A Obrigação Constitucional da Revisão Geral Anual da Remuneração dos Serviços Públicos
André
L. Borges Netto
Certamente ninguém duvidará que vivemos em um
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (CF/88, art. 1º), revelador do que a doutrina
chama de verdadeiro e legítimo ESTADO CONSTITUCIONAL, "que pressupõe a
existência de uma Constituição que sirva – valendo e vigorando – de ORDEM
JURÍDICO-NORMATIVA FUNDAMENTAL vinculativa de todos os poderes públicos,
aspirando a tornar-se um IMPULSO DIRIGENTE de toda uma sociedade" (J. J.
GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", Ed. Coimbra-Almedina,
1993, 6ª ed., p. 360).
Esta Constituição, que serve de ordem
jurídico-normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos, por
atuação do legislador constituinte derivado, passou a prever a obrigação de a remuneração
dos servidores públicos sofrer REVISÃO GERAL ANUAL, SEMPRE NA MESMA DATA E SEM
DISTINÇÃO DE ÍNDICES (inciso X do art. 37), o que não está sendo observado
pelas autoridades públicas, gerando, com tal OMISSÃO, direito líquido e certo a
ser amparado via mandado de segurança coletivo, dentre outras medidas judiciais
cabíveis.
Fato é que já foi ultrapassado o prazo de um
ano da publicação da Emenda 19/98 (exatamente em 04.07.99) e nada foi colocado
em prática para que legítimo direito dos servidores públicos fosse respeitado,
sendo certo que tal omissão também revela desatenção ao princípio
constitucional da legalidade. Em síntese: os servidos públicos são
destinatários da norma em referência; a Emenda 19/98 modificou a redação
original da Carta Magna, obrigando o Poder Público a revisar, no prazo de um
ano, a remuneração dos servidores públicos; o prazo assinado na Emenda 19/98 já
expirou, sem qualquer revisão. Tudo, pois, leva a crer que a omissão destacada
implica em violação de direito líquido e certo, a ser reparado por decisão
judicial.
É de HELY LOPES MEIRELLES lição que se amolda
perfeitamente ao que se expõe: "É assegurada revisão geral anual dos
subsídios e vencimentos, sempre na mesma data e sem distinção de índices (CF,
art. 37, X). Aqui, parece-nos que a EC 19 culminou por assegurar a
irredutibilidade real e não apenas nominal do subsídio e dos vencimentos"
("Curso de Direito Administrativo", 25ª ed., 2000, p. 431). Ocorre
que esta irredutibilidade real, que se daria mediante a revisão geral anual,
não vem ocorrendo, em frontal desatenção a direito líquido e certo que cabe aos
servidores públicos.
Autorizado comentador da recente Reforma
Administrativa, ALEXANDRE DE MORAES ("Reforma Administrativa – Emenda
Constitucional nº 19/98", Ed. Atlas, 2ª ed., 1999, p. 45) ressalta que a
grande inovação dessa alteração é exatamente a previsão do princípio da
periodicidade, que efetivamente está sendo solenemente descumprido pelas
autoridades que têm o dever de concretizar o comando constitucional.
Não se deve deixar de considerar, também, que
a regra do inciso X do art. 37 da Constituição, tal como já decidiu o STF (RMS
nº 22.307, citado por CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRA, "Reforma Administrativa",
Ed. Brasília Jurídica, 2ª ed., 1998, p. 177), É AUTO-APLICÁVEL, independendo de
qualquer regulamentação para gerar efeitos jurídicos concretos.
Extrai-se daquele dispositivo constitucional a
idéia de REVISÃO, que, segundo outro precedente do STF, "a doutrina, a
jurisprudência e até mesmo o vernáculo indicam como revisão o ato pelo qual
formaliza-se a reposição do poder aquisitivo dos vencimentos, por sinal
expressamente referido na Carta de 1988 – inciso IV do art. 7º --, patente
assim a homenagem não ao valor nominal, mas sim ao real do que satisfeito como
contraprestação do serviço prestado. ESTA É A PREMISSA CONSAGRADORA DO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS, SOB PENA DE RELEGAR-SE À
INOCUIDADE A GARANTIA CONSTITUCIONAL, NO QUE VOLTADA À PROTEÇÃO DO SERVIDOR, E
NÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA" (STF, Pleno, RMS 22.307/DF, rel. Min. Marco Aurélio).
Quanto ao que se sustenta, convém
relatar que O STF também já teve oportunidade de decidir que "a
Constituição não pode se submeter à vontade dos Poderes constituídos nem ao
império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste –
enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os
direitos e liberdades não serão jamais ofendidos" (RTJ 146/707, Rel. Min. CELSO DE MELLO). O
respeito à Constituição, especialmente em relação a direitos tão claramente
estabelecidos, só pode ser no sentido de restar reconhecida a desvalia jurídica
da omissão colocada em destaque.
Por derradeiro, nem se queira sustentar que a
revisão geral anual estaria vinculada à edição de LEI, porque não é isto o que
se tem visto há muito tempo em termos de reajustes salariais no âmbito do
Judiciário. Aliás, é isto que foi revelado pela imprensa há poucos dias, quando
se deliberou por reajuste no âmbito do TSE e da Justiça Federal, por intermédio
de Resolução. Também não há que se falar em impedimentos de ordem legal
(extraídos, por exemplo, da Lei da Responsabilidade Fiscal), porque se está a
tratar de comando de NATUREZA CONSTITUCIONAL, que em razão de sua reconhecida
SUPREMACIA HIERÁRQUICA deve ser imediatamente cumprido.
Acatando-se o que se sustenta, imagina-se que
o Judiciário estará a observar e a dar exemplo semelhante à seguinte lição de
KONRAD HESSE:
"Quem se mostra disposto a
sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional,
fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à
essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário,
não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que
significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado,
não mais será recuperado" ("A Força Normativa da Constituição",
Ed. Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 23).
Por essas razões é que estamos convencidos de
que se deve colocar em prática a revisão geral anual em relação aos servidores
públicos, calculando-se, para tal, o percentual de defasagem verificado desde a
última revisão e implantando-o imediatamente nos contra-cheques, adotando-se os
índices oficiais, reconhecendo-se, assim, o alegado direito líquido e certo,
corrigindo-se, em definitivo (por ser inconstitucional), a omissão apontada
neste estudo.
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