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A Constituição democrática
reitor da Escola Superior Dom Helder Câmara e
diretor da Faculdade de Direito Izabela Hendrix, em Belo Horizonte (MG),
mestre e doutor em Direito Constitucional,
coordenador da pós-graduação da
Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais,
professor do Mestrado e Doutorado da PUC/MG,
Centro
Universitário de Barra Mansa (RJ) e UFMG
O Estudo da estrutura constitucional é de extrema
importância, especialmente no atual momento, quando se discute o futuro do
Estado Constitucional, que nas suas formas liberal, social ou socialista, se
encontra em crise.
Importante notar que não é o Estado constitucional que
está em crise, mas sim os modelos socio-econômicos consagrados nos textos
constitucionais. Entretanto, a crise destes modelos faz com que propositalmente
ou não, se identifique a crise como sendo do próprio Estado Constitucional na
sua essência, fazendo com que sua existência esteja ameaçada.
Neste estudo, que desenvolvemos de forma mais aprofundada
em livro, analisamos as principais características que uma Constituição
efetivamente democrática, que cumpra um papel essencialmente processual, deve
ter, a partir de uma classificação tradicional das Constituições.
1 - Constituição Sintética ou
Analítica?
Ao se propor uma Constituição de princípios, onde a
democracia como processo irá permitir as mudanças que as comunidades locais,
regionais e nacionais desejam, devemos questionar, além do importante papel da
interpretação normativa e o processo de mutação constitucional (1), qual a
estrutura ideal dessa nova Constituição (2).
O primeiro ponto
desta nova estrutura constitucional será a extensão do texto, discussão que em
geral é tratada com a simplicidade que o debate não permite, pois não se trata
apenas de adotar uma Constituição pequena ou longa, uma vez que o debate da extensão
do texto constitucional está relacionado, necessariamente, com a questão da
interpretação do mesmo, e visto que a lei é a interpretação que se faz dela, em
um determinado contexto histórico, político, social e econômico, através de
leitura sistemática do texto constitucional e das normas infraconstitucionais,
em relação a esse.
Dessa forma, além de sabermos, ao final deste trabalho,
até que ponto podemos, através do processo de interpretação da Constituição,
com a sua necessária inserção dentro da situação histórica sócio econômica,
possibilitar evolução interpretativa, que permita o rompimento com leituras
clientelistas e neoliberais deste texto, poderemos indicar, também, modelo
ideal de Constituição democrática, em um texto que possibilite a consagração de
um novo paradigma constitucional, que ao mesmo tempo que permita seguro
processo de mutação, evite o retorno a modelos anteriores, menos democráticos.
Tradicionalmente tem-se dividido as Constituições em
sintéticas e analíticas, no que se refere a extensão do texto. Desta forma,
texto sintético é aquele que se reduz às normas essenciais de organização e funcionamento
do Estado, e ainda a declaração e garantia de alguns direitos fundamentais.
Ao contrário, Constituição analítica é aquela que, além
das matérias que nos referimos anteriormente, desenvolvidas com maior
detalhamento que no caso anterior, traz no seu texto regras que poderiam ser
deixadas para serem tratadas em normas infraconstitucionais, pois a perspectiva
de permanência destas normas, é inferior à da norma tipicamente constitucional,
que não pode nunca ser considerada imutável, uma vez que muda através de um
processo apenas interpretativo, não passando pelo processo formal de alteração
do texto constitucional, por emenda ou revisão, mas que de qualquer forma tem
uma expectativa maior de sobrevivência, do que uma norma que desce a um grau de
especificidade muito grande, desaconselhando-se a sua inclusão no texto
constitucional, principalmente em um texto onde o processo de alteração, seja
mais complexo, caracterizando-se uma constituição rígida.
