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Anuidades da OAB
Fernando Machado da Silva Lima
advogado, corretor de imóveis, jornalista,
professor de Direito Constitucional da UNAMA, assessor de procurador no
Ministério Público do Estado do Pará
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A OAB/PA comunicou que o valor de nossa anuidade, que desde janeiro de
2.001 vinha sendo mantido em R$400,00, deverá ser aumentado para R$500,00,
"para suportar os inúmeros serviços que foram sendo conferidos aos
advogados". Na carta que nos está sendo enviada pela nossa Seccional,
ficou muito claro que não é mais possível "manter o valor da anuidade até
então vigente, sobretudo porque os serviços (atendimento pela CAAP, Clube dos
Advogados, convênios, plano de saúde com a UNIMED, fornecimento gratuito de
agendas jurídicas, etc.) foram sendo ampliados, como maior se tornou a
participação da OAB nas lutas da advocacia e da sociedade".
Quanto às lutas da OAB, nada tenho a dizer, porque essa é, exatamente, a
sua missão. Existem, contudo, alguns questionamentos, que precisam ser feitos,
no interesse dos advogados, e, especialmente, do próprio desempenho da OAB, em
sua missão constitucional.
Assim, existem algumas perguntas, a respeito das nossas anuidades: (1)
devem ser incluídos, no cálculo do seu valor, os "inúmeros serviços"
a que se refere essa carta? (2) ou eles deveriam ser opcionais, para que as
anuidades tivessem o seu valor reduzido? (3) a redução do valor das anuidades
não poderia reduzir a inadimplência? (4) o advogado inadimplente poderia ser
impedido de advogar? (5) essas anuidades não deveriam ser fixadas por lei do
Congresso Nacional?
Vejamos, em primeiro lugar, a questão dos "inúmeros serviços":
na minha opinião, o valor que pagamos, a título de anuidade, deveria servir,
apenas, para fazer face às necessidades da OAB, no estrito desempenho de sua
missão constitucional, de fiscalizar o exercício da profissão e defender a
Constituição, a lei, o Estado democrático, etc. Um dos maiores erros do nosso
Estatuto foi a atribuição, à Ordem, também, de uma feição sindicalista, que
pode ser observada pela criação das "Caixas de Assistência", a
exemplo da nossa CAAP, que nos termos do parágrafo 5º do art. 62 do Estatuto
recebe a metade do total de nossas anuidades.
Aliás, a constitucionalidade desse dispositivo poderia ser,
tranqüilamente, contestada, em face do princípio constitucional da liberdade de
associação sindical. Não é possível que os advogados, ou muitos deles, talvez a
maioria, sejam obrigados a pagar pelos serviços médicos e odontológicos que
nunca pretenderam utilizar. Da mesma forma, em relação ao serviço de
"transporte dos advogados", que se sabe que existe, e que beneficia a
apenas alguns, mas serve, também, para inflacionar o valor das nossas
anuidades.
Quanto ao "fornecimento gratuito de agendas jurídicas", acho,
sinceramente, que cada advogado poderia comprar a sua, se assim o desejasse.
Do Clube dos Advogados, nem se fala. Quer dizer, então, que as nossas
anuidades estão sendo inflacionadas, com as despesas do Clube dos Advogados, e
até mesmo, talvez, com as despesas de confecção da fantasia da Rainha do
Carnaval? Não seria interessante que a OAB/PA divulgasse, aliás, o que vem
sendo gasto nesse Clube, do valor das nossas anuidades ou, talvez, de algum
empréstimo bancário? Se essa divulgação já foi feita, peço desculpas,
antecipadamente, pela minha ignorância.
Neste ponto, acredito que já está respondida, quase, a minha segunda
pergunta, porque, se esses "inúmeros serviços" fossem opcionais, como
é evidente que deveriam ser, as anuidades poderiam ser substancialmente
reduzidas. Pagaríamos, talvez, menos de R$200,00, para continuar advogando.
Quem estivesse interessado em utilizar os serviços da CAAP e da UNIMED, ou do
transporte dos advogados; quem estivesse precisando de uma agenda jurídica, ou
pretendesse, também, freqüentar o Clube dos Advogados, poderia pagar o valor
adicional correspondente.
Dessa maneira, com a fixação de um valor bem menor para as nossas
anuidades, poderíamos responder afirmativamente, também, à terceira pergunta. A
redução do valor das anuidades poderia, sim, reduzir a inadimplência, e isso é
tão evidente, que dispensa maiores comentários.
Mas – e esta é a quarta pergunta -, poderia o advogado inadimplente ser
impedido de advogar? Na minha opinião, é inconstitucional a norma do inciso
XXIII do art. 34 do Estatuto da Ordem (Lei 8906/94), que considera infração
disciplinar "deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços
devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo" e permite,
assim, que sejam aplicadas ao advogado inadimplente as penas de suspensão (art.
37) e de exclusão (art. 38).
