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A INÉRCIA DO LEGISLADOR EM REGULAMENTAR OS JUROS DE
12%
AO ANO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: CABE
INDENIZAÇÃO?
Autor: LUIZ CLÁUDIO
BARRETO SILVA
A Constituição da República
limitou a cobrança de juros pelo Sistema Financeiro em 12% ao ano, entretanto,
o Supremo Tribunal Federal entendeu que a limitação dependeria da edição de ato
do legislador regulamentando a matéria.
A posição do Supremo Tribunal
Federal causou perplexidade na comunidade jurídica, em especial no campo
doutrinário, que já havia pacificado o entendimento de que nada existia a
regulamentar e que a norma era plenamente aplicável.
Depois da decisão do STF, e
diante da inércia do legislador em editar o ato, foram adotados pelos
legitimados os remédios jurídicos próprios: Mandado de injunção e Ação Direta
de Inconstitucionalidade por omissão.
O Supremo Tribunal Federal
reconheceu em numerosos mandados de injunção a mora do legislador em editar o
ato.
Surgiu então intenso debate
naquela Corte Maior no seguinte sentido: poderia o STF determinar a fixação de
um prazo para o legislador editar o ato, ou apenas deveria se limitar a
expedição de ofício dando ciência do estado de mora?
Para maior perplexidade da
comunidade jurídica o STF entendeu que na hipótese não poderia fixar prazo para
a edição do ato, pois como o STF é um Poder (Judiciário) não poderia fixar ao
legislativo, que é um outro poder, prazo para a edição do ato, além do que não
se tratava de ato administrativo, e concluiu que apenas poderia expedir, como
foram expedidos, ofícios dando ciência ao legislativo do seu estado de mora.
Acontece que, apesar dos
numerosos ofícios expedidos pelo STF ao legislativo, conclamando para editar o
ato, e informando sobre a reiterada mora, o legislativo continua inerte e sem
editar o esperado ato e, certamente, ao que parece, não o editará.
Diante desse quadro surge a
indagação: Caberia ação de indenização em face da União em decorrência dessa
reiterada mora?
2. A reação da doutrina com
relação à inércia do legislativo
A inércia do legislador, com a
nítida intenção de favorecer aos bancos, tem provocado ácidas críticas no campo
doutrinário, o que se constata de trecho a seguir transcrito de editorial
publicado na Revista JUSTIÇA &
CIDADANIA:
“É inconcebível que entre os 513 Deputados Federais e os 81
Senadores da República (excluídos obviamente os banqueiros, seus apaniguados e
fâmulos do sistema bancário), não existam Deputados ou Senadores que,
conscientemente, continuem permitindo e tolerando passivamente, condescendendo
com a cupidez dos banqueiros que se cevam com o lucro desmedido auferido
através dos juros escorchantes, permitidos com a omissão e conivência dos
governantes.
Raia ao absurdo a constatação
acintosa dos benefícios concedidos aos bancos, que através de uma agiotagem
cruel e desenfreada obtêm lucros astronômicos de dezenas de bilhões de reais,
em verdadeiro atentado contra a realidade social e os interesses da Nação, em
detrimento e em escárnio do sofrido e desassistido povo, representado por
milhões de brasileiros, que além de passarem fome, estão desprovidos de
condições mínimas para viverem, sem moradia, sem saúde, sem educação e meios
com que possam sobreviver.
A Constituição de 1988, aguarda
há treze anos a regulamentação do artigo 192, parágrafo 3º, que limita os juros
a 12% ao ano, o que se regulamentado, impediria a escorcha financeira dos meios
de produção e principalmente do povo que, hoje, se quedam inertes e explorados
pelos agiotas, donos de bancos e financeiras.
Há meio século já se dizia que os
ricos cada vez ficavam mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres.
