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Enéas Castilho Chiarini Júnior
pós-graduando em
Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional em
parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais
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Palavras-chave: Direito Constitucional; Súmula de Efeito
Vinculante; Inconstitucionalidade
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1.0 - Introdução
Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de emenda
constitucional que visa realizar uma ampla reforma no poder judiciário
brasileiro. Entre as várias propostas de mudança está a que pretende dar efeito
vinculante às súmulas editadas pelos tribunais do país, "...a PEC 54/95,
de autoria do Senador Ronaldo Cunha Lima, que dá nova redação ao parágrafo 2º
do artigo 102 da Constituição Federal. O objetivo do autor é dar sentido
uniforme à prestação jurisdicional, no País, às decisões do STF, as quais são
de obediência compulsória pelos aplicadores da Lei no Poder Executivo e demais
órgãos da Magistratura nacional, em qualquer grau. De acordo com o senador
paraibano, o efeito vinculante evitará transtornos como o caso dos 147% dos
aposentados, que recebeu decisões diferentes, mesmo após o STF ter-se
pronunciado sobre o assunto." (Matéria "Propostas de reforma do
Judiciário", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex
nº 3 de 31/3/1997.)
"Essa proposta do senador Ronaldo Cunha Lima, tencionava dar ao §
2º do artigo 102 da Constituição a seguinte redação: ‘As decisões definitivas
de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, após sumuladas, produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
Poder Judiciário e ao Poder Executivo’." (Sérgio Sérvulo da Cunha, op.
cit., pág. 126).
"Dentre as propostas apresentadas pela sociedade, por entidades de
classe, intelectuais e membros do Congresso Nacional para solucionar a
denominada Crise do Poder Judiciário, sem dúvida alguma, a do Efeito Vinculante
das Decisões Judiciais, ou, simplesmente, Súmulas Vinculantes, vislumbra-se
como a mais polêmica. Porque o instituto, caso venha ser aprovado na Reforma
Constitucional, através de emenda ao texto da Lei Excelsa, embora possa
contribuir para o desassoberbamento do Poder Judiciário, é gerador de
discussões..." (Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em
especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997).
O assunto
é tão polêmico que José Anchieta da Silva lembra que "...oito dos onze
membros da Suprema Corte, na sua composição atual (junho de 1997) seriam
favoráveis à sua adoção. Os ministros favoráveis seriam: José Paulo Sepúlveda
Pertence, Sydney Sanches, Carlos Mário da Silva Vello, Nelson Azevedo Jobim,
José Carlos Moreira Alves, Ilmar Nascimento Galvão, José Neri da Silveira, Luiz
Octávio Pires e Albuquerque Gallotti. Contrários seriam os ministros José Celso
de Melo Filho, Marco Aurélio Mendes de Faria Mello e Maurício José Corrêa.
Posteriormente teria o ministro Maurício José Corrêa revisto o seu ponto de
vista."[sic] (Op. cit., págs. 25 e 26).
Entre os
argumentos favoráveis à adoção de tal mudança está, principalmente, a alegação
de que tal medida seria capaz, entre outras coisas, de acelerar o julgamento
das milhares de ações judiciais que são propostas diariamente no país,
contribuindo, e muito, para a diminuição dos recursos tão comuns no judiciário
nacional.
Por outro
lado, existe a grande preocupação por parte dos juristas de que a adoção de tal
efeito vinculante seria capaz de amordaçar os juizes de primeira instância,
fazendo com que estes ficassem submissos aos órgãos superiores, o que impediria
uma renovação do entendimento jurisprudencial sobre a lei brasileira, o que
culminaria na estagnação do Direito nacional.
Certamente, a priori, ambos argumentos são igualmente válidos, porém,
uma análise mais detida sobre o efeito vinculante das súmulas leva, certamente,
à conclusão de que sua adoção pelo Direito pátrio é, sem dúvida,
inconstitucional.
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2.0 - Conceitos
Para a
elaboração de um bom trabalho científico, o qual se pretenda compreensível,
deve-se, antes de mais nada, definir o objeto em estudo, motivo pelo qual,
passa-se à conceituação das chamadas súmulas de efeito vinculante.
2.1 - Súmulas
Antes de
se definir súmula de efeito vinculante, é necessário que se tenha em mente o
conceito de súmula.
Conforme
Sérgio Sérvulo da Cunha, "...as súmulas são enunciados que, sintetizando
as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em relação a determinados temas
específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda a comunidade
jurídica." (Op. cit., pág. 124).
Em seu
Dicionário Jurídico, Maria Helena Diniz apresenta o significado de súmula:
"1. Direito processual. a) Conjunto de teses jurídicas reveladoras da
jurisprudência predominante no tribunal, traduzida em forma de verbetes
sintéticos numerados (Nelson Nery Jr.); b) resumo de decisão judicial colegiada
(Othon Sidou); c) ementa reveladora da orientação jurisprudencial de um
tribunal para casos análogos (Marcus Cláudio Acquaviva); d) ementa de sentenças
ou acórdão (De Plácido e Silva); e) tradução de orientação da jurisprudência
predominante do tribunal (José de Moura Rocha)..."[sic] (Op. cit., vocábulo
"Súmula", pág. 463), e mais adiante complementa a definição ao trazer
o significado de súmula da jurisprudência: "Teoria geral do direito e
direito processual. 1. Norma consuetudinária que uniformiza a jurisprudência,
constituindo fonte de direito, atuando como norma aplicável aos casos que
caírem sob sua égide, enquanto não houver norma que os regule ou uma
modificação na orientação jurisprudencial, já que é suscetível de revisão. 2.
Enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua
e reiteradamente pelo tribunal; constitui uma forma de expressão jurídica, por
dar certeza a determinada maneira de decidir. 3. Condensação de no mínimo três
acórdãos do mesmo tribunal, adotando igual interpretação de preceito jurídico
em tese, sem efeito obrigatório, mas apenas persuasivo, publicado com numeração
em repertórios oficiais do órgão (Othon Sidou)."[sic] (Op. cit., vocábulo
"Súmula da Jurisprudência", pág. 463).
A
respeito das súmulas dispõe o regimento interno do Supremo Tribunal Federal:
"Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na
Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1º A inclusão de enunciados na Súmula,
bem como a sua alteração ou cancelamento, será deliberada em Plenário, por maioria
absoluta. § 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva
numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem
modificados. § 3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries
separadas e sucessivas, serão publicadas três vezes consecutivas no Diário da
Justiça. § 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará,
perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido. Art. 103.
Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em
matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao
sobrestamento do feito, se necessário" (Conforme Sérgio Sérvulo da Cunha,
op. cit., págs. 124 e 125).
Evandro
Lins e Silva ensina que "para os não iniciados, para o público em geral,
diremos: Súmula foi a expressão de que se valeu Victor Nunes Leal, nos idos de
1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal,
onde era um dos seus maiores ministros, vinha decidindo de modo reiterado
acerca de temas que se repetiam amiudadamente em seus julgamentos. Era uma
medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a
descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere
a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos os
magistrados do País e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte
Suprema nas questões mais freqüentes. Houve críticas e resistências à sua
implantação sob o temor de que ela provocasse a estagnação da jurisprudência ou
que pretendesse atuar com força de lei. Seu criador, Victor Nunes, saiu a campo
e, em conferências proferidas na época, explicou e deixou bem claro que a
Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria puramente
regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por sugestão dos ministros
ou das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso
extraordinário ou do agravo de instrumento [...] A Súmula é um valioso
instrumento, que pode ser invocado pelos advogados como elemento de persuasão,
mas não vincula nem mesmo os juízes de primeiro grau. Único sobrevivente dos
ministros presentes à sessão de sua criação, reivindico o conhecimento da sua
origem, da sua razão de ser, da sua finalidade e das suas limitações."
(Matéria "Crime de hermenêutica e súmula vinculante" na Revista
Consulex nº 5 de 31/5/1997).
Súmulas
são, portanto, entendimentos firmados pelos tribunais que, após reiteradas
decisões em um mesmo sentido, sobre determinado tema específico de sua
competência, resolvem por editar uma súmula, de forma a demonstrar qual o
entendimento da corte sobre o assunto, e que servem de referencial
não-obrigatório a todo o mundo jurídico.
Como o
direito brasileiro adota o sistema do livre convencimento fundamentado do juiz,
este não está obrigado a seguir o entendimento das súmulas editadas pelos
tribunais, que somente servem como orientação para os juizes, que podem, ou
não, acolher tais entendimentos em seus julgados de inferior instância.
Porém,
apesar de não-obrigatórias, o Código de Processo Civil, no artigo 557 (em sua
nova redação dada pela lei 9.139/95), afirma que o relator pode negar
seguimento a recurso "contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal
superior".
Sobre as
súmulas, ensina Evandro Lins e Silva apud Sérgio Sérvulo da Cunha, "...a
Súmula resolve com toda a rapidez os casos que sejam repetição de outros
julgados, por simples despacho de poucas palavras do relator [...] A ausência
de súmulas retira do julgador o instrumento para solucionar, de imediato, o
recurso interposto ou a ação proposta. Por outro lado os tribunais e juízes
inferiores que, de regra e geralmente, utilizam as súmulas como fundamento de
suas decisões, não têm como se valer delas, inclusive para a celeridade de seus
pronunciamentos. É muito difícil, deve ser raríssimo o caso de rebeldia contra
as súmulas. Ao contrário, os juízes de segunda e primeira instâncias não apenas
as respeitam, mas as utilizam, como uma orientação que muito os ajuda em suas
decisões..." (Op. cit., pág. 125).
Para
Larenz apud Sérgio Sérvulo da Cunha, "o juiz está na nossa ordem jurídica
vinculado às leis e ao direito constitucional, mas é livre na interpretação da
lei e no desenvolvimento do Direito conforme ao seu sentido. Nessa tarefa só
tem de seguir a sua própria convicção, formada conscienciosamente. Daí resulta
que o que pode ‘vinculá-lo’ não é o precedente enquanto tal, mas sim e só a
interpretação ou concretização ‘correta’ da norma, que nele porventura se
exprimam. Se a interpretação ou concretização da lei contida no precedente é
correta, porém, é ponto que cada juiz há-de, em princípio, decidir por si
próprio e em cada novo caso, visto que o precedente não lhe pode tirar a
responsabilidade pela correção da sua decisão. O juiz não tem pois apenas o
direito, está até obrigado a divergir de um precedente, sempre que chegue à
convicção de que ele traduz uma incorreta interpretação ou desenvolvimento da
lei, ou de que a questão, então corretamente resolvida, deve hoje - mercê de
uma mudança de significado da norma ou de uma alteração fundamental das
circunstâncias relevantes para a sua interpretação - ser resolvida de outro
modo." (Op. cit., pág. 134).
