva descritiva da
temática da educação na Constituição Federal de 1988, analisando a inserção do
direito à educação no rol dos direitos sociais, buscando avaliar a atribuição
de direitos subjetivos ao cidadão.
Se o melhor entendimento das normas que regulam a educação se mostra
relevante no momento em que sua importância no contexto da sociedade brasileira
é realçada, a avaliação acerca da existência de direitos subjetivos
relacionados ao tema coloca-se como importante elemento de afirmação dos
direitos do cidadão frente ao Estado, garantindo em última análise, meio de
conferir efetividade aos preceitos constitucionais.
Por fim, analisamos dois casos atuais relacionados ao direito à
educação, que têm repercussão constitucional: o acesso ao ensino superior de
estudantes que não concluíram o ensino médio e a adoção do sistema de cotas de
acesso ao ensino superior para minoria afro-descendente.
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1. A temática da educação nas Constituições
brasileiras
Com maior ou menor abrangência e marcadas pela ideologia de sua época,
todas as Constituições brasileiras dispensaram tratamento ao tema da educação.
A Constituição Imperial de 1824 estabeleceu entre os direitos civis e
políticos a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos e previu a
criação de colégios e universidades.
A Constituição Republicana de 1891, adotando o modelo federal,
preocupou-se em discriminar a competência legislativa da União e dos Estados em
matéria educacional. Coube à União legislar sobre o ensino superior enquanto
aos Estados competia legislar sobre ensino secundário e primário, embora tanto
a União quanto os Estados pudessem criar e manter instituições de ensino
superior e secundário. Rompendo com a adoção de uma religião oficial,
determinou a laiscização do ensino nos estabelecimentos públicos.
A Constituição de 1934 inaugura uma nova fase da história constitucional
brasileira, na medida em que se dedica a enunciar normas que exorbitam a
temática tipicamente constitucional. Revela-se a constitucionalização de
direitos econômicos, sociais e culturais.
Fica estabelecida a competência legislativa da União para traçar
diretrizes da educação nacional. Um título é dedicado à família, à educação e à
cultura. A educação é definida como direito de todos, correspondendo a dever da
família e dos poderes públicos, voltada para consecução de valores de ordem
moral e econômica.
A Constituição de 1934 apresenta dispositivos que organizam a educação
nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano
nacional de educação e competência do Conselho Nacional de Educação para
elaborá-lo, criação dos sistemas educativos nos estados, prevendo os órgãos de
sua composição como corolário do próprio princípio federativo e destinação de
recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Também há garantia de
imunidade de impostos para estabelecimentos particulares, de liberdade de
cátedra e de auxílio a alunos necessitados e determinação de provimento de
cargos do magistério oficial mediante concurso.
O retrocesso na Constituição de 1937 é patente. O texto constitucional
vincula a educação a valores cívicos e econômicos. Não se registra preocupação
com o ensino público, sendo o primeiro dispositivo no trato da matéria dedicado
a estabelecer a livre iniciativa. A centralização é reforçada não só pela
previsão de competência material e legislativa privativa da União em relação às
diretrizes e bases da educação nacional, sem referência aos sistemas de ensino
dos estados, como pela própria rigidez do regime ditatorial.
A Constituição de 1946 retoma os princípios das Constituições de 1891 e
1934. A competência legislativa da União circunscreve-se às diretrizes e bases
da educação nacional. A competência dos Estados é garantida pela competência
residual, como também pela previsão dos respectivos sistemas de ensino.
A educação volta a ser definida como direito de todos, prevalece a idéia
de educação pública, a despeito de franqueada à livre iniciativa. São definidos
princípios norteadores do ensino, entre eles ensino primário obrigatório e
gratuito, liberdade de cátedra e concurso para seu provimento não só nos
estabelecimentos superiores oficiais como nos livres, merecendo destaque a
inovação da previsão de criação de institutos de pesquisa. A vinculação de
recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino é restabelecida.
A Constituição de 1967 mantém a estrutura organizacional da educação
nacional, preservando os sistemas de ensino dos Estados. Todavia, percebemos
retrocessos no enfoque de matérias relevantes: fortalecimento do ensino
particular, inclusive mediante previsão de meios de substituição do ensino
oficial gratuito por bolsas de estudo; necessidade de bom desempenho para
garantia da gratuidade do ensino médio e superior aos que comprovarem
insuficiência de recursos; limitação da liberdade acadêmica pela fobia
subversiva; diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e
desenvolvimento do ensino.
A Constituição de 1969 não alterou o modelo educacional da Constituição
de 1967. Não obstante, limitou a vinculação de receitas para manutenção e
desenvolvimento do ensino apenas para os municípios.
Como se vê o tratamento constitucional dispensado à educação reflete
ideologias e valores. Conforme registra Herkenhoff (1987, p.8), "educação
não é um tema isolado, mas decorre de decisões políticas fundamentais. Isto é,
a educação é uma questão visceralmente política".
Nesse contexto, mais do que em virtude de constituir um direito ou por
ter valor em si mesma, a natureza pública da educação se afirma em função dos
interesses do estado e do modelo econômico, como também por constituir
eficiente mecanismo de ação política (Ranieri, 2000, p. 37).
A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na
Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos,
como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional.
A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um
direito social no artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos
22, XXIV e 24, IX; dedica toda uma parte do título da Ordem Social para
responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade,
organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos
e competências para os entes da federação.
Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional
de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático,
especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua
efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).
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2. O direito à educação como um direito
fundamental
Captar toda a dimensão do direito à educação depende de situá-lo
previamente no contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais, os
chamados direitos de 2ª dimensão, no âmbito dos direitos fundamentais.
A expressão direitos fundamentais guarda sinonímia com a expressão
direitos humanos. São direitos que encontram seu fundamento de validade na
preservação da condição humana. São direitos reconhecidos pelo ordenamento
jurídico como indispensáveis para a própria manutenção da condição humana.
A despeito da "fundamentalidade", Bobbio (1992, p.5) destaca
que os direitos fundamentais ou direitos humanos são direitos históricos, ou
seja, são fruto de circunstâncias e conjunturas vividas pela humanidade e
especificamente por cada um dos diversos Estados, sociedades e culturas.
Portanto, embora se alicercem numa perspectiva jusnaturalista, os direitos
fundamentais não prescindem do reconhecimento estatal, da inserção no direito
positivo.
O sentido do direito à educação na ordem constitucional de 1988 está
intimamente ligado ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana como
fundamento da República Federativa do Brasil, bem como com os seus objetivos,
especificamente: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalidade, redução
das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum.
Numa palavra, o tratamento constitucional do direito à educação está
intimamente ligado à busca do ideal de igualdade que caracteriza os direitos de
2ª dimensão. Os direitos sociais abarcam um sentido de igualdade material que
se realiza por meio da atuação estatal dirigida à garantia de padrões mínimos
de acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem não conseguiu a eles
ter acesso por meios próprios. Em última análise, representam o oferecimento de
condições básicas para que o indivíduo possa efetivamente se utilizar das
liberdades que o sistema lhe outorga.
Nesse contexto, oportuno traçar em linhas gerais a distinção entre a
perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.
A idéia atrelada à perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais,
segundo Sarlet (1998, p. 152), consiste na "possibilidade que tem o
titular (...) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o
direito de ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela
norma consagradora do direito fundamental em questão". Essa perspectiva
tem como referência a função precípua dos direitos fundamentais, que consiste
na proteção do indivíduo.
A perspectiva objetiva implica o reconhecimento dos direitos fundamentais
como "decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição,
com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os
órgãos legislativos, judiciários e executivos" (Sarlet, 1998, p.140).
Transcende-se a dimensão de proteção do indivíduo, implicando nova função para
os direitos fundamentais que abrange a tutela da própria comunidade.
A dimensão axiológica dos direitos fundamentais implica a adoção do
ponto de vista da sociedade na valoração da eficácia dos direitos fundamentais.
O reconhecimento social coloca-se como elemento condicionante do exercício de
direitos fundamentais. Daí decorre inegável limitação dos direitos fundamentais
em sua perspectiva individual quando contrapostos ao interesse da comunidade,
preservando-se, em todo caso, o seu núcleo essencial.
Além disso, da perspectiva objetiva decorre o caráter vinculativo dos
direitos fundamentais em relação ao Estado, impondo-lhe o dever de promover sua
concretização.
A perspectiva objetiva representa a autonomia dos direitos fundamentais,
apontando Sarlet (1998, p.145/147) como principais corolários a sua eficácia
irradiante, ou seja, a capacidade de servir de diretrizes para o entendimento
do direito infraconstitucional, constituindo modalidade de interpretação
conforme a Constituição; a eficácia horizontal, que implica na oponibilidade de
direitos fundamentais não só frente ao Estado, mas também nas relações
privadas; a conexão com a temática das garantias institucionais, traduzidas
como o reconhecimento da relevância de determinadas instituições públicas e
privadas, através de proteção contra intervenção deletéria do legislador
ordinário, que não obstante, se mostram incapazes de gerar direitos
individuais; criação de um dever geral de proteção do Estado voltado para o
efetivo resguardo dos direitos fundamentais em caráter preventivo, tanto contra
o próprio Estado, como contra particulares ou mesmo outros Estados e,
finalmente, a função dos direitos fundamentais de atuar como parâmetro para
criação e constituição de organizações estatais.
