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PROCESSO CAUTELAR E EFETIVIDADE DO PROCESSO

 

Maurício Camatta Rangel

Juiz de Direito - Vitória - ES

 

Como é sabido, o art. 5.°, XXXV, da Constituição da República, não só garante o direito de acesso à justiça, mas igualmente o direito à efetividade e à tempestividade da tutela jurisdicional.

 

Como a garantia constitucional de acesso à justiça deve incidir sobre a estrutura técnica do processo de jure condendo e de jure condito, é dever do processualista extrair das normas do sistema processual uma interpretação que permita a viabilização do direito à tempestividade da tutela jurisdicional e do processo justo, compreendido como o processo que atende aos valores constitucionais em uma perspectiva concreta (e não meramente formal).

 

O ordenamento pátrio comporta no direito processual civil três espécies de processo: de conhecimento, de execução e cautelar. Em breve síntese, no de conhecimento, como diz o próprio termo, conhece-se profundamente o conflito, a dilação probatória é a mais completa possível, para ao final ser proferida a sentença, criando-se o título executivo judicial. No processo de execução já existe o título executivo, judicial ou extrajudicial, consubstanciando-se em atos expropriatórios de bens do devedor, através do Estado, já que o direito não permite ao credor atos privativos de coerção para o cumprimento da obrigação constante do título. O processo cautelar visa tão-só assegurar a tutela da eficácia perquirida no processo principal, já que dele é sempre dependente, servindo ao processo de conhecimento tanto quanto para o processo de execução, em caráter preparatório ou incidental, desde que presentes a ‘‘fumaça do bom direito’’ e o ‘‘perigo na demora’’, protegendo o direito litigioso.

 

O fato é que em decorrência de regras jurídicas e posicionamentos doutrinários, o processo cautelar é autônomo, com princípios e procedimentos próprios. Em suma, deve ser autuado em apenso quando incidental, com os mesmos requisitos da petição inicial de processo de conhecimento. Quando preparatório deve a ação principal a ele ser apensada. Há distribuição, pagamento de custas, condenação em honorários advocatícios etc. O fato é que entendemos deva modificar-se a legislação a fim de que se possa cumular processo de conhecimento com processo cautelar, nos mesmos autos, sendo este último somente um dos pedidos daquele.

 

A proposta tem o cunho de dar celeridade e efetividade à prestação jurisdicional. Passamos então a demonstrar e justificar o que se propõe. Quanto ao rito, procedimento, unifica-se ao do processo de conhecimento, dando inclusive maior elasticidade para a defesa. A instrução probatória pode ser num mesmo ato, já que, de regra, a sentença nos dois processos quase sempre é conjunta e, na maioria das lides, o fumus boni iuris é o próprio fundamento jurídico da ação principal, diferindo somente no periculum in mora. De outro lado, mesmo que assim não se apresente, pode o julgador, na assentada, colher depoimentos que englobem tanto o pedido cautelar como o principal. Em casos excepcionais pode-se designar audiência de justificação prévia para apreciar o pedido de liminar, seja na petição inicial ou no curso do processo, quando o pedido for incidental.

 

É de se observar que praticamente o mesmo ocorre com a antecipação da tutela. Ora, se o legislador previu, nos mesmos autos, antecipar a própria decisão de mérito da lide, nada obsta que possa o magistrado deferir a liminar, apreciada como um simples pedido do processo de conhecimento. Por que manter institutos processuais arcaicos? Vejamos um exemplo típico: uma pessoa alienou um veículo com vício de vontade. Pelo nosso sistema, para evitar o perecimento do direito, deverá ajuizar ação cautelar de busca e apreensão, a fim de que o veículo fique em depósito público, até o julgamento da ação principal de nulidade de negócio jurídico. Assim, se procedente o pedido principal, o veículo é entregue ao autor. Se perder a demanda, retornará o bem à outra parte, podendo pleitear perdas e danos pelo infortúnio. Ocorre que pelo ordenamento atual, deverá o autor propor as duas ações, o que e um contra-senso, eis que poderia a medida liminar ser apenas um ato decisório do processo de conhecimento. E em sendo ato decisório, comportaria recurso de agravo. Para que duas ações que, em realidade, possuem o mesmo objeto jurídico, qual seja, a devolução do veículo?

