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Quebra de sigilo bancário.
Hugo Brazioli Slivinskis.
Resumo.
O artigo
apresenta a discussão da possibilidade de quebra de sigilo bancário,
consistente no exame de documentos, livros e registros das instituições financeiras
ou equiparadas pelo Fisco em processo administrativo ou procedimento fiscal em
curso.
A sistemática
vigente.
A Lei
complementar n.º 105/2001 e seu Decreto regulamentador n.º 3.724/01 trazem ao
direito positivo a sistemática vigente a ser aplicada no caso em concreto.
Da presente
discussão.
São trazidas duas
principais discussões no mundo jurídico, a primeira visa impugnar a
constitucionalidade das disposições relativas a quebra de sigilo bancário como
um todo, relevando para isso os incs. X e XII do art. 5º da CF, a segunda
apenas apresentar inconformidade de serem as disposições aplicáveis aos
processos administrativos e procedimentos fiscais em curso, quando referirem-se
a situações anteriores à vigência da Lei Complementar nº 105/2001, por haver em
tese violação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.
Entendo, pelos motivos
adiante expostos que a legislação pertinente ao sigilo bancário apresenta
invejável técnica legislativa, compatibilizando-se formalmente e materialmente
com os direitos e garantias individuais constitucionais, podendo inclusive ser
aplicada aos procedimentos administrativos que se encontram com instrução
pendente, por ser disposição processual sujeita ao tempus regit actum e
o princípio do isolamento dos atos processuais.
Limitabilidade
dos direitos e garantias individuais.
A exegese tem por início a
natureza dos direitos e garantias individuais. Em relação a estes é certo que,
estejam previstos no art. 5º ou sejam decorrentes do regime e dos princípios
constitucionais adotados (desde que expressamente previstos) cumprem
basicamente no ordenamento jurídico duas funções. Em um plano
jurídico-objetivo, são normas de competência negativa, ou seja, não permitem
que haja ingerência destes na esfera jurídica individual e em um plano
jurídico-subjetivo, outorga, ao mesmo tempo, o poder de exercer positivamente o
direito conferido, bem como, de exigir omissões dos poderes públicos que
possibilitem o exercício ativo, são denominadas tais prerrogativas, pelo
ilustre constitucionalista Manuel Gonçalves Ferreira Filho, de liberdades
positivas e liberdades negativas.
Os direito
e garantias fundamentais, entretanto, não são ilimitados, encontrando seus
limites em normas da mesma natureza, ou seja, nos demais direitos
constitucionalmente assegurados. Por exemplo, o direito ao contraditório (art.
5º, LV), um dos principais corolários do devido processo legal (art. 5º, LIV),
sofre restrição frente ao acesso à tutela da justiça, ao se permitir que em
medidas liminares (cautelares ou antecipatórias) possa ser deferida providência
judicial a uma das partes antes da defesa da outra.
O
princípio que rege essa redução do alcance dos direitos e garantias
fundamentais, quando conflitarem entre si, é o princípio da concordância
prática ou da harmonização, sobre este tema deve-se ter consignada a lição do
renomado Alexandre de Moraes.
“quando houver
conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete
deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou harmonização de forma
a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício
total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do
âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua
finalidade precípua.”
No caso da possibilidade de acesso à movimentação financeira
por parte do Fisco, conflitam aparentemente a inviolabilidade do sigilo de
dados (art. 5º, XII) e da vida privada (art. 5º, X), com o princípio geral do
sistema tributário (art. 145, § 1º), os objetivos fundamentais (art. 3º) e os
direitos sociais (art. 6º). In verbis, os princípios constitucionais
aparentemente violados.
“Art. 5º. (...)
X –
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da
sua violação;
XII – é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal;”
Da
redução proporcional.
“Art. 145. (...)
§ 1º Sempre que possível,
os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos
e garantias individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.”