No contexto da sociedade da informação e da globalização, o traço de
direito fundamental do direito à educação se acentua. Sob a perspectiva
individual, potencializa-se a exigibilidade direta pelo cidadão e no plano
objetivo solidifica-se o dever do Estado em promover sua efetividade. Se no
plano subjetivo se resguarda o desenvolvimento da personalidade humana e mesmo
a qualificação profissional, no plano objetivo o direito à educação se afirma
indispensável ao próprio desenvolvimento do País.
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3. Natureza principiológica das normas
constitucionais sobre educação
Canotilho (1999, p. 1177), a partir da lição de Dworkin afirma que:
"(...) princípios são normas que exigem a realização de algo, da
melhor forma possível, de acordo com possibilidades fácticas e jurídicas. Os
princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’;
impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a
‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica."
Regras, ao contrário, "são normas que, verificados determinados
pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem
qualquer excepção (direito definitivo)". A conjugação de princípios e
regras é percebida por Canotilho (1999, p.1124) que entende a Constituição como
sistema aberto de regras/princípios/procedimento1.
Sem dúvida alguma, das normas que tratam da educação na Constituição
Federal de 1988, algumas apresentam um comando operativo bastante evidente.
Exemplo eloqüente é a previsão do ensino fundamental obrigatório e gratuito,
inserta no inciso I do artigo 208, cujo parágrafo primeiro garante não só a
imediata aplicabilidade e eficácia da norma, como também a indiscutível
possibilidade de tutela jurisdicional.
Mas, em grande parte, as normas que tratam da educação apresentam-se sob
a forma de princípios. E isso se justifica, pois se por um lado a Constituição
ao enunciar direitos sociais impõe obrigações de fazer para o Estado, por outro
essa imposição de obrigações de fazer não é detalhada ao ponto de instituir
normas do tipo regra, prescrevendo objetivamente condutas e suas conseqüências.
Embora com uma perspectiva genérica, essa peculiaridade é destacada por Campello
(2000, p.9) ao afirmar que "na norma educacional não têm sido encontradas,
amiúde, sanções que caracterizem punições ou que estabeleçam um grau elevado de
coercitividade para aquele ‘dever-ser’ que impõe um fazer ou deixar de fazer
alguma coisa".
A principal conseqüência do modelo da norma de natureza principiológica
é a irradiação de efeitos por todo o sistema normativo, "compondo-lhe o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência
(...)", conforme salienta Bandeira de Mello (apud Campello, 2000, p. 8).
Revela-se a importância da técnica legislativa na construção da norma
constitucional. O modelo principiológico, se por um lado não esgota ou não
encerra em termos definitivos o tratamento jurídico de determinada questão, por
outro confere abertura para solução de conflitos através da ponderação de
valores. Este é o caminho que se apresenta para composição de conflitos em uma
sociedade complexa, onde se salienta o papel e a responsabilidade do Judiciário.
Nesse contexto, destaca Canotilho (1999, p. 444/445) as possibilidades
de conformação jurídica dos direitos sociais, ou seja, as possibilidades de
caracterização dos direitos sociais no âmbito da Constituição. Podem os
direitos sociais se apresentar como normas programáticas, normas de
organização, garantias institucionais e como direitos subjetivos públicos.
A linha de diferenciação está justamente na potencial criação de
pretensões oponíveis contra o Estado, deduzíveis diretamente pelo cidadão.
Grosso modo, os direitos sociais como normas programáticas revelam
vinculação voltada à idéia de pressão de natureza política sobre os órgãos
competentes. Como normas de organização, determinam a instituição de
competências determinadas aos órgãos públicos, mas com capacidade de vinculação
também limitada ao plano político. A idéia de garantias institucionais está
dirigida ao respeito e à proteção de determinada instituição social, que por
sua natureza está atrelada à concretização de direitos de cunho social,
econômico e cultural. Finalmente, os direitos sociais como direitos subjetivos
públicos estatuem direitos fruíveis diretamente pelo cidadão e oponíveis contra
o Estado, que tem o dever de implementá-los.
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4. Indeterminabilidade do conteúdo do direito à
educação
Em caráter preliminar à questão do conteúdo do direito à educação, nos
convém destacar que para os fins do presente trabalho não nos importa
estabelecer uma distinção entre educação e ensino.
Ranieri (2000, p. 168), embora se referindo à Lei 9.394/96 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, destaca que os conceitos de educação e
ensino agrupam realidades semelhantes e que cabe ao intérprete estar atento ao
contexto em que se inserem as expressões para captar seu exato sentido.
Registra:
"Educação (...) constitui o ato ou efeito de educar-se; o processo
de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano,
visando a sua melhor integração individual e social. Significa também os
conhecimentos ou as aptidões resultantes de tal processo, ou o cabedal
científico e os métodos empregados na obtenção de tais resultados. E, ainda,
instrução, ensino.
Ensino, por sua vez, designa a transmissão de conhecimentos, informações
ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação; os métodos empregados
para se ministrar o ensino; o esforço orientado para a formação ou modificação
da conduta humana; educação. "
Salvo melhor juízo, o mesmo pode ser dito em relação ao emprego das duas
expressões na Constituição Federal.
Canotilho (1999, p. 450) reconhece a dificuldade de delimitação de
conteúdo dos direitos sociais. Registra que a adoção de entendimentos que
limitem a eficácia dos direitos sociais, tornando-os dependentes de modo
absoluto da intervenção legislativa ordinária significa retirar toda a sua
vinculação jurídica. Raciocinar dessa maneira representa retrocesso em relação
ao atual entendimento que se tem sobre a eficácia e a busca da efetividade das
normas constitucionais.
Conforme salienta Silva (2001, p.261), "todas as normas
constitucionais são dotadas de eficácia jurídica e imediatamente aplicáveis nos
limites dessa eficácia". Por eficácia se entende a aptidão para produzir
efeitos jurídicos.
No âmbito da verificação dos efeitos da norma jurídica, uma problemática
que se afirma é a de reconhecer direitos originários e direitos derivados em
matéria de direitos sociais.
Direitos originários se caracterizam pela conjugação da previsão
constitucional de um direito social, do reconhecimento do dever do Estado na
criação de pressupostos materiais para o exercício desses direitos e na
possibilidade de o cidadão exigir prestações relacionadas a esse direito
(Canotilho, 1999, p. 447). Fica patente a necessidade de intervenção dos
poderes públicos para a garantia desses direitos, a partir da qual surge a
idéia da reserva do possível, traduzindo a dependência de recursos econômicos
para a permitir a efetividade de direitos. O melhor sentido aos direitos de 2ª
dimensão nesse âmbito é o reconhecimento de sua força vinculativa da atuação
estatal, representando verdadeira imposição constitucional voltada à
transformação econômica social.
Direitos derivados, por outro lado, estão ligados à idéia de igual
acesso, igual participação nas prestações de natureza econômica, social e
cultural, à medida em que o Estado concretiza suas responsabilidades nessa área
(Canotilho, 1999, p. 448). A perspectiva subjetiva, nesse caso, está na
garantia de proibição de retrocesso, ou seja, impossibilidade de supressão ou
cancelamento da esfera já implementada desses direitos.
Não nos parece possível reduzir o direito social à educação a uma ou
outra tipologia, pelo simples fato de a realidade demonstrar, seja agora, seja
no exato momento de promulgação da Constituição, a pré-existência de todo um
arcabouço organizacional do sistema educacional brasileiro, determinante das
mais diversas posições jurídicas. Se por um lado isso não revela uma tarefa
acabada, acentuando-se em grande parte a necessidade de um papel redistributivo
do Estado voltado para a idéia de igual acesso e igual participação, de outro
não retira a possibilidade de casos específicos em que seja possível exigir de
modo imediato o adimplemento de prestações relacionadas ao direito à educação.
A partir desse exemplo, necessário reconhecer a relevância da
normatização infraconstitucional para a efetividade dos direitos sociais.
Todavia, nos atemos à simples previsão constitucional do direito à
educação para concluir que dela decorre para o Estado o dever de desenvolver
atos concretos e determinados dirigidos à sua implementação.
Por outro lado, e a primeira vista isso nos parece um diferencial em
relação aos demais direitos sociais, o tratamento constitucional do direito à
educação não se limita a um mero enunciado. Existem comandos normativos
relativos à competência legislativa, indicativos de critérios de acesso e de
qualidade, elementos para organização do sistema educacional, previsão de
financiamento, distribuição de encargos e competências entre os entes da
federação suficientes para balizar a atuação estatal.
A natureza principiológica das normas não lhes retira a capacidade de
vinculação da atuação estatal e, por outro lado, delineia os valores e
objetivos que devem ser perseguidos de modo permanente e disperso nas diversas
iniciativas estatais.
Mesmo inserido no contexto dos direitos sociais, o direito à educação
apresenta densificação muito maior do que inicialmente imaginamos ao nos
confrontar com o disposto no artigo 6º. Ou seja, as normas dos artigos 205 a
214 conferem ao direito à educação um espaço normativo mais preciso e
delimitado.
