BUSCALEGIS.ccj.ufsc.br

 

 

A RESPONSABILIDADE CIVIL E OS DANOS MORAIS APÓS DEZ ANOS DE CONSTITUIÇÃO

 

I – CONCEITO


Para se chegar ao conceito de dano moral é necessário ter a noção do que vem a ser dano, e, nesse aspecto, também fazemos a opção antes feita por AGUIAR DIAS relativamente à concepção de FISCHER, para quem era possível restringir a noção de dano à de prejuízo, isto é, o resultado da lesão sofrida pelo sujeito de direitos em conseqüência da violação destes por fato alheio.

Essa noção substitui com vantagem à de dano como diminuição de um bem da vida ou mesmo como lesão do interesse, definido por CARNELUTTI como “... a situação de cada um em relação ao bem, em virtude da qual lhe seja possível, lhe seja fácil, lhe seja seguro empregá-lo na satisfação de uma necessidade; esta situação é o interesse, que é, portanto, a relação entre o homem e o bem”.

E por que se dá essa vantajosa substituição? Porque não é toda diminuição dos bens da vida, nem todo interesse que importa ao direito, sob o aspecto da responsabilidade civil. Tomemos como exemplos a lesão que alguém produza em si próprio e a destruição de alguma coisa que integre o seu patrimônio. Nos dois exemplos, há diminuição de um bem da vida, mas eles não interessam ao direito, porque não há disposição que obrigue alguém a ressarcir os danos provocados por uma auto – lesão ou pela destruição de seus próprios bens.

Se a auto – lesão ou a destruição de bem do patrimônio é feita com intenção de lesar alguém ( o Estado, por exemplo, no caso de convocação para o serviço militar; ou a credor, como no exemplo do devedor que destrói o seu patrimônio para não saldar a dívida), então o direito intervém, porque aí há prejuízo, ou seja, há lesão ao direito de alguém por um fato não aceito pelo direito, praticado por uma determinada pessoa.

Isso significa que o dano que interessa ao estudo da responsabilidade civil é o que constitui requisito da obrigação de indenizar.

É aí que entra a divisão dos danos em patrimoniais e extrapatrimoniais, também chamados de danos imateriais, não patrimoniais ou morais.

O dano patrimonial é aquele em que a lesão ao direito repercute diretamente sobre os “bens economicamente úteis que se acham dentro do poder de disposição de uma pessoa”, na definição de FISCHER para patrimônio.

Dano extrapatrimonial, em conseqüência , é a lesão que repercute diretamente sobre bens imateriais ou indisponíveis.

O importante é notar que a distinção não se faz em função da natureza do direito (se pessoal ou real), nem do bem lesado, mas sim em função do efeito da lesão, ou seja sobre a sua repercussão sobre o lesado.

É por isso que é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência de lesão a um bem não patrimonial, como dano moral em resultado de ofensa a bem material, como, por exemplo, nas hipóteses de perda de clientela e de morte de um filho, respectivamente.

Dito isso, podemos conceituar dano moral como o efeito ou resultado de uma lesão que repercute em forma de reação psicológica.

Por isso, diz-se que é dano moral tanto a dor física como a dor moral experimentada pelo indivíduo.

Como configurar o dano moral.
Tiramos de algumas decisões mais significativas os principais elementos capazes de demonstrar de que forma o dano repercute no indivíduo. Leia-se:

· “Na tormentosa questão de saber o que configura o dano moral, cumpre ao Juiz seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da sensibilidade ético - social. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extremada sensibilidade.”

· “ ...quando resulte o ilícito de ato... em que a carga de repercussão na relações psíquicas, nos sentimentos e na tranqülidade se reflita como decorrência da repulsa ao ato intencional do autor do crime”.

· Quando presente uma sensação de nojo e humilhação.

· Dor moral resultante do sofrimento produzido pela dor da queda e constrangimento pela perda dos dentes, com prejuízo da mastigação.

· Os danos morais, que na maioria dos casos se traduzem por aflição, dor ou pranto, não podem ser dimensionados onde ocorrem somente danos materiais, pelos naturais dissabores do fato (acidente de trânsito), ínsito à vida moderna e às incidências de um trânsito febril.

