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A APOSENTADORIA DO SERVIDOR PÚBLICO E AS NORMAS DE TRANSIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98





Zélia Luiza Pierdoná - Procuradora da República em São Paulo, Mestre em Direito Previdenciário e Doutoranda em Direito Constitucional pela PUC/SP, Professora de Direito Previdenciário e Tributário.







INTRODUÇÃO



O presente trabalho versa sobre as normas de transição relacionadas à aposentadoria do servidor público que na data da publicação da EC nº 20/98 já haviam ingressado na Administração pública.



Inicialmente serão apresentados os pressupostos constitucionais referentes à previdência social, para, em seguida, discorrer sobre a necessidade de observância das disposições constitucionais, tanto pelo constituinte reformador como pelo legislador infraconstitucional.



Após, abordaremos o princípio da segurança jurídica em relação as mudanças no ordenamento previdenciário, para, finalmente, analisarmos as disposições constitucionais referentes a aposentadoria dos servidores públicos, tanto as normas definitivas do art. 40, com redação atribuída pela EC nº 20/98, como as transitórias do art. 8º da mencionada emenda.

1 - A previdência social na Constituição



O art. 6º da Constituição Federal arrola, entre os direitos sociais, a saúde, a previdência e a assistência, direitos esses que juntos formam o que a Lei Suprema denomina seguridade social. Os direitos sociais estão inseridos no título II que versa sobre os direitos e garantias fundamentais.



A partir do art. 193 a Constituição passa a tratar da ordem social, na qual a seguridade social se encontra. O art. 194 assim se refere:



Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.



A Constituição se refere ao sistema de seguridade social, tanto no que tange aos direitos relativos à saúde e à assistência, como aos relativos à previdência. No entanto, conforme constatamos abaixo, as disposições constitucionais aplicáveis às subáreas da seguridade são diferentes, o que nos leva a diferenciar o regime jurídico aplicável à previdência.



Vejamos: o art. 196 dispõe que a "saúde é direito de todos e dever do Estado", por sua vez, o art. 203 estabelece que "a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social". Com isso verificamos que tanto os direitos relativos à saúde como os relativos à assistência independem de contraprestação direta dos beneficiários.



Já, no que se refere aos direitos previdenciários, as disposições do art. 201, bem como do art. 40, tanto em sua redação original, como na redação atribuída pela EC nº 20/98, exigem a contribuição para que o segurado faça jus aos benefícios previdenciários.



A exigência da contribuição é ressaltada pela Professora Maria Garcia ao responder a pergunta "do que se trata a Previdência Social? De acordo com a Constituição Federal, art. 194, a Previdência Social insere-se no sistema de medidas ou ações objetivando a proteção dos trabalhadores e circunstâncias especiais, previstas na própria Constituição, arts. 201 e 202. Trata-se do sistema da seguridade social que inclui outros subsistemas: a assistência social (art. 203) e a saúde (art. 196) devidas a todos que necessitarem. Desses três subsistemas, apenas a Previdência Social é mantida mediante contribuição dos próprios trabalhadores, conforme 201, citado."



O Brasil, historicamente, adotou o modelo alemão, que prevê, entre outras, a contribuição do beneficiário, conforme dispõe o art. 201, acima comentado.



No modelo inglês, preconizado por William Beveridge, o financiamento é efetivado de forma indireta, através dos impostos, configurando um modelo assistencial.



Como as disposições aplicáveis à saúde e à assistência são diversas daquelas aplicáveis a previdência, os regimes jurídicos também são diversos.



Nesse sentido, Daniel Pulino assim se manifesta, em sua dissertação de mestrado em Direito Previdenciário: "a conveniência em diferenciar prestações previdenciárias das demais compreendidas na seguridade social advém do fato de aquelas prestações conformarem-se a determinado e específico regime: o jurídico-previdenciário (ou sistema jurídico previdenciário).



Com a expressão regime jurídico queremos designar uma parcela da ordem jurídica, um conjunto coerente que se articulam para formar uma individualidade logicamente identificável, uma tipicidade. Trata-se, portanto, de um conjunto sistematizado de regras e princípios jurídicos aplicáveis a determinados sujeitos e a certa classe de fatos".



Conceituando regime jurídico, Lúcia Valle Figueiredo assim se manifesta: "Conceituamos singelamente o regime jurídico como o complexo de normas e princípios disciplinadores de determinado instituto.

Portanto, para conhecermos o regime jurídico de cada instituto faz-se mister a perquirição das normas e princípios sobre ele incidentes."



A afirmação de que os regimes são diversos decorre do texto constitucional, portanto, do direito posto. Partimos dele, já que o objeto da Ciência do Direito é o direito positivo.



O texto constitucional determina a contributividade do beneficiário no que se refere aos direito previdenciários, ou seja, a contribuição do sujeito protegido é requisito para que faça jus aos benefícios previdenciários.



Com isso, temos que a previdência social é um direito constitucional assegurado a todos os trabalhadores; no entanto, é um direito que exige uma contrapartida por parte dos segurados, uma vez que eles precisam contribuir para que possam fazer jus aos benefícios.



Os trabalhadores obrigatoriamente estarão vinculados à previdência: no regime geral ou nos regimes específicos.



Os regimes específicos destinam-se aos servidores públicos, sendo que cada pessoa jurídica de direito público interno poderá instituí-los para seus servidores e, se não o fizer, os servidores ficarão vinculados ao regime geral, uma vez que a Constituição assegura a todos os trabalhadores o direito à previdência.



