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A imprescritibilidade das ações ressarcitórias decorrentes
de atos de improbidade administrativa: um equívoco hermenêutico
Marcelo Colombelli
Mezzomo
Bacharel em Direito
pela UFSM - marcelo.colombelli@bol.com.br
Sumário: 1- Introdução: A Justificativa 2-Atos de
improbidade e suas conseqüências. 3- Os dispositivos legais. 4- A interpretação
dos dispositivos. 6- Conclusões. 7- Bibliografia.
1- Introdução: A Justificativa
Tratarei nesta abordagem acerca da imprescritibilidade das
ações de ressarcimento provenientes de atos de improbidade administrativa. Esta
característica, que tem sido aposta a esta espécie de pleito judicial pela
doutrina e jurisprudência, a meu ver, não encontra respaldo, ao menos não na
fonte onde têm se abeberado seus prosélitos.
Busco, além de tratar desta questão específica, discutir até
que ponto os precedente jurisprudenciais e a doutrina podem criar equívocos,
distorcendo a lei, e que influência sito terá nos operadores jurídicos ante a
" era da repetição e massificação judiciária" que vivemos.
Preocupa-me sobremaneira esta reflexão quando verifica-se a
difusão da idéia das sumulas vinculantes, que poderão perpetuar verdadeiras aberrações jurídicas, colocadas
a ilharga de qualquer alteração sob o manto de uns poucos precedentes.
Trataremos, principalmente, do artigo 37,§ 5º, da CF/88, em
cotejo com a previsão do artigo 23 da Lei 8.429/92. A meu juízo, a
interpretação que vem sendo conferida ao artigo 37,§ 5, da CF/88, não esposa a
melhor hermenêutica, não havendo conflito com o artigo 23 da Lei 8.429/92.
2-Atos de improbidade e suas conseqüências
A Lei 8.429/92 regulamenta o artigo 37,§ 5º, da CF/88,
referente aos atos de improbidade administrativa. O diploma tem ampla
aplicação, visto que atinge inclusive