· Quando presente um injusto e grave sofrimento.

· Em síntese de angústia e desvio das atividades normais ou mesmo do lazer.

· Todo o mal causado ao ideal das pessoas, resultando em mal - estar, desgosto, aflições, interrompendo-lhes o equilíbrio psíquico, constitui causa eficiente para a obrigação de reparar o dano moral.

· Quando configurado stress, ansiedade, isolamento social.

Mas é fundamental conhecer os limites para essa configuração, o que nos é dito com muita propriedade por acórdão do eminente Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Diz ele:

“Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação, que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Meros dissabores, aborrecimentos, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia – a – dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.”

II – OBJEÇÕES À REPARABILIDADE

São os seguintes os argumentos mais conhecidos dos adversários do ressarcimento do dano moral: a) a falta de efeito penoso durável; b) dificuldades em descobrir a existência do dano moral; c) indeterminação do número de pessoas lesadas; d) impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro; e) imoralidade da compensação da dor com o dinheiro e f) extensão do arbítrio concedido ao Juiz.

Em relação ao primeiro, sustenta Gabba que a idéia de dano é subordinada a um efeito penoso durável, e que a ofensa ao decoro ou à liberdade ou às dores morais são fenômenos passageiros.

Minozzi contesta o argumento, explicando que a duração da sensação dolorosa só pode ter influência na avaliação e nunca no reconhecimento da existência do dano. Este é o próprio fenômeno, na sua essência, e se determina contemporânea e necessariamente desde o aparecimento do efeito penoso.

Em relação ao segundo, diz Chironi que o defeito da tese da reparação do dano moral é o de defendê-lo sem antes estabelecer se ele existe, crítica que é refutada por AGUIAR DIAS para quem o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direitos e não a própria lesão, abstratamente considerada. Em outras palavras, o dano se prova per se, como no caso da morte de um filho, que é causa de amargura e desespero para um pai.

Em relação ao terceiro argumento, de que haveria indeterminação dos lesados, a sua refutação está em que o argumento se prende à questão da prova. Dessa forma fora os casos em que ocorre a presunção da lesão ao sentimento afetivo, o certo será conferir ao juiz a solução do caso concreto, devendo ele examinar se ocorreu ou não verdadeiro dano moral.

Em relação ao quarto, ou seja, sobre a impossibilidade de se estabelecer uma equivalência entre o dano e o ressarcimento, o que se diz, com vantagem, é que essa equivalência não existe nem quando se procura indenizar o dano patrimonial, além do que não constitui razão suficiente para não indenizar o fato de não ser possível estabelecer equivalente exato, não só porque assim beneficiaríamos o responsável em detrimento da vítima, como porque o arbítrio na avaliação é da essência das coisas.

Em relação ao quinto argumento, de que seria imoral indenizar a dor com dinheiro, responde-se que pior é deixar sem indenização o desgosto, a aflição, a humilhação. A reparação pecuniária, assim, ainda é o processo mais idôneo de reparar a dor moral, conferindo ao lesado um conforto e uma compensação capazes de proporcionar um apaziguamento da dor sofrida, ao mesmo tempo que assume natureza de pena ao autor do dano.

Por último, ao argumento de que se estaria conferindo poder excessivo ao juiz, pode-se responder que ele já o tem, na mesma proporção, quando avalia o dano patrimonial.


III – CONFUSÕES COMUNS

A – Abalo de Crédito

É freqüente a confusão de alguns julgados, quando condicionam a reparação do dano moral a reflexos patrimoniais.

Ora, na lição de AGUIAR DIAS, antes citada, o dano “é uno e não se discrimina em patrimonial e extrapatrimonial em atenção à origem, mas aos efeitos.”

Exemplo maior dessa confusão se encontra na hipótese de abalo de crédito, tratado como hipótese de dano extrapatrimonial.

Ora, o abalo de crédito se traduz em paralisação de negócios, retração de fornecedores ou de clientela, desamparo de recursos bancários, etc., ou seja, tudo que repercute na esfera patrimonial do indivíduo, o que prova, à saciedade, que ele é dano patrimonial.