2.2 -
Súmulas de efeito vinculante
As
súmulas de efeito vinculante, são as mesmas súmulas editadas pelos tribunais,
porém com um efeito chamado "vinculante", que torna estas súmulas
obrigatórias aos juizes de instâncias inferiores ao tribunal que proferiu tal
súmula.
Segundo
Sérgio Sérvulo da Cunha, "...a ‘súmula vinculante’ outra coisa não é senão
o velho ‘assento’, o enunciado judicial com força de lei. A única diferença
está em saber se esse enunciado é emitido ao fim do julgamento de um caso ou
como síntese de julgamentos idênticos proferidos em vários casos" (Op.
cit., pág. 126).
Segundo
definição de Maria Helena Diniz, súmula vinculante é "...aquela que,
emitida por Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, STM, TSE) após reiteradas
decisões uniformes sobre um mesmo assunto, torna obrigatório seu cumprimento
pelos demais órgãos do Poder Judiciário." (Op. cit., vocábulo "Súmula
Vinculante", pág. 464).
Tais súmulas, portanto,
vinculariam a decisão dos juizes de instâncias inferiores ao entendimento dos
tribunais superiores, obrigando-os a seguirem o entendimento daqueles, uma vez
que estas passariam a ter força de lei.
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3.0 - Prós e Contras
Para que
se possa chegar à conclusão da incosntitucionalidade do efeito vinculante no
Direito pátrio, deve-se, primeiramente, analisar algumas opiniões favoráveis e
outras contrárias à tal medida, motivo pelo qual passa-se à referida análise.
3.1 -
Prós
Como dito
logo na introdução deste trabalho, a principal característica positiva da
adoção do efeito vinculante é a redução do acúmulo de processos nas instâncias
superiores do Poder Judiciário, aliada a uma maior rapidez na solução dos
litígios em geral.
O
primeiro defensor do efeito vinculante é o ex-Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, o qual afirmou que "efetivamente, a melhor solução para
a questão da sobrecarga de trabalho repetitivo nas Cortes Superiores parece
residir na adoção de mecanismos de extensão de efeitos das decisões consolidadas
do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, desde que se
estabeleçam normas claras para revisão do entendimento eventualmente fixado. Ao
contrário do que se afirma, o efeito vinculante pode se constituir em grande
instrumento de democratização de Justiça à medida que permite a equalização de
situações jurídicas independentemente da qualidade de defesa ou da situação
peculiar de um outro litigante. Basta pensar na recente extensão dos 28% de
reajuste a todo o funcionalismo federal, feita pelo Governo com base em decisão
do Supremo Tribunal Federal. Quantos teriam que aguardar anos a fio para
receber a vantagem, sujeitos a inúmeros percalços que poderiam inclusive
comprometer o sucesso da demanda, e, com o efeito vinculante, já conseguem uma
justiça pronta! Por isso, o Governo apoia a Proposta de Emenda Constitucional
que está atualmente sendo apreciada pela Câmara dos Deputados, que atribui
efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional..." (Entrevista - "A reforma do Judiciário segundo
FHC" da Revista Consulex nº 21 de 30/9/1998)
Também
são favoráveis à adoção do efeito vinculante, Ermes Pedro Pedrassani, para quem
tal efeito seria capaz de reduzir os recursos repetitivos, acelerando o pronunciamento
jurisprudencial, sem retirar dos juízes o poder de decidir (Conforme matéria
"Tribunal Superior do Trabalho - Solução provisória para julgar
resíduo", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº
3 de 31/3/1997 além da entrevista "Passando a limpo a Justiça do
Trabalho", na Revista Consulex nº 9 de 30/9/1997); o Ministro Carlos Mário
Veloso, que "...sugeriu o efeito vinculante das decisões do STF (ADIn e
RE) e dos tribunais superiores como medida que tornará mais ágil a Justiça..."
(Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a
Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997); e Antônio José M.
Feu Rosa, Desembargador do TJES, para quem, tal medida encontra resistência,
por ser "... medida de Justiça, beneficiando principalmente os fracos e
oprimidos..." (Conforme matéria "Súmula vinculante" na Revista
Consulex nº 26 de 28/2/1999).
Cumpre
lembrar, ainda o Ministro Sepúlveda Pertence, apud Fernando Henrique Cardoso,
que, "colocando o dedo na chaga", afirmou "...o problema do
efeito vinculante não pode ser tratado como uma guerra de vaidades de juízes de
uma instância contra juízes de outra; uma disputa de orgulho intelectual, mas
como um problema de Justiça como serviço público e como problema de
isonomia." (Entrevista - "A reforma do Judiciário segundo FHC"
da Revista Consulex nº 21 de 30/9/1998).
3.2 -
Contras
Conforme
já salientado, uma das principais características negativas do efeito
vinculante das decisões judiciais é o fato de que tais súmulas com efeito
vinculante seriam capazes de "amordaçar" os juízes, sobre tudo os de
primeira instância, que se veriam obrigados a acatar as decisões dos órgãos
superiores, de forma que não passariam de meros aplicadores da "lei",
sem possibilidade de criticar as decisões proferidas pelos escalões superiores,
impedindo-se assim, a evolução do Direito nacional.
Dentre os
que são contra à adoção do efeito vinculante, podemos destacar Adelardo Branco
de Carvalho Júnior, Juiz de Direito da Comarca de Oliveira/MG, segundo o qual
"a súmula é a extinção de instâncias, a subjugação do oxigênio
jurisprudencial, exercido a partir de decisões dos juízes singulares, que
habitam com seus jurisdicionados, conhecendo-lhes os nomes e as feições. Não
são, os brasileiros dos pequenos centros, multidões acéfalas, informes e meros
valores estatísticos. A súmula vinculante, adotada, permitiria, por exemplo,
que o seqüestro de bens feito por S.Exa., o ex-presidente da República,
Fernando Collor, fosse mantido. Os Srs. Ministros, no caso, entenderiam o
seqüestro como necessário, do ponto de vista de Brasília." (Seção de
"Cartas" da Revista Consulex nº 9 de 30/9/1997).
Para o
Ministro Marco Aurélio Melo, "a súmula vinculante apresenta mais aspectos
negativos do que positivos. Cada processo é um processo e, ao apreciar o
conflito de interesses nele estampado, o detentor do ofício judicante há de
atuar com a maior independência possível. O homem tende à acomodação; o homem
tende à generalização, especialmente quando se defronta com volume de trabalho
invencível. Receio que a súmula vinculante acabe por engessar o próprio
Direito..." (Em entrevista à Revista Consulex nº 10 de 13/10/1997).
Para
Ronaldo Poletti, apesar dos pontos positivos, "...as dificuldades da
chamada súmula vinculante, entretanto, são grandes, a par de ela consubstanciar
uma cortina de fumaça, não desejável, a ocultar os verdadeiros problemas. A
primeira é de ordem prática. Se os juízes continuarem a julgar contra a súmula,
às partes restará, tão-somente, a reclamação ou recursos ordinários, com o que
as prateleiras e os escaninhos, como Fênix ressurrecta, se preencherão, mais
uma vez, com a papelada ensejada pelo nosso praxismo português..." (Idem).
Segundo
Dalmo de Abreu Dalari, "a súmula vinculante é péssima em termos de
evolução do Direito. Tenho um caso, parte da minha experiência pessoal, que é
muito ilustrativo da necessidade que nós temos da possibilidade de divergir,
que mostra como, através da jurisprudência – jurisprudência tímida do início –,
às vezes através de um voto divergente, se vai abrindo a possibilidade de uma
concepção nova, que acaba, no final, mudando toda a jurisprudência, pode mudar
até a legislação e mesmo a Constituição do país. O caso de que participei, como
advogado, é o seguinte: fui procurado por uma mulher modesta, e isso aconteceu
mais ou menos há 40 anos, e essa mulher tinha convivido com um operário durante
mais de 30 anos. E vivendo juntos, trabalhando, fizeram um patrimônio que
consistia em uma casa modesta que era o patrimônio do casal e onde eles
moravam. Quando morreu esse operário, sua companheira que vivia dentro da casa
e precisava da mesma porque era o que ela tinha como patrimônio, teve a
surpresa de ver aparecer uma antiga esposa de seu marido. Uma mulher que tinha
casado com ele e convivido durante menos de 2 anos e, depois disso, se
separaram. Mas, esta antiga esposa tinha se casado no cartório e, naquela
época, 40 anos atrás, a legislação brasileira não admitia a hipótese da
companheira e nem a jurisprudência permitia isso. Então, fui advogado dessa
mulher, companheira de mais de 30 anos, tentando fazer que se reconhecesse que
ela é que deveria ficar com a casa, porque na verdade ela tinha sido a
companheira constante, de muitos anos, e tinha colaborado para a compra da
mesma. E, no entanto, fui derrotado porque o juiz que julgou o caso entendeu
que a lei não amparava, de qualquer maneira, a minha cliente. E a
jurisprudência dos tribunais era terrível, porque quando se alegava direito de
companheira, os tribunais chamavam a companheira de concubina e diziam que era
imoral querer dar direitos à concubina. E há, mesmo, votos em que o relator
pergunta que serviços a concubina presta. Isso com insinuações maliciosas e
mesmo humilhantes, para a companheira. Casos como esse que acabo de relatar
foram se sucedendo. E, assim como eu, outros advogados foram recorrendo e houve
nos tribunais casos de obtenção de votos favoráveis. Quer dizer, no começo nós
não ganhamos, mas tivemos votos favoráveis. Eram votos divergentes. A partir
desses votos divergentes, foi havendo a adesão de outros desembargadores, de
outros juízes e, afinal, a jurisprudência se tornou dominante. Então, dessa
maneira, através da jurisprudência, se afirmou a necessidade, a justiça, de
reconhecer direitos à concubina. E isso, hoje, consta da legislação brasileira,
consta inclusive da Constituição. Mas começou com a jurisprudência divergente.
Então, por essa razão, a súmula vinculante é altamente maléfica. É uma fonte de
injustiças e de retardamento da evolução do Direito." (Matéria
"Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do
Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997).
Estêvão Mallet, afirma que "a
idéia de atribuir força vinculante às decisões de alguns tribunais [...] ganha
força no Brasil – é interessante notar – no exato momento em que começa a
perder prestígio no exterior..." (Matéria "Algumas linhas sobre o
tema das súmulas vinculantes" na Revista Consulex nº 11 de 30/11/1997).