Portanto, alguns pontos específicos irão marcar a
diferença entre um texto sintético e um analítico, sendo característica deste
último:
a) maior detalhamento das normas referentes à organização
e funcionamento do Estado, presentes em todos os textos constitucionais
contemporâneos;
b) maior relação de direitos fundamentais ou de direitos
humanos, com um maior detalhamento de suas garantias processuais,
constitucionais e sócio-econômicas;
c) inclusão de regras que devido ao menor grau de
abrangência de seus efeitos, e conseqüentemente maior especificidade, tendem a
uma menor permanência, exigindo o funcionamento dos mecanismos formais de
reforma da Constituição, uma vez que a mutação interpretativa, pode encontrar
maiores problemas para evoluir nos tribunais pelo grande detalhamento do texto.
d) maior número de regras em sentido restrito (que
regulam situações específicas), em relação a regras em sentido amplo (que se
aplicam a várias situações diferentes), em uma Constituição analítica.
Não é correto afirmar que as Constituições liberais eram
sintéticas e que as Constituições Sociais são analíticas. Sem dúvida alguma,
com o surgimento, no início do século, de Constituições que representam novo
tipo de Estado, agora interventor no domínio econômico e assistencial, perante questões
sociais (o modelo neoliberal em sentido amplo, pois mantém o núcleo do
pensamento liberal de liberdade econômica, passando a intervir na economia,
para assegurar sua sobrevivência, assistindo ainda aos excluídos do modelo
econômico, através de diversos direitos sociais, em graus diferentes de
intervenção e de preocupação social), o conteúdo dessas Constituições foi
ampliado, com um maior número de direitos fundamentais, com a inclusão de
direitos sociais e econômicos, ao lado dos direitos individuais e políticos.
Entretanto, é possível encontrar Constituições Sociais (neoliberais em sentido
amplo), bastante sintéticas assim como Constituições Liberais, no passado,
bastante detalhadas.
Outro ponto fundamental, é a compreensão de que texto menor
não significa uma Constituição com conteúdo restrito, assim como texto grande
não significa uma Constituição dotada de maior número temático. A preocupação
que deve fundamentar a adoção de uma Constituição, analítica ou sintética, será
o grau de importância que se quer oferecer aos processos informais de mudança
dos textos constitucionais e aos processos formais de reforma.
Ao se adotar um texto constitucional, com número maior de
regras em sentido amplo (os princípios), mantendo-se número pequeno de normas
em sentido restrito, isto deverá significar maior valorização dos processos
informais de mudança do texto constitucional, permitindo, com isto, que a
doutrina, e principalmente a jurisprudência, dinamizada por uma população
participativa e um judiciário, obrigatoriamente, sensível à realidade
sócio-econômica e as indicações democráticas dos cidadãos, faça a Constituição
estar em constante processo de evolução. (3) Dessa forma, a Constituição
sintética, ao permitir uma maior participação do judiciário e dos cidadãos na
construção do texto constitucional, cria uma Constituição dinâmica, pois esta
será composta do texto escrito e da interpretação que se faz dos princípios e
regras, em determinado momento histórico. Conclui-se que não se pode conhecer a
Constituição de um país, apenas pela leitura de seu texto, mas é necessário,
sempre, procurar na jurisprudência e na doutrina, influência da vontade popular
em um Estado democrático, apreendendo significado de seus princípios e regras,
em um dado momento histórico. Exemplo elucidativo do que viemos de analisar,
será a Constituição norte-americana de 1787, em vigor até hoje, com apenas
vinte e sete emendas, mas que recebeu leituras bastante variadas, em momentos
históricos diferentes, fazendo que determinados autores afirmem a existência de
múltiplas interpretações constitucionais nos Estados Unidos, construídas em
momentos históricos diferentes, através da sua compreensão flexibilizada e a
necessária inserção de seus princípios, em situações históricas diferentes.