É claro que pode existir, paralelamente, o dano moral, traduzido na reação psíquica, no desgosto experimentado pelo profissional, relativamente aos rumores e às medidas que importam vexame, humilhação, como no caso da falência erroneamente crismada de fraudulenta, na busca e apreensão de mercadorias ou mesmo do despejo do estabelecimento, todos decorrentes de ações infundadas.


B – Dano estético

Outra fonte de confusão se encontra na questão do dano estético. Tal dano só deve ser indenizado quando for pedido isoladamente, ou seja, quando não houver dano material ou dano moral reconhecido e sujeito a arbitramento.

Isso porque, quando presente o dano material e/ou moral, o dano estético será classificado ora como um, ora como outro. Explica-se: o dano estético normalmente é invocado como uma causa que impede ou dificulta a colocação da vítima no mercado de trabalho ou reduz as suas condições de trabalho.

Ora, quando isso ocorre, ele é, inegavelmente, dano patrimonial, visto como é o reflexo no patrimônio que está em causa.

Quando, entretanto, o que se invoca é a sensação de humilhação perante terceiros, ou seja, quando o que está em causa são os efeitos sensoriais provocados pela aparência exibida, então a sua natureza é de dano moral.

Vale realçar, com AGUIAR DIAS, que “Com os progressos realizados no campo da cirurgia plástica, o dano estético se vai progressivamente convertendo em dano patrimonial. Restaurado satisfatoriamente o dano estético, desaparece a razão para idenizá-lo a esse título. A reparação específica dispensa a reparação sucedânea e se resume no custo a que corresponde a correção estética.”

O antigo Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro chegou a sumular o entendimento de que o dano estético estaria compreendido no dano moral (Súmula nº 15), mas a divergência ainda persiste, aguardando tempos melhores e mais razoáveis.

C – Prestação de alimentos

Dispõe o artigo 1.537, II do Código Civil que a indenização, no caso de homicídio, consiste na prestação de alimentos a quem o defunto os devia.

Na verdade, a obrigação de reparar jamais perde essa natureza, nem se transforma em obrigação alimentar, valendo a pena mencionar alguns pontos diferenciadores, citados por AGUIAR DIAS: - os alimentos são variáveis, isto é, podem ser aumentados, diminuídos ou suspensos, de acordo com as condições de riqueza do alimentado, mas nenhum devedor pode invocar a modificação da situação financeira do alimentando para se eximir de ressarcir o dano; - o obrigado a indenizar que, porventura, seja também prestador de alimentos, não poderia pretender isentar-se daquela obrigação, invocando a prestação de alimentos; - os alimentos não são deferidos a pessoas abastadas, enquanto que a obrigação de indenizar não leva em conta essa circunstância.

IV – AS INOVAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO E O ESTÁGIO ATUAL DO TEMA.

A – A ressarcibilidade do dano moral. Entre as inúmeras novidades trazidas pela Constituição de 1988, talvez a que mais tenha se revestido de utilidade para o dia-a-dia dos advogados envolvidos com o tema da responsabilidade civil seja a da consagração da ressarcibilidade do dano moral.

De fato, se hoje ainda vemos alguns julgados que denunciam a resistência à tese da ressarcibilidade do dano moral por parte dos autores de atos ilícitos, com certeza podemos concluir que ou o patrono está mal informado ou o caso é mesmo de litigância de má-fé.

É que a Constituição foi bem enfática ao inserir entre os direitos e garantias fundamentais, de aplicação imediata, o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (artigo 5º, inciso V) e ao estabelecer que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º, inciso X).

B – O direito à própria imagem e o direito à vida privada. Podemos dizer, rapidamente, que o direito à própria imagem a que se refere o inciso V do artigo 5º é aquele relativo à figura propriamente dita, reproduzida por qualquer meio de comunicação (charge, fotografia, filmagem, etc.).

O direito à vida privada, mencionado no inciso X do mesmo artigo, por sua vez, é do direito à vida interior, a face íntima da vida exterior. E a intimidade, como diz RENÉ ARIEL DOTTI, é “a esfera secreta do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”. Aí estão o modo de vida doméstico, as relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, pensamentos, segredos, origens e planos do indivíduo, como explica JOSÉ AFONSO DA SILVA.

Em relação a essa intimidade, só o titular do direito tem o poder de disposição, se, como e quando desejar.