Se por um lado o direito social à educação previsto no art. 6º não se
confunde ou não se limita às imposições constitucionais dos artigos 205 a 214,
por outro não há como negar a conexão óbvia entre estes dispositivos
constitucionais que, em última análise, são capazes de determinar o mínimo de
atuação estatal necessária para que se implemente o direito à educação. De
certa maneira, a Constituição delimita o núcleo essencial do direito à
educação.
Reconhecendo que um dos entraves à efetividade dos direitos sociais
reside na inércia do legislador, que o direito positivo não apresenta
mecanismos eficientes para sanar a inconstitucionalidade por omissão, ao lado
da interpretação não concretista dominante no Supremo Tribunal Federal acerca
dos efeitos do Mandado de Injunção, esse nos parece um posicionamento que pode
conduzir ao reconhecimento de direitos individuais2 em matéria de educação
previstos na Constituição, passíveis de serem deduzidos diretamente pelo
cidadão perante o Judiciário.
Enfim, se a marca de indeterminabilidade típica dos direitos sociais
também se apresenta no direito à educação, não sendo dispensável a
complementação legislativa em nível ordinário, é certo que as disposições dos
artigos 205 e 214 são suficientes para garantir um mínimo de sua exeqüibilidade
e implementação, o que é extremamente relevante especialmente para garantir a
possibilidade de tutela jurisdicional.
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5. Competência legislativa
A efetividade do direito à educação depende da existência de toda uma
estrutura que permita a organização do sistema educacional. No Estado de
Direito, a previsão legal é o mecanismo apto a definir essa estrutura.
A competência legislativa em matéria educacional na Constituição Federal
se encontra na previsão do artigo 22, XIV, que consagra competência legislativa
privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional
e na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para
legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, prevista no artigo 24, IX.
Conforme salienta Ranieri (2000, p. 107) a lei de diretrizes e bases da
educação tem conteúdo preciso, apontando para idéia de "fundamento,
organização, condições de exeqüibilidade". É a lei de diretrizes e bases
que traça a estrutura da educação nacional.
Na medida em que estrutura a educação nacional, a lei de diretrizes e
bases não é exaustiva. Nesse ponto, constata-se uma impropriedade técnica em
situar a lei de diretrizes e bases no rol de competências legislativas
privativas da União. Essa modalidade de competência tem como característica
permitir legislar de modo pleno, sem limitações de amplitude. Essa a razão da
previsão do parágrafo único do artigo 22, acerca da possibilidade de delegação
de competência para tratar de questões específicas.
Ranieri (2000, p. 111) demonstra que, em verdade, a competência para
legislar sobre diretrizes e bases não é, em sua natureza, privativa, mas
concorrente.
Quanto à competência prevista no artigo 24, IX, à União caberá editar
normas gerais sobre educação e ensino, e aos Estados e Distrito Federal o
estabelecimento de normas suplementares. Dessa forma, há um regramento
sucessivo, dupla legislação em graus distintos, uma genérica e outra
suplementar (Ranieri, 2000, p. 103).
Como corolário das competências legislativas, a estrutura do sistema
educacional brasileiro assenta sobre o modelo do Estado Federal. Nesse sentido,
percebe-se que a lei de diretrizes e bases da educação nacional representa o
regramento em nível nacional, correspondendo à articulação e coordenação dos
sistemas de ensino. Por outro lado, a competência para edição de normas em
matéria de educação e ensino prevista no artigo 24, IX garante a atuação dos
Estados no tratamento de questões específicas, importante instrumento para
atender a variedade de situações decorrentes da extensão e das desigualdades do
País.
O que é interessante nessa temática é demonstrar que a definição de
competências legislativas, e conseqüentemente a vinculabilidade das normas em
matéria educacional está intimamente ligada à fundamentação e estrutura teórica
do modelo federativo adotado. Ou seja, não existe relação de subordinação e
critério de hierarquia, mas relação de coordenação e critério de competência
(Ranieri, 2000, p. 106).
Em que pese o papel articulador e coordenador da União, há amplo espaço
para atuação das esferas estadual, municipal e distrital, regulamentando as
questões dos respectivos sistemas de ensino. Essa é questão de grande
relevância, na medida em que garante não só tratamento de especificidades, mas
também porque permite variedade de experiências e de modelos inerentes e
indispensáveis, em última análise, para o próprio desenvolvimento e
aprimoramento do processo educacional.
No papel de coordenação e articulação, cabe à União estabelecer o plano
nacional de educação, cujos objetivos estão definidos no artigo 214 da
Constituição Federal.
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6. Organização dos sistemas de ensino
Se a existência de esferas de atuação na organização da educação
nacional é corolário lógico do modelo de repartição de competências
legislativas, por outro lado também decorre de expressa previsão
constitucional, conforme artigo 211.
Ranieri (2000, p. 118) demonstra que o sentido da expressão sistema de
ensino agrega "tanto o conjunto de instituições educacionais
(compreendidos os elementos materiais e humanos que as compõem), como as normas
nacionais editadas pela União e as normas especiais que o vinculam a tal ou
qual ente federado".
A organização dos sistemas de ensino está alicerçada na definição de
áreas prioritárias de atuação e na preocupação em instituir um regime de
colaboração entre os mesmos. Nessa ordem de idéias, aos Municípios compete
atuar prioritariamente no ensino fundamental e no ensino infantil, os Estados3
e o Distrito Federal no ensino fundamental e médio.
O papel da União não se limita à organização de seu sistema de ensino,
mas se vincula especialmente a uma função redistributiva e supletiva, com o
objetivo de garantir equalização de oportunidades e padrão mínimo de qualidade.
Assim, não existe uma área de atuação prioritária para a União, pois em verdade
lhe cabe atuar, ainda que em caráter de apoio técnico e/ou financeiro, em todos
os níveis.
Não obstante, em virtude da definição de áreas prioritárias para os
Estados e Municípios, em caso de ausência de oferta de ensino superior por este
entes, caberá à União incumbir-se dessa tarefa em caráter residual.
Ranieri (2000, p. 123) destaca a discussão acerca da existência de um
sistema nacional, abrangendo os sistemas estaduais, distrital e municipais. De
uma perspectiva sociológica parece-lhe inegável a existência desse sistema
nacional, mas não com um caráter de supremacia sobre os demais e sim inserido
no contexto de cooperação e inter-relacionamento decorrente do federalismo
cooperativo, cuja expressão maior decorre da previsão constitucional do artigo
214 de um plano nacional de educação.
Embora não propriamente vinculada aos sistemas de ensino, merece
referência a previsão de competência comum do artigo 23, V, que determina a
todos os entes da federação proporcionar os meios de acesso à cultura, à
educação e à ciência. Mais uma vez se determina dever coletivo de todos os
entes federativos e por conseqüência se reforça a necessidade de atuação
articulada e conjunta, visando otimizar resultados. As iniciativas de
proporcionar os meios de acesso abrangem desde a manutenção de instituições de
ensino até medidas concretas de garantia de condições de acesso à escola, como
transporte, material didático e merenda4.
No âmbito da organização dos sistemas de ensino, o dispositivo do artigo
210 demonstra tanto a preocupação com o papel da educação em promover a
integração nacional, como com a preservação das peculiaridades regionais,
mediante previsão de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, visando
formação básica comum e respeito a valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais. Nesse aspecto, até mesmo a especificidade da cultura indígena é
tutelada, nos termos do parágrafo 2º.
Cabe registro que a previsão do ensino religioso, nos termos do
parágrafo 1º do artigo 210, deve estar coadunada com a liberdade religiosa e
despida de vinculação com qualquer espécie de credo ou religião. Sua função é
complementar à formação do indivíduo, vinculada ao seu desenvolvimento
espiritual, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana almejado
pelo artigo 205.
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7. Autonomia Universitária
Ranieri (1994, p. 15), aponta a definição de autonomia formulada por
João Mendes de Almeida Júnior, como "direção própria do que é
próprio".
A autonomia universitária é instrumento a serviço do bom desempenho da
atividade educacional, consistindo "em poder derivado funcional,
circunscrito ao que é próprio à entidade que o detém e limitado pelo
ordenamento geral em que se insere, sem o qual, ou fora do qual, não
existiria" (Ranieri, 2000, p. 220).
O regime de autonomia confere capacidade de autonormação às instituições
universitárias em relação às atividades didático-científicas, administrativas e
de gestão financeira e patrimonial.
A temática da autonomia universitária
está ligada com a organização dos sistemas de ensino, na medida em que confere
imunidade em relação à legislação regulamentar por eles expedidas. Em matéria
educacional, a vinculação das universidades limita-se aos demais comandos
constitucionais e às normas de natureza diretivo-basilar (Ranieri, 200, p.
199).
O regime da autonomia universitária é o de reconhecimento de uma
realidade social objetiva, que provoca reflexo na própria efetividade do direito
social à educação, encaixando-se no perfil típico de garantia institucional
(Sarlet, 1998, p. 301).
Ao lado da autonomia, o artigo 207 consagra a indissociabilidade do
ensino, pesquisa e extensão como elemento de organização das instituições
universitárias.