Uma Constituição analítica, quanto maior e mais detalhado
for seu texto, menor será o espaço para os processos informais de mudança
constitucional, valorizando os processos formais de reforma constitucional, e
conseqüentemente, de uma certa maneira, a mudança constitucional, através da
democracia representativa, em processos lentos e difíceis (no caso de uma
Constituição rígida).
O Brasil adotou uma Constituição analítica, que
representou um passo significativo, no início da construção de uma democracia
no país. A Constituição de 1988 traz um amplo leque de direitos fundamentais e
de garantias de varias espécies, representando modelo de Constituição Social,
que pode permitir a construção de um Estado efetivamente democrático.
Embora, a interpretação do texto de 1988, permita o
estabelecimento das bases de um novo modelo de Estado democrático, onde os
direitos sociais e econômicos ganham uma perspectiva de garantia sócio-econômica,
de exercício dos direitos individuais e políticos, portanto enquanto
pressupostos de implementação dos direitos individuais e de uma democracia
política, social e econômica, dentro da perspectiva de indivisibilidade dos
grupos de direitos individuais, sociais, políticos e econômicos, o caminho para
a implementação desses pressupostos é longo, não passa apenas pela construção
de uma interpretação do texto, mas efetivamente de mudança profunda na
sociedade brasileira. (4)
Por este motivo, não devemos apenas discutir o modelo atual,
mas, estudar alternativas estruturais de organização estatal, que incentivem
uma mudança de postura na sociedade, criando-se mecanismos que envolvam a
população na construção de seu futuro, chamando a população, constantemente, a
opinar na transformação social, política e econômica do espaço público.
Obviamente, o caminho de mudança da estrutura
constitucional, adotando-se modelo descentralizado de exercício de poder, e
nova perspectiva de tratamento constitucional dos direitos fundamentais, não é,
também, caminho fácil, mas resta como opção a construção gradual de novas
realidades estatais, através de processos formais e informais de reforma na
Constituição, não se descartando, obviamente, nova ruptura com o ordenamento
constitucional para a elaboração de uma nova constituição que permita a consagração
definitiva de um novo modelo.
Em tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da
UFMG, defendemos varias mudanças na Constituição que necessitam de processos
formais de reforma da Constituição, enquanto outras podem, efetivamente,
ocorrer através de processos informais de mutação do texto. O ponto central da
nossa tese, que defende a desconstitucionalização da ordem econômica e social,
incluindo necessariamente a desconstitucionalização da propriedade privada dos
meios de produção, coloca-nos um desafio, no sentido de sabermos se, para a
consagração deste novo modelo, seria necessário rompimento com a Constituição,
o que implicaria não apenas na atuação do poder constituinte derivado(o poder
de reforma), mas na necessidade de um novo poder constituinte originário (capaz
de elaborar nova ordem constitucional de forma soberana).
No momento, concluímos, que pelo exposto neste tópico,
uma constituição sintética, que privilegie os princípios sobre as regras, em
sentido restrito, possibilitando processos de construção informal e democrática
do texto constitucional, seria o modelo ideal para o Estado democrático que
defendemos, reduzindo-se as normas em sentido restrito, na Constituição Federal
àquelas que estabelecem o funcionamento e a competência dos órgãos e dos canais
de participação democrática.
2 - Constituição rígida ou
flexível?
Outra classificação utilizada, com freqüência, é a
divisão das Constituições em rígidas e flexíveis. (5)
As Constituições rígidas são aquelas que necessitam de um
processo formal, que dificulta a alteração de seu texto, estabelecendo
mecanismos parlamentares específicos, quorum para a aprovação com maiorias
especiais, competência restrita para propor a sua alteração, além de limites
temporais, circunstanciais e materiais para o funcionamento do poder de
reforma.
A Constituição de 1988 segue a tradição dos textos
brasileiros, que adotam o modelo de Constituições rígidas, com exceção da
Constituição de 1824, que continha dispositivos que só poderiam ser alterados,
através de processos mais complexos, ao lado de dispositivos que poderiam ser
modificados, através de quorum de lei infra constitucional, caracterizando uma
Constituição semi-rígida, ou seja, parte rígida, parte flexível.