Oportunos
os ensinamentos do ex-Ministro Lins e Silva, que afirma: "Faz mais de um
século e o assunto se tornou atual em face da anunciada reforma do Poder
Judiciário. Nos albores da República, um Juiz de Direito do Rio Grande do Sul
considerou inconstitucional e negou aplicação a uma lei estadual, que abolira
certas características essenciais à instituição do júri, como o voto secreto e
as recusas peremptórias, sem justificação das partes. Os desembargadores do
Tribunal de Justiça pensavam de modo contrário, entendiam que a lei era
constitucional e resolveram processar o juiz por crime de prevaricação,
condenando-o à pena de nove meses de suspensão do emprego. Rui Barbosa, autor
que parece não ser muito lido ou do agrado dos nossos neoliberais, tomou a
causa do magistrado, principiando por dizer que defendia também ‘dois elementos
que no seio das nações modernas constituem a alma e o nervo da liberdade: o
júri e a independência da magistratura’ (vide: Os Grandes Julgamentos do
Supremo Tribunal Federal, de Edgard Costa, 1º vol., págs. 68 a 70). À segunda
parte da defesa, Rui, com sutil ironia, deu o título de ‘novum crimen e o crime
de hermenêutica’, sustentando a tese da autonomia intelectual do juiz, para que
não se converta ‘em espelho inerte dos tribunais superiores’, quando a sua
existência seria ‘um curso intolerável de humilhações’. Havia duas opiniões, na
interpretação da lei, ambas proferidas ‘com a mesma sinceridade’. E Rui
sintetiza: ‘A questão, em última análise, se reduz, pois, a isto: um conflito
intelectual de duas hermenêuticas, falíveis ambas e ambas convencidas’. A
condenação do juiz resultava do ‘delito de interpretação inexata dos textos’, e
o Tribunal Superior não tem o dom da infalibilidade: ‘Um parecer subalterno
pode ter razão contra julgados supremos, um voto individual contra muitos’. A
controvérsia é o cerne dos debates judiciários, em qualquer causa, onde os
advogados sustentam posições antagônicas quanto ao direito das partes. Na
aplicação da mesma lei varia a opinião dos juízes. E nos tribunais, é freqüente
haver votos vencidos, isto é, interpretações diferentes. Rui ainda indaga qual
o corretivo a ser dado ao juiz quando o Tribunal reprova o erro da decisão
inferior: ‘A reforma da sentença? Ou a punição do juiz? Se, além da reforma da
sentença se houvesse de proceder a acusação do magistrado, uma jurisprudência
tal negaria à consciência do juiz singular os direitos que reconhecesse, no seu
próprio seio, a todos os seus membros’. A liberdade de julgar dos juízes e
tribunais inferiores, escritas em 1985, ecoam até hoje como uma advertência e
uma lição. O Supremo Tribunal Federal absolveu o juiz, mas não decidiu sobre a
inconstitucionalidade da lei em causa, porque mesmo se julgada constitucional,
teria havido erro na sua apreciação, mas não delito. O juiz voltou a
considerá-la inconstitucional e foi novamente processado e condenado pelo
tribunal local. Embora considerando a lei constitucional, o Supremo absolveu de
novo o magistrado, que mal a interpretou, mas não cometeu os crimes que lhe
foram atribuídos, ‘de desobediência, ou de falta de exação no cumprimento dos
deveres do cargo, o abuso de autoridade, ou prevaricação ou outro que se
averigúe segundo a prova de intenção do réu’. Esse episódio revela que a
tentativa de submeter os juízes à obediência, à submissão, às decisões dos
tribunais superiores, não é nova. Vem de longe, é um resíduo castilhista dos
começos da República. Que são as ‘súmulas vinculantes’ senão uma repetição
dessa força obrigatória que se quer dar às decisões sumuladas pelos tribunais
superiores? [...] Nunca se imaginou a possibilidade de conferir à Súmula o
poder vinculante ou de cumprimento obrigatório, imutável para o próprio tribunal
que a edita ou para as instâncias inferiores. Do contrário teríamos a
revivescência dos Assentos do Superior Tribunal de Justiça, na esteira dos
Assentos das Casas de Suplicação, considerados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal, desde a fundação da República. Súmula ‘vinculante’ seria um
novo nome para os velhos Assentos. O grande Ministro Pedro Lessa já
estigmatizara a figura do ‘juiz legislador’, não prevista ‘pelos que
organizaram e limitaram os nossos poderes políticos’. A Súmula é um valioso
instrumento, que pode ser invocado pelos advogados como elemento de persuasão,
mas não vincula nem mesmo os juízes de primeiro grau. Único sobrevivente dos
ministros presentes à sessão de sua criação, reivindico o conhecimento da sua
origem, da sua razão de ser, da sua finalidade e das suas limitações. Em nosso
sistema, a fonte primária do direito é sempre a lei, emanada do Poder
Legislativo, para isso eleito pelo povo diretamente. Os juízes não têm
legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou
esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar
como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei. O efeito
vinculante só se aplica às decisões do Supremo Tribunal Federal, em matéria
constitucional. Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal, a lei está fulminada, desaparece do ordenamento jurídico. A
competência dada ao Senado para suspender a execução no todo ou em parte da lei
declarada inconstitucional pelo Supremo é supérflua e excrescente, não tem
razão de ser e deve ser suprimida. A idéia das ‘súmulas vinculantes’ tem sua
origem em três passagens da Constituição portuguesa, condenadas, desde logo,
pela abalizada opinião de Canotilho, que observa: ‘Os assuntos autenticamente
interpretativos das normas legais são hoje inconstitucionais, porque são
verdadeira legislatio, violando o princípio da tipicidade das leis’. Mais do
que isso, ouvimos, agora, na XVI Conferência da OAB, em Fortaleza, do Dr. Júlio
de Castro Caldas, bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, que a ‘força
obrigatória’ de certos acórdãos foi suprimida da legislação portuguesa. Lá não
existem ‘decisões vinculantes’. Segundo as queixas dos eminentes magistrados
que compõem o STF e o STJ, o principal fator de obstrução do andamento dos seus
trabalhos é o imenso recebimento de feitos repetitivos. Foi justamente essa
abundância de causas iguais que inspirou a feitura das Súmulas. A Súmula
resolve com toda a rapidez os casos que sejam repetição de outros julgados, por
simples despacho de poucas palavras do relator. Faz muito tempo que o Supremo
não edita novas súmulas, talvez há mais de doze anos. A ausência de súmulas
retira do julgador o instrumento para solucionar, de imediato, o recurso interposto
ou a ação proposta. Por outro lado, os tribunais e juízes inferiores, que, de
regra e geralmente, utilizam as súmulas como fundamento de suas decisões, não
têm como se valer delas, inclusive para a celeridade de seus pronunciamentos. É
muito difícil, devem ser raríssimos os casos de rebeldia contra as súmulas. Ao
contrário, os juízes de segunda e primeira instâncias não apenas as respeitam,
mas as utilizam, como uma orientação que muito os ajuda em suas decisões. Todos
sentem falta das súmulas, que se tornaram instrumentos utilíssimos a todos os
juízes e aos advogados. Elas, na prática, já são quase vinculantes, pela
tendência natural dos juízes em acompanhar os julgados dos tribunais
superiores. Torná-las obrigatórias é que não me parece ortodoxo, do ponto de
vista da harmonia, independência e separação dos poderes. Todos os juízes devem
ter a independência para julgar de acordo com a sua consciência e o seu
convencimento, inclusive para divergir da Súmula e pleitear a sua revogação. As
minorias dos tribunais, se não concordassem com a maioria que estabeleceu a
Súmula, seriam rebeldes, teriam de calar-se, não poderiam mais lutar pela
defesa de suas posições. Amanhã, se um juiz decide contrariamente à Súmula,
acompanhando um ministro que foi minoritário na sua elaboração, poderia ser
punido por tal atitude? Penso que todos nós, como advogados e cidadãos, devemos
pôr a imaginação a funcionar, ajudando a debelar a crise do Poder Judiciário
para que este possa atender às necessidade e aos reclamos da sociedade.
Súmulas, sim, mas não vinculantes, e outras providências que dêem aos ministros
do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores os meios de tornar
possível e viável o seu funcionamento normal sem sacrifício dos seus juízes. A
solução surigirá e ela será encontrada, de modo a impedir o excesso de causas
que lhes são afetas em conseqüência da estrutura anacrônica do Poder
Judiciário, a partir de sua base. Os Juizados Especiais, agora criados, poderão
ser o embrião dessa reforma, tornando expeditas as soluções da maior parte das
questões contenciosas, sem sacrificar a cúpula do sistema. Novas súmulas
poderão atenuar de muito a aguda crise criada com repetitividade de questões
que estão entulhando as prateleiras e os gabinetes dos ministros do Supremo
Tribunal Federal e dos demais tribunais superiores." (Matéria "Crime
de hermenêutica e súmula vinculante" na Revista Consulex nº 5 de
31/5/1997).
Para José
Anchieta da Silva, "...razoável admitir que a nomeação de ministros para o
Supremo Tribunal Federal, em futuro próximo, se instalada a obrigatoriedade da
súmula vinculante, passará a contar com este componente político, valendo mais
ou valendo menos o currículo do candidato à indicação, de acordo com a sua
convicção pessoal, a favor ou contrário à admissão da súmula, circunstância que
deverá ser considerada de acordo com os interesses do governo da época, se mais
interessado ou se menos interessado na edição de tais súmulas de feito
vinculante amplo. A partir deste raciocínio parece-nos ainda razoável
admitir-se, se se estiver a editar as sempre surpreendentes medidas
provisórias, e se delas estiverem a resultar avalanches de súmulas contra os
interesses do governo, este próprio haverá de repudiar as súmulas, cuja
criação, está a sugerir, por agentes de vários de seus órgãos, em vários
escalões. Quem viver verá. Pelo menos num dos projetos legislativos onde
incluída está a proposta de criação da súmula de efeito vinculante, fala-se em
crime de responsabilidade para o magistrado que não respeitar os ditames do
efeito vinculante amplo em seus julgados. A questão merece ser enfocada sobre
vários e importantes aspectos. Um deles, no entanto, contém uma curiosidade que
nos impõe reflexão prévia. Se para a criação de uma súmula vinculante ampla necessário
será o voto de no mínimo dois terços dos ministros integrantes do Supremo
Tribunal Federal, é razoável imaginar que determinada súmula viria a ser
adotada como tal por, no mínimo, oito votos a favor contra três votos vencidos.
Neste caso, o juiz de qualquer instância ou tribunal que se dispusesse a ficar
contra a súmula assim estabelecida, estaria na companhia daqueles votos
minoritários, na hipótese adotada, em número de três. Qualificadíssima minoria
portanto. E então, seria crime pensar e decidir de acordo com a inteligência de
três coesos, embora vencidos votos de integrantes da excelsa e Suprema Corte? A
lógica do direito está a dizer, certamente, que não. dessa forma, casos
haveriam nos quais se teria cometido um inusitado ‘crime de responsabilidade’
(ou de hermenêutica), ao mesmo tempo em que se poderá estar ao lado de
confortáveis inteligências minoritárias do próprio Supremo Tribunal Federal. A
situação desenhada nada contém de quimérica, já que perfeitamente possível se
instalada a vinculação de julgados tal como está redigida e votada a proposta
no Congresso Nacional. Dessa forma, em casos como o apresentado, repita-se,
perfeitamente possíveis, aos magistrados caberá uma de duas opções, ambas
amargas e castradoras: ou submetem-se (os magistrados) à disciplina burra,
neste caso, contrariando o seu livre e pessoal convencimento como julgador, ou,
assume-se a prática de um crime de responsabilidade, ou de hermenêutica, ainda
que em boa companhia..." (Op. cit., págs. 26 a 28).