A violação desses dois direitos ocorre, mais freqüentemente, conforme PIERRE KAYSER, por duas formas: a divulgação, ou seja, o fato de levar ao conhecimento do público, ou a pelo menos de um número indeterminado de pessoas, os eventos relevantes da vida pessoal e familiar; e a investigação, isto é, a pesquisa de acontecimentos referentes à vida pessoal e familiar.

C – A responsabilidade da pessoa jurídica. Outra inovação da Constituição no campo da responsabilidade civil se encontra na possibilidade de reclamar a pessoa jurídica indenização por dano moral.

É que o inciso V do artigo 5º da Constituição não discrimina entre pessoa física ou jurídica, resultando daí que também a pessoa jurídica faz juz à proteção legal à sua honra objetiva, assim considerada a reputação que goza em sua área de atuação, como decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
O ESTÁGIO ATUAL DO TEMA.

Hoje em dia, assentados os pressupostos do direito à indenização do dano moral, a discussão se encontra centrada no Código de Defesa do Consumidor, com a proteção dos interesses e direitos difusos e coletivos; na questão do arbitramento e na questão dos titulares legitimados a reclamar a indenização.

Convém salientar a observação de DARCY ARRUDA DE MIRANDA, no sentido de que a Constituição de 1988 acabou com as limitações de tempo e valor para as ações de reparação de danos materiais e morais, lição que veio a ser confirmada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por acórdão cuja ementa diz que “a responsabilidade civil por dano moral, a partir da Constituição de 1988, rege-se pelo direito comum, ainda que se cuide de publicação na imprensa” (RE nº 86.279, Rel. Min. Waldemar Zveiter).

A questão de arbitramento – Sem dúvida o ponto mais delicado a resolver, ainda hoje, é o da questão do arbitramento da indenização, sabendo-se de antemão que essa não pode ser fonte de enriquecimento do lesado e de empobrecimento do autor do dano, nem pode, tampouco, ser tão diminuta ou insignificante que deixe a descoberto a dupla função que assume, qual seja a de ser capaz de amenizar a dor sofrida e a de funcionar como uma pena.

Os trechos abaixo extraídos de decisões judiciais nos dão uma boa idéia dos critérios a serem adotados, quer pelos advogados, quer pelos magistrados que se encontrem diante do tema:

“O arbitramento judicial é o mais eficiente meio para se fixar o dano moral. E embora nessa penosa tarefa não esteja o juiz subordinado a nenhum limite legal, nem a qualquer tabela prefixada, deve, todavia, atentando para o princípio da razoabilidade, estimar uma quantia compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade por ela produzida.”

“No arbitramento do dano moral há que se considerar tanto sua reparação, oferecendo à vítima uma satisfação em dinheiro, quanto a necessidade de se impor ao ofensor uma expiação pelo ato ilícito.”

“Na fixação da indenização por danos morais deve-se ter em conta a satisfação do lesado e a repercussão econômica do quantum fixado no patrimônio do que pratica a lesão.” TAEMG

“No arbitramento do valor do dano moral... é preciso ter em conta a intensidade da culpa, as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso, devendo, ainda, tratar-se de quantia capaz de dissuadir o autor da ofensa a novo atentado, considerando-se a condição do réu.” TAEMG.

“Na fixação do quantum devido a título de dano moral, deve-se atentar para as condições das partes, a gravidade da lesão, a sua repercussão e as circunstâncias fáticas, não se podendo olvidar da dúplice função da indenização, compensatória para o lesado e punitiva para o lesante.” TAEMG.