Os elementos principais, que caracterizam a rigidez da
Constituição de 1988, são:
a) a existência de quorum de 3/5 para a alteração do
texto através de emenda à Constituição, em dois turnos de votação em cada casa
legislativa.
b) a proposta de emenda só poderá partir de 1/3, dos
membros da Câmara de Deputados ou Senado, do Presidente da República ou de mais
da metade das Assembléias Legislativas, que encaminharão a proposta aprovada
por maioria relativa de seus membros.
c) a existência de limites materiais, estabelecidos pelo
artigo 60, parágrafo 4º, incisos I a IV, onde se proíbe emendas tendentes a
abolir a forma federal, a democracia, os direitos individuais e suas garantias
e a separação de poderes.
d) a existência de limites circunstanciais,
consubstanciados na proibição do funcionamento do poder constituinte derivado
(o poder de reforma), durante a vigência do Estado de Sítio, Estado de Defesa e
Intervenção Federal.
Além da reforma constitucional através de emendas, que
visa alterações pontuais do texto, através de emendas supressivas, aditivas ou
modificativas, a Constituição de 1988 previu, ainda, o poder de reforma através
de revisão do texto, o que implica em alteração de todo o texto, obviamente sem
comprometer ou modificar os princípios constitucionais, alterando o fundamento
da Constituição, visto que o Poder de reforma, enquanto Poder Constituinte
derivado, de segundo grau e subordinado, não pode alterar a obra do seu criador
que é o Poder Constituinte Originário, este sim, soberano e inicial, portanto
de primeiro grau. (6)
Tendo sido previsto no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, o Poder revisional recebeu flexibilização, no que
diz respeito ao processo legislativo, estabelecendo-se quorum de maioria
absoluta em votação unicameral, para a aprovação do projeto de revisão.
Entretanto, em contrapartida, além dos limites materiais e circunstanciais já
mencionados, sofreu esse poder de reforma através de revisão, limite temporal
de cinco anos, podendo ser exercido apenas uma vez, pelo Congresso, com poderes
constituintes derivados de revisão, pois com a implementação do texto
provisório, o dispositivo transitório desaparece.
As cláusulas pétreas no texto ou as cláusulas
imodificáveis, são elementos importantes, no estabelecimento da rigidez do texto,
uma vez que estas cláusulas não poderão ser modificadas, nem mesmo através dos
processos de reforma. Além das cláusulas pétreas expressamente enumeradas na
Constituição, não pode um Poder Constituinte Derivado (o poder de reforma),
alterar a estrutura fundamental da Constituição, compromentendo os seu
princípios fundamentais. (7)
As Constituições flexíveis perderam importância, pois não
respondem à necessidade de supremacia e segurança que o texto constitucional,
deve oferecer aos cidadãos, em relação às garantias de seus direitos
fundamentais e a organização do Estado.
Ao contrário das Constituições rígidas, as Constituições
flexíveis podem ser alteradas através de procedimentos simplificados, perdendo
com isto o caráter de supremacia que devem ter. Torna-se difícil falar em
controle de constitucionalidade, elemento fundamental na caracterização da
supremacia constitucional, uma vez que, pelo mesmo processo que se elabora uma
lei, pode-se alterar o texto constitucional.
Os textos
flexíveis se mostraram inadequados para permitirem a garantia que a
Constituição deve oferecer enquanto norma suprema, que se impõe como limite a
atuação dos poderes, sejam públicos ou privados, que atuam no território
estatal.
A Constituição democrática deve combinar texto sintético,
que permita processos de mutação democrática, ao lado de garantias eficazes de
rigidez constitucional e controle de constitucionalidade, para possibilitar os
processos e mecanismos de exercício de democracia nela estabelecidos, assim
como estabelecer como cláusulas pétreas, os princípios universais de direitos
humanos nela consagrados.