Pertinentes
também são os argumentos de Francisco Antônio de Oliveira, Juiz Togado do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, acerca da "...Medida
Provisória nº 1.570/97. O seu objetivo desenganadamente confessado é
neutralizar o julgamento da Suprema Corte, que concedeu aumento a onze
funcionários com suporte no princípio da isonomia. A iniciativa não se traduz
em novidade, uma vez que o Congresso Nacional registra precedente em que
legislou concedendo anistia a um senador, neutralizando assim decisão de tribunal
superior. Com a edição da Medida, pretende o Governo engessar o Poder
Judiciário, em especial os juízes de primeiro grau, retirando-lhes o
poder/dever de conceder a tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do CPC
sem a exigência de garantia real ou fidejussória, sempre ‘que houver
possibilidade de a pessoa jurídica de direito público requerida sofrer dano, em
virtude da concessão da liminar ou de qualquer outra medida de caráter
antecipatório’. Com isso, a medida estaria transferindo o dano para os
jurisdicionados num país que registra uma das menores rendas per capita do
mundo, transformando em elitista o direito de buscar a prestação jurisdicional.
Olvida que ‘o sistema jurídico tem de encontrar mecanismos idôneos para que
haja efetividade do direito ou de seu exercício, fazendo-o por meio de
liminares tout court, dos writs constitucionais e das medidas cautelares’
(Nery). Vale dizer que o juiz tem por dever de ofício buscar meios para
garantir o direito, a exemplo dos juízes anglo-americanos. A medida provisória
que até então era editada contra tudo agora também investe contra todos e busca
semelhança com o decreto-lei de índole ditatorial. Mas com uma diferença
estrutural: o decreto-lei projetava os seus efeitos desde o seu nascimento, não
necessitando ser reeditado. A medida provisória, quando não referendada pelo
Congresso Nacional, transforma-se no ‘nada jurídico’, não lançando nenhum
reflexo pretérito. A medida provisória traz em seu âmbito um fato inconteste.
Na primeira oportunidade em que foram sentidos os efeitos de uma ‘súmula
vinculante’, o Governo federal tratou de neutralizá-la. Ou será que a ‘súmula
vinculante’, de que se fala somente valeria para aqueles casos que não afetam o
Poder Público? Há um açodamento legiferante e um estrabismo na medida
provisória, no momento em que fala na ‘possibilidade de sofrer dano, em virtude
de concessão de liminar ou de qualquer outra medida de caráter antecipatório’.
Com vistas à liminar, a matéria está normatizada nos arts. 799 e 826 do CPC. E,
no que diz respeito à antecipação da tutela, a execução se alavanca em sede
provisória. A medida provisória é simplesmente ociosa. Ela também alterou a
redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, que cuida da ação civil pública, remédio
processual inspirado para a defesa dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, acrescentando ‘nos limites da competência territorial
do órgão prolator’. A nova redação se traduz em retrocesso quando pretende
circunscrever os efeitos da sentença à base territorial do juízo prolator,
dando aos interesses metaindividuais o mesmo tratamento dos direitos
individuais, cuidando de forma homogênea de cosias heterogêneas. Na prática,
isso significaria que haveria de ser proposta ação em cada comarca em que o
dano lançar seus efeitos deletérios, v.g., derramamento de petróleo no mar
territorial de Santos que lançasse seus efeitos deletérios por várias outras
cidades litorâneas. A medida provisória vem ungida do dom da multiplicação.
Oxalá o Congresso Nacional disso se aperceba e não a referende. Mas, se isso
não vier a acontecer, os tribunais poderão minimizar os efeitos prejudiciais
por meio dos seus regimentos internos, dando a competência funcional originária
aos tribunais, alargando, assim, a base territorial." (Matéria "O Planalto
e a Súmula Vinculante" da Revista Consulex nº 10 de 31/10/1997).
Outra
posição que merece destaque é a de Luiz Flávio Gomes, Juiz de Direito em São
Paulo, que afirma: "...muitos ministros, até do STF, com sinceridade,
acreditam que ela seria a solução para um dos maiores problemas do Judiciário:
o excesso de recursos. Não imaginavam, no entanto, certamente, que a sugestão
viria a se transformar, com o substitutivo do deputado Jairo Carneiro, que é o
atual Projeto de Reforma do Judiciário, na mais séria e ditatorial ameaça à
independência judicial, entendida não como privilégio pessoal ou defesa
corporativista, mas como eixo fundamental do estado constitucional e
democrático de direito. Por influência da nossa ‘memória histórica’ centralizadora,
autoritária e às vezes despótica, o citado substitutivo chega ao extremo de
prever que o juiz ‘rebelde’, ao descumprir a súmula, comete crime de
responsabilidade e pode perder o cargo. Já a emenda do Senador Ronaldo Cunha
Lima é vaga, sem limites, e, por isso mesmo, tendencialmente antidemocrática.
Aponta-se como fonte de inspiração dessas iniciativas legislativas que, se
prosperassem, colocariam o Brasil num patamar inusitado de surrealismo, o stare
decisis norte-americano (que decorreu do rule of precedent, típico da commom
law inglesa). Mas há um equívoco clamoroso na concepção do substitutivo, porque
naquele sistema não se impede que o juiz abandone o precedente, fixando regra
nova. A fonte direta das mencionadas propostas, na verdade, deve ser buscada em
sistemas jurídicos ‘fechados’, ‘orwellianos’. Pela sua literalidade, alcance e
sentido, está evidente que foi o art. 121 da Constituição cubana que lhes
serviu de modelo, sendo certo que Cuba é o único país latino-americano em que
os Tribunais Superiores ‘impartem instrucciones de caráter obligatorio’ para os
juízes inferiores, visando a impor (‘desde arriba’, obviamente) ‘una práctica
judicial uniforme en la interpretación y aplicación de la ley’. Não se discute,
como reiterada e enfaticamente vem proclamando o ínclito Ministro Sepúlveda
Pertence, que está havendo patente abuso na utilização dos recursos
extraordinário e especial (para o STF e STJ). Principalmente, por parte do
Poder Público, que é o grande responsável pela multiplicação de causas idênticas,
desde que ele mesmo instituiu a vergonhosa ‘mora judicialmente legalizada’ (uso
de recursos repetitivos para retardar, o mais possível, o pagamento dos seus
débitos judiciais). Urge a imediata solução dessa ‘crise recursal’, mas não é
preciso, para tanto, transformar o único Judiciário técnico-burocrático da
América Latina em modelo (um modelo que se caracteriza pela falta de
independência dos juízes, pelo método da cooptação, pela rígida hierarquia,
ferrenha subordinação, castração da liberdade de iniciativa, etc.). Desde que
uma brisa de democracia sopre neste país, de modo algum podemos aceitar as
súmulas vinculantes, porque: 01) Violam o princípio da independência judicial,
que deve ser entendida como independência de cada juiz, uti singuli, no
exercício da jurisdição, seja diante de poderes externos (ad extra), seja
diante de poderes internos (ad intra), particularmente superiores (CF, art.
2º); 02) Conflitam com o princípio da separação dos poderes (art. 2º e art. 60,
§ 4º, inc. III da CF), visto que o Judiciário não pode ditar regras gerais e
abstratas, com validade universal (non exemplis sed legibus judicatum est), por
lhe faltar legitimação democrática para tanto; 03) Fazem tábula rasa do
princípio da tipicidade das leis, assim como do juiz natural imparcial (que
inexiste nos sistemas de jurisprudência superior vinculante); 04) Iludem o
princípio do pluralismo político (art. 1º, inc. V), que é a base das várias
interpretações válidas do mesmo texto normativo; 05) Ofendem o princípio da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, inc. III), à medida que retiram do juiz o que existe
de essencial na atividade judicial, que é autodeterminação (tratar o juiz como
incapaz de se autodeterminar, aniquilando sua criatividade, resulta em ofensa à
sua dignidade). As súmulas dos Tribunais Superiores, uma vez aprovadas por
quorum qualificado (dois terços), em matérias criteriosamente selecionadas,
isto sim, podem e devem exercer o papel de ‘filtro’ dos recursos
extraordinários. Devemos abandonar a idéia da autoritária ‘vinculação’ e
trabalhar com um novo ‘système de filtrage’ (requisito de admissibilidade), no
sentido de que, quando a decisão recorrida (de segundo grau) dirimiu o conflito
de acordo com o enunciado de uma delas, não cabe recurso extraordinário ou especial.
Bastaria, para tanto, o acréscimo de dois novos parágrafos ao art. 102 da CF
(mutatis mutandis, também ao art. 105), mais ou menos nestes termos: 01) § 1º
Não será admitido ou não terá seguimento o recurso extraordinário interposto
contra a decisão que tem como fundamento principal ou que dirimiu o conflito de
acordo com súmula do Supremo Tribunal Federal, aprovada por dois terços dos
seus membros, depois de reiteradas decisões no mesmo sentido, sobre matéria
constitucional-previdenciária, acidentária, tributária e econômica; 02) § 2º
Não se compreende na proibição do parágrafo anterior o recurso que apresentar
fundamentação jurídica razoável ainda não apreciada pelo Tribunal. A proposta
em questão tem aptidão para resolver mais racionalmente o problema dos recursos
repetitivos, conserva a liberdade do juiz de julgar o caso conforme sua
consciência e o Direito, preserva sua independência e imparcialidade, evita o
‘congelamento’ da jurisprudência, afasta o autoritarismo, confere relevância
ímpar ao princípio da igualdade (que é fonte de legitimação, economia,
celeridade, estabilidade, segurança jurídica e confiança na Justiça), impede o
seguimento de recurso idêntico, contribui para o ‘descongestionamento’ dos
Tribunais Superiores. Além disso, a solução não quebra a tradição do nosso
direito, aproximando-o, salutarmente, do stare decisis (rule of precedent), até
onde a Constituição brasileira e especialmente o princípio da igualdade
permitem e aconselham, atende ao princípio do duplo grau de jurisdição,
respeita a separação dos Poderes e, sobretudo, impede a verticalização do
Judiciário brasileiro que, ao lado do de Cuba, seria o único entre países
latino-americanos em que a jurisprudência superior passa a ser ‘instrução de
caráter obrigatório’, em nome de ‘uma prática judicial uniforme na
interpretação e aplicação da lei’. A luta histórica de Edward Coke, no século
17, pela supremacia da lei e contra a ditadura monárquica inglesa, poderia
servir de exemplo para nossa irresignação. O caminho jurídico para tanto,
corajosamente desfraldado pelo ‘Justice Marshall’, em 1803, é a descentralizada
e democrática ‘judicial review’ (possibilidade de qualquer juiz de controlar
difusamente a constitucionalidade das leis e das emendas constitucionais).