O regime geral, administrado pelo INSS - Instituto Nacional de Seguro Social, destina-se aos trabalhadores em geral, excetuando-se apenas os servidores públicos vinculados a regimes específicos.



As regras aplicáveis ao regime geral encontram-se no art. 201 da Constituição Federal.



Os regimes específicos (de cada esfera de governo para seus servidores) estão disciplinados no art. 40 da Constituição Federal, com redação atribuída pela Emenda Constitucional nº 20/98.



Como a contribuição do beneficiário é requisito para a obtenção dos benefícios, o tempo em que ela foi efetivada deve ser considerado na mudança do direito positivo, o que significa afirmar que qualquer mudança no ordenamento jurídico previdenciário deve prever regras de transição.



Mas, devem ser criadas normas de transição adequadas ao sistema como um todo, respeitando-se os princípios constitucionais.



Nesse sentido, já afirmamos que "embora a Constituição de 1988 se refira ao sistema de Seguridade Social, as disposições do art. 201, tanto em sua redação original, como na redação atribuída pela EC nº 20/98, ao exigir a contribuição para que o segurado faça jus aos benefícios previdenciários, demonstra que, quanto à previdência social, estamos diante de seguro social e não de seguridade.



E, por estarmos diante de seguro social, não pode o segurado contribuir para obter determinados benefícios e, quando está diante do risco, não poder usufruir do benefício, em razão da mudança do ordenamento jurídico.



Não se está afirmando que o ordenamento não possa mudar, mas como estamos diante de normas de seguro social, nas quais há obrigações recíprocas, o novo ordenamento somente poderá ser aplicado a partir de sua publicação. Às relações em andamento, o novo ordenamento deverá ser aplicado proporcionalmente ao tempo que ainda falta para usufruir o benefício".



2 - Necessidade de observância das disposições constitucionais



A Constituição, dada a sua supremacia, é o fundamento de validade de qualquer regra, inclusive as provenientes de emendas.



Nesse sentido assevera Jorge Miranda: "a Constituição é a base da ordem jurídica, o fulcro das suas energias, o fundamento último da atividade do Estado." Segundo ele, a supremacia da Constituição é uma supremacia material, sendo que a lei encontra na norma constitucional limites que não pode exceder.



Referindo-se à supremacia material, Manoel Gonçalves Ferreira Filho sustenta "não é lícito a qualquer poder por ela constituído exigir alguma coisa que não se coadune com o Direito fixado na Constituição. O conteúdo, seja de uma lei estabelecida pelo Poder legislativo, seja de um ato qualquer de qualquer dos Poderes, não pode contrariar o das normas constitucionais".



Conforme as palavras do autor acima nominado, qualquer poder por ela constituído não poderá contrariar seus dispositivos. O poder revisor está previsto na Constituição, nos arts. 59 e 60 e, portanto, também está submetido aos seus ditames.

Quanto a necessidade do poder revisor, bem como da supremacia da Constituição, também em relação a ele, Maria Garcia assim se refere: "Incompleta e inacabada, aberta ao tempo (Hesse), a Constituição necessita acompanhar a dinâmica social mediante as mudanças que se operam pela doutrina, pela jurisprudência, pela interpretação e, especialmente, pelas emendas constitucionais, já previstas na Constituição Federal, art. 59, como uma das espécies normativas do ordenamento jurídico brasileiro. Todas espécies subsumidas à ordem constitucional, cujos princípios e normas não poderão contrariar, sob pena de declaração da sua inconstitucionalidade e conseqüente banimento do ordenamento jurídico".



Ensina Jorge Miranda, que "todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser(...)".



Para o mencionado jurista, "existem dois vícios quanto ao conteúdo dos atos legislativos (em paralelo com os vícios dos atos administrativos): violação de lei constitucional e desvio de poder legislativo - aquela patenteada através da pura e simples contradição de comandos, este mediante a pesquisa do fim da norma e do fim do ato, aquela consistindo na contradição entre o objeto e o sentido do ato e a norma constitucional, este na contradição entre seu fim (havendo discricionariedade do legislador) e o fim ou interesse constitucionalmente assumido". Para ele, o desvio de poder não é vício privativo dos atos praticados por agentes administrativos; o legislativo também pode exceder os seus poderes, usando das faculdades que a Constituição lhe confere para realizar fins diversos além dos constitucionalmente previstos, ao conceder-lhes a competência. Os atos jurídicos não podem ser divorciados dos fins que os determinaram, sejam ou não do Parlamento.



Assevera Jorge Miranda: "ninguém contesta a maior margem de liberdade de que goza o legislador, sem comparação com a discricionariedade administrativa. Esta liberdade é a liberdade de iniciativa (de feitura originária da lei, de modificação e de revogação) e liberdade de conformação ou de determinação de conteúdo. E ela deriva da própria estrutura das normas constitucionais(...) enfim, da legitimidade política imediata detida pelo legislador, ao contrário do que sucede com os órgãos administrativos.



Feita esta advertência, insista-se na adstrição da lei ordinária aos fins, aos valores e aos critérios da Constituição. Nenhuma lei, seja qual for a matéria de que se ocupe, pode deixar de ser conforme com esses fins".



Não se deve apreciar a oportunidade política da lei, mas a correspondência ou não de fins, a harmonização ou não de valores, a inserção ou não nos critérios constitucionais, consoante ensinamento do mesmo jurista.



Para Kelsen "a Constituição regula os órgãos e o processo legiferantes e, por vezes, determina até certo ponto o conteúdo de leis futuras".