3 - Constituição Escrita ou
Costumeira?
Classificação tradicional, que a doutrina de Direito
Constitucional adota, é a divisão dos textos constitucionais entre escritos e
não escritos.
Exemplo típico de texto não escrito, ou de Constituição
costumeira, é a da Grã-Bretanha. Foi na Inglaterra que se fortaleceu,
inicialmente, o processo de construção do constitucionalismo moderno,
consagrando a idéia de limitação do poder do Estado, por texto legal criador do
Estado, de seus poderes e órgãos, distribuindo competências, garantindo
direitos e estabelecendo limites para a atuação do mesmo. (7)
Desta forma, a Magna Carta de 1215 é um texto referencial
e embrionário do processo de formação do Estado Constitucional moderno, sendo
norma constitucional que, ainda hoje, é referencia para a construção do sistema
de princípios, valores e normas costumeiras, em que se transformou a
Constituição inglesa.
O sistema constitucional britânico, hoje, está alicerçado
sobre varias leis constitucionais, como a Magna Carta, o Habeas Corpus Act e a
Bill of Rights, não sendo correta a afirmação de que não existem leis
constitucionais escritas naquele país. O que ocorre, é que neste sistema além
das leis constitucionais sobre as quais se construíram todo o sistema, de
princípios, valores e regras, convivem normas não escritas, que estabelecem
procedimentos construídos historicamente e repetidos durante séculos.
Não se pode esquecer que originou-se, também, na
Inglaterra de Cromwell, no século dezessete, a idéia de instrumento de governo
escrito, que estabeleceria as regras para o exercício do poder estatal.
Portanto, se do ciclo constitucional inglês, pode-se extrair a idéia de uma
monarquia parlamentarista, da curta experiência republicana, no período de
Cromwell, surgiu o ideal de uma república constitucional, mais tarde levada
para as colônias da América do Norte, pelos puritanos que se viram obrigados a
sair da Inglaterra, após a restauração da Monarquia com a morte do Lorde
Protetor, Cromwell.
Os Estados Unidos da América do Norte, com sua primeira
constituição escrita e codificada, incorpora a idéia de uma República Federal,
pela sua formação histórica, a partir de colônias, que inicialmente, se fazem
independentes da Inglaterra, tornando-se Estados soberanos.
O sistema constitucional norte americano combina parte da
experiência inglesa, no momento em que adota texto sintético, que permite
mutações interpretativas, adotando a idéia de precedentes constitucionais, em
um direito escrito, porém não muito codificado, partindo de uma Constituição
escrita e rígida.
Pode-se concluir que o modelo de Constituição costumeira,
não se copia, pois é essencialmente histórica, criada a partir de varias
contingências históricas e culturais, que influenciaram decididamente na sua
evolução e afirmação.
No mundo proliferou o modelo de Constituição escrita,
rígida e codificada. Esta constatação não contraria, mas confirma idéia
anteriormente já discutida, da adoção de uma Constituição sintética, rígida e
escrita, que permita processos de evolução e adequação democrática, de seus
princípios a realidades históricas diferentes e mutáveis, aprendendo com a
experiência inglesa e norte americana, pois não se pode adotar classificações
estanques, uma vez que os pontos de contatos entre os dois modelos de tradição
legislativa escrita e não escrita, podem se fundir em uma resultante
completamente nova, de um direito dinâmico, popular e democrático, com bases em
uma Constituição rígida, que dê respaldo aos processo dinâmicos de evolução
democrática do Direito.
4 - Constituição codificada ou não
codificada?
Da mesma forma, que optou-se por constituições rígidas e
escritas, às Constituições codificadas demonstram maior vantagem na
sistematização, possibilitando construção adequada de sua interpretação
sistemática.