Estão pretendendo levar os juízes ao banco dos réus por causa de um ‘novo
crime’, batizado por Rui Barbosa de ‘crime de hermenêutica’. Em pleno terceiro
milênio desejam que o pensamento jurídico volte ao tempo das Ordenações. Em vez
de progresso, o retrocesso." (Matéria "Súmula Vinculante e
Independência Judicial" na Revista Consulex nº 8 de 31/8/1997).
Porém, a mais acertada e perturbadora posição é a assumida por João Baptista Herkenhoff, para quem "querem fechar o Judiciário aos avanços, ao novo, ao desafio de criar; querem podar toda e qualquer tentativa de prática de um Direito mais aberto e mais crítico. Mas tais súmulas vinculantes vão também amordaçar as lutas populares na direção da crescente e dialética ampliação dos direitos humanos. Já temos as súmulas não vinculantes e estas prestam serviço ao Direito. Constituem indicativos para os juizes que, em muitas hipóteses, se servem delas nos seus julgamentos. Bem diferentes serão as súmulas vinculantes, porque retirarão dos juizes parte substancial de seu papel social, em nome de uma eficiência a qualquer custo, mesmo que o preço seja a estagnação do Direito [...] E observe-se que as súmulas são elaboradas pelas cúpulas judiciárias, por tribunais compostos por ministros escolhidos pelo crivo de critérios políticos nem sempre éticos. Os juizes inferiores são pelo menos escolhidos por meio de concurso público. E, freqüentemente, é da primeira instância, é dos juizes de primeiro grau que parte o grito pela renovação do Direito, pela ampliação das franquias, pela aproximação entre Justiça e Povo." (Justiça, Direito do povo, págs. 36 e 37).
Posição esta com a qual concorda Sérgio Sérvulo da Cunha
quando afirma que "o chamado ‘efeito vinculante’, portanto, do ponto de
vista hermenêutico, não faz mais do que fazem hoje as súmulas: restringe o
universo interpretativo aberto às partes e aos juízes, que ficam referenciados
por aquela interpretação superior e prévia. Há uma diferença teoricamente
relevante entre essas figuras, na concepção, que o efeito vinculante pressupõe,
sobre a natureza do Direito. São pertinentes as considerações de Castanheira
Neves a propósito dos assentos: ‘Os assentos significam, pois, um legalismo de
segundo grau ou elevado a segunda potência’. Seu sentido normativo ‘está
vinculado a uma concepção do direito - à concepção que dele hoje havemos de
reconhecer como válida. O direito não pode ser já validamente pensado sem uma
intenção de normatividade material (de ‘justiça material’), a exigir uma sua
[sic] realização e constituição histórico-concretas. A normatividade material
de um sistema jurídico intencionalmente aberto e de uma ordem jurídica
constitutivamente dinâmica, aliás, aquela que unicamente pode corresponder ao
atual Estado de Direito material’ [...] Todavia, a sua diferença prática, de
natureza política, é apontada pelo mesmo autor: ‘Não obstante a lei, tiveram-se
por necessários os assentos: é que com estes não se pretendeu inserir no
sistema mais um tipo de normas que houvesse de sofrer o mesmo destino dogmática
e metodologicamente jurídico de quaisquer outras normas do sistema, e sim impor
antes um instrumento que pusesse termo à liberdade ou independência dogmática e
metodológica de que as outras normas se mostravam objeto e são suscetíveis’
[...] Em outras palavras, o que se pretendeu com os assentos foi cercear a
independência jurisdicional concreta. O efeito vinculante funciona plenamente -
como bem tinham percebido os autores do pacote de abril - quando acoplado à
avocatória. Esta sinaliza previamente a todo o corpo da magistratura: o juiz
divergente poderá ser privado da sua jurisdição. Completa-se assim o cerco
mecânico do judiciário, em que todo o corpo se transforma em obediente
instrumento da cúpula" (Op. cit., págs. 134 e 135), concluindo mais à
frente que, "no julgamento dos casos do seu interesse, o governo não quer
submeter-se à competição judiciária e à mesma demora a que estão sujeitos os
particulares. A adoção do efeito vinculante, ao modo como vem sendo proposta,
completa aquilo que já se delineou no ordenamento e na prática: a instituição
anti-republicana de dois judiciários, um para o governo, outro para o homem
comum; um eficiente, pronto e rápido; o outro lento, moroso e
inadimplente." (Idem, pág. 140).
Concorda
também, com tais argumentos, Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira, quando
afirma que "é certo que a ordem jurídica deve proporcionar aos julgados da
Corte Suprema e do Superior Tribunal de Justiça maior eficácia do que às
decisões de tribunais de menor hierarquia. No entanto, o efeito vinculante de
suas decisões sumuladas não pode ser aceito, se causar paralisia no desenvolvimento
de nosso direito e das letras jurídicas do país. Muitos de nossos juristas,
inspirados em ânimo nobre, mas equivocados quanto às conseqüências que
decorrerão da nova sistemática, apoiam a introdução de um sistema de vinculação
dos julgados às súmulas, sob o argumento meramente utilitarista de acelerar a
prestação jurisdicional. A grande maioria dos favoráveis ao poder vinculante
das súmulas, no entanto, nada mais pretende do que tolher a evolução da ordem
jurídica e da própria instituição judicial, inspirados por posições
ideologicamente conservadoras. Na verdade, buscam impedir o desejável
desenvolvimento da atual fase evolutiva de nosso direito, nascida com a
promulgação da Carta Constitucional de 1988, inspirada pelo inderrogável
princípio do primado dos direitos individuais. Os favoráveis ao efeito
vinculante das súmulas certamente são os mesmos que se demonstram contrários à
inquietação das inteligências críticas." (Artigo "As súmulas e o
efeito vinculante" in Dominus Cd-Rom Jurídico, julho-agosto de 2001).
Outra
posição que merece destaque é a do promotor Evaldo Borges Rodrigues da Costa,
que lembra, de maneira lúcida que "a necessária e aspirada reforma do
Poder Judiciário não é aquela organizacional ou estrutural a que se referem os
artigos 92 e seguintes da Constituição Federal, que tocam diretamente aos
órgãos da Justiça, mas sim a atinente ao artigo 22, inciso I, daquela Carta,
que diz respeito às próprias normas do processo, do procedimento, ao modo pelo
qual ele anda, tramita, podendo torná-lo mais célere, ágil, rápido, de sorte
que as normas processuais, que são normas de garantia das partes no processo,
efetivamente agasalhem e tutelem os direitos do cidadão em Juízo. Nesse
sentido, quando se fala em reforma do Judiciário, na verdade está-se falando em
reformulação do processo, de modo que a prestação da tutela jurisdicional seja
a entrega de um serviço de resultados positivos, dada a importância de tal
função, favorecendo-se não só necessariamente a quem ganha a causa, como também
a quem perde a demanda, que tem possibilidade de ver a lide novamente julgada
em grau de recurso, ou então simplesmente aceitar o julgado, definindo-se, pelo
menos, a situação jurídica concreta posta em juízo, que ninguém quer ver
eternizada. [...] Por quantas vezes as fórmulas sacramentais do processo, nas
denúncias, em alegações finais, memoriais, razões e contra-razões recursais, as
fases do procedimento em geral, os prazos, obrigam os profissionais do Direito
a repetir exaustivamente os mesmos fatos e razões jurídicas, nas primeiras e
nas demais instâncias, num sem-número de atividades e fases sem fim, enquanto a
sociedade, distante, desconhece o que se faz no íntimo do foro e do processo,
assistindo aos seus direitos se arrastarem incompreensivelmente pelos anos, ora
pensando-se que não se trabalha seriamente na Justiça, ora justificando tal
demora na corrupção dos que laboram na liça forense diária. Uma de tais medidas
usurpadoras do Direito é a denominada Súmula Vinculante, que se pretende implementar
nos julgados da mais alta Corte de Justiça do País, no Supremo Tribunal
Federal, em determinadas matérias, ao argumento de se agilizar a Justiça
naquela instância, e também nas inferiores. Talvez, o maior prejuízo de tal
Súmula Vinculante seja o de hierarquizar o Poder Judiciário entre os
magistrados, extrapolando o âmbito administrativo de tal poder, no qual a
hierarquia é admissível, para incursionar-se nas decisões jurisdicionais de
mérito dos membros do Poder Judiciário, cassando in limine, por assim dizer, a
independência e a autonomia do juiz ao julgar, pois, estaria ele atrelado às
decisões superiores sumuladas, quase que obrigando-o a assinar em X
determinadas matérias. Por conseqüência, não tardaria o surgimento de outras
‘figuras processuais’, tais como as ‘Liminares Vinculantes’ e os ‘Acórdãos
Vinculantes’, que, baseados unicamente nas ‘Súmulas Vinculantes’, fariam os
Tribunais Superiores do País ditar o direito aplicável aos juízes, e também às
partes, até agora ignoradas na nova fórmula, em flagrante afronta ao princípio
constitucional da legalidade, conforme o qual ‘ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, inc. II, da
CF), e principalmente, o juiz, não se podendo olvidar também da existência das
partes, porque como se sabe, o ordenamento jurídico não é norma, mas ‘conjunto
de normas’ que integram um sistema normativo, tal como leciona e lembra Bobbio,
na sua Teoria do Ordenamento Jurídico, 4a edição, Editora Universidade de
Brasília, 1994, páginas 31/71 e seguintes. Assim, com o possível aparecimento
das Súmulas Vinculantes, surgiriam as sentenças absolutamente vinculadas.