Ponto primeiro a ser considerado na redução dos princípios
constitucionais do sigilo de dados e da vida privada, está a disposição sobre o
princípio geral do sistema tributário, que estabelece a possibilidade do Fisco,
para resguardar-se da sonegação fiscal, identificar o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas dos contribuinte.
Essa
faculdade conferida ao Fisco tem por base que sem a importante função
arrecadatória é impossível realizar os objetivos fundamentais e os direitos
sociais expressos na constituição federal, entre outros, bem como cumprir
eficazmente o princípio da igualdade, onde a todos, nos limites das condições
individuais, cabem o custeio da sociedade e a manutenção do Estado Democrático
de Direito.
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade
livre justa e solidária;
II – garantir o
desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
(...)”
“Art. 6º. São
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”
Isto posto, é patente a limitabilidade do sigilo de dados e
da vida privada frente a importante destinação arrecadatória dos tributos,
através da redução proporcional destes princípios.
Da valida
redução proporcional.
Não há dúvida que constitui caso de redução proporcional dos
direitos ao sigilo de dados e resguardo da vida privada, no entanto a redução
não pode ser desmedida aos bens que se visam proteger, a função arrecadatória -
de forma imediata e toda a base de um Estado Democrático de Direito - de forma
mediata, assim, é válido consignar a seguir o acertamento da legislação da
quebra de sigilo bancário, a respeito deste ponto.
O art. 145 da CF estabelece que para que possa haver ingerência
que revele a situação patrimonial, os rendimentos e as atividade do
contribuinte é necessário que sejam respeitados os direitos e as garantias
individuais, embora reduzidos proporcionalmente, bem como seja realizada nos
termos da lei.
O acesso
aos dados é feito na forma de Lei Complementar nº 105/2001, in verbis:
“Art. 6º. As autoridades e
os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de
instituições financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou
procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis
pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O
resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este
artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.”
Existente a condição sine qua non de haver lei
disciplinando a matéria é imperioso demonstrar o resguardo proporcional dos
direitos e garantias fundamentais assegurados pela legislação da quebra de
sigilo bancário, expresso nas seguintes premissas: devido processo legal e
sigilo das informações obtidas.
Devido
processo legal.
O acesso aos dados bancários somente será realizado quando
indispensável em procedimento administrativo que respeite o devido processo
legal, como garantia de um processo justo e igualitário.
Entre as
garantias que compõe o devido processo legal estão o contraditório e ampla
defesa, que pressupõe regras previamente definidas, neste particular, o Decreto
nº 3.724/01 que regulamentou o art. 6º da LC nº 105/01, traz, em seu art. 3º,
em perfeita técnica legislativa, as hipóteses autorizadoras do indispensável
exame de informações constantes em instituições financeiras, repudiando
qualquer alegação de arbitrariedade pelo Fisco, já que se trata de ato
plenamente vinculado.
In
verbis:
“Art. 3º Os exames referidos no caput do artigo
anterior somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses:
I - subavaliação de valores de operação, inclusive de
comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por
base os correspondentes valores de mercado;
II - obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não
financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar
o efetivo recebimento dos recursos;
III - prática de qualquer operação com pessoa física
ou jurídica residente ou domiciliada em país enquadrado nas condições
estabelecidas no art. 24 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996;
IV - omissão de rendimentos ou ganhos líquidos,
decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;
V - realização de gastos ou investimentos em valor
superior à renda disponível;
VI - remessa, a qualquer título, para o exterior, por
intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as
disponibilidades declaradas;
VII - previstas no art. 33 da Lei nº 9.430, de 1996;
VIII - pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:
a) cancelada;
b) inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei nº
9.430, de 1996;
IX - pessoa física sem inscrição no Cadastro de
Pessoas Físicas (CPF) ou com inscrição cancelada;
X - negativa, pelo titular de direito da conta, da
titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;
XI - presença de indício de que o titular de direito
é interposta pessoa do titular de fato.