“A configuração do dano moral e sua quantificação exigem que se leve em linha de conta os efetivos prejuízos sofridos pela vítima, a posição social que desfrutava, o seu conceito entre os colegas, a projeção de sua atividade para o futuro e a situação à qual se viu reduzida.” TJRGS

“Liquidação do dano moral que atenderá ao duplo objetivo de compensar a vítima e afligir, razoavelmente, o autor do dano.” TJRGS

“... medindo-se a capacidade do responsável no campo econômico, de modo que não seja esmagado com a indenização, mormente com comprometimento dos seus relevantes serviços comunitários na área de sua atuação.” TJRJ

“Na fixação do quantum indenizatório, há de se ter presente a condição do devedor da pensão, não podendo a indenização privar o devedor do necessário à subsistência própria e de sua família.” TARGS

“Na fixação do quantum referente à indenização por dano moral,... há que se considerar as condições pessoais de ofensor e ofendido; grau de cultura do ofendido; seu ramo de atividade; perspectivas de avanço e desenvolvimento na atividade que exercia; grau de suportabilidade do encargo pelo ofensor e outros requisitos que, caso a caso, possam ser levados em consideração.” TARGS

“O quantum a ser fixado para indenização por danos morais não se ata ao padrão da vida da vítima.” TJDF

“A reparabilidade do dano moral assenta-se mais no sentido de que o pagamento em dinheiro, ao invés de objetivar uma recomposição do desequilíbrio causado pelo fato lesivo, representa uma sanção ao causador do fato, sanção essa que pode traduzir em dinheiro.” TJSP

“ A fixação do valor de danos morais em razão da morte de familiar não deve subestimar demasiadamente o valor da reparação econômica, nem fazer com que a morte de alguém seja considerada geradora de proveito econômico exagerado, devendo-se, em cada caso, encontrar-se um valor razoável.” TJDF

Titulares Legitimados – É objeto de discussão, ainda hoje, a questão dos legitimados a pleitear indenização por danos morais.

Dispensados os casos em que existe presunção, em que praticamente o assunto é pacífico, debate-se, ainda, sobre o cabimento da indenização aos parentes próximos, quando a vítima não faleceu.

Titular, exclusivo, de eventual direito à indenização, quer material, quer moral, só poderá ser a vítima, pois só ela e apenas ela é que sofre as lesões, não sendo suficiente para atribuir essa qualidade ao fato de os pais virem arcando com despesas relacionadas com a sua recuperação. Se isso bastasse, também ao estabelecimento bancário a que se recorresse para essa finalidade dever-se-ia reconhecer a mesma titularidade.

No que toca ao dano moral, embora pobre a jurisprudência, não deixa ela de registrar, de igual forma, que “o dano moral, quando cabível, há de o ser com reservas, com admissão apenas àquele que o sofreu diretamente...” (2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Rel. Des. Sérgio Lellis Santiago).

Em Portugal, país no qual muitos de nossos escritores e legisladores vão buscar as novidades que depois nos repassam, é expresso, desde a última reforma do Código Civil, que o direito à indenização por danos não patrimoniais só cabe aos pais na hipótese de morte da vítima, não quando ela, que é a titular desse direito, permanece viva, ainda que lesionada. (v.g. artigo 496)

Também é assim na Inglaterra, como nos informa o excelente livro de Geneviéve Viney e Basil Markensinis “La réparation du dommage corporel”, em que se lê:

“...resta, contudo, ainda hoje, uma importante diferença entre esta situação e aquela criada por um acidente mortal: ela concerne ao exercício da ação civil perante tribunais repressivos. A Câmara Criminal da Corte de Cassação, com efeito, sempre manifestou uma certa hostilidade relativamente à ação civil exercida pelas vítimas por ricochete. Entretanto, ela admite, em princípio, a utilização dessa via de direito pelos próximos, em caso de morte da vítima inicial. Ao contrário, ela sempre se opôs a esta possibilidade em caso de sobrevivência desta última, pelo menos para o prejuízo de afeição. Ora, por um acórdão de 12 de Janeiro de 1979, a assembléia plenária quis generalizar esta recusa a todas as formas de danos refletidos. Ela, com efeito, decidiu que a esposa de uma pessoa ferida não está legitimada a propor uma demanda por perdas e danos, tendo a jurisdição repressiva pronunciando-se por uma condenação por ferimentos involuntários (culposos), não pertencendo essa possibilidade, esclarece ela, senão àqueles que “pessoalmente sofreram os danos causados diretamente pela infração.”

Depois do acórdão mineiro, consegui localizar mais uma decisão que encapa essa tese, que penso a mais acertada. De fato, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que “O direito subjetivo à indenização por dano moral é inerente à pessoa do ofendido. Não a seus pais ou familiares, aos quais só será atribuída a titularidade do direito em caso de morte daquele. Direito que não se estende subjetivamente à cadeia familiar, mas se restringe à pessoa que o infortúnio ou o dano sofreu.”