Haveria, em suma, um forte desequilíbrio das partes e do próprio juiz no
processo, como se restasse suprimido o primeiro grau de jurisdição. As partes,
por outro lado, poderiam convir em não ajuizar ação alguma ante a existência de
matéria jurídica indiscutível por ser constante de Súmula Vinculante, porque
não se pode amesquinhar a inteligência das partes nesse procedimento, que são,
aliás, as principais interessadas na lide, resultando daí o afastamento do
Poder Judiciário na solução da controvérsia, impedindo-o de analisar lesão ou
ameaça de lesão a direito, que lhe caberia, por disposição Constitucional,
julgar (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Com isso, ficaria afastada a necessária
segurança e estabilidade das decisões judiciais, que produzem coisa julgada
como garantia das partes no processo. Seria, sem dúvida, um retrocesso no tempo
e no espaço na história da jurisdição. É que, olhando-se para a frente, para a
evolução do Direito contemporâneo, para a abertura do ordenamento jurídico,
outra conclusão forçosamente se há de conquistar. Se efeito vinculante de
qualquer decisão haja de se produzir, é necessário que seja no amplo aspecto
das pretensões ajuizadas em nome dos denominados ‘interesses difusos e
coletivos’, estes sim, respectivamente, de alcance de um número indeterminado
de pessoas, visando a um bem jurídico indivisível, ou de um grupo de pessoas,
que tem por metas bens divisíveis, cujos interesses sejam comuns, sob o ponto
de vista social e jurídico, hipóteses em que as ações idênticas ajuizadas
deveriam ser repelidas por litispendência, pois os efeitos da primeira ação, a
par de tornar prevento o Juízo e o tribunal respectivo, teria refletidos os
seus efeitos jurídicos a cada situação jurídica concreta e idêntica. Assim,
vinculante seria a pretensão deduzida em Juízo, e não a Súmula, que é o aspecto
puramente formal do ato, assim como a Liminar e o Acórdão. Disso resulta que o
Supremo Tribunal Federal, não necessita recorrer à lei, à guisa de fonte do
Direito, ou ao Poder legiferante, para implementar o reconhecimento do efeito
vinculante das suas decisões, mas sim, poderá buscá-la na sua própria fonte
jurisprudencial, na hipótese em que o Pleno assim declare o Direito, em face da
natureza jurídica do interesse coletivo e/ou difuso, tornando vigente e eficaz
a decisão vinculante, que se espraiaria como coisa definitivamente julgada para
todas as instâncias e Juízos, sob o aspecto formal e material, impedindo-se a
repetição das ações em Juízo. A solução e o término dos processos idênticos, na
Justiça, estão na jurisprudência, e não, diretamente, na lei hermética e
fechada. Está na correta interpretação do Direito. Já se disse com propriedade
que, por mais brilhante que seja a inteligência sumular vinculante, por se
referir a aspecto formal compulsório de aplicação do Direito, não faria bem à
saúde democrática do Estado, no aspecto da tradicional separação, independência
e harmonia entre os Poderes da República."( Matéria "Súmula
vinculante e interesses difusos" na Resvista Consulex nº 34 de
31/10/1999).
Como
contra-argumento àqueles que são favoráveis a adoção desta medida, na tentativa
de se evitar e diminuir o acúmulo de processos nas instâncias superiores,
pertinente é o argumento de Ronaldo Poletti, segundo o qual "...não se
deve, todavia, deixar de considerar que a medida é mero paliativo. O acúmulo
que se evitaria decorre, em grande parte, da insistência descabida do próprio
Governo, o qual, mesmo convencido da orientação jurisprudencial, na maioria dos
casos, resiste e recorre para ganhar tempo, escorado em um decreto do
ex-presidente Geisel que proíbe a extensão de decisões judiciais, entre partes,
a toda a Administração. Trata-se de uma falácia. O decreto existe para evitar
evidente corrupção visando a beneficiar funcionários, quando houver mera
decisão isolada, fundada em tese ainda não consolidada..." (Matéria
"Reforma da Justiça" na Revista Consulex nº 12 de 31/12/1997).
Também
Estêvão Mallet entende que os argumentos favoráveis à adoção da súmula de
efeito vinculante, no sentido de se evitar o acumulo de processos nas
instâncias superiores, não convencem, pois, segundo ele, "...o certo é que
a decisão judicial genericamente obrigatória nem mesmo resolve o problema da
morosidade da Justiça. No Direito do trabalho houve, até o início da década de
oitenta, decisões que tinham de ser respeitadas genericamente por todos os
juízes e nem por isso o processo trabalhista era modelo de eficiência e
rapidez. O que torna morosa a Justiça, essencialmente, é o grande número de
processos, para os quais não há juízes em proporção adequada. Para que se tenha
idéia da magnitude desse número, basta dizer que, segundo dados fornecidos pelo
Tribunal Superior do Trabalho, só no ano passado foram propostas, nos juízos
trabalhistas de primeiro grau, quase dois milhões de novas ações. A súmula
vinculante, no entanto, não enfrenta a causa desse problema, como o faz, por
exemplo, a arbitragem. Diante de tudo isso, não se afigura exagerado dizer que
a proposta recentemente aprovada pelo Senado Federal, de criação de súmulas
vinculantes, sobre ser de legitimidade questionável e estar em descompasso com
a tendência verificada em outros países, traz mais problemas do que soluções.
Prova que estava certo o grande jurista brasileiro ao afirmar que entre nós
‘muito se legislou e legisla para se retocar; pouco para se resolverem
problemas’ (Pontes de Miranda)." (Matéria "Algumas linhas sobre o
tema das súmulas vinculantes" na Revista Consulex nº 11 de 30/11/1997).
Bastante
completa, e pertinente, é também a posição adotada por Djanira Maria Radamés de
Sá, que funda-se no princípio geral de direito do Due process of law, que,
segundo a autora encerra "...a garantia de um processo justo, não bastando
tenha o cidadão direito a ele, sendo também imperiosa a absoluta regularidade
do processo, com atendimento de todos os seus corolários. Esse, então, é o
processo basilar, do qual derivam todos os demais que ensejam a garantia de um
processo e de uma sentença justos. [...] Em resumo, o princípio do devido legal
significa a garantia de participação dos sujeitos da lide na sua composição
(através de outras garantias) e do Estado, no exercício de seu poder coativo de
composição das lides." (Op. cit. pág. 103). Continua a mesma autora,
explicando que "uma das manifestações da dimensão processual do princípio
do due process of law, o acesso à justiça é, segundo Mauro Cappelletti ‘...a
mais importante expressão de uma radical transformação do pensamento jurídico e
das reformas normativas e institucionais’ [...] Cabendo ao Poder Judiciário a
exclusividade, pelo menos em regra, da função de proteção à ordem jurídica, é
nele que devem se socorrer os cidadãos cujos direitos tenham sido lesados ou
ameaçãdos, em busca da justa e necessária recomposição. Sem essa atuação, os
direitos restariam abstratamente reconhecidos pela lei, mas não concretamente
protegidos pela sentença, deixando de se efetivar o ordenamento. Estariam
proclamados, mas não garantidos. Não se pode falar em Estado Democrático de
Direito na ausência da possibilidade de provocação da tutela jurisdicional pelo
cidadão. [...] Qualquer obstáculo que se oponha à realização dos direitos
abstratamente protegidos ou à resolução dos litígios importa em
inacessibilidade do cidadão à justiça e, portanto, em transgressão à ordem
jurídico-constitucional que, seguindo tendência mundial, privilegia os meios de
acesso do cidadão à obtenção da tutela jurisdicional, seja ampliado
significativamente a legitimação para a defesa dos interesse [sic] de massa,
seja prevendo a criação de mecanismos facilitadores e simplificadores da
atividade jurisdicional. A vinculação dos órgãos julgadores submetidos à
jurisdição dos tribunais editores de súmulas constitui, sem dúvida, obstáculo
interposto entre o cidadão e a justiça, posto que, definida a tese, passam a
submeter-se-lhes as questões com ela identificadas. Na prática, isso significa
que é inútil buscar a rediscussão do tema, acabando o cidadão por deixar de
levar à apreciação do Judiciário os fatos que a ele se reportem. A existência
de súmula vinculante agride, assim, o postulado do acesso à justiça, porque
inviabiliza a possibilidade de manifestação do Judiciário sobre casos in
concreto."[sic] (Op. cit., págs. 104 e 105). Não é só, continua ainda a
autora afirmando que "quando a Constituição define, em seu artigo 5º XXXV,
que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito’, ela garante a necessária tutela estatal aos conflitos ocorrentes na
vida em sociedade [...] O que aqui se contempla é o direito de ação, direito
público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado, que se caracteriza
pelo interesse processual, pela necessidade da tutela jurisdicional para
reparação de um direito violado [...] Sem dúvida alguma, o direito de ação, que
é direito à efetiva prestação jurisdicional, e o acesso à justiça são as
vigas-mestras do due process of law. Se é certo que a súmula vinculante torna
inacessível a justiça ao cidadão, não menos certo é que inviabiliza o exercício
do direito de ação, isto porque a previsão legal torna impeditiva a apreciação
da causa pelo órgão jurisdicional competente para seu julgamento..."[sic]
(Op. cit., págs. 105 e 106). Adiante, lembra, ainda que "garante o
princípio insculpido no artigo 93, IX, da Constituição Federal, a
inviolabilidade dos direitos em face do arbítrio, posto que os órgãos
jurisdicionais têm que motivar, sob pena de nulidade, o dispositivo contido na
sentença. É exigência, portanto, do Estado de Direito [...] Motivar as decisões
significa fundamentá-las, explicitar as razões de fato e de direito que
implicam o convencimento do juiz. Toda e qualquer decisão judicial deve ser
fundamentada, acarretando a falta a nulidade do ato processual. Não se isentam
da obrigatoriedade nem mesmo as sentenças de indeferimento e as que extinguem o
processo sem julgamento de mérito. [...] Não basta à fundamentação, lembra
Nelson Nery Júnior, que seja meramente formal, sendo ínsita à sua essência que
seja substancial, isto é, que o juiz analise as questões deduzidas
‘exteriorizando a base fundamental de sua decisão’. Serão apenas formais as
fundamentações vinculantes, porque ao juiz submetido à sua força só restará a
subsunção dos fatos à norma posta pelo tribunal, a aplicação mecânica de
decisão previamente tida como a única possível porque, repita-se, se o
magistrado ousar discordar da súmula, poderá ver cassada sua decisão, o que
torna inócuo qualquer esforço interpretativo no sentido de adequação dos fatos
concretos à norma legal vista sob a perspectiva do momento de sua
aplicação."[sic] (Op. cit., págs. 106 e 107). Por fim, a autora lembra,
também, do duplo grau de jurisdição, afirmando que "a fim de garantir a
justiça das decisões, diminuindo a margem de erro, as sentenças proferidas por
um órgão jurisdicional podem ser revistas por outro, hierarquicamente superior.
O princípio, todavia, não constitui garantia constitucional, posto que somente
a Carta Política de 1824 sobre ele dispunha expressamente [...] Pelo princípio,
são admitidas duas decisões válidas e completas, proferidas por juízes
diferentes, prevalecendo sempre a segunda sobre a primeira [...] Uma vez
definida tese jurídica em súmula com efeito vinculante, a reapreciação da
sentença ditada em caso concreto tenderá, pelos mesmos motivos já expendidos, a
ser impossibilitada. De fato, de nada adianta ao cidadão buscar a instância
recursal se já conhece, previamente, o resultado que esta se encontra obrigada
a expressar. Conspira a situação, então, para que seja desatendido o princípio
do duplo grau de jurisdição, garantidor da possibilidade que tem o cidadão de
ter revista, por outro órgão jurisdicional, a decisão proferida em instância de
competência originária." (Op. cit., págs. 107 e 108).