§ 1º Não se aplica o disposto nos incisos I a VI, quando
as diferenças apuradas não excedam a dez por cento dos valores de mercado ou
declarados, conforme o caso.
§ 2º Considera-se indício de interposição de pessoa,
para os fins do inciso XI deste artigo, quando:
I - as informações disponíveis, relativas ao sujeito
passivo, indicarem movimentação financeira superior a dez vezes a renda
disponível declarada ou, na ausência de Declaração de Ajuste Anual do Imposto
de Renda, o montante anual da movimentação for superior ao estabelecido no
inciso II do § 3º do art. 42 da Lei nº 9.430, de 1996;
II - a ficha cadastral do sujeito passivo, na
instituição financeira, ou equiparada, contenha:
a) informações falsas quanto a endereço, rendimentos
ou patrimônio; ou
b) rendimento inferior a dez por cento do montante
anual da movimentação.”
O contraditório e ampla defesa inegavelmente estão
imiscuídos na regulamentação da Lei Complementar, pois o art. 4º, §2º do
Decreto, estabelece que a Requisição de Informações sobre Movimentação
Financeira (RMF) será precedida de intimação ao sujeito passivo para
apresentação de informações sobre a movimentação financeira, termo em que se
constará a motivação da expedição (art. 4º, §6º).
“Art.
4º Poderão requisitar as informações referidas no caput do art. 2º as
autoridades competentes para expedir o MPF.
(...)
§ 2º A RMF será precedida
de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre
movimentação financeira, necessárias à execução do MPF.
(...)
§ 6º No relatório referido
no parágrafo anterior, deverá constar a motivação da proposta de expedição da
RMF, que demonstre, com precisão e clareza, tratar-se de situação enquadrada em
hipótese de indispensabilidade prevista no artigo anterior, observado o
princípio da razoabilidade.”
A ampla defesa e o acesso irrestrito ao judiciário também
são preservados, pois como em qualquer ato administrativo vinculado, sempre
competirá ao órgão judicial a análise dos pressupostos autorizadores da emissão
do ato.
Neste particular, entendo, que o momento adequado para a análise
judicial dos requisitos vinculados do ato administrativo será por ocasião da
intimação para apresentação das informações bancárias, pois superado esta fase
com a devida apresentação ou fornecimento dos dados pela instituição
financeira, entendo prejudicada a análise dos pressupostos autorizadores de
emissão do ato vinculado ante o escopo maior da verdade material, não havendo
possibilidade de se impugnar posteriormente a prova obtida.
Do sigilo das
informações obtidas.
O sigilo em relação a
terceiros é plenamente assegurado pela Lei Complementar e por seu Decreto
regulamentar, permanecendo o resultado das informações no próprio âmbito da
Secretaria da Receita Federal, nos termos da legislação tributária, o que não
constitui efetivamente violação da vida privada e do sigilo de dados.
Há ampla
previsão do procedimento de requisição e resguardo das informações pelo Decreto
nº 3.724/01, que visa assegurar o não acesso de terceiros às informações
obtidas pela SRF, in verbis.
“Art. 7º As informações, os
resultados dos exames fiscais e os documentos obtidos em função do disposto
neste Decreto serão mantidos sob sigilo fiscal, na forma da legislação
pertinente.
§ 1º A Secretaria da Receita Federal deverá manter controle
de acesso ao processo administrativo fiscal, ficando sempre registrado o
responsável pelo recebimento, nos casos de movimentação.
§ 2º Na expedição e tramitação das informações deverá ser
observado o seguinte:
I - as informações serão enviadas em dois envelopes
lacrados:
a) um externo, que conterá apenas o nome ou a função do
destinatário e seu endereço, sem qualquer anotação que indique o grau de sigilo
do conteúdo;
b) um interno, no qual serão inscritos o nome e a função do
destinatário, seu endereço, o número do MPF ou do processo administrativo
fiscal e, claramente indicada, observação de que se trata de matéria sigilosa;
II - o envelope interno será lacrado e sua expedição será
acompanhada de recibo;
III - o recibo destinado ao controle da custódia das
informações conterá, necessariamente, indicações sobre o remetente, o
destinatário e o número do MPF ou do processo administrativo fiscal.