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8. Financiamento
A Constituição Federal de 1988 tratou do financiamento da educação de
modo bastante incisivo. Vinculou receitas para a manutenção e desenvolvimento
do ensino em caráter excepcional, fugindo ao preceito genérico do artigo 165,
IV; instituiu a contribuição social do salário-educação e previu fundo de
natureza contábil voltado para o setor.
O artigo 212 define a estrutura do financiamento da educação, na medida
em que determina a aplicação de percentuais mínimos de 18% para a União e 25%
para os Estados e Municípios, da receita proveniente de impostos na manutenção
e desenvolvimento do ensino; bem como estabelece critérios para efeito de
cálculo dos percentuais e de verificação de sua destinação; elege o ensino
obrigatório como área prioritária de atendimento; determina o custeio de
atividades de apoio ao ensino ligadas à suplementação alimentar e assistência à
saúde com outros recursos e destina ao ensino fundamental público a receita da
contribuição social do salário educação.
No Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, o artigo 60 traça regras relativas à aplicação dos recursos
disponibilizados para a educação, estabelecendo a meta de universalização do
ensino fundamental e também criando fundo5 de âmbito nacional, estadual e
distrital, cujo objetivo é garantir as atividades de cooperação entre os
sistemas de ensino, voltadas para garantir efetividade ao modelo de cooperação
entre os entes federativos.
Merece referência a Emenda Constitucional 14, que conferiu novo caráter
à meta de eliminação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental,
passando de norma programática a norma de eficácia plena, mediante
discriminação de critérios de atuação e de alocação dos recursos (Ranieri,
2000, p. 83).
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9. A relação da iniciativa privada com a
educação
A participação da iniciativa privada na educação é admitida pela
Constituição Federal subordinada ao cumprimento das normas gerais da educação
nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, nos termos
do artigo 209. Esses são requisitos específicos, aos quais se somam os gerais
previstos no título da ordem econômica e financeira, que disciplinam a
iniciativa privada como um todo e justificam a intervenção estatal em caráter
de fiscalização e controle junto às instituições de ensino particulares no
plano de seu desempenho econômico e financeiro.
A atividade educacional exercida pela iniciativa privada não perde o
caráter eminentemente público. A previsão de autorização prévia e de controle
de qualidade na matéria educacional determina o estabelecimento de critérios
seja em relação ao próprio desempenho da atividade educacional, como ao modo de
operacionalizá-la.
Na verdade, ainda que a educação seja prestada sob regime de Direito
Privado, a subsunção aos demais princípios e valores registrados na
Constituição se mantém. O que não poderia ser diferente, na medida em que se
enuncia a educação como um direito de todos.
Além disso, a Constituição prevê hipóteses de destinação de recursos
públicos para escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas, mediante
cumprimento de requisitos específicos. A isso se somam as hipóteses de
imunidade tributária previstas nos artigos 150, VI, c e 195, parágrafo 7º.
Em que pese o incentivo às instituições educacionais sem fins
lucrativos, a Constituição delineia claramente a prioridade de investimento na
sua rede de ensino, conforme registra o parágrafo 1º do artigo 213. Ou seja, em
princípio a educação deve ser prestada pelo Estado e a atuação da iniciativa
privada tem caráter suplementar, ao contrário da regra geral relativa à atuação
estatal no domínio econômico.
Enfim, no plano constitucional a atuação da iniciativa privada em
matéria de educação é admitida em caráter suplementar ao papel do Estado,
incentivada se ausente o fim lucrativo, mas sempre estruturada sobre princípios
e valores de ordem pública.
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10. Os princípios constitucionais em matéria
educacional
Já nos referimos ao caráter principiológico das normas que tratam de
educação na Constituição Federal, por outro lado também fizemos menção ao fato
de que, a despeito de indispensável intervenção legislativa ordinária para
efetivação do direito à educação, seu espaço normativo é mais preciso e
delimitado quando temos em vista o disposto nos artigos 205 a 214.
Campello (2000, p. 1/21) apresenta o elenco de princípios dos artigos
205 a 214, dividindo-os em (a) garantias individuais: igualdade de condições de
acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o conhecimento, gratuidade do ensino público nos estabelecimentos
oficiais, ensino fundamental obrigatório e gratuito, acesso aos níveis mais elevados
de ensino segundo o mérito de cada um, assistência no nível fundamental com
material didático, transporte, alimentação e saúde; (b) garantias de qualidade:
pluralismo pedagógico, valorização do profissional do ensino, gestão
democrática do ensino público, garantia do padrão de qualidade, normas gerais
de educação, autorização e avaliação de qualidade pelo poder público, sistemas
de ensino integrados, plano nacional de educação com objetivos de erradicação
do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade
do ensino, formação para o trabalho, promoção humanística, científica e
tecnológica do País; (c) princípios organizacionais: convivência do ensino
público e do privado, autonomia para as Universidades, progressiva universalização
do ensino público, educação especial, creche e pré-escola para as crianças de 0
a 6 anos, ensino noturno, ensino livre à iniciativa privada, sob condições,
financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior pela União, atuações
prioritárias: Municípios – ensino fundamental, Estados – ensino médio, União –
ensino superior, manutenção da rede federal de ensino superior e tecnológico.
A relevância das normas dos artigos 205 a 214 é conferir um conjunto de
elementos capazes de vincular de modo mínimo a atuação estatal com vistas à
realização do direito à educação. Representam, em última análise, mecanismos
capazes de gerar direitos subjetivos passíveis de tutela jurisdicional.
Segundo Barroso (2001, p. 85/86), ao "jurista cabe formular
estruturas lógicas e prover mecanismos técnicos aptos a dar efetividade às
normas jurídicas". Por efetividade entende-se "a realização do
direito, o desempenho concreto de sua função social".
No contexto do estudo da efetividade da Constituição, Barroso (2001,
p.93) propõe uma tipologia das normas constitucionais, dividindo-as em normas
constitucionais de organização, normas definidoras de direito e normas
programáticas.
As normas constitucionais de organização têm a característica de ordenar
os poderes estatais, criar e estruturar entidades e órgãos públicos, distribuir
atribuições e identificar e aplicar outros atos normativos (Barroso, 2001, p.
95). São normas voltadas para a organização do Estado e se caracterizam pelo
efeito constitutivo imediato, não se apresentando como juízos hipotéticos
(Barroso, 2001, p. 97).
As normas definidoras de direito, segundo Barroso (2001, p. 103),
gravitam sobre a idéia de direito subjetivo, "entendido como o poder de ação,
assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de certo interesse".
Dessas normas decorrem "situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, a
serem materializadas em prestações positivas ou negativas", exigíveis do
Estado ou de outro destinatário, caso não sejam satisfeitas espontaneamente.
As normas programáticas "têm por objeto estabelecer determinados
princípios ou fixar programas de ação para o Poder Público" (Barroso,
2001, p. 118). Hoje se reconhece o seu caráter vinculativo, como as demais
normas da Constituição, embora a posição dos administrados seja menos
consistente (Barroso, 2001, p. 120). Têm como efeito imediato obstar atos
normativos divergentes, seja revogando os já existentes, seja determinando a
inconstitucionalidade dos supervenientes, conferindo aos administrados o
direito de opor-se judicialmente aos atos a elas contrários e obter decisões
jurisdicionais alinhadas com os valores nelas consignados (Barroso, 2001, p.
122).
A partir de um paralelismo entre o modelo tipológico proposto por
Barroso e a classificação de Campelo, encontramos meios de afirmar a concretude
dos preceitos constitucionais que tratam da educação.
Nos parece possível estabelecer relações entre garantias individuais e
normas definidoras de direitos, garantias de qualidade e normas programáticas e
princípios organizacionais e normas de organização.
As garantias individuais carregam o traço de direitos subjetivos, sendo
certo que se algumas determinam atuações estatais positivas, outras criam
deveres de abstenção dirigidos especificamente para o processo educacional.
No âmbito das apontadas garantias de qualidade, encontramos normas de
natureza programática, entendidas como normas voltadas a estabelecer planos de
ação, orientações de conduta da intervenção governamental. A implementação dos
princípios referentes à qualidade do ensino não prescinde da legislação
ordinária, bem como da própria atuação normativa dos sistemas de ensino, mas a
partir deles se determinam os contornos e os critérios de avaliação de
qualidade.
A concepção dos princípios organizacionais se assenta sobre a divisão de
encargos e competências, bem como na previsão de sistemas de ensino em cada
ente da federação, coordenados entre si. Dentro do rol de princípios
organizacionais apontados, alguns podem caracterizar direitos, como a educação
especial da pessoa portadora de deficiência.
Convém registrar que classificações servem a propósitos determinados,
pois de uma forma ou de outra, acabam generalizando realidades distintas e
ocultando particularidades. Nesse contexto, a partir das relações propostas
parece possível vislumbrar direitos oponíveis contra o Estado em matéria de
educação.
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11. Tutela dos direitos individuais
relacionados à educação
O reconhecimento de direitos individuais entre os dispositivos que
tratam da educação revela tanto a aplicablidade imediata dessas normas, quanto
a possibilidade de sua tutela jurisdicional. De certa maneira, o enquadramento
de pretensões relacionadas ao direito à educação no esquema de direitos
individuais garante sua adequação ao regime jurídico do Estado liberal,
conferindo-lhe condições de aplicabilidade e de efetividade.