José
Anchieta da Silva afirma que "aqueles que se colocam contra adoção da
medida entendem, e com razão, que, partindo-se de tal argumentação sedimentada
numa realidade que não pode ser negada, [dados estatísticos sobre o
extraordinário volume de processos] se está atacando os efeitos de uma crise
instaurada mas não se está atacando a causa. A adoção [...] da súmula de efeito
vinculante amplo será um ponto descolorido sobre os termos de uma constituição
alvissareiramente chamada de constituição cidadã." (Op. cit., pág. 29).
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4.0 - Da Inconstitucionalidade do Efeito Vinculante
A partir
de agora, passa-se à análise da inconstitucionalidade da adoção do efeito
vinculante no Direito brasileiro.
Serão
abordados, como fontes desta inconstitucionalidade, os princípios do Devido
Processo Legal, do Livre Convencimento do Juiz, do Duplo Grau de Jurisdição, da
Obrigatoriedade de Fundamentação de toda decisão judicial, além do princípio da
divisão e harmonia dos Três Poderes; todos garantidos pela Constituição Federal
de 1988, e que, conforme será demonstrado, seriam desrespeitados na eventualidade
da adoção das súmulas vinculantes.
4.1 - Do
Devido Processo Legal
4.1.1 -
Conceito
Como
devido processo legal, ou due process of law, deve ser entendido: "...o
conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o
exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são
indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem
apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes
e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a
salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator
legitimante do exercício da jurisdição." (Antônio Carlos de Araújo Cintra,
Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 82).
Quanto ao
conteúdo deste princípio, podemos elencar o contraditório, a ampla defesa, a
igualdade processual, a publicidade, o dever de motivar as decisões judiciais,
a inadmissão de provas obtidas por meios ilícitos, além de outros aplicáveis,
mais especificamente, ao processo penal. (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., págs. 82 a 85).
A maioria
destes sub-princípios decorrentes do princípio do devido processo legal (os que
se contrapõem à adoção do efeito vinculante), por serem considerados como
princípios autônomos, serão analisados à seguir, separadamente.
4.1.2 -
Da súmula vinculante e o devido processo legal
O efeito
vinculante não se amolda à um sistema jurídico que vise garantir o devido
processo legal, como ocorre no Brasil (CF/88, art. 5º, incisos LIII, LIV, LV,
LVI, além de outros), pois, conforme argumenta José Anchieta da Silva, o efeito
vinculante "...é uma extensão da coisa julgada para além da lide singular.
A afirmação contém em si, em termos científicos, uma heresia mas, na prática,
este será o efeito do tal efeito vinculante amplo pretendido. E isto é
conspirar contra o conceito mesmo da coisa julgada, em todas as latitudes. O
mesmo Sérgio Sérvulo da Cunha [...] lembra que ‘os efeitos dessa decisão,
porém, são circunscritos àqueles que puderam expor suas razões em juízo, fazer
provas, debater o Direito e os fatos e recorrer das decisões contrárias [...] É
impossível, em face desse direito fundamental, proferir-se decisão judicial
cuja execução alcance quem não foi litigante, quem não teve a oportunidade de
se defender, fazer prova, expor suas razões, discutir o fato e o Direito. [...]
A força obrigatória (efeito vinculante) das decisões judiciais, o alcance
executório da coisa julgada, restringe-se, portanto, aos que foram parte no
respectivo processo.’ [...] Tais e pertinentes conclusões vêm secundada pela
invocação do texto constitucional, exatamente no que ele contém de mais
eloqüente, em torno das inderrogáveis prerrogativas de cidadania, segundo a
qual aos litigantes e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, (art. 5º, inciso LV da
Carta Política) e, segundo a qual a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV, do mesmo texto
constitucional)." (Op. cit., págs. 48 a 50).
4.2 - Do
Livre Convencimento do Juiz
4.2.1 -
Conceito
Também (e
mais acertadamente) chamado de princípio da persuasão racional do juiz, "tal
princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos,
indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção..." (Antônio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, op.
cit., pág. 67).
Decorre deste princípio que "...o
juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non
est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende de critérios
legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos
existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e
racionais..." (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 68).
Este
princípio indica, também, independência do juiz em relação aos Tribunais
Superiores, estando diretamente ligado à garantia de independência dos juízes,
"...a qual retira o magistrado de qualquer subordinação hierárquica no
desempenho de suas atividades funcionais; o juiz subordina-se somente à lei,
sendo inteiramente livre na formação de seu convencimento e na observância dos
ditames de sua consciência." (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 161).
Apesar de
não estar expressamente garantido pela Constituição Federal de 1988, este
princípio está intimamente ligado ao princípio do devido processo legal
(analisado acima - item 4.1), e ao princípio da obrigatoriedade de motivação
das decisões judiciais (analisado mais adiante - item 4.4).
4.2.2 -
Da súmula vinculante e o livre convencimento do juiz
Nota-se,
facilmente, que a garantia ao livre convencimento do juiz é impraticável em
face ao efeito vinculante, uma vez que, caso seja adotado este efeito vinculativo
das súmulas dos tribunais, o juiz, mesmo que convencido do contrário, deverá
decidir a lide da forma que foi previamente estabelecido pelos Tribunais
Superiores, estando vinculado à decisão sumulada.
Tão
gritante é a impossibilidade da garantia do livre convencimento do juiz frente
ao efeito vinculante que maiores argumentações tornam-se desnecessárias.
4.3 - Do
Duplo Grau de Jurisdição
4.3.1 -
Conceito
"Esse princípio indica a possibilidade
de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro
grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior.
Garante, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da ‘jurisdição
superior’, ou de segundo grau (também denominada de segunda instância)."
(Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, op. cit., pág. 73).
Este
princípio do duplo grau de jurisdição "...funda-se na possibilidade de a
decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de
permitir sua reforma em grau de recurso [...] é mais conveniente dar ao vencido
uma oportunidade para reexame da sentença com a qual não se conformou [...] mas
o principal fundamento para a manutenção do princípio do duplo grau é de
natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários
controles..." (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 74).
"Em
princípio só se efetiva o duplo grau de jurisdição se e quando o vencido
apresentar recurso contra a decisão de primeiro grau: ou seja, há necessidade
de nova provocação do órgão jurisdicional, por parte de quem foi desfavorecido
pela decisão..." (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover
e Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 75).
Este
princípio é previsto pela Constituição Federal na parte final do inciso LV do
artigo 5º.
4.3.2 -
Da súmula vinculante e o duplo grau de jurisdição
Aqui
também é facilmente notada a desarmonia que existiria entre o princípio do
duplo grau de jurisdição e o efeito vinculante das súmulas, uma vez que seria
desnecessário (ou inútil) o recurso interposto pela parte desfavorecida pela
sentença, pois a decisão final do Tribunal já seria previamente conhecida.
O absurdo
que poderia ocorrer é tão grande que não é possível encontrar argumentos
favoráveis à adoção do efeito vinculante.
O que
poderia ocorrer, por exemplo, seria um caso onde a parte pleiteasse em juízo um
determinado direito e que tivesse uma sentença onde o juiz, apesar de não
convencido pela súmula de efeito vinculante, julgasse a ação contrariamente ao
esperado pela parte (e desejado pelo juiz), e que após recurso ao Tribunal
imediatamente superior, o processo teria fim com um simples despacho do
relator, onde este afirmaria apenas que tal recurso é contrário à decisão já
proferida pelo STF, inviabilizando, por completo, o duplo grau de jurisdição;
pois, como no caso hipotético, as provas do processo (que foram capazes de
convencer o juiz de primeira instância, mas que apesar disso foi obrigado a
julgar segundo a súmula) não seriam sequer analisadas para possível alteração
da súmula vinculativa.
4.4 - Da
Obrigatoriedade da Fundamentação da Decisão Judicial
4.4.1 -
Conceito
"Na
linha de pensamento tradicional a motivação das decisões judiciais era vista
como garantia das partes, com vistas à possibilidade de sua impugnação para
efeito de reforma. era só por isso que as leis processuais comumente
asseguravam a necessidade de motivação [...] mais modernamente, foi sendo
salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos
destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual
recurso, mas quisquis de populo, com a finalidade de aferir-se em concreto a
imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões" (Antônio Carlos
de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, op. cit.,
pág. 68).
Tal
princípio é previsto pelo inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, que
prevê a nulidade para toda e qualquer decisão judicial que não esteja
devidamente fundamentada.
4.4.2 -
Da súmula vinculante e a obrigatoriedade da fundamentação de todas as decisões
judiciais
Aqui
também é nítido descompasso entre a fundamentação das decisões e o efeito
vinculante das súmulas, uma vez que seria possível que uma decisão fosse
fundamentada apenas de maneira formal, indicando simplesmente que a súmula de
determinado Tribunal é no sentido da decisão, chegando, ao extremo nem se
analisar as provas do processo, ou quem sabe, até mesmo de se decidir pela
improcedência da ação quando do despacho inicial do processo, impossibilitando
o acesso à justiça (outro princípio garantido pela Constituição Federal de 1988
- analisado a seguir, no item 4.5).
4.5 - Do
Acesso à Justiça
4.5.1 -
Conceito
"Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja
quando simplesmente um pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia
satisfazê-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução
que faça justiça a ambos os participntes do conflito e do processo. Por isso é
que se diz que o processo deve ser manipulado de modo a proporcionar às partes
o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina
brasileira recente, em ‘acesso à ordem jurídica justa’. Acesso à justiça não se
identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso
em juízo..."[sic] (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover
e Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 33).
Contudo,
neste estudo, cumpre analisar somente os aspectos da admissão ao processo, ou
ingresso em juízo, onde deve-se buscar efetivar a possibilidade jurídica do
interessado à ingressar em juízo, e, mais que isso, analisar sua pretensão; ou
do acesso à decisões justas, onde "...o juiz deve pautar-se pelo critério
de justiça, seja (a) ao apreciar a prova, (b) ao enquadrar os fatos em normas e
categorias jurídicas ou (c) ao interpretar os textos de direito
positivo..." (Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., pág. 35).
Tal
garantia está expressa na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso
XXXIV, alínea "a", e, mais especificamente, no inciso XXXV do mesmo
artigo.
4.5.2 -
Da súmula vinculante e a supervalorização do Poder Judiciário
Como
visto o item 4.4.2, sobre a obrigatoriedade de fundamentação das decisões
judiciais, podem ocorrer casos onde o juiz, no despacho inicial do processo,
recuse receber a petição inicial sob o argumento de que tal pedido contraria
determinada súmula de determinado Tribunal. Existe maior negação de acesso à
justiça que este (não se chegar nem mesmo a dar início ao processo, ou por
outro lado, não se chegar a analisar o pedido e as provas)?