As Constituições não codificadas caracterizam-se pela
existência de leis constitucionais esparsas, ao lado do texto base. A
Constituição encontra-se fragmentada, sem organização sistemática de seu texto,
que permita a manutenção de sua lógica interna, sobre a qual irá construir-se
toda a interpretação.
Importante, neste momento, mais uma vez, ressaltar a
idéia de que a Constituição não é apenas o seu texto escrito, uma vez que a lei
comporta a interpretação que se faz dela, em um dado momento histórico.
Impossível aplicar a lei, sem antes interpreta-la. Estas classificações
estudadas até aqui, referem-se, portanto, a uma classificação do texto escrito,
sobre o qual se construirá a constituição democrática, que será a interpretação
que se oferecerá ao texto básico, construída de forma participativa e
democrática pelos cidadãos e adequada ao momento histórico vivido.
Um texto codificado, estruturado de forma lógica em um
único documento, permite a manutenção de um sistema normativo, que facilita o
conhecimento e interpretação da Constituição.
As alterações, acréscimos e supressões que venham
ocorrer, através do funcionamento do poder constituinte derivado de reforma,
capaz de elaborar leis constitucionais, devem sempre se integrar ao texto
sistematizado, mantendo-se assim a organização lógica do mesmo, o que facilita
sua compreensão e interpretação.
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5 - Constituição ortodoxa ou
eclética?
Alguns autores adotaram essa classificação, para
identificar constituições que se alinhavam a uma ideologia sócio-econômica
específica, negando outras influências, como as Constituições socialistas e
liberais, que podem ser consideradas ortodoxas, e as Constituições que sofrem
influências de mais de uma ideologia ou programa político, social e econômico,
as quais são consideradas ecléticas. (9)
Deve-se entender essa classificação, dentro de uma
perspectiva histórica, de formação das Constituições Sociais. Essas
constituições surgem no início do século, mais precisamente em 1917 no México e
1919 na Alemanha, fruto de processo histórico, onde, no século dezenove,
construiu-se e desenvolveu-se de forma marcante e ameaçadora, para a proposta
liberal e o capitalismo, uma teoria antagônica, que construída sobre bases
cientificas e uma crítica contundente ao capitalismo, foi capaz de arrebatar a
classe trabalhadora de vários países.
A existência de duas propostas de Estado, radicalmente
opostas, faziam sugerir um ortodoxismo, onde de um lado se colocava o
liberalismo, ou mais precisamente o capitalismo, e de outro o socialismo real,
que visava a construção de uma sociedade comunista.
Pouco a pouco o mundo capitalista sentiu a necessidade de
se adaptar a nova realidade histórica, para garantir sua sobrevivência,
passando o Estado Liberal a incorporar, na sua legislação infra constitucional,
parte das reivindicações socialistas, criando uma legislação previdenciária e
trabalhista, admitindo, ainda, a intervenção do Estado no domínio econômico.
Exemplo clássico é a lei Sherman de 1890, nos Estados Unidos da América do
Norte. (10)
O liberalismo mostrava contradições, que só seriam
superadas através da aceitação das mesmas. O liberalismo que defendia a não
intervenção do Estado, nas questões sociais e econômicas, só seria salvo a
partir da intervenção estatal na economia e do oferecimento de direitos
sociais, através de um assistencialismo estatal, que não era efetivamente a
proposta socialista, mas subtraía desta elementos que atenuassem a tensão
social.
Do ortodoxismo liberal, o Estado Liberal transforma-se em
modelos que podemos classificar de neoliberais, em sentido amplo, dando origem
ao Estado Social ou Social-Liberal, que em graus diferentes, irá intervir no
domínio econômico e na questão social. A este novo modelo de Estado Social,
pode-se atribuir caráter eclético, pois sua Constituição irá conter elementos,
de cada um dos dois sistemas que se contrapunham neste momento.