Não pretendemos simplificar a discussão acerca da problemática da
eficácia dos direitos sociais, nem reduzir o direito á educação à implementação
de determinadas imposições constitucionais. Todavia, acreditando que os
dispositivos dos artigos 205 a 214 determinam em grande parte o núcleo
essencial do direito à educação, nos parece que o enfoque sobre os dispositivos
constitucionais procurando deles extrair um sentido exato e preciso é caminho
apto a lhes conferir eficácia e também efetividade. Isso pode não ser
suficiente para resguardar todas as inimagináveis pretensões individuais
relacionadas ao direito à educação, mas por certo delimita um mínimo de
direitos subjetivos6 extraídos diretamente do texto constitucional. Nesse
contexto, a identificação de direitos subjetivos passa pela visualização do
contraponto direito individual – dever do Estado (Barroso, 2001, p. 115).
A igualdade de condições de acesso e permanência na escola, prevista no
artigo 206, I, é corolário do princípio da igualdade abrigado genericamente no
artigo 5º, caput. A norma determina a impossibilidade de discriminações ou criação
de limites que restrinjam a possibilidade de educação formal do indivíduo, o
que não significa a adoção de uma perspectiva individualista (Silva, 1994, p.
197), capaz de se limitar à determinação de um dever de abstenção. A norma
impõe atuação estatal voltada a garantir meios e condições de facilitar o
acesso e permanência na escola de quem seja desprovido de meios, conjugando-se
com as disposições que garantem assistência alimentar e à saúde, transporte e
material escolar no nível fundamental inseridas no artigo 208, VII.
Enquanto determina ausência de discriminações, a tutela jurisdicional do
princípio consistirá em reconhecer a inconstitucionalidade de atos que imponham
discriminações ou limitações ao direito de acesso e permanência na escola.
No âmbito da imposição de um dever de agir, voltado para a idéia de
igualdade material, a dificuldade de intervenção judicial e eventual invasão de
campo de atuação administrativa não é absoluta, na medida em que a própria
Constituição estabelece critérios de atuação nos moldes do artigo 208, VII.
A liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o conhecimento consubstancia obrigação de não fazer, cuja
aplicabilidade imediata é inquestionável, sendo possível estabelecer relação com
a liberdade de pensamento do artigo 5º, IV.
Do mesmo modo, da previsão de gratuidade do ensino público nos
estabelecimentos oficiais também não decorre grande dificuldade, já que em
contraponto representa obrigação de não fazer, ou seja, não cobrar qualquer
espécie de contraprestação pelos serviços educacionais prestados.
Nesses casos, a tutela jurisdicional será limitada à cessação do ato
inconstitucional.
A oferta de ensino fundamental obrigatório e gratuito é expressamente
consignada como direito subjetivo público7 pelo parágrafo 1º do artigo 208.
Além disso, a previsão de responsabilidade da autoridade competente estabelece
a sanção pelo não cumprimento ou cumprimento deficiente do preceptivo
constitucional do artigo 208, I.
Nesse particular, Barroso (2001, p. 149) descreve hipótese em que à
ausência de estabelecimento de ensino fundamental, poderia o indivíduo, com
base no artigo 205 c/c 208, I e seu parágrafo 1º, recorrer ao Judiciário
pleiteando a condenação do Estado em obrigação de fazer consistente na
construção de uma escola, ou caso isso seja inviável, alternativamente, o dever
de custear os estudos em escola particular.
A garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a
capacidade de cada um revela a escolha de um critério de mérito. Em virtude da
obrigatoriedade do ensino fundamental e do compromisso de progressiva
universalização do ensino médio, conforme artigo 208, I e II, o preceptivo
constitucional volta-se essencialmente para o ingresso no nível superior. A
tutela jurisdicional do princípio será possível em hipóteses em que o ingresso
no nível superior esteja condicionado a outros fatores que não a capacidade
técnica, aferida por critérios objetivos.
Embora catalogada como princípio organizacional, a previsão de educação
especial para o portador de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino, conforme artigo 208, III, caracteriza direito subjetivo. A segunda
parte do dispositivo tem caráter programático, mas é inegável que está
assegurado o direito subjetivo do portador de deficiência em ter atendimento
educacional especializado. Nesse sentido se manifesta Barroso (2001, p.151).
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12. Estudo de casos
12.1. Acesso ao ensino superior independentemente de conclusão do ensino
médio
O inciso II do artigo 40 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – Lei 9394/96 condiciona o ingresso nos cursos de graduação do ensino
superior à conclusão do ensino médio e à classificação em processo seletivo.
Essa é a regra.
A despeito da referida previsão legal, inúmeros precedentes judiciais do
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo conferem a estudantes
classificados em processo seletivo o direito de ingressar no ensino superior,
independentemente da conclusão do ensino médio, baseando-se no artigo 205 e no
inciso V do artigo 208 da Constituição Federal. Vejamos:
Exame supletivo de 2º grau, menoridade, aprovação em concurso
vestibular.
Ementa: Remessa ex officio. Apelação Voluntária. Mandado de Segurança.
Exame Supletivo 2º grau. Menoridade. Direito aos níveis mais elevados do
ensino. Art. 208. Inc. V da CF. Concedida a segurança. Apelação Voluntária não provida. A lei 9394/96
que disciplina o exame supletivo de segundo grau, deve ser interpretada em
consonância com o inciso V do art. 208 da Constituição da República que diz que
"o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante garantia, entre
outros direitos, o de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e
da criação artística, segundo a capacidade de cada um". Assim, impedir a
menor ao acesso a estágio superior de ensino, além de ferir frontalmente o
supracitado dispositivo constitucional, rechaça o direito fundamental do
cidadão, de que a educação é direito de todos. Negada a Apelação Voluntária e concedida
a segurança, assim como fez o MM. Juiz. (Remessa ex officio nº 024990109720 –
Comarca da Capital – Juízo de Vitória – Apelação Voluntária processo
024990109720 – Des. Rel.: Amim Abiguenem – Des. Revisor: Frederico Guilherme
Pimentel – julgado em 08.03.2001 e lido em 22/03/2001. Ementário de
Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º
semestres de 2001. nº 1 a 12. p. 18. Edição 2001)
Exame supletivo de 2º grau, menor de 18 anos aprovado em vestibular.
Ementa: Mandado de Segurança – exame supletivo de 2º grau – menor de 18
anos – possibilidade de exame especial – aprovação em curso superior – exegese
do art. 208, V da CF – remessa conhecida – sentença de 1º grau mantida – apelo
voluntário improvido. Em conformidade com o art. 208, V da CF, os exames em
nível de 2º grau de que trata a lei 9394/96 foram estendidos aos adolescentes
quando aprovados em curso superior, cuja capacidade mental supera a idade
biológica. Remessa necessária conhecida, mantida a douta sentença. Apelo
voluntário a que se nega provimento. (Remessa ex officio nº 14009002529 – Des.
Rel. : Nivaldo Xavier Valinho – Des. Revisor: Rômulo Taddei – julgado em
08/05/2001 e lido em 29/05/2001. Ementário de Jurisprudência Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2001. nº 1 a 12. p.
30. Edição 2001)
Mandado de Segurança, exame supletivo, aprovação em vestibular.
Ementa: Remessa ex officio com Apelação voluntária – Mandado de
Segurança – negativa de inscrição do supletivo – menor de 18 anos – recurso
improvido – remessa prejudicada. Recurso improvido, com conseqüente remessa
prejudicada, eis que a pretensão do impetrante está embasada na Constituição
Federal (art. 208,V), bem como na lei nº 8069/93, posto que é dever do Estado
assegurar acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de
cada um. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Remessa ex
officio com apelação cível, sendo remetente o MM. Juiz de Direito da Vara da
Fazenda Pública de Colatina, sendo apelante o estado do Espírito Santo e
apelado L.C.B. (menor púbere), assistido por seu genitor, Luiz Carloz Bonjardim
(remessa ex officio nº 14009002347 – Des. Rel.: Maurílio Almeida de Abreu –
Des. Revisor: Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon – julgado em 30.04.2001 e lido
em 8.05.2001. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do
Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2001. nº 1 a 12. p. 33. Edição 2001)
Exame Supletivo, limite de idade, indeferimento de acesso ao ensino
superior, impossibilidade
Ementa: administrativo – constitucional – Remessa ex officio – Mandado
de Segurança – exame supletivo – limite de idade – aluno portador de
inteligência precoce e conhecimentos avançados em relação à média –
indeferimento de acesso ao ensino superior – impossibilidade – por afronta ao
art. 208, V da CF e art. 5 da Lei 9394/96. 1 – Considera-se ilegal e lesivo o
ato do diretor do Centro de Estudos Supletivos, obstaculizando o acesso de
estudante ao ensino superior, sendo este portador de inteligência precoce e
conhecimentos avançados em relação à média, ante a negativa de permissão para
feitura de exame supletivo. 2 – O indeferimento do pedido autoral afronta
comando constitucional inscrito no art. 208, V, da CF que estabelece ser dever
do Estado a educação pública, garantindo entre outros direitos, o acesso aos
níveis mais elevados do ensino, repetindo a legislação ordinária no art. 4, da
Lei 9394/96. 3 – Remessa conhecida para manter a sentença de piso, apelo
voluntário conhecido, mas improvido. Visto, relatos e discutidos este autos em
que são partes as acima indicadas. ( Remessa ex officio nº 24970086310 –
Comarca da Capital – Juízo de Vitória – 2ª Câmara Cível – Des. Rel.: Álvaro
Manoel Rosindo Bourguignon – Des. Revis.: Antônio Miguel Feu Rosa – julgado em
14/12/1999 e lido em 28/12/1999. Ementário de Jurisprudência Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2000. nº 1 a 12. p.