4.6 - Da
Supervalorização do Poder Judiciário
4.6.1 - Conceito
Como é
expressamente afirmado pelo artigo 2º da Constituição Federal de 1988,
"são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o executivo e o Judiciário."
Trata-se
da consagração constitucional do princípio da Separação dos Poderes de
Montesquieu.
4.6.2 -
Da súmula vinculante e a supervalorização do Poder Judiciário
Afirma a
Presidente da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho), Maria Helena Mallmann Sulzbach, que o efeito vinculante
"...significa alterar o princípio constitucional que ‘ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art.
5º, inc. II, da CF/88), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder
constituinte derivado. Materializando a interpretação obrigatória que deve ser
dada à lei, a súmula com efeito vinculante gera efeito que nem a lei provinda
do Parlamento tem capacidade de produzir. Torna-se uma superlei, concentrando
no Judiciário poderes jamais concedidos sequer ao poder constituinte
originário, o qual não pode impor interpretação obrigatória às normas que disciplinam
as relações sociais. A possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante
pelos tribunais de cúpula significa atribuir a esses competência de cassação e
afirmação das normas, com evidente fragilização do Poder Legislativo e, acima
de tudo, subtração de sua prerrogativa formal de legislar. Trata-se, ao nosso
ver, de sucedâneo judiciário de Medida Provisória e, portanto, é mais uma forma
de usurpação das funções legislativas do Congresso Nacional. E mais, sob o
enfoque das conseqüências da edição de comando legislativo compulsório, ao qual
o juiz se submete obrigatoriamente, há evidente supressão do processo de
renovação do direito através da jurisprudência. Suprimindo-se o princípio do
livre convencimento do juiz, suprime-se também uma das principais fontes desse
processo que tem, em sua origem o exercício da advocacia, que fica restrito e
limitado a requerer ao Judiciário simplesmente a aplicação do enunciado
vinculativo. Com o engessamento do processo de renovação do direito fica a
indagação: de que realidade e em que fatos sociais dinâmicos os tribunais de
cúpula irão buscar inspiração para editar os seus comandos legislativos? Não
tenho qualquer dúvida de que a busca da solução justa de cada processo é
inerente à democracia, que não pode ser abalada a pretexto de
descongestionamento do Judiciário." (Matéria "Efeito vinculante: prós
e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex
nº 3 de 31/3/1997).
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5.0 - Conclusões
Frente a
esta análise realizada, pode-se dizer que a súmula de efeito vinculante,
conforme assinalado pelos diversos autores contrários a tal medida, além de
estar sendo banida dos ordenamentos jurídicos dos países mais adiantados,
poderia, também, ser utilizado como forma do Governo Federal "impor"
à toda a sociedade, via Poder Judiciário - uma vez que os Ministros do Supremo
são escolhidos por indicações, sobretudo, políticas -, um determinado entendimento
jurisprudencial, através de súmulas de efeito vinculante, que reflitam, acima
de tudo, suas pretensões meramente politiqueiras, como foi, por exemplo, o caso
dos seqüestros de bens, realizados pelo ex-Presidente Fernando Collor, onde os
Ministros deram apoio às medidas tomadas pelo então Presidente.
Deve-se
levar em conta, ainda, que, geralmente, é através dos votos vencidos que nascem
as novas interpretações jurisprudenciais, que contribuem para o desenvolvimento
e aperfeiçoamento do Ordenamento Jurídico, que já é bem fechado e inflexível,
sendo, ao contrário, recomendado e necessário, que este esteja sempre aberto às
transformações sociais, principalmente neste mundo globalizado de hoje em dia,
onde, "do dia para noite" ocorrem violentas transformações, sobretudo
nas áreas econômicas, comerciais e científicas. O direito é algo vivo, móvel e
pulsante, não podendo, em hipótese alguma, ser tratado como um ser inanimado
(José Anchieta da Silva, op. cit. pág. 47). O direito deve ser estável, porém
não pode jamais permanecer estático (Roscoe Pound, apud José Anchieta da Silva,
op. cit. pág. 46).
Não se
pode esquecer, ainda, que a independência e liberdade da magistratura está
cravada de maneira indelével no espírito do Estado Democrático de Direito
(garantido pela CF/88 no art. 1º, caput), não sendo possível tornar os juízes
de primeiro grau em escravos dos tribunais superiores sem, no mínimo,
transformar este estado em um estado autoritário.
A adoção
do efeito vinculante acabaria fazendo letra morta o princípio do due process of
law, insculpido na Constituição Federal, uma vez que o efeito vinculativo
obrigatório negaria a defesa aos que não participaram do processo, que não
produziram provas, que não foram chamados a se defender, através da negativa de
seu acesso à justiça, afastando seus direitos da apreciação jurisdicional, ou,
em casos raros, onde a parte insistisse em pedir a tutela jurisdicional, o
processo teria fim com uma sentença fundamentada apenas formalmente, o que também
não condiz com a Carta Magna, inviabilizando o duplo grau de jurisdição, uma
vez que o resultado do recurso já seria previamente conhecido, além de que
criaria uma super-valorização do Poder Judiciário, o que não condiz com a
harmonização dos Três Poderes.
Não se
deve, ainda esquecer do disposto no artigo 17 do Código de Processo Civil,
segundo o qual "reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir
pretensão ou defesas contra texto expresso de lei ou fato
incontroverso...", de modo que, caso seja adotado o efeito vinculante,
será possível condenar-se a parte por litigância de má-fé caso esta venha a
pedir direito não reconhecido pela súmula vinculante, mesmo que esteja
fundamentada em voto vencido declarado na edição da referida súmula. Além de
que, dependendo-se de como for aprovada a Emenda Constitucional que aprove o
efeito vinculante, poder-se-ia estar criando o "Crime de
Hermenêutica", onde o juiz poderia ser condenado por discordar do
entendimento sumular.
A verdade
é fria, os que são favoráveis ao efeito vinculante, na verdade desejam fechar o
Judiciário às lutas populares, desejam acabar com o avanço dos direitos
fundamentais e, sobre tudo, dos Direitos Humanos, que, a partir da Constituição
Federal de 1988, passaram a ser objetivos da República Federativa do Brasil
(CF/88, artigo 3º), desejam, mais, transformar o Poder Judiciário, o único
poder "sério" que o país ainda possui, em mero "braço" do
Poder Executivo, convalidando suas ações pouco democráticas.
A adoção
do efeito vinculante não será capaz de transformar a máquina do Judiciário em
"exemplo de eficiência", como defendem os favoráveis à "lei da
mordaça", primeiro porque o principal culpado pelo gigantesco número de
processos "entulhados" nos tribunais superiores é, justamente, o
governo, sobretudo o Federal, que insiste em recorrer das decisões de
instâncias inferiores apenas com o intuito de adiar para o próximo governo, o
pagamento das ações que sabe que perderá, além de que, em segundo lugar, a grande
demora das soluções processuais, se deve, em grande parte pela insuficiência de
magistrados e funcionários públicos em geral. E, assim, a medida, apesar de
contribuir para uma aceleração da solução da lide, não contribuirá para a
celeridade processual da forma como é salientado pelos favoráveis ao efeito
vinculante.
Cumpre
lembrar por fim, que o artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal veda
qualquer alteração constitucional que vise abolir os direitos e garantias
individuais, de forma que não pode ser aceita, por inconstitucional, qualquer
alteração da Constituição Federal que tenha por finalidade dar às súmulas dos
tribunais superiores o efeito vinculante, uma vez que, como visto, tal efeito
atenta diretamente com o princípio do due process of law e com as garantias
constitucionais corolárias deste princípio, como por exemplo a da amplitude de
defesa, do acesso à justiça, da inafastabilidade da apreciação jurisdicional
frente à lesão ou ameaça a direito, e da fundamentação das decisões judiciais,
além de atentar também contra os princípios do duplo grau de jurisdição e da
separação dos poderes.
Não se
trata de ser radicalmente contra as súmulas de efeito vinculante, de forma que
estas poderão ser muito úteis se utilizadas apenas para os casos referentes às
matérias Administrativas, Tributárias e Previdenciárias, onde o poder público
tenha sucumbido frente aos interesses particulares, ou ainda, nos casos de
Interesses Difuso e/ou Coletivos, de forma que tal efeito vinculatório, por ser
absolutamente anti-democrático não deve ser permitido em outros casos não
elencados.
E, mesmo
nos casos onde deveria ser admitido o efeito vinculante, deveria, por outro
lado, haver um mecanismo que permitisse a real revisão da súmula, uma vez que o
direito deve ser, sempre, um instrumento de libertação (Conforme preconiza João
Baptista Herkenhoff em seus mais variados livros, sobretudo "Como aplicar
o Direito" da Editora Forense e "Direito e Utopia" da Livraria
do Advogado).
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6.0 - Referências Bibliográficas
ÁLVARES,
Antônio F. Propostas de reforma do judiciário. in Revista Consulex nº 3 de
31/3/1997;
ARAÚJO
CINTRA, Antônio Carlos de., GRINOVER, Ada Pellgrini., DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. 15ª ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,
1999;
BEGALLI,
Paulo Antônio. Prática forense avançada. 1ª ed., Belho Horizonte: Del Rey,
2001;
CARDOSO, Fernando Henrique. A reforma do
Judiciário segundo FHC. in Revista Consulex nº 21 de 30/9/1998;
CARVALHO
JÚNIOR, Adelardo Branco de. Carta à Revista Consulex nº 9 de 30/9/1997;
CHIARINI
JÚNIOR, Enéas Castilho. Súmula de efeito vinculante: solução ou problema?
monografia apresentada no 4º CONAJIC - Concurso Nacional Âmbito Jurídico de
Iniciação Científica, 2002;
COSTA, Evaldo Borges Rodrigues da. Súmula vinculante e
interesses difusos. in Revista Consulex nº 34 de 31/10/1999;
CUNHA,
Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. 1ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1999;
DINIZ,
Maria Helena. Dicionário jurídico. vol. 4, 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998;
GOMES,
Luiz Flávio. Súmula vinculante e independência judicial. in Revista Consulex nº
8 de 31/8/1997;
HERKENHOFF,
João Baptista. Cidadania para todos. 1ª ed., Rio de Janeiro: Thex editora,
2002;
------------------.
Como aplicar o Direito. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999;
------------------.
Como funciona a cidadania. 2ª ed., Manaus: Editora Valer, 2001;
------------------. Crime, tratamento sem prisão. 3ª ed., Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1998;
------------------.
Direito e utopia. 1ª ed., São Paulo: Editora Acadêmica, 1993;
------------------.
Direitos Humanos: a construção universal de uma utopia. 1ª ed., Aparecida, SP:
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Retirado de: http://www1.jus.com.br