 

Também não é óbice o fato de poder-se julgar procedente a ação cautelar e improcedente a ação principal ou vice-versa, advinda da autonomia dos processos. Cite-se por exemplo, no mandado de segurança, em que muitas vezes, após deferida a liminar, denega-se a ordem e se a revoga, com efeitos retroativos. Se concedida a segurança, torna-se a liminar definitiva. O mesmo ocorre nas ações possessórias que são processo de conhecimento sob rito especial de jurisdição contenciosa. Na própria antecipação da tutela, determina-se, caso ao final improcedente o pedido, retornem as coisas ao status quo ante. De outro lado, de acordo com a presente proposta, cessa a autonomia do processo cautelar, sendo apenas medida integrante do processo de conhecimento, tanto quanto o poder geral de cautela já conferido pelo legislador ao juiz.

 

O fato de no processo cautelar não haver julgamento do mérito — salvo quando acolher a prescrição ou decadência do direito do autor —, em nada diverge da tese esposada, isto é, torna-se somente a liminar definitiva ou a decisão a revoga. Se deferida/indeferida no curso do processo, sem o recurso cabível, opera-se a preclusão. Ad cautelam, pode-se manter as garantias assecuratórias em concessão de certos pedidos de liminar que impliquem levantamento de dinheiro, alienação do domínio etc.

 

Em verdade, com poucas alterações no Código de Processo Civil, pode-se unificar os dois processos, libertando-os do excesso de formalismo, podendo ainda serem ressalvados alguns casos no que se refere às ‘‘liminares satisfativas’’, que podem perfeitamente ser englobadas pela antecipação da tutela, assim como em relação ao processo de execução, que não admite dilação probatória, estando o direito materializado no título executivo, devendo ser a cautelar, repita-se, uma medida, não mais um processo, sendo autuada em apenso, neste caso. Por derradeiro, diminuir-se-ia também o acúmulo material de processos nos tribunais, sendo mais um passo para a modernização e efetividade da Justiça. Para isso, temos de estar com a mente e o espírito abertos às mudanças, que são imprescindíveis. Para o cidadão interessa a prestação do direito material invocado, jamais óbices instrumentais que só levam à extinção do processo sem a apreciação do mérito, ou ao retardamento de seu julgamento. Busca ele a resposta a seu pedido, se tem ou não direito ao bem material pretendido.

 

E quanto maior é a duração do processo, mais ele se presta a prejudicar o autor que tem razão e a premiar o réu que não a tem. O processo, assim, afasta-se do "devido processo legal" na medida da sua duração. Recorde-se a lição de Ovídio Baptista da Silva: "O 'devido processo legal' é um privilégio processual reconhecido apenas aos demandados? Ou, ao contrário, também os autores terão direito a um processo igualmente 'devido', capaz de assegurar-lhes a real e efetiva realização prática - não apenas teórica - de suas pretensões? Um processo capenga, interminável em sua exasperante morosidade, deve ser reconhecido como um 'devido processo legal', ao autor que somente depois de vários anos logre uma sentença favorável, enquanto se assegura ao réu, sem direito nem mesmo verossímil, que demanda em procedimento ordinário, o 'devido processo legal', com plenitude de defesa?" (A plenitude de defesa no processo civil, Saraiva, 1993, p.154).

 

A demora do processo, como disse Cappelletti no seu famoso parecer iconoclástico sobre a reforma do processo civil italiano, conduz ao fenômeno da fuga da justiça estatal (Mauro Cappelletti, "Dictamen iconoclastico sobre la reforma dei proceso civil italiano", in Proceso, ideologías, sociedad, cit., p. 278).

 

É imperioso que todos os operadores do direito, sem prejuízo de obediência aos princípios norteadores da ciência, envidem esforços para a consecução e materialização dos anseios sociais, colocando-se o processo como meio à efetivação destes, para a busca da alcandorada efetividade do processo.

 

Na lição dos mestres, é mister que o processo tenha a "sua dignidade e o seu valor dimensionados pela capacidade de propiciar a pacificação social, educar para o exercício e respeito aos direitos, garantir as liberdades e servir de canal para a participação democrática" (Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, p. 11).

 

 

 

MAURICIO CAMATTA RANGEL

Juiz de Direito - Vitória-ES.

 

 

 

 

retirado de: http://direitobancario.com.br/