Resumo elaborado por: Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira 

Data de elaboração do resumo: 09/09/2001
 

DEZ ANOS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA: UMA RETROSPECTIVA GERAL*

* Palestra proferida nos Congressos Internacional de Responsabilidade Civil, Consumidor, Meio Ambiente e Danosidade Coletiva: Fazendo Justiça no Terceiro Milênio, realizados em Blumenau, no período de 29 de outubro a 1º de novembro de 1995

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: Prof. Adjunto (Livre Docente) de Teoria Geral do Processo e Chefe do Departamento de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.
 

RESUMO

O direito processual tem por base uma relação jurídica de natureza individual entre credor e devedor. Os efeitos da coisa julgada somente se estendiam, em regra, àquelas pessoas que participaram do processo.

A distribuição do ônus da prova seguia o princípio rígido: ao autor competia a prova do fato constitutivo do seu direito e, ao réu, dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos

Bastava a substituição da obrigação por uma de pagar determinada soma em dinheiro que lhe compensasse a perda.

Lei nº 7.347, de 24/7/1985 veio disciplinar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

O Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 8.078, de 11/9/1990, permitiu adequar todos os interesses difusos e os interesses coletivos a essa sistemática processual a exemplo da Constituição Federal de 1988 (art. 129, III) que outorgava legitimidade ao Ministério Público para promover ação civil pública para defesa de direitos difusos e coletivos.

O CDC passou a permitir também a proteção de direitos individuais homogêneos, através da ACP (São direitos individuais que interessam a uma coletividade de pessoas, gerando aí, como conseqüência, o interesse público, o interesse social, a permitir a sua defesa coletiva em juízo.)

A legitimidade para promover a ação civil pública é conferida não só ao Ministério Público, mas também a outras entidades, sejam entes públicos, sejam associações constituídas há mais de 1 (um) ano, especificamente para defesa daqueles interesses (artigo 5º). Mas o CDC permite, a critério do juiz, dispensar o requisito temporal de pré-constituição da associação desde que exista manifesto interesse social (§ 4º, do art. 5).

O Inquérito civil constituiu-se campo apropriado para que o Ministério Público possa tomar de terceiros, daquelas pessoas que estariam causando dano ou violando a norma, o Compromisso de Ajustamento de Conduta

Termo de ajustamento de conduta: ao invés de se promover a ação civil pública, através de processo de conhecimento, o próprio interessado, através de uma declaração sua, unilateral, se obrigue a ajustar a sua conduta àquilo que determina a lei. E isto se transforma, com a concordância do legitimado e a fixação de cominação própria, desde logo, na fase pré-processual, em título executivo extrajudicial; e na fase do processo, em título executivo judicial.

Por força da inovação introduzida pelo Código do Consumidor( artigo 84, § 3º) são pressupostos para a concessão da liminar: a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. O fumus boni juris é bem menor do que normalmente se exige em outros casos, bastando mero receio, face ao maior periculum in mora.

No campo da prova, a lei ACP, procura facilitar a defesa dos direitos em favor dos legitimados ativos, através, inclusive, da inversão do ônus da prova. Da mesma forma o CDC, no art. 6º, nº VIII, do permite a facilitação da defesa dos direitos dos consumidores, inclusive com a inversão do ônus da prova a ser favor no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

“ Se o juiz verifica, em função dos interesses em jogo, e das regras de experiência, que os fatos e os elementos constantes do processo indicam a possibilidade de uma violação a um direito difuso (possível poluição, por exemplo), com base em dados que não trazem certeza, mas sim dúvidas, ele deve exigir que a parte contrária (o réu) tenha o ônus de afastar esta dúvida. O legislador diz o seguinte: eu me contento com isto, a parte contrária é que deve provar ou afastar até as possibilidades, a verossimilhança.”

E o que é justo ou injusto, em direitos difusos ou coletivos, não está ligado à palavra certeza. Existem determinados interesses em jogo, no campo dos direitos difusos, e são inúmeros, que suplantam até mesmo o direito individual de liberdade.

Os recursos sem efeito suspensivo podem vir a tê-lo por ato do prório juiz da causa (art. 14 LACP).

Com relação aos direitos difusos a coisa julgada tem abrangência erga omnes, isto é, vale para toda e qualquer pessoa (artigo 103, I). Com relação aos direitos coletivos, a coisa julgada — o legislador fala — é ultra partes, ou seja, é limitada àquele grupo, àquelas pessoas que pertençam a determinada categoria ou classe (artigo 103, II). Com relação aos direitos individuais homogêneos, a coisa julgada se produz "erga vitimas"; quer dizer: todas aquelas pessoas, naquela mesma situação, são beneficiadas pela coisa julgada, mas só no caso de procedência do pedido.

Sentença condenatória transitada em julgado, promovida em ação pública que vise tutelar um direito difuso ou coletivo: serve como título executivo judicial, à semelhança da sentença penal condenatória, para que eventuais vítimas promovam, primeiro a liquidação e depois as respectivas execuções (artigo 103, § 3º).

Execução específica: O que interessa no campo da ação civil pública é que se alcance toda a utilidade prática concedida pela sentença, e não alguma forma de compensação. Em vez de indenização, p. ex, é preferível que a fábrica instale filtros contra poluição. É necessário criatividade do juiz.

Existem direitos difusos que importam à vida de milhares de pessoas, e poderíamos até pensar na possibilidade, "de lege ferenda", à semelhança do sistema da common law, do juiz expedir uma ordem, uma injunção para ser cumprida, sob pena de severas cominações, inclusive penais. (sugestão do autor).

Situação da Ação Civil pública após 10 anos (em 1995)

Os tribunais têm confundido até a identificação dos próprios direitos em jogo, notadamente a distinção entre direito coletivo e direito individual homogêneo.

A jurisprudência também tem entendido que não cabe ao Ministério Público a defesa de direitos individuais homogêneos, admitindo-a somente nos casos em que eles forem indisponíveis  (deturpação, o que importa é interesse social)

O número de interessados pode constituir-se em importante ponto de indagação, mas não como condição necessária à caracterização de tal direito, como tem sido).

Autor cita inúmeros casos reais em que ocorre interpretação absurda, p.ex TRT-694/78 e RTJ/ES 136/43 que fala da ilegitimidade do Ministério Público para a proteção de poluição sonora porque não é meio ambiente. Mesmo que não fosse, porque é, não seria necessário.

O Ministério Público tem que estar não só aparelhado, mas, também tem que ter especialistas. É preciso que a ação civil pública sirva não só como elemento de tutela de direitos, mas principalmente, de transformação e concretização dos direitos sociais e políticos previstos na nova Constituição. É o instrumento jurídico do futuro, e só tem dez anos de idade (hoje 16).