17. Edição 2001)
Aprovação em vestibular, exame supletivo especial, mais da metade do
curso superior cursado, situação consolidada, irreversibilidade da segurança
concedida
Ementa: Mandado de Segurança – aprovação no vestibular – 2º grau
incompleto – exame supletivo especial – irreversibilidade da situação. Por ter
o impetrante cursado mais da metade do curso superior, e diante do prejuízo que
esta decisão poderia trazer à parte, é de se negar provimento ao apelo, vez que
a situação já é consolidada; não há como reverter a segurança outrora
concedida. (Remessa ex officio nº 24980124275 – Comarca da Capital – Juízo de
Vitória – 4ª Câmara Cível – Des. Rel.: Frederico Guilherme Pimentel – Des.
Revis.: Manoel Alves Rabelo – julgado em 18/04/2000 e lido em 09/05/2000.
Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo –
1º e 2º semestres de 2000. nº 1 a 12. p. 28. Edição 2001)
Menor de idade, direito líquido e certo configurado
Ementa: remessa ex officio – exame supletivo -aprovação em vestibular –
parte interessada de menor idade – recurso improvido. 1 – Correta a sentença
que declarou o direito da impetrante prestar o exame supletivo, uma vez ter
logrado êxito no vestibular. 2. Matéria reexaminada, negado provimento à
remessa oficial. (Remessa ex officio nº 1400900317 – Comarca de Colatina – 4ª
Câmara Cível – Des. Rel.: Ewrly Grandi Ribeiro – julgado em 02/05/2000 e lido
em 16/05/2000. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do
Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2000. nº 1 a 12. p. 44. Edição 2001)
Exame supletivo, limite de idade
Ementa: Exame supletivo. Idade limite. Inteligência da Lei 9394/96. O
artigo 38, I da Lei 9394/96, que estabelece limite de idade para o exame
supletivo, deve ser interpretado em consonância com o artigo quarto, V, da
citada lei, que inclusive consolidou o princípio consagrado no artigo 208, V,
da CF/88, que garante acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a
capacidade de cada um. 2 –Se o candidato demonstrou amadurecimento intelectual
com aprovação em exame vestibular, não se deve impedir a prestação de exame
supletivo em regime especial, ao argumento de idade biológica insuficiente,
pois a sua capacidade revelou-se diferenciada da presunção média que inspirou a
limitação imposta pela lei. 3 – Sentença mantida. (Remessa ex officio nº
24970088761 – Rel. S.: Samuel Meira Brasil Júnior – Des. Revis.: Norton de
Souza Pimenta – julgado em 06/04/99 e lido em 20/04/99. Ementário de
Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres
de 1999. nº 1 a 12. p. 20.)
Os julgados transcritos acima evidenciam o posicionamento do Egrégio
Tribunal de Justiça do Espírito Santo, no sentido de que não se deve impedir o
acesso ao ensino superior de quem demonstrou capacidade para tanto, mediante
classificação em processo seletivo. O arestos não se debatem sobre o sentido da
norma do artigo 44, inciso II da Lei 9394/96 confrontado com o art. 208, V da
Constituição Federal.
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, encontramos
referências afirmando a imperatividade da exigência de conclusão do ensino
médio para ingresso em curso de nível superior:
Civil – Legislação do Ensino Superior – Conclusão 2º ciclo –
indispensabilidade. A concessão da segurança viola os dispositivos da Lei
5.540/68, da Lei 9.394/96 e do Decreto 68.908/71 que estabelecem as Diretrizes
e Bases do Ensino.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Remessa ex-officio – Processo
2000.02.01.004204-7, RJ, 1ª Turma, 02/10/2000, DJ 15/02/2000. Relator Juíza
Julieta Lídia Diniz. Disponível em:
http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/pesquisa/pesq-redoc.pnp3?primeira_vez-snnαα.
Acesso em: 02 abr. 2002.)
Ensino Superior – Matrícula em curso superior sob a condição resolutiva
da conclusão do 2º grau – descabimento.
1 – A igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o
cumprimento das normas gerais da educação nacional são preceitos
constitucionais que desautorizam tratamento discriminatório em favor de alguém,
sob critérios excepcionais.
2 – A exigência de certificado ou diploma de conclusão de segundo grau,
como requisito a matrícula em curso superior, em nada viola direito líquido e
certo dos apelantes visto tratar-se de norma geral estatuída pela Lei 5.540/68,
incensurável à luz da Constituição em vigor.
3 – Apelação improvida.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação em Mandado de Segurança
– Processo 96.02.41822-2, RJ, 4ª Turma, 17/03/1997, DJ 18/11/97. Relator Juíza
Célia Georgakopoulos. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/juris/pesquisa/pesq-redoc.pnp3.
Acesso em: 02 abr. 2002.)
Ensino superior – matrícula de aluno - certificado de conclusão do 2º
grau.
1- Estudante classificado em concurso
vestibular sem haver concluído o 2º grau.
2- Incidência da Lei nº 5540/68, LEI 5692/71 (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação) e portaria do Ministério da Educação e Cultura nº 837/90.
3- Ausência de situação conslidada no tempo a ser preservada em
benefício da Autora.
4- Apelação improvida.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação Cível – Processo
95.02.02932-1, RJ, 4ª Turma, 17/12/1996, DJ 03/06/1997. Relator Juiz Paulo
Barata. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/juris/pesq-redoc.pnp3.
Acesso em: 02 abr. 2002.)
Não obstante, não se deixa de reconhecer situações fáticas consolidadas
pelo tempo:
Administrativo. Mandado de Segurança. Ensino Superior. Vestibular.
Ausência de comprovação da conclusão do 2º grau. Matrícula efetuada por força
de liminar. Situação Fática ConsoIidada
I - Embora o impetrante, ao tempo em que foi aprovado no exame
vestibular, não houvesse ainda concluído o Ensino Médio, como ele obteve
liminar para efetuar sua matrícula no curso de Direito, comprovando,
posteriormente, nos autos a conclusão do 2º grau e tendo já concluído o curso
superior, configura-se uma situação fática consolidada, que se tornou
irreversível ex vi do princípio da segurada das relações jurídicas, mormente
pela inexistência de prejuízo a terceiros.
II - Remessa improvida.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Remessa ex-officio – Processo
96.02.09672-1, RJ, 2ª Turma, 28/06/2000, DJ 18/07/2000. Relator Juiz Cruz
Netto. Disponível em: http://www.trf2.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)
Mandado de Segurança. Ensino Superior.
Matrícula. Certificado de conclusão do 2º grau. O candidato aprovado em exame
vestibular pode efetivar, condicionadamente, matrícula na universidade,
independentemente de certificado de conclusão do segundo grau. Concedida a
liminar, o decurso de tempo torna a situação fática consolidada. A matrícula se
torna definitiva, quando formalizada a comprovação de término de ensino médio,
até a prolação da sentença. Remessa não conhecida. Recurso de apelação improvido.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação em Mandado de Segurança
– Processo 99.02.12017-2, RJ, 1ª Turma, 05/10/1999, DJ 23/11/1999. Relator Juiz
Ricardo Regueira. Disponível em: http://www.trf2.gov.br. Acesso em: 19 abr.
2002.)
A existência de posicionamentos
divergentes demonstra que a questão enseja alguma polêmica. A competência da
Justiça Federal para tratar do tema decorre da estrutura organizacional das
Instituições de Ensino Superior mantidas pela União, autarquias e fundações
públicas, conforme artigo 109, I da Constituição Federal.
A organização da educação nacional está assentada sobre uma divisão de
níveis ou ciclos. Nesse sentido, a conclusão de um nível ou ciclo sempre foi
encarada como requisito para ingressar no nível ou ciclo seguinte. Dessa forma,
a exigência de conclusão do ensino médio para ingresso em curso de nível
superior, conforme inciso II da Lei 9394/96, mantém a mesma lógica da
legislação de diretrizes e bases precedente: artigo 69, "a" da Lei
4024/61, artigo 17, "a" da Lei 5540/68 e artigo 23, "a" da
Lei 5692/71.
Embora anteriormente não houvesse dispositivo constitucional semelhante
ao disposto no artigo 208, V da Constituição Federal de 1988, entendemos que
não existe incompatibilidade entre a garantia constitucional de acesso aos
níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade de cada um e a imposição
legal de conclusão do ensino médio para ingresso na educação superior.
Na verdade, o princípio insculpido no artigo 208, V visa tão somente
garantir que o ingresso na educação superior seja pautado por critério de
mérito, já que a educação superior não carrega a pretensão de universalização.