Uma Constituição eclética representa, portanto, texto que
será fruto das reivindicações e pressões de grupos com interesses diferentes e
muitas vezes opostos, dentro do Estado, interesses antagônicos que irão
manifestar-se, com mais intensidade, quanto maior for o grau de participação da
sociedade civil, na elaboração constitucional.
Esse conflito de interesses reflete-se nas constituições
ecléticas, dando origem ao que podemos classificar como "aparentes
antagonismos", no texto constitucional. Referimo-nos a aparentes
antagonismos, pois o texto constitucional após sua elaboração, têm vida
própria, no sentido que não estará sempre vinculado à vontade dos
constituintes, pois receberá leitura sistemática que irá, necessariamente,
evoluir juntamente com a sociedade, suas necessidades e expectativas, dentro de
um contexto histórico, buscando sempre, uma síntese através de sua
interpretação, diante de situações concretas, que permitirá o desaparecimento
de antagonismos que, afirmativamente, entre princípios e regras não pode
existir.
Leitura obrigatória para a compreensão do que afirmamos,
é a obra do professor Washington Peluso Albino de Souza, especialmente quando o
autor trabalha a importante idéia de ideologia constitucionalmente adotada, já
mencionada nesse trabalho, e do princípio da economicidade. (11) Pelos
ensinamentos do Mestre do direito econômico brasileiro, a Constituição têm
ideologia própria, representada por valor síntese, que irá apontar qual o correto
equilíbrio valorativo que apontará a aplicação dos princípios e regras
constitucionais em situações diferentes. Com isto queremos dizer que em
situações diversas, os princípios terão valor e importância também múltiplas,
sendo que esta correta ponderação, sobre qual princípio aplicar, em determinada
situação, será apontada pela ideologia constitucional. Estes ensinamentos são
de extrema importância e atualidade.
Quando defendemos em outros trabalhos a idéia de uma
Constituição democrática, sintética, rígida, escrita, codificada, onde seus
princípios serão àqueles considerados universais, não existindo nenhuma
vinculação com algum modelo sócio-econômico, o que implica na
desconstitucionalização da propriedade privada dos meios de produção, podemos
perguntar se estaríamos, diante de uma constituição eclética ou ortodoxa.
A resposta a esta questão aponta-nos situação
completamente nova, pois todas a constituições, sejam ecléticas como os textos
sociais, neoliberais, ou ortodoxas como os textos liberais e socialistas,
estabelecem modelo constitucional de organização econômica e social.
Ao se retirar da Constituição a vinculação ao modelo
presentemente existente, estamos sem dúvida criando texto ortodoxo, extinguindo
o ecletismo existente, que se manifesta, justamente, na convivência de
princípios com origem em ideologias antagônicas e no próprio conflito social
existente, presentes nas suas normas de conteúdo político-econômico e social,
que vêm recebendo interpretações diferentes, pela doutrina e pelos tribunais.
Entretanto, a ortodoxia do texto caracterizar-se-ia não
pela fidelidade a uma ideologia política, social e econômica específica, mas
sim pela não vinculação a nenhuma, e nem mesmo a modelos sincréticos, mantendo
a ortodoxia na opção por um sistema democrático, capaz, de criar procedimentos,
mecanismos de garantia e variados canais de comunicação, entre sociedade e
Estado, fazendo aos poucos, desaparecer a dicotomia Estado versus Sociedade.
Desta forma, o texto ortodoxo, ao garantir uma democracia
que se materializa em processos legitimadores de mudanças, e na própria ação da
sociedade, através da estrutura estatal, condicionados por princípios
universais de direitos humanos, irá consagrar, incentivar e mesmo possibilitar,
através dos seus processos participativos, o ecletismo na sociedade civil e no
próprio Estado, como forma de promover a criação de resultantes inovadoras e
construídas no embate democrático diário. (12)
NOTAS
(1) A questão da interpretação constitucional é tratada
em outro artigo.