O advogado, mesmo inadimplente, não poderia ser impedido de advogar, e
nem mesmo de votar, nas nossas eleições, como costuma ocorrer. A OAB pode,
perfeitamente, executar, na Justiça, os devedores, sem que seja necessária a
utilização dessa forma, oblíqua, de constrangimento. Esse é, aliás, o
entendimento da jurisprudência e da melhor doutrina, quando se trata da atuação
do Fisco – federal, estadual ou municipal -, na cobrança de todo e qualquer
crédito tributário. Se eu não pagar o meu imposto de renda, por exemplo, não
poderei ser preso, por essa razão, e nem, muito menos, impedido de trabalhar, o
que seria um absurdo, porque sem o trabalho, é impossível viver. Ao menos, para
aqueles que vivem do trabalho, e não de outros expedientes.
Impedir que o inadimplente exerça a advocacia, viola, aliás, um direito
fundamental, consagrado no inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, o da
liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
"atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
Somente a ausência dessas qualificações profissionais poderia, portanto,
ensejar a proibição do exercício da advocacia. Nunca, em hipótese alguma, a
simples existência de um débito, referente às anuidades, que deverá ser cobrado
através da execução fiscal.
Finalmente, a quinta questão: as anuidades devem ser fixadas, sim, por
lei do Congresso, sujeita à sanção presidencial, para que o advogado possa ser
obrigado ao seu pagamento, sob pena de execução judicial. É princípio basilar,
em qualquer país civilizado, que somente a lei poderá nos obrigar a fazer ou a
deixar de fazer alguma coisa. São inconstitucionais, evidentemente, os arts. 46
e 58, IX, do Estatuto da Ordem. De acordo com o art. 46, dessa Lei,
"Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de
serviços e multas", enquanto que o art. 58, em seu inciso IX, enumerou
como uma das competências privativas dos Conselhos Seccionais "fixar,
alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e
multas". Não poderia o Congresso Nacional transferir, no entanto, aos
Conselhos da OAB, a competência, que lhe foi atribuída pelo Constituinte
originário, através dos arts. 48 e 149 da Constituição Federal.
Também são inconstitucionais, pela mesma razão – e isso foi objeto de
artigo anterior -, os dispositivos da Lei nº 11.000/2004, que
"transferem" aos outros Conselhos Profissionais a competência para
fixar as suas anuidades, bem como as diárias, "jetons" e auxílios de
representação, que deverão ser pagos aos seus conselheiros.
No meu entendimento, portanto, as anuidades, tanto as da OAB como as de
todos os outros Conselhos, são "contribuições (parafiscais) de interesse
das categorias profissionais", previstas no art. 149 da Constituição
Federal, e devem ser instituídas, obrigatoriamente, através de lei federal,
porque compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (CF,
art. 21, XXIV). Ressalte-se que instituir significa, entre outras coisas, fixar
o valor do tributo, e não apenas dizer que ele deverá ser pago pelos
profissionais liberais ao seu órgão de classe, nem, muito menos, dizer que ele
deverá ser instituído pelos Conselhos da OAB, o que leva a um outro absurdo, o
dos valores diferenciados das nossas anuidades, nos diversos Estados, em
tratamento tributário discriminatório, vedado pela Constituição Federal (art.
150, II). São, portanto, as anuidades da OAB, tributos, como todas as anuidades
e taxas de qualquer Conselho Profissional, e somente podem ser fixadas por lei
federal. Esse é, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça,
através de sua 1ª Turma (RESP. nº 614.678/SC – julgamento em: 07.06.2004).
É verdade que os dirigentes da OAB costumam dizer que a Ordem não é uma
autarquia (mas não sabem dizer qual é a sua verdadeira natureza jurídica) e que
as suas anuidades não são tributos, mas "dinheiro dos advogados",
como se fosse possível, juridicamente, alguém ser obrigado a pagar uma anuidade
que "não é tributo", a uma Ordem dos Advogados que não tem natureza
pública, ou não é uma autarquia, e ser punido, em caso de inadimplência, com a
proibição do exercício de sua profissão!
É verdade, também, que existe uma absurda decisão, anterior, do mesmo
Superior Tribunal de Justiça, mas de sua 2ª Turma, no sentido de que a OAB não
é uma autarquia e as suas anuidades não são tributos (RESP. nº 449.760/SC –
julgamento em: 12/04/2004). Trata-se, no meu entendimento, de mais um rematado
exemplo da hipocrisia jurídica coletiva, porque não se pode supor que aos
ilustres magistrados faltem os conhecimentos jurídico-constitucionais
necessários, para que possam compreender o absurdo de suas conclusões.
Em suma: as anuidades (e as taxas) da OAB deveriam ser fixadas, apenas,
por lei federal, sem a inclusão, em seu cálculo, dos "inúmeros
serviços", antes referidos, o que poderia resultar, certamente, na redução
da inadimplência, que também não poderia ensejar a proibição do exercício
profissional. Isso em nada reduziria, porém, a independência da Ordem, mas
apenas significaria que ela faz questão de respeitar os princípios
constitucionais, aumentando, conseqüentemente, a sua credibilidade.
Retirado
de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6527