Nesse sentido, também se manifestam Clèmerson Merlin Clève: "em última análise, o conteúdo da lei já se encontra pré-definido na Constituição"; e Wagner Balera: "a Constituição é fundamento de validade a todas as demais normas que venham a regular a mesma matéria". Para este autor, "o lugar que cada norma infraconstitucional vai ocupar no sistema já se acha adrede definido. (...) O sistema jurídico só pode ser compreendido como algo inteiriço. Dentro dos seus quadros, as normas jurídicas de hierarquia inferior devem guardar estrita harmonia com as normas de superior escalão".



O legislador infraconstitucional tem seus atos vinculados às determinações constitucionais.

Portanto, ao produzir uma emenda ou uma lei que introduzirá mudanças nas regras previdenciárias, o constituinte revisor e o legislador infraconstitucional deverão obedecer tanto ao processo legislativo como ao conteúdo da própria norma, sob pena de serem afastadas do ordenamento jurídico, pelo órgão a quem a Constituição atribuiu competência para tanto.



Em nosso sistema jurídico a Constituição atribuiu competência ao Poder Judiciário para se manifestar sobre a constitucionalidade de uma regra (qualquer juiz ou tribunal, nos casos do controle difuso, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, conforme art. 102, III da Constituição Federal, julgar o recurso extraordinário, e a já referida Suprema Corte, conforme art. 102, I, "a", nos casos de ação direta de constitucionalidade - controle concentrado).



Por esse motivo, não só o legislador deve conhecer as normas constitucionais, mas todos os aplicadores do direito, pois poderão requerer a produção de uma norma pelo Poder Judiciário, julgando a inconstitucionalidade de uma lei, tanto no que tange ao processo de produção da lei como em relação a seu conteúdo.



Os demais aplicadores do direito, excetuando os membros do Poder Judiciário, poderão requerer a declaração de inconstitucionalidade, pois não possuem legitimidade para afirmar que uma determinada lei é inconstitucional.

Nesse sentido, já tivemos oportunidade de nos manifestar quando da elaboração da dissertação de mestrado: "por mais importante que seja um doutrinador, sua linguagem demonstrando que uma lei é inconstitucional nada produzirá, uma vez que o sistema atribui competência a um órgão específico para produzir uma linguagem competente que disponha sobre a inconstitucionalidade de uma determinada lei. O órgão competente poderá utilizar os argumentos do jurista em seus fundamentos, mas a linguagem deve ser produzida por aquele órgão investido pelo sistema para este fim, no caso, o Poder Judiciário".



3 - O Princípio constitucional da segurança jurídica e as mudanças no sistema previdenciário



3.1 - Princípios Constitucionais



Vimos no capítulo anterior que a Constituição dá fundamento de validade a todas as demais normas, inclusive às normas do poder de revisão.



Incluímos também as normas provindas do poder reformador, dada a natureza deste em relação ao poder constituinte original. Nesse sentido Canotilho afirma a "superioridade da função constituinte em relação à função de revisão". O referido autor sustenta que "o legislador constituinte pode exigir do poder de revisão é a solidariedade entre os princípios fundamentais da constituição e as idéias constitucionais consagradas pelo poder de revisão". Canotilho cita Zagrebelsky para quem "o poder de revisão da constituição baseia-se na própria constituição; se ele a negasse como tal, para substituí-la por outra, transformar-se-ia em inimigo da constituição e não poderia invocá-la como base de validade". Cita, ainda, Pedro de Veja "ainda que se entenda como competência da competência, o poder de revisão nem por isso deixa de ter o seu fundamento na constituição, diferentemente do que ocorre com o poder constituinte que, como poder soberano, é prévio e independente do ordenamento".



Como a Constituição dá fundamento de validade as todas as demais normas, e, como os seus princípios constituem o alicerce do ordenamento jurídico, eles precisam ser obedecidos tanto pelo legislador ordinário como pelo "constituinte" reformador.



Discorrendo sobre o sentido da palavra princípio, Lúcia Valle Figueiredo cita André Lalande, para quem "denomina-se 'princípios' de uma ciência ao conjunto das proposições diretivas, características, às quais todo o desenvolvimento ulterior deve ser subordinado. Princípio, nesse sentido, e principal despertam sobretudo a idéia do que é primeiro em importância, e, na ordem do consenso, do que é fundamental".



Para a professora acima mencionada "os princípios gerais de Direito são normas gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico, que se construa, com finalidade de ser um estado Democrático de Direito, em sentido material, deve respeito".



Princípio para Celso Antônio Bandeira de Mello "é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo".



Em relação a eles, Roque Antônio Carrazza assevera: "as normas constitucionais não possuem todas a mesma relevância, já que algumas veiculam simples regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios. Os princípios são as diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico". Para o autor "princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, veicula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. Não importa se o princípio é implícito ou

explícito, mas, sim, se existe ou não existe (...); o princípio explícito não é necessariamente mais importante que o princípio implícito. Tudo vai depender do âmbito de abrangência de um e de outro, e não do fato de um estar melhor ou pior desvendado no texto jurídico".



Para Celso Antônio Bandeira de Mello, "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".



A violação de um princípio constitucional, segundo José Souto Maior Borges, "importa em ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de conseqüências muito mais graves do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional". Ele assim conclui: "impõe-se a conclusão pela eficácia eminente dos princípios na interpretação das normas constitucionais. É o princípio que iluminará a inteligência da simples norma; que esclarecerá o conteúdo e os limites da eficácia de normas constitucionais esparsas, as quais têm que harmonizar-se com ele".