§ 3º Aos responsáveis pelo recebimento de documentos
sigilosos incumbe:
I - verificar e registrar, se for o caso, indícios de
qualquer violação ou irregularidade na correspondência recebida, dando ciência
do fato ao destinatário, o qual informará ao remetente;
II - assinar e datar o respectivo recibo, se for o caso;
III - proceder ao registro do documento e ao controle de sua
tramitação.
§ 4º O envelope interno somente será aberto pelo
destinatário ou por seu representante autorizado.
§ 5º O destinatário do documento sigiloso comunicará ao
remetente qualquer indício de violação, tais como rasuras, irregularidades de
impressão ou de paginação.
§ 6º Os documentos sigilosos serão guardados em condições
especiais de segurança.
§ 7º As informações enviadas por meio eletrônico serão
obrigatoriamente criptografadas.”
As alegações de quebra de sigilo e de violação da vida
privada esvaem-se ante o procedimento a ser observado pelo Fisco. Alias, é de
estranheza tais alegações se for devidamente considerado que a movimentação
financeira, não havendo evasão fiscal, será consentânea com Declaração de
Rendimentos do Imposto de Renda anualmente apresentada.
A Lei Complementar nº 105/2001 e seu Decreto
regulamentar estão em perfeita compatibilidade material e formal com a
harmonização dos princípios constitucionais que estabelecem o sigilo de dados e
da vida privada em cotejo com os princípios gerais do sistema tributário
nacional, objetivos fundamentais e direito sociais, constitucionalmente
assegurados.
Da
aplicabilidade da LC nº 105/2001 aos procedimentos em curso.
O ponto controvertido que se traz a debate é se, superada a
etapa de constitucionalidade da legislação do sigilo bancário, podem ser
aplicadas suas disposições normativas pelo Fisco, a fim de dispor da faculdade
de ter acesso aos registros de movimentação financeira, aos procedimentos
administrativos em curso (processos administrativos e procedimentos fiscais).
A questão não se faz complexa e deve ser analisada em cotejo
com o inc. XXVI, do art. 5º que assegura o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e coisa julgada.
A vigência da Lei Complementar n.º 105/2001 tem natureza
própria das leis processuais, aplicando-se o princípio do tempus regit actum
e do isolamento dos atos processuais. Ou seja, aplica-se desde logo aos
processos em andamento que comportarem fase de instrução.
A este
respeito é pertinente transcrever a excelente síntese de Humberto Theodoro Júnior.
“Também a lei
processual respeita o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa
julgada ( Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXVI, e Lei de Introdução, art.
6º).
E mesmo quando lei nova
atinge um processo em andamento, nenhum efeito tem sobre os fatos ou atos
ocorridos sob o império da lei revogada. Alcança o processo no estado em que se
achava no momento de sua entrada em vigor, mas respeita os atos já praticados,
que continuam regulados pela lei do tempo em que foram consumados.”
Em relação
a lei processual aplica-se a lei que vigora no momento da prática do ato
formal, assim, aos processos que se encontram com instrução pendente são
abrangido pela lei nova, não havendo que se cogitar em ato jurídico perfeito ou
direito adquirido e, com muito menos razão, coisa julgada.
Em conclusão.
Em conclusão, a Lei Complementar n.º 105/2001 e seu Decreto regulamentador n.º 3.724/01 estão em perfeita compatibilidade material e formal com os princípios constitucionais vigentes, devendo ser considerados seus dispositivos eficazes e plenamente válidos, inclusive para processos administrativos que se encontram com a instrução pendente.
Retirado de: http://www.slivinskis.net/artigos/sigilobancario.htm