O processo seletivo é um instrumento de afirmação da idéia de impessoalidade na
aferição da capacidade de cada um.
Desconsiderar o disposto no artigo 44, inciso II da Lei 9394/96
representa passar por cima do princípio da legalidade, que se por um lado
representa limitação ao poder estatal de somente poder criar obrigações por
meio de ato legislativo específico, por outro representa a legitimidade das
obrigações criadas ou impostas através de ato dessa natureza.
Portanto, parece-nos descabida a concessão do direito de ingresso na
educação superior a quem não concluiu o ensino médio, já que esse requisito
legal não nos parece violar qualquer outro preceptivo constitucional.
As decisões judiciais que se baseiam na classificação em processo
seletivo para garantir o acesso ao ensino superior, independentemente de
conclusão do ensino médio, parecem supervalorizar tal classificação como
mecanismo idôneo a comprovar elevado desenvolvimento intelectual. Se por um
lado a classificação de estudante, que não concluiu o ensino médio, em processo
seletivo de elevada concorrência pode indicar capacidade intelectual acima da
média, por outro a classificação em processo seletivo de baixa concorrência não
significa mais do que justamente a capacidade intelectual média. Numa palavra,
a simples classificação em processo seletivo não configura dado suficiente para
afirmar elevada capacidade intelectual. Para tanto é necessário perquirir, pelo
menos, o número de candidatos por vaga e a nota final obtida no processo
seletivo.
Porém, se a regra é a necessidade de conclusão do ensino médio para
ingresso na educação superior, é certo que em casos de comprovada capacidade
intelectual parece-nos viável flexibilizar essa exigência, baseando-se até
mesmo no princípio hermenêutico consagrado no artigo 5º da Lei de Introdução ao
Código Civil. Tal entendimento parece-nos de acordo com o espírito do sistema
educacional, e aplicável por analogia com o disposto no parágrafo 2º do artigo
47 da Lei 9394/96, que assegura a alunos da educação superior que tenham
aproveitamento extraordinário nos estudos, demonstrado por meio de provas e
outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora
especial, a abreviação da duração dos seus cursos.
Mas a exigência de conclusão do ensino médio para ingresso na educação
superior não deve ser encarada de maneira formalista, devendo ser apreendida
como instrumento de ação e de controle de natureza pedagógica. Bem por isso é
que, em casos de entraves burocráticos que impedem somente a comprovação
documental de conclusão do ensino médio, não se deve criar embaraço para o
ingresso na educação superior. Nesse sentido:
Mandado de Segurança. Ensino superior. Matrícula de aluno. Certificado
de conclusão do 2º grau.
1. Aluno aprovado e classificado em vestibular e que concluiu o 2º grau
antes da data da matrícula, não pode ser prejudicado por entraves burocráticos
entre a Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEDU-ES) e a instituição de
ensino, que impossibilitaram a emissão regular do histórico escolar.
2. Apelação e remessa a que se nega provimento.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação em Mandado de Segurança
– Processo 95.02.25899-1, ES, 3ª Turma, 27/02/1996, DJ 25/04/1996. Relator Juiz
Paulo Barata. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/juris/pesq-redoc.pnp3.
Acesso em: 02 abr. 2002.)
Administrativo – Mandado de Segurança – Ensino Superior – Prova de
conclusão do 2º grau - Matrícula assegurada.
I – Superada a causa obstativa da matrícula ante a comprovação de que o
certificado de conclusão do segundo grau encontra-se dependente de mera
atividade administrativa, não se justifica o impedimento oposto para o ingresso
na Universidade.
II – Remessa necessária improvida.
(Tribunal Regional Federal 2ª Região – Remessa ex-officio – Processo
98.02.36272-7, RJ, 1ª Turma, 17/11/1998, DJ 26/01/1999. Relator Juiz Ney
Fonseca. Disponível em: http://www.trf2.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)
Diante de todo o exposto, acreditamos ter demonstrado a compatibilidade
entre a garantia constitucional de acesso aos níveis mais elevados do ensino
segundo a capacidade de cada um e a regra que determina a conclusão do ensino
médio para ingresso na educação superior, apontando as hipóteses em que a regra
pode ser flexibilizada.
Todavia, não nos perdemos em melindres para reconhecer que em situações
consolidadas pelo tempo não se deve deixar de garantir a validade dos estudos
de quem ingressou na educação superior, mesmo não tendo cumprido o requisito
legal de conclusão do ensino médio. A propósito, manifesta-se Ranieri (2000, p.
132), com base no regime de direito público que norteia a educação e que
permite a garantia do direito individual em contraposição à rigidez de formas e
processos:
"Veja-se, por exemplo, que, ante a natureza irreversível do
processo educativo, a matrícula nula em estabelecimento de ensino público não
determina a nulidade do aprendizado no período em que o aluno assim freqüentou
a escola. O que aprendeu incorporou-se definitivamente à sua personalidade,
tendo sido atingida a finalidade pública, sem prejuízos a terceiros, ainda que
ao arrepio da forma legal".
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça8, não se perde essa
perspectiva:
Administrativo. Ensino superior. Exame vestibular. Matrícula.
Certificado de conclusão do segundo grau. Fato consumado por força da concessão
de liminar. Situação consolidada.
Se a matrícula na Faculdade de Administração, após exame vestibular
prestado há mais de quatro anos, foi assegurada em cumprimento de decisão
judicial, tornando o fato consumado pelo decurso do tempo, sem prejuízo de
terceiros, merece respeito a situação já consolidada.
Precendetes jurisprudenciais.
Recurso provido.
(Superior Tribunal de Justiça – RESP 19775/GO – 2ª Turma – 09/09/1992,
DJ 28/09/1992. Relator Min. Hélio Mosimann. Disponível em:
http://www.stj.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)
12.2. Criação de cotas para ingresso no
ensino superior
Partindo da premissa de que os alunos das Instituições Federais de
Ensino Superior são provenientes de escolas particulares e/ou de classes
sociais que têm disponibilidade de recursos, diversas iniciativas legislativas
tanto no plano nacional, como das unidades federadas se dirigem no sentido de
assegurar cotas de vagas para estudantes oriundos das escolas públicas. Mais
recentemente, surgiu a discussão acerca da reserva de vagas para estudantes que
se encaixem no perfil de afro-descendentes.
Iniciativas dessa natureza partem do reconhecimento da situação de
iniqüidade nos processos seletivos, decorrente da formação deficiente dos
estudantes em grande parte das escolas públicas brasileiras. Por outro lado,
reconhecem a dívida do País com a população descendente dos africanos
submetidos ao trabalho escravo, indissociável da própria estrutura do Estado
brasileiro até o final do século XIX.
Se não há dúvidas quanto à legitimidade dessas iniciativas, não pode
haver incerteza quanto ao fato de o sistema de cotas ou reserva de vagas atacar
uma das conseqüências, e não a causa da dificuldade ou incapacidade de acesso
dos estudantes das escolas públicas ao ensino superior público. É o
reconhecimento da ineficiência do Estado em construir um sistema educacional,
que possa ser avaliado em seu conjunto por critérios de qualidade e desempenho.
Se o caráter paliativo da medida é incontrastável, também não se pode deixar de
reconhecer que pode ser o único caminho para viabilizar o acesso de jovens
oriundos das camadas mais carentes da população ao ensino superior público no
momento atual.
A Lei 3.708 de 09 de novembro de 2001 do Estado do Rio de Janeiro é a
medida pioneira na criação do sistema de cotas a beneficiar as populações negra
e parda no preenchimento de vagas dos cursos de graduação das instituições de
ensino superior. Sua aplicabilidade é restrita às instituições de ensino
superior do Sistema de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, Universidade
Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Estadual do Norte Fluminense.
No plano nacional, projeto de lei PLS 212/2001, da mesma natureza, foi
recentemente aprovado no Senado, sendo encaminhado para a Câmara dos Deputados.
Não se pode deixar de reconhecer o potencial desafio, para as
instituições de ensino superior em assegurar aos jovens que forem classificados
no processo seletivo por meio do sistema de cotas, efetivas condições de
aprendizagem e desenvolvimento intelectual, absorvendo-os em seu corpo discente
através de superação de eventuais deficiências na formação em nível médio.
Não obstante, o sistema de cotas não mantém absoluta fidelidade ao Plano
Nacional de Educação aprovado pela Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001 que, ao
tratar do ensino superior, define como objetivo e meta
"...criar políticas que facilitem às minorias, vítimas de
discriminação, o acesso à educação superior, através de programas de
compensação de deficiências de sua formação escolar anterior, permitindo-lhes,
desta forma, competir em igualdade de condições nos processos de seleção e
admissão a esse nível de ensino".
Nesse caso, a previsão do Plano Nacional de Educação é de um sistema que
garanta efetivas condições de igualdade nos processos seletivos de acesso ao
ensino superior e não o acesso facilitado.
A questão tem relevância constitucional, já que seu equacionamento
desafia a análise do princípio da isonomia.