V – ALGUNS CASOS INTERESSANTES

Abuso de direito. O abuso de direito é referido geralmente como ato ilícito, não percebendo aqueles que assim o tratam que cometem uma verdadeira contradição em termos, porque um direito não pode simultaneamente ser direito e ser ato ilícito. A sua natureza é outra, constituindo uma categoria à parte, sui generis, como sustentaram Pedro Batista Martins, Alvino Lima e Aguiar Dias.

O que o caracteriza não é a violação de uma norma preexistente, por dolo ou qualquer uma das modalidades culposas. O abuso de direito se caracteriza, na verdade, quer pela simples inutilidade do exercício de um direito assegurado, quer pela ausência de razoabilidade nessa utilização, quer pelo fato de que, confrontando com o direito da outra parte, se mostra menos útil socialmente a sua proteção do que a reparação do dano que acarreta.

A professora Juliana Karila de Van, Maître de conférences da Universidade Panthéon – Sorbonne (Paris I), acrescenta que “este abuso se caracteriza, seja pela intenção de prejudicar...seja pelo seu uso anormal, isto é, na ausência de um poder legítimo de prejudicar ou do desvio de sua função social.”

Os textos legais e a literatura especializada são ricos nos exemplos do exercício de direitos que podem se tornar abusivos, dando margem à reparação dos danos materiais e morais por eles provocada.

Vejamos: a despedida de empregado é direito assegurado pelas normas trabalhistas; entretanto, o seu exercício pode ser abusivo, como ocorreu em caso apreciado pelo TJRGS, em que uma empresa fez comunicação à praça de que certo empregado seu, que ocupava o cargo de relações públicas, foi demitido e que a empresa não se responsabilizava por seus atos, quando a despedida fora ato rotineiro e sem motivo extraordinário ou especial, daí tendo decorrido prejuízo para a imagem do profissional;

A comunicação de fato criminoso à autoridade policial para abertura de inquérito não constitui fato abusivo, mas simples exercício regular de direito; entretanto, ele pode ser abusivo, se juntamente com a comunicação do fato faz imputação de autoria a pessoa determinada, sem a existência de prova cabal que acompanha a denúncia;

O protesto de título é ato decorrente do exercício normal do direito; mas pode ser ele abusivo, como se viu em caso concreto, em que foi tirado contra os dois titulares de conta corrente conjunta em estabelecimento bancário, mesmo sabendo a instituição financeira que a obrigação da qual decorrera o título levado a protesto fora assumida apenas por um dos correntistas.

Mesmo o direito de ação, lembra AGUIAR DIAS, pode levar ao reconhecimento do abuso de direito, bastando que seja usado com a intenção de prejudicar ou, indepentemente dela, quando é intentada uma ação de conseqüências desastrosas ou desonrosas para o réu, sem que o autor tome as precauções necessárias para não perpetrar uma injustiça; nesse caso, a temeridade ou a mera leviandade configura o abuso.

Com muito maior razão é devida a indenização por dano moral, por abuso de direito, quando alguém se vale da ação para destilar seu ódio, para atribuir, inútil e desnecessariamente, ao réu a ausência de predicados, como gabarito profissional, por exemplo, com intenção de diminuir o seu conceito na comunidade em que está inserido.

A esse respeito assim se manifestaram PESSINA e NELSON HUNGRIA:

“O homem não pode, por certo, obrigar os outros a reconhecerem com atos positivos o seu valor moral concreto, porque ninguém pode dominar a opinião, livre por sua natureza, no modo de pronunciar-se... Mas tem, sem dúvida, o direito de exigir que todos se abstenham de lhe negar merecimento moral, e, outrossim, de praticar atos dirigidos a reduzir o seu valor moral na consciência dos outros”. – Pessina.

“...ninguém pode atribuir-se a faculdade da censura moral de outrem, qualquer que seja a moralidade do censurado ou o móvel do censor. Como diz Manzini, é inadmissível que um indivíduo qualquer, assumindo uma função que ninguém lhe conferiu, se arvore em juiz da moralidade alheia...” - Nelson Hungria.