(2)
BADIA, Juan Ferrando. Estrutura Interna de la Constitución. Valencia, Tirand le
Blanch, 1988. SORLI, Juan-Sebastian Piniella. Sistema de Fuentes y
Bloque da Constitucionalidad - Encrucijada de competências, Barcelona, Casa
Editorial Bosch, 1994. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e
Constituição, São Paulo, Saraiva, 1988. MACHADO JÚNIOR, Batista. Participação e
Descentralização, Democratização e Neutralidade na Constituição de 76. Coimbra,
Livraria Almedina, 1982.
(3) SEGADO, Francisco Fernandez. La Jurisdición Constitucional en España,
Madrid, Dykinson, 1984. FOIX, Moncerrat Cuchillo. Jueces y Administración en el
Federalismo Norteamericano (El control jurisdicional de la actuación
administrativa, Madrid, Editorial Cívitas, 1996. CHEVALIER, Jacques. L’Etat de Droit. 2ª
edition, Paris, Montchrestien, 1994. ROYO, Javier Peres. Tribunal Constitucional y
Division de Poderes - Madrid, Tecnos, 1988. PEREIRA, Antônio Celso
Alves, Acesso a Justiça e Direitos Humanos: O Problema no Brasil. in Revista da
Faculdade de Direito, número 2, 1994, Rio de Janeiro, Renovar, Universidade do
Rio de Janeiro, pp. 123-134.
(4) MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direitos Humanos na
Ordem Jurídica Interna, ob. cit.
(5) BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha.. A Teoria das
Constituições Rígidas, São Paulo, José Bushatsky Editor, 1980. VEGA, Pedro de. La Reforma Constitucional,
Madrid, Tecnos, 1995. VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de Derecho Político, Vol. IV,
Constitución de 1978 y transformación política social española, Madrid, Tecnos,
1984.
(6) DANTAS, Ivo. Poder Constituinte e Revolução. Rio de Janeiro,
Ed. Rio Sociedade Cultural Ltda., 1978. ACCIOLI, Wilson. Instituições de
Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Forense, 1979. MALUF, Sahid. Direito
Constitucional, 15ª edição, São Paulo, Sugestões Literárias, 1983. SIEYES,
Emanuel Joseph. A Constituição Burguesa (Qui est-ce que le tiers Etat?)
Organização e Introdução de Aurélio Wander Bastos, trad. de Norma Azevedo, Rio
de Janeiro, Liber Juris,
(7) BARACHO, José Alfredo de Oliveira.Teoria Geral do
Poder Constituinte, Separata do n. 52 da Revista Brasileira deEstudos
Políticos, Belo Horizonte, 1981. HAURIOU, André. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques. Editions
Montchrestien, Paris, 1978.
(8) LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de
la Constitucion, Barcelona, Ediciones Ariel, 1970.
(9) RUSSOMANO, Rosah. Curso de Direito Constitucional, 3ª ed.
rev. ampl., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1978. BONAVIDES, Paulo. Direito
Constitucional. Forense, Rio de Janeiro, 1980. SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo, ob. cit.
(10)
GELLHORN, Ernest. Antitrust Law and Economics, ob. cit. COTTELY, Esteban. Teoria del
Derecho Economico, Frigerio Artes Gráficas, Buenos Aires, 1971. CHENGT, Bernard. Organizatión
Economique de L’Etat, Paris, 1951. CHAMPAUD, Claude. Contribution à la
definition du Droit Economique.Recueil Dalloz, Paris, 1967. MONCADA, Luis S.
Cabral de. Direito Econômico, Coimbra Editora, Coimbra, 1986. SOUZA,
Washington Peluso Albino de. "O Discurso Internacionalista nas
Constituições Brasileiras", in Revista Brasileira de Informação
Legislativa, A. 21, n. 81, jan./mar., Brasília, 1984, pp. 139 - 201.
(11)
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico, ob. cit.
(12) ZAMPETTI, Pier Luiz. La
Participación Popular en el Poder. ob. cit.
Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=84