Hoje, os ricos, principalmente os
que se locupletam em cargos públicos e aqueles que exploram o sistema bancário
e financeiro, já ultrapassaram a classe dos ricos, estando na categoria de
milionários e nababos, e os pobres, coitados, já não são mais pobres, são
miseráveis ". [i]
3. O posicionamento da doutrina
contrário a responsabilização quando inexistente prazo fixado para a edição do
ato
Entendem alguns que o ato de
legislar é discricionário e a sua inércia não enseja responsabilização, salvo
de fixado prazo para a edição do ato como leciona MARISA HELENA D'ARBO ALVES DE
FREITAS citando MARIA EMÍLIA MENDES ALCÂNTARA:
“MARIA EMÍLIA MENDES ALCÂNTARA,
analisando a omissão legislativa, estabelece como referencial para a obrigação
estatal de ressarcir os danos a fixação de prazo para a emanação de normas
complementares à Constituição. Sustenta que a irresponsabilidade se põe quando
ao Legislativo não for cominado prazo, sendo pois conferida competência
discricionária quanto ao momento da emanação de tal ato. Todavia, havendo
prazo, afigura-se indeclinável o direito do particular de exigir indenização
pelos danos ocasionados por essas omissões, uma vez que o legislador não pode
furtar-se a editar legislação que vise a tornar exeqüíveis direitos garantidos
constitucionalmente, fraudando essas garantias”. [ii]
4. O posicionamento da doutrina
favorável à indenização fulcrado exatamente na impotência de fixação de prazo
pelo Judiciário
Outros, entretanto, a nosso ver
com acerto, entendem que diante da impotência de o Judiciário em fixar prazo
para a edição do ato o caminho é a indenização no valor correspondente ao
direito obstaculizado em razão da inércia como se extrai da lição de MAURÍCIO JORGE MOTA no seguinte sentido:
"O princípio da efetividade
da Constituição não se coaduna com a existência de espaços vazios não
normatizados. Se o exercício de um direito constitucionalmente assegurado está
sendo obstaculizado pela ausência de norma regulamentadora, numa omissão
inconstitucional, e se ao Judiciário falece competência para suprir a lacuna no
caso concreto por falta de densidade sêmica da norma constitucional, a situação
deverá se resolver no âmbito da responsabilidade civil do Estado legislador,
com a conversão do direito inconstitucionalmente negado no seu equivalente em
pecúnia". [iii]
5. O posicionamento do Supremo
Tribunal Federal em alguns precedentes diante da mora reiterada e da insistência
na inércia do legislativo
O Supremo Tribunal Federal, em
alguns precedentes, também já se manifestou em sentido favorável a indenização
em razão da inércia do legislador, como
se extrai de trecho da decisão a seguir reproduzida anotada por OSWALDO LUIZ
PALU:
"O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a
omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem,
menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do
direito reclamado; mas, no pedido, posto que de atendimento possível, para que
o Tribunal o faça, se contém o pedido de omissão normativa, com ciência ao
órgão competente para que a supra". (RTJ 131/492). Entretanto: "
...com a persistência do estado de mora do Congresso Nacional, que, não
obstante cientificado pelo STF, deixou de adimplir a obrigação de legislar que
lhe foi imposta pelo art. 8º, § 3º, do ADCT/88, reconhece-se, desde logo, aos
beneficiários dessa norma transitória a possibilidade de ajuizarem, com
fundamento no direito comum, a pertinente ação de reparação econômica
(STF-Pleno: RDA 196/230, STF: RDA 200/234)". [iv]
O posicionamento do STF acima
reproduzido foi alvo de abordagem por DANIEL FERREIRA reconhecendo, embora com
ressalva, o direito à indenização:
“C) OMISSÕES LEGISLATIVAS
INCONSTITUCIONAIS: claro que no caso de omissões com prazo certo e conteúdo
determinado nada há a ensejar dúvidas, posto que o STF sobre isso já se
manifestou, tratando do § 3 o, do Art. 8 º, do ADCT, quando em sede de Mandado
de Injunção autorizou os ofendidos a, na forma do direito comum, procurarem a
justa indenização, pela inércia reconhecida e pelo não atendimento da
determinação jurisdicional de legislar”. [v]
Oportunas ainda as considerações de MARCOS ANTÔNIO SOUTO MAIOR
FILHO embora direcionadas para a aplicablicabilidade pendente de regulamentação
e não para a responsabilização:
“Cabe ao Poder Judiciário, no
exercício de sua função jurisdicional, salvaguardar os direitos e liberdades
constitucionais inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre
que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício desse.