Embora discorrendo sobre princípios de Direito Financeiro, inseridos na Carta Constitucional anterior, as palavras de Geraldo Ataliba demonstram a necessidade da observância dos princípios constitucionais: "a Carta Constitucional vigente estabelece os princípios fundamentais do direito financeiro brasileiro. Tais princípios, por isso que princípios, requerem integral adesão do legislador, do administrador e do aplicador - inclusive o judicial - às suas exigências. E repugnam e invalidam toda e qualquer norma ou ato que se não conforme inteiramente com seu conteúdo, sentido e alcance, assim imediatos, como mediatos, assim diretos como indiretos". Para ele as demais normas constitucionais devem ser interpretadas em absoluta harmonia com os princípios, já que as normas, em sua maioria, são expressão legislada do conteúdo dos princípios, ou corolário de suas implicações.



Assim, toda a regra emitida pelo poder legislativo, incluindo-se as provenientes de emendas, deverá observar os princípios estabelecidos pela Constituição.



Após termos visto a importância dos princípios constitucionais, trataremos, na seqüência, do princípio da segurança jurídica relacionado às mudanças no sistema previdenciário.





3.2 - O Princípio da segurança jurídica e as mudanças no sistema previdenciário



O princípio da segurança jurídica não está enunciado num artigo da Constituição específico, uma vez que ele é da essência do tipo de Estado adotado na Constituição.



Já no preâmbulo, os constituintes afirmaram que se reuniram para "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna (...)".



O primeiro artigo da Constituição define a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, cujos fundamentos estão nominados em seus incisos. Willis Santiago Guerra Filho especifica a importância do referido artigo: "o primeiro artigo da Constituição de 88 define, assim, a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, e elenca os princípios sob os quais ela se fundamenta. Todo o restante do texto constitucional pode ser entendido como uma explicitação do conteúdo dessa fórmula política (...)".



É no contexto do Estado Democrático de Direito, implantado pela Constituição de 1988, que analisaremos o princípio acima referido.



Nesse sentido sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello que o princípio da segurança jurídica é da essência do próprio Direito, notadamente do Estado Democrático de Direito e, por isso faz parte do sistema constitucional como um todo, enquadrando-se, portanto, entre os princípios gerais do Direito. Para ele os "princípios gerais de Direito são vetores normativos subjacentes ao sistema jurídico-posiitivo, não porém como um dado externo, mas como uma inerência da construção em que se corporifica o ordenamento".



O referido autor pondera "que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da 'segurança jurídica', o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles (...) Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situações destarte constituídas.



Esta 'segurança jurídica' coincide com uma das mais profundas aspirações

do Homem: a segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, conseqüentemente, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas.".



Ensina Canotilho que "o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.



(...) O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idéia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas".



No que tange a segurança, Sérgio de Andréa Ferreira, assevera que "o

preâmbulo da Constituição Federal de 1988 é explícito em que a instituição por ela, de um Estado Democrático, se destinará a assegurar, dentre outros valores, a liberdade e a segurança.



O caput do art. 5º reitera que se garante a todos a inviolabilidade do direito à liberdade e à segurança, sendo a última, outrossim, objeto de direito subjetivo social, consoante expressa disposição do art. 6º da Carta magna Nacional. (...)



Uma das mais conspícuas expressões da segurança é a segurança jurídica".



As palavras dos autores acima citados, parecem proferidas especialmente

para a relação previdenciária, uma vez que, através da previdência social, busca-se justamente a segurança para o futuro.



Sobre a previdência social, Maria Garcia assevera "Previdência Social seria, então, o conjunto de medidas de proteção aos trabalhadores, nos casos emergenciais de incapacitação para o trabalho por doença, pela idade, por acidente do trabalho e casos equiparados, e aos seus dependentes, quando da morte do segurado.



São benefícios de natureza especialmente pecuniária, prestações substitutivas do salário, de caráter alimentar.



Dados seus objetivos, suas características e sua filosofia, ou princípios fundamentadores, pode-se afirmar que a Previdência Social constitui-se no mais importante instrumento de paz social".



Seguramente não haverá paz social, se o segurado ingressar no sistema previdenciário sem vislumbrar alguma previsibilidade para o futuro. Se a segurança jurídica enseja projetar e iniciar comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo, as novas regras previdenciárias editadas, tanto pelo legislador, como pelo constituinte reformador, deverão respeitar, proporcionalmente o período que o

segurado já contribuiu para um determinado regime.



O segurado contribui para no futuro usufruir o benefício, ele precisa ter a garantia de que as mudanças respeitarão, proporcionalmente, o que já ocorreu na relação jurídica previdenciária, mais precisamente, o tempo que ele já contribuiu. Do contrário, a previdência, na qual o trabalhador vislumbra a segurança, que nas palavras do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, é uma das mais profundas aspirações do homem, transforma-se em insegurança, a instabilidade, o desconhecido.



Nesse sentido, assevera Canotilho: "as refracções mais importantes do princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos normativos - proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos".



Como o novo ordenamento somente pode ser aplicado a partir de sua publicação, ele não poderá reger a totalidade de uma relação jurídica previdenciária já iniciada quando de sua publicação. Às relações em andamento, o novo ordenamento deverá ser aplicado ao tempo que ainda falta para usufruir o benefício, desta forma, as novas regras incidirão a partir de sua publicação, e com isso, estará garantida a efetividade do princípio da segurança jurídica.



Canotilho, discorrendo sobre a proteção da segurança jurídica relativamente a atos normativos, sustenta a impossibilidade de normas retroativas, assim se manifestando: "O princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da segurança jurídica e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjectiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas. Daqui a idéia de uma certa medida de confiança na actuação dos entes públicos dentro das leis vigentes e de uma certa protecção dos cidadãos no caso de mudança legal necessária para o desenvolvimento da actividade de poderes públicos".