Liberdade de expressão, informação e criação. A Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento e a expressão das atividades intelectual, artística e de comunicação.

Mas essa liberdade pode vir a ser fonte da obrigação de reparar, como vemos nos seguintes casos:

O STJ condenou ao pagamento de uma indenização por danos materiais e morais um candidato que utilizou, sem conhecimento, autorização e remuneração prévios do autor, peça musical em propaganda política, dispensando a prova do prejuízo, já que, nessa hipótese, ele é presumido, decorrendo do simples descumprimento da obrigação negativa de não violar o direito alheio;

O TJRGS condenou os responsáveis por campanha educativa de combate ao câncer a indenizarem modelo fotográfico que teve sua foto com os seios desnudos utilizada sem a sua autorização;

O TJRJ condenou autor de charge considerada agressiva e violadora da dignidade de uma pessoa, considerando que uma obra com tais características extrapola o limite da criação artística.;

O TJSP condenou autor de plágio ao pagamento de danos morais relativamente verdadeiro criador de obra cientifica, por ofensa à ética e ao direito autoral.

O TJRJ condenou órgão da imprensa que, mesmo publicando notícia verdadeira, o fez de forma insidiosa, dando-lhe contornos de escândalo e cometimento de ato abusivo.

Em todos esses casos, o que em última análise se considerou, como observado em acórdão do TJRJ, foi que no confronto entre o direito fundamental à livre expressão das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, de um lado, e, de outro, a proteção à vida privada, tem-se, “como conseqüência lógica, que este último condiciona o primeiro”.

Extravio de bagagem. Só de alguns anos para cá é que os tribunais começaram a conceder indenização por danos morais às pessoas que tiveram suas bagagens extraviadas em viagens, principalmente por via aérea.

O caso não mereceria maiores considerações, a não ser pelo fato de que vem constituindo uma clara exceção ao principio da indenização tarifária prevista nas convenções internacionais sobre aviação.

Sustenta-se, entretanto, que tal indenização não cobre o vexame, o desconforto, a ansiedade e a repercussão na tranqüilidade do passageiro que se vê repentinamente destituído dos seus pertences geralmente em terras estranhas, em situações muitas vezes adversas.

Abrangência do seguro de danos pessoais. Digna de nota é a jurisprudência que vem entendendo estarem os danos morais compreendidos no gênero dano pessoal, para daí concluir que as seguradoras são por eles responsáveis, no limite do valor das apólices, quando não comprovada expressamente a sua exclusão no contrato.

Assim decidiram o TJMG, o TARGS e assim também julgou o STJ, sendo relator o Ministro Ruy Rosado, em acórdão que guarda a seguinte ementa: “... O contrato de seguro por danos pessoais compreende o dano moral” ( STJ – Ac. da 4ª Turma, Rec. Esp.106.326 – PR).

Dano moral no Direito do Trabalho. Forte e revolucionária é a corrente que vem defendendo a tese da reparabilidade do dano moral pela Justiça trabalhista .

Nossa opinião, entretanto, não coincide com a dos seus autores, preferindo ficar com a lição de Francisco Antônio de Oliveira, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, expressa em artigo magistral publicado na Revista Trimestral nº 751, pp. 151/165. Diz ele, em resumo, que a legislação não embutiu os danos morais em nenhuma das verbas indenizatórias trabalhistas, e nem teria sentido fazê-lo, porque os efeitos do atentado à honra ou à dignidade do empregado ultrapassam o ambiente do trabalho para produzir reflexos fora dele, como ocorre, por exemplo, na alegação falsa do empregador, que disse ter dispensado seu empregado, a ele pagando todas as verbas resilitórias, ou do empregado que espalha boatos de que teria deixado a empresa porque ela estaria prestes a quebrar.

Mas o argumento que supera o dos adversários está em que a Justiça do Trabalho é incompetente para o trato dos danos morais. Assim vem decidindo o Supremo Tribunal Federal (CJ 6959-6-DF) e o Supremo Tribunal de Justiça, de forma reiterada.

* Artigo cedido pela Editora Del Rey

RUI BERFORD DIAS
Advogado e Conselheiro da OAB/RJ

 

http://www.jur.com.br