Se invariavelmente o enunciado do caput do artigo 5º da Constituição,
segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza" permite o questionamento da validade do sistema de cotas,
contraposto à idéia de igualdade de tratamento que a lei deve dispensar aos
cidadãos, por outro não há dúvida acerca da validade de tratamentos
diferenciados, desde que dirigidos a alcançar um objetivo razoavelmente
considerado. Ou seja, é permitida a criação de discriminações desde que elas
tenham por objetivo proporcionar condições de igualdade material entre
situações de desigualdade.
A questão não é nova e está atrelada ao próprio conceito de Justiça, que
consiste no tratamento desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades.
A respeito, a lição de Moraes (1999, p. 61) é definitiva:
"A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de
direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades
virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela
lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.
Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se
desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que
realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o
princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a
serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém,
como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades
materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser
alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou
programas de ação estatal".
Portanto, existe espaço para afirmação da validade do sistema de cotas
de ingresso no ensino superior. Todavia, o posicionamento definitivo acerca de
sua constitucionalidade não prescinde do aspecto valorativo da questão, ou
seja, da análise dos objetivos visados pelo sistema de cotas e da razoabilidade
e eficácia dos meios escolhidos para atingi-los. O debate ultrapassa as casas
legislativas, envolvendo educadores e os meios de comunicação e não parece
próximo de um consenso. A grande dificuldade não se encontra propriamente na
adequação do sistema de cotas, mas principalmente na definição de critérios
objetivos que possam permitir sua implantação.
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Conclusões
Como síntese do que foi exposto, apresentamos as seguintes conclusões:
1.A repercussão da educação em mundo dominado pelos conceitos de
informação e conhecimento reforça a sua importância no sentido de constituir-se
em requisito de desenvolvimento, tanto do indivíduo como das próprias
sociedades.
2.O traço de "fundamentalidade" da educação se torna mais
nítido, na medida em que ela se afirma como elemento condicionante da própria
inserção do indivíduo na sociedade.
3.As normas constitucionais que tratam do direito à educação
apresentam-se, em grande parte, sob a forma de princípios.
4.O direito à educação não se confunde com as normas que impõem condutas
determinadas ao Estado, mantendo-se a indeterminabilidade de seu conteúdo,
motivo pelo qual não se dispensa a intervenção legislativa infraconstitucional.
Não obstante, o conjunto de normas que trata da educação na Constituição
Federal mostra-se capaz de delimitar o núcleo essencial do direito social à
educação.
5.A definição da competência legislativa em matéria de educação, a
organização dos sistemas de ensino e o financiamento da atuação estatal se
estrutura sobre o modelo do Estado Federal, calcando-se no ideal de
cooperativismo e de atuação supletiva e redistributiva da União.
6.A participação da iniciativa privada na área da educação é garantida,
mas marcada pelo caráter de suplementação à atuação estatal.
7.A análise das normas constitucionais que tratam da educação revela a
existência de direitos subjetivos, conferidos ao cidadão diretamente pela
Constituição, capazes de garantir sua oponibilidade ao Estado quando não
implementados voluntariamente, através da tutela jurisdicional.
8.Não existe conflito entre a norma constitucional que assegura o
direito de acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de
cada um e o requisito de conclusão do ensino médio para ingresso no nível
superior.
9.A constitucionalidade da adoção de um sistema de cotas de acesso ao
ensino superior para estudantes afro-descendentes depende da avaliação da
legitimidade dos objetivos visados e da eficácia e razoabilidade dos meios
definidos para atingi-los.
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Referências bibliográficas
BARROSO, Luís Roberto. O Direito
Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CAMPELLO, Sérgio Amaral. Legislação do ensino superior em 1999: uma
visão crítica. /Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior.
Brasília: ABMES, 2000. p. 7-24 (ABMES Cadernos; 5)
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra:
Livraria Almedina, 1999.
HERKENHOFF, João Batista. Constituinte e Educação. Petrópolis: Vozes,
1987.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas,
1999.
RANIERI, Nina. Autonomia Universitária. São Paulo: Edusp, 1994.
_____. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases
(Lei 9394/96). São Paulo: Edusp, 2000.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São
Paulo: Malheiros, 1994.
_____. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5. ed. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2001.
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Notas
(1) A idéia de Constituição como sistema aberto de regras e princípios é
traduzida por Canotilho (1999, p. 1080) da seguinte forma: "(1) é um
sistema jurídico, porque é um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema
aberto porque tem uma estrutura dialógica (...), traduzida na disponibilidade e
capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança
da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes de ‘verdade’ e
‘justiça’; (3) é um sistema normativo porque a estruturação das expectativas
referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4)
é um sistema de regras e princípios, pois as normas tanto podem revelar-se sob
a forma de princípios com sob a forma de regras." A idéia de procedimento
está ligada ao dinamismo do sistema, permitindo o estabelecimento de uma cadeia
ou ciclo evolutivo de interpretação, gerado especialmente pelas instituições
jurisdicionais.
(2) Não nos preocupamos em apontar distinção entre direitos individuais
e direitos subjetivos. A utilização das expressões é feita em sentido amplo,
traduzindo a possibilidade de sua exigibilidade por parte do titular.
(3) A Lei 6.770 de 26 de setembro de 2001 do Estado do Espírito Santo
autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade Estadual do
Espírito Santo.
(4) A autarquia Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino – FNDE é
responsável pelo financiamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar -
PNAE, Programa Nacional do Livro Didático - PNLD, Programa Dinheiro Direto na
Escola - PDDE, Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE, Programa Nacional
de Saúde do Escolar - PNSE e Programa Nacional de Transporte do Escolar - PNTE.
(5) A Lei 9.424 de 24 de dezembro de 1996 dispõe sobre o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
– FUNDEF.
(6) Já foi ressaltado que o termo é utilizado em sentindo amplo, mas
quanto ao objeto de direitos subjetivos fundamentais é oportuno transcrever
Sarlet (1998, p. 150): "Sem adentrarmos (...) o exame das diversas
constelações que podem constituir o objeto de um direito subjetivo fundamental,
importa consignar, por ora, que tomamos este em sentido amplo, na medida em que
para o titular o direito fundamental abre um leque de possibilidades que se
encontram condicionadas à conformação concreta da norma que o consagra. De modo
geral, é possível afirmar que este espectro de variações no que concerne ao
objeto do direito subjetivo (fundamental) se encontra vinculado nos seguintes
fatores: a) o espaço de liberdade da pessoa individual não se encontra
garantido de maneira uniforme; b) a existência de inequívocas distinções, no
que tange ao grau de exigibilidade dos direitos individualmente considerados,
de modo especial, em se considerando os direitos a prestações sociais
materiais; c) os direitos fundamentais constituem posições jurídicas complexas,
no sentido de poderem conter direitos, liberdades, pretensões e poderes das
mais diversa natureza e até mesmo pelo fato de poderem dirigir-se contra
diferentes destinatários. Neste contexto, cumpre frisar que os direitos
fundamentais, mesmo na sua condição de direito subjetivo, não se reduzem aos clássicos
direitos de liberdade, ainda que nestes a nota de subjetividade, no sentido de
sua exigibilidade, transpareça – de regra – da forma mais acentuada."
(7) Sarlet (1998, p. 149) não utiliza a expressão direito subjetivo
público propositalmente, considerando-a anacrônica e superada, não revelando
afinidade com a realidade "... constitucional pátria, uma vez que atrelada
a uma concepção positivista e essencialmente estatista dos direitos
fundamentais na qualidade de defesa do indivíduo contra o Estado, típica do
liberalismo. Aliás, deveria bastar aqui a referência à eficácia dos direitos
fundamentais em geral nas relações privadas, bem como a existência de normas de
direitos fundamentais que têm por destinatário entidades privadas, como dão
conta, entre nós, os direitos dos trabalhadores."
(8) A validade das formalidades previstas na legislação educacional foi
recentemente reconhecida pelo STJ, na medida em que estabeleceu a ligação entre
tais formalidades e valores vinculados ao próprio processo educacional: ENSINO
EM CASA. FILHOS.
Trata-se de MS contra ato do Ministro da
Educação, que homologou parecer do Conselho Nacional de Educação, denegatório
da pretensão dos pais de ensinarem a seus filhos as matérias do currículo de
ensino fundamental na própria residência familiar. Além de, também, negar o
pedido de afastá-los da obrigatoriedade de freqüência regular à escola, pois
compareceriam apenas à aplicação de provas. A família buscou o reconhecimento
estatal para essa modalidade de ensino reconhecida em outros países.
Prosseguindo o julgamento, a Seção, por maioria, denegou a segurança ao
argumento de que a educação dos filhos em casa pelos pais é um método
alternativo que não encontra amparo na lei ex vi os dispositivos constitucionais
(arts. 205, 208, § 2º, da CF/1988) e legais (Lei n. 10.287/2001 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – art. 5º, § 1º, III; art. 24, I, II e art.
129), a demonstrar que a educação é dever do Estado e, como considerou o Min.
Humberto Gomes de Barros, é, também, formação da cidadania pela convivência com
outras crianças, tanto que o zelo pela freqüência escolar é um dos encargos do
poder público. MS 7.407-DF, Rel. Min. Peçanha Martins, julgado em 24/4/2002. Informativo de
Jurisprudência do STJ nº 131 – Período 22 a 26 de abril.
Retirado de:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6574