Entendemos, por último, que a decisão proferida pelo Sinédrio Federal, trata-se
concretamente de decisão suplementar e possibilitadora do exercício de direito
assegurado, mas não integrada nem "erga omnes". Ora, se assim não
acontecer, só resta imaginar que todo o trabalho feito por nossa Assembléia
Nacional Constituinte está submisso a paradigmas incomensuráveis e decisões
"políticas", que chegam a fugir das linhas da imaginação, tolhendo o
que a Lei Maior nos concedeu”.[vi]
6. A possibilidade de ajuizamento
de ação civil pública
Autores há que entendem como
cabível (não especificamente no caso de omissão de regulamentar juros), mas em
casos de omissão do legislador em sentido lato, o ajuizamento de ação civil
pública, o que seria de grande importância, pois existe legitimidade, dentre
outros, das associações e sindicatos para a ação, como leciona RODOLFO DE
CAMARGO MANCUSO:
"Poderia a lesão a um
interesse difuso decorrer da inação do Legislativo ou do Executivo em legislar
ou normatizar determinada matéria prevista constitucionalmente? Tratar-se-ia da
chamada "inconstitucionalidade por omissão", prevista na Constituição
portuguesa de 1976, revista em 1982, em seu art. 283. Parece-nos que a resposta
é positiva: suponha-se que determinado Estado não cumpra preceito constitucional
que manda preservar as florestas de modo permanente, sobretudo com a
instituição de parques protegidos pela políci9a florestal e instalação de
equipamentos adequados para prevenção e combate de incêndios. Sobrevêm incêndio
de grandes proporções. Cremos que nesse caso e em outros análogos, o Estado
deverá figurar no pólo passivo da ação civil pública, por sua omissão. Aliás,
ao menos em tese, qualquer cidadão poderia impetrar mandado de injunção (CF,
art. 5º, LXXI), para obrigar a unidade da federação a cumprir aquele preceito
constitucional.
Do que já se expôs, resulta que,
além da responsabilidade objetiva, independente de perquirição de culpa, os que
devam formar no pólo passivo de ação civil pública encontram-se, também, em
situação de responsabilidade solidária. ". [vii]
7. Conclusão
Diante desse quadro, outro
caminho não resta senão reconhecer o acerto dos posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais norteados para a responsabilização da União diante da
persistência da mora do Congresso e do prejuízo que vem causando com sua
inércia ao longo de todo esse período às pessoas físicas e jurídicas que estão
sendo asfixiadas e levadas à ruína em decorrência de cobrança de juros
superiores a 12% ao ano.
Referências Bibliográficas
[i] Basta de regalias aos bancos. Revista Justiça & Cidadania.
São Paulo, ano III, n. 18, set.embro, 2001. Disponível em:
<http://www.revistacj.com.br >. Acesso em 27 de dezembro de 2001.
Referências Bibliográficas
[i] Basta de regalias aos bancos. Revista Justiça & Cidadania. São
Paulo, ano III, n. 18, set.embro, 2001. Disponível em:
<http://www.revistacj.com.br >. Acesso em 27 de dezembro de 2001.
[ii] FREITAS, Marisa Helena
D'Arbo Alves de. Responsabilidade civil do estado por atos legislativos. In: Revista Jurídica, Porto Alegre:
Síntese, n. 247, maio, 1998,
p. 141.
[iii] MOTA, Maurício Jorge.
Responsabilidade civil do estado legislador. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1999, p. 181.
[iv] PALU, Oswaldo Luiz. Controle
de constitucionalidade. Conceitos, sistemas e efeitos. São Paulo: Revista do
Tribunais, 1999, p. 245.
[v] FERREIRA, Daniel. Novos
aspectos da responsabilidade do estado: por comportamento omissivo ou comissivo
do legislador. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização
Jurídica, ano I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br>.
Acesso em: 27 de dezembro de 2001.
[vi] MAIOR FILHO, Marcos Antônio
Souto. Mandado de Injunção, Letra Morta ou Não?. In: Jus Navigandi, n. 51. [Internet]
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2056 [ Capturado 30.Dez.2001 ]
[vii] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 5.
ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 134-135.