Para que o novo ordenamento seja aplicado apenas ao tempo que ainda falta para usufruir os benefícios deverá, obrigatoriamente, prever regras de transição.



4 - Análise das normas constitucionais relacionadas à aposentadoria do servidor público



4.1 - Normas definitivas



As regras sobre aposentadoria para os servidores públicos estão expressas no § 1° do art. 40, com redação atribuída pela EC nº 20/98:



Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.



§ 1º. Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3°:

I - ...

II - ...

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a) 60 (sessenta) anos de idade e 35 (trinta e cinco) de contribuição, se homem, e 55 (cinqüenta e cinco) anos de idade e 30 (trinta) de contribuição, se mulher;

b) 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.



Verifica-se que a partir da EC nº 20/98 a antiga aposentadoria por tempo de serviço passou a exigir, também, uma idade mínima, que é de sessenta anos para o homem e cinqüenta e cinco para a mulher, além do período de contribuição. Também deixou de existir a aposentadoria proporcional por tempo de serviço.



Passou a ser exigida uma permanência mínima no regime específico e no cargo em que se dará a aposentadoria, de dez e de cinco anos, respectivamente. Tais exigências buscam garantir o equilíbrio financeiro e atuarial a que se refere o caput do art. 40, acima transcrito.



A EC nº 20/98 manteve a regra segundo a qual os proventos da aposentadoria correspondem à totalidade da remuneração (§ 3º do art. 40 da Constituição Federal). Já o regime geral possui um limite máximo correspondente a dez salários de contribuição.



Foi mantida, também, a equivalência entre os aposentados e os servidores em atividade, conforme se observa no § 8º do mesmo artigo, abaixo transcrito:



Art. 40...



§ 8º. ... os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidas aos servidores em atividade ...





Embora mantida a integralidade da remuneração para os proventos de aposentadoria, bem como a equivalência com os servidores em atividade, nos §§ 14 e 15 do art. 40, foi permitido que as pessoas políticas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) instituam regime de previdência complementar aos seus servidores, o qual terá suas normas gerais fixadas por lei complementar (§ 15). Encontra-se tramitando no Congresso Nacional projeto da referida lei complementar.



Após a edição da lei complementar, as pessoas políticas poderão criar a mencionada previdência complementar e, nesse caso, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões de seus regimes específicos, o mesmo limite estabelecido para os benefícios do regime geral. Ou seja, após a edição da lei complementar que trata da previdência complementar, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar leis criando a previdência complementar para seus servidores.



No caso de a pessoa política criar, através de lei própria, o regime de previdência complementar, obedecidas as regras da lei complementar, manter-se-á também o regime específico, o qual poderá fixar às pensões e aposentadorias os mesmos limites fixados no regime geral.



Os valores que excederem o limite deverão ser pagos pela previdência complementar. Entendemos que esta deverá garantir a efetividade das normas do §§ 3º e 8º do art. 40 da Constituição Federal, ou seja, a totalidade da remuneração, bem como, a extensão aos aposentados dos benefícios e vantagens concedidos aos servidores da ativa.



No entanto, aquele que ingressar no serviço público até a instituição do regime de previdência complementar (é preciso uma lei criando o regime, não bastando a lei complementar, uma vez que esta apenas estabelecerá normas gerais a serem obedecidas por todas as pessoas políticas de direito público interno) somente estará vinculado a ele (regime de previdência complementar) se optar expressamente por isso, conforme disposição do § 16 do art. 40, que assim estabelece:



§ 16. Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar.



Caso faça a referida opção, receberá pelo regime específico a aposentadoria com o limite fixado na lei que criar o regime complementar, que poderá ser o mesmo das aposentadorias do regime geral. Os valores excedentes serão pagos pela previdência complementar, na forma já referida acima.



Deixamos de tecer maiores comentários sobre a previdência complementar, haja vista estar ainda em trâmite a lei complementar que trata das normas gerais sobre o assunto.



A conjugação de tempo de contribuição (tempo de serviço) com limite mínimo de idade, prevista no art. 40, § 1º, III, "a", é aplicável aos servidores que ingressarem no serviço público após a publicação da referida emenda, ou seja, após o dia 16-12-98. E, como ela é aplicada somente àqueles que ingressaram no serviço público após a publicação da Emenda 20/98, ela atende o princípio constitucional da irretroatividade, além de garantir os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança.





4.2 - Normas de transição



Considerando que a EC nº 20/98 alterou significativamente o regime de aposentadoria dos servidores públicos, conforme se pode observar no §1º do art. 40 da Constituição Federal, acima transcrito, são necessárias regras de transição, uma vez que a contribuição do beneficiário é requisito para a obtenção dos benefícios.



Sobre as regras de transição, Canotilho assevera que "a aplicação das leis não se reconduz, de forma radical, a esquemas dicotômicos de estabilidade/novidade. Por outras palavras: entre a permanência indefinida da disciplina jurídica existente e a aplicação incondicionada da nova normação, existem soluções de compromisso plasmadas em normas ou disposições transitórias. Os instrumentos do direito transitório são vários: confirmação do direito em vigor para os casos cujos pressupostos se gerarem e desenvolverem à sombra da lei antiga; entrada gradual em vigor da lei nova; dilatação da 'vacatio legis'; disciplina específica para situações, posições ou relações jurídicas imbricadas com as 'leis velhas' com as 'lei novas'.



No plano do direito constitucional, o princípio da proteção da confiança justificará que o Tribunal Constitucional controle a conformidade constitucional de uma lei, analisando se era ou não necessária e indispensável uma disciplina transitória, ou se esta regulou de forma justa, adequada e proporcionada, os problemas resultantes da conexão de efeitos jurídicos da lei nova a pressupostos - posições, relações, situações - anteriores e subsistentes no momento da sua entrada em vigor". (grifos do autor)



O tempo de trabalho do servidor e a conseqüente contribuição deve ser considerado na mudança do direito positivo, o que significa afirmar que qualquer

mudança no ordenamento jurídico previdenciário deve prever regras de transição. Portanto, são elas necessárias quando houver mudança no Direito Positivo Previdenciário.



Nesse sentido, podemos afirmar que as regras do art. 40 da Constituição Federal são normas "definitivas" em contraposição as regras do art. 8º da EC nº 20/98, estas aplicadas aos servidores que na data da publicação da Emenda já haviam ingressado no serviço público.



Art. 8° Observado o disposto no art. 4° desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas, é assegurado o direito à aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §3°, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública, direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação desta Emenda, quando o servidor, cumulativamente:

I - tiver 53 (cinqüenta e três) anos de idade, se homem, e 48 (quarenta e oito)

anos de idade, se mulher;

II - tiver 5 (cinco) anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;

III - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) 35 (trinta e cinco) anos, se homem, e 30 (trinta) anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a 20% (vinte por cento) do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.



§ 1° O servidor de que trata este artigo, desde que atendido o disposto em seus incisos I e II, e observado o disposto no art. 4° desta Emenda, pode aposentar-se com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:

I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) 30 (trinta) anos, se homem, e 25 (vinte e cinco) anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a 40% (quarenta por cento) do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;



II - os proventos da aposentadoria proporcional serão equivalentes a 70% (setenta por cento) do valor máximo que o servidor poderia obter de acordo com o caput, acrescido de 5% (cinco por cento) por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de 100% (cem por cento).



As disposições do art. 8º, acima transcritas, são aplicadas apenas aos servidores que na data da publicação da Emenda já eram servidores públicos; portanto, são elas normas de transição.





Nesse sentido o art. 8º da EC nº 20/98 atende à necessidade de regra de transição, mas precisamos analisar se suas disposições regularam de forma justa, adequada e proporcional os casos de aposentadoria dos servidores que já haviam ingressado no serviço público quando da publicação da referida Emenda.



É justamente sobre as normas de transição relacionadas à aposentadoria dos servidores públicos que já haviam ingressado no serviço público quando da publicação da EC nº 20/98 que passaremos a tratar.



Entendemos que as normas de transição devem ser adequadas ao sistema como um todo, respeitando-se os princípios constitucionais, principalmente o da segurança jurídica e o da proteção da confiança.



Tendo em vista a necessidade de contribuição para a obtenção do benefício de aposentadoria, conforme já mencionado, as regras de transição deverão garantir a aplicação das regras anteriores, no que se refere ao período de trabalho já exercido, quando da publicação das novas normas. Isso somente será possível através da aplicação proporcional do novo ordenamento apenas ao tempo que ainda falta para usufruir o benefício. Dessa forma, as normas transitórias serão justas, adequadas e proporcionais.



A partir do exposto acima, passaremos a analisar o art. 8º da EC nº 20/98.



A primeira pergunta que se apresenta é sobre quais regras serão aplicadas a um servidor que na data da publicação da emenda era servidor de um determinado Estado e, após, faz concurso público para a União ou para outro Estado ou para um Município: as "definitivas" do art. 40 da Constituição ou as do art. 8º da EC nº 20/98?



Entendemos que devam ser aplicadas as regras de transição, uma vez que ele, na data da publicação da Emenda, já tinha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública. E, embora ingresse num novo cargo por concurso público, não está ingressando na Administração Pública, está apenas ingressando em outro cargo, na mesma ou em outra esfera de governo.



Portanto, segundo as disposições do art. 8º da Emenda, as regras de transição aplicam-se a todos aqueles que na data da publicação da Emenda tinham ingressado regularmente em cargo efetivo.



Verificado a quem se aplica a Emenda, passaremos a analisar as regras contidas no referido artigo.



As idades a que se refere o dispositivo - cinqüenta e três anos, se homem, e quarenta e oito, se mulher (art. 8º, I, da EC nº 20/98) - aplicam-se a todos indistintamente, tanto àquele que somente faltava um dia para se aposentar como àquele que havia trabalhado apenas um dia.



O inciso II do mesmo artigo exige cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria, também aplicável a todos indistintamente.



Já o período adicional de contribuição de vinte por cento (casos de aposentadoria integral) ou quarenta por cento (casos de aposentadoria proporcional) aplica-se apenas ao período que faltava, quando da publicação da emenda, para atingir o tempo para a aposentadoria.



Analisaremos os três requisitos: idade mínima, exigência de cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria e adicional ("pedágio"), frente aos princípios constitucionais, para verificarmos se tais requisitos encontram ou não fundamento de validade na Constituição.



Conforme já referido, aplica-se o mesmo limite de idade tanto àquele que faltava pouco tempo para se aposentar como àquele que havia ingressado no serviço público há pouco tempo.



Não há dúvida que o art. 8º da EC nº 20/98 está tratando igualmente os desiguais, no tocante ao limite de idade. A desigualdade reside no tempo de serviço em relação à data em que foi publicada a Emenda. A regra de transição não estabeleceu uma tabela de limites de idade em relação ao tempo de serviço já exercido. Estabeleceu apenas um limite para os homens e outro para as mulheres.



Como não há uma tabela gradativa em relação ao tempo já exercido, não podemos considerar as idades lá estabelecidas como limite, pois se fosse assim entendido haveria violação ao princípio da isonomia e deveria a regra de transição, no que tange à idade limite, ser afastada pelo Judiciário, pois não lhe é dada a função de agir como legislador positivo. O juiz deve apenas interpretar a legislação, não podendo substituir o legislador criando uma tabela gradativa de idade limite. Ele deve afastar as normas que não encontram fundamento de validade no texto constitucional.



Não considerando as idades lá fixadas como limites, como devemos entendê-las?



O art. 8º da EC nº 20/98 estabelece regras para os regimes específicos, os quais são destinados aos servidores públicos. Ora, qual é a idade mínima para que uma pessoa possa ingressar no serviço público? A Lei n° 8.112/90 - estabelece o regime jurídico dos servidores públicos civis da União -, no art. 5º, V, fixa como requisito para a investidura em cargo público a idade mínima de dezoito anos.



Como o servidor público somente pode ingressar no serviço público com dezoito anos e, considerando que a Constituição, antes da EC nº 20/98, exigia apenas trinta anos de serviço para a mulher e trinta e cinco para o homem, se somarmos dezoito anos (mínimo para ingressar no serviço público) mais trinta anos (no caso das mulheres), teremos quarenta e oito anos. Por sua vez, somando dezoito anos mais trinta e cinco (para os homens), teremos como resultado cinqüenta e três anos.



Quando o art. 8º da EC nº 20/98 estabeleceu o mínimo de idade para a aposentadoria de quarenta e oito e cinqüenta e três anos, respectivamente para mulheres e homens, visualizava apenas o regime de que estava tratando, ou seja, o regime específico dos servidores públicos.



No entanto, a Constituição Federal, tanto antes como após a EC nº 20/98, permite a contagem recíproca do tempo de serviço (depois da Emenda, tempo de contribuição) na administração pública e na atividade privada, rural e urbana. Como permite a contagem recíproca, as idades de quarenta e oito e de cinqüenta e três anos, estabelecidas no art. 8º da EC n° 20/98, podem ser reduzidas, uma vez que na atividade privada era possível o início do trabalho com doze anos, depois com quatorze e atualmente com dezesseis anos.



Não permitir a referida redução da idade mínima para a obtenção do benefício de aposentadoria é tornar letra morta os dispositivos constitucionais que permitem a contagem recíproca do tempo de contribuição. Além disso, viola o princípio da segurança jurídica, uma vez que o servidor planejou sua vida em razão de um determinado ordenamento jurídico, sendo surpreendido pela alteração deste, sem previsão de normas de transição justas e adequadas, que lhe garantiriam um mínimo de previsibilidade.



Portanto, para garantir o império da segurança jurídica e com ela o Estado de Direito, não se pode considerar as idades de quarenta e oito e cinqüenta e três como idades limites, restando apenas como requisitos para a aposentadoria dos servidores públicos, que já haviam ingressado no serviço público quando da publicação da EC nº 20/98, a exigência de cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria e os adicionais de vinte e quarenta por cento, para a aposentadoria integral e proporcional, respectivamente.



A exigência de cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria atende à necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. A Previdência Social exige contribuição do beneficiário, com isso, a fixação de um período mínimo para permanecer no regime em que se dará a aposentadoria permitirá a efetividade do mencionado equilíbrio financeiro e atuarial.



Já com relação aos adicionais (vinte e quarenta por cento), aplicam-se apenas ao período que faltava para a obtenção da aposentadoria quando da publicação da Emenda. Por exemplo, a uma mulher que já tinha vinte anos de serviço no dia 16-12-98 (publicação da Emenda) faltavam dez anos para poder se aposentar. O adicional será de vinte por cento (aposentadoria integral) sobre os dez anos. Portanto, deverá ela trabalhar não apenas dez anos, mas doze anos (dez mais vinte por cento).



O referido adicional, por se aplicar apenas ao período que faltava para a obtenção do benefício, encontra fundamento de validade no texto constitucional e, também, encontra respaldo na doutrina.



Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que o Direito, embora em constante mutação, deve efetuar suas inovações causando o menor trauma possível, a menor comoção, às relações jurídicas passadas que se prolongaram no tempo ou que dependem da superveniência de eventos futuros previstos.



Um servidor que já estava no sistema quando foram inovadas as regras dependia de evento futuro previsto, que é a complementação do tempo que ainda lhe faltava, com a conseqüente contribuição.



Não se está afirmando que o ordenamento não possa mudar, mas como estamos diante de normas de Direito Previdenciário (seguro social, conforme defendido no capítulo "1"), nas quais há obrigações recíprocas (o servidor paga contribuição e a administração pública paga o benefício), o novo ordenamento somente poderá ser aplicado a partir de sua publicação.



O adicional referido aplica-se apenas ao período que faltava para a obtenção da aposentadoria na data da publicação da EC nº 20/98, portanto, é irretroativo, já que se aplica apenas ao período de trabalho exercido após a publicação da Emenda.



Atende ao princípio da isonomia, uma vez que o adicional será aplicado ao período que falta e, por isso, será diferenciado para cada servidor, dependendo do tempo de serviço que já tinha exercido e do tempo que ainda falta. Com isso, tratará igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.



Como o novo ordenamento somente pode ser aplicado a partir de sua publicação, às relações em andamento ele deverá ser aplicado proporcionalmente ao tempo que ainda falta para usufruir o benefício; desta forma, será garantida a aplicação das novas regras a partir de sua publicação e, com isso, estará garantida a efetividade dos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica. Assim, o beneficiário tem garantida a aplicação das regras vigentes quando da prestação dos serviços e das correspondentes contribuições.



O entendimento acima foi novamente endossado em recente julgamento sobre o tema, divulgado no Informativo do Supremo Tribunal Federal:



"Tempo de Serviço e Irretroatividade das Leis

O tempo de serviço é regido pela lei vigente à data de sua prestação. Com esse entendimento, a Turma, por ofensa ao princípio da irretroatividade das leis (CF, art. 5º, XXXV), deu provimento a recurso extraordinário, do Estado do Rio de Janeiro para reformar acórdão que, aplicando retroativamente lei nova mais benéfica (Lei Estadual 7.674/85) assegurara o cômputo do tempo de afastamento do servidor para tratamento de saúde, em período que não havia previsão legal para tanto. Precedentes citados: RE 82.881-SP(RTJ 79/268) e RE 85.218-SP(RTJ 79/338)".

RE 174.150-RJ, rel. Min. Octavio Galotti, 4.4.2000. Informativo 184



Para que o novo ordenamento seja aplicado apenas ao tempo que ainda falta para usufruir os benefícios, deverão ser considerados como requisitos a permanência de cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria e o adicional, sendo que a idade limite fixada no art. 8º da EC nº 20/98 deve prevalecer apenas quando o servidor não tiver tempo de atividade privada, a qual permite a contagem recíproca, do contrário os princípios da confiança e da segurança jurídica estarão sendo violados.



Ora, um servidor que havia trabalhado trinta e quatro anos, onze meses e vinte dias e, conseqüentemente, contribuído por igual período tinha confiança que, com mais dez dias de serviço, obteria o benefício da aposentadoria. Tal servidor, por ter trabalhado na iniciativa privada, poderia ter iniciado com doze anos de idade, o que com mais os trinta e quatro anos, onze meses e dez dias de serviço, na data de publicação da EC nº 20/98, somaria quarenta e sete anos de idade. No ordenamento anterior, poderia se aposentar com quarenta e sete anos, precisando, apenas, trabalhar mais dez dias. Mas se considerarmos a idade de cinqüenta e três como limite, ele deverá trabalhar mais seis anos.



Além disso, o nosso sistema protetivo já prevê, no enunciado do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20/98, abaixo transcrito, regras de transição que atendem à proporcionalidade a que se refere o mestre português.



Art. 8º....



§ 3º Na aplicação do disposto no parágrafo anterior, o magistrado ou o membro do Ministério Público ou de Tribunal de Contas, se homem, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o acréscimo de 17% (dezessete por cento).



O acréscimo de dezessete por cento incidirá sobre o tempo de serviço exercido até a publicação da emenda. Com isso, observa-se que as novas regras somente incidem ao tempo de serviço que ainda faltava, quando da publicação da emenda, para o exercício do direito.



A regra acima foi prevista porque o magistrado, o membro do Ministério Público e do Tribunal de Contas, antes da EC nº 20/98, podiam se aposentar, com proventos integrais, com trinta anos de trabalho. Como a partir da Emenda eles precisam de trinta e cinco anos, o tempo que já tinham exercido antes da Emenda foi acrescido de dezessete por cento. Ou seja, a necessidade de trinta e cinco anos para a aposentadoria aplica-se apenas ao período que ainda faltava para usufruir do benefício.



Verifica-se, com isso, que além dos adicionais de vinte e quarenta por cento previstos no art. 8º da EC nº 20/98 e acima comentados, a regra de transição estabelece, no § 3º do mesmo artigo, outro preceito que garante a aplicação da regra vigente quando da prestação do serviço.



Com isso, concluímos que somente aplicando as novas regras ao período que ainda falta para usufruir o benefício é que garantiremos a irretroatividade do novo ordenamento, bem como a aplicação do princípio da isonomia, garantindo, assim, a segurança jurídica e com isso o Estado de Direito.



Não haverá segurança jurídica se um segurado contribuir para obter determinados benefícios e, quando estiver diante do risco, não poder usufruir do benefício, em razão da mudança do ordenamento jurídico. As normas de transição deverão garantir a aplicação das regras anteriores, no que se refere ao período já exercido, quando da publicação das novas normas. Dessa forma, as normas transitórias serão justas, adequadas e proporcionais.



CONCLUSÃO





Finalizando o presente trabalho concluímos que as mudanças no ordenamento previdenciário deverão ser acompanhadas, obrigatoriamente, por regras de transição, como forma de garantir o princípio da segurança jurídica, e, com isso, a manutenção do Estado de Direito.



As referidas regras deverão ser proporcionais ao tempo de serviço exercido sob o regime anterior, ou seja, o novo ordenamento deverá ser aplicado apenas no período que ainda falta para que o segurado faça jus aos benefícios.



Considerando que as idades de quarenta e oito anos para mulher e cinqüenta e três para homens, fixadas no art. 8º da Emenda Constitucional nº 20/98, não possuem qualquer relação com o tempo de serviço já exercido quando da publicação da mencionada emenda, elas não podem ser consideradas idades limites, somente subsistindo quando o servidor não tiver tempo de serviço da atividade privada.



Os adicionais de vinte e quarenta por cento, respectivamente para a aposentadoria integral e proporcional, também estabelecidos no artigo da EC nº 20/98 acima referido, por serem aplicados apenas ao período que faltava para a obtenção do benefício da aposentadoria, encontram fundamento de validade na Constituição.





Retirado de: http://www.prsp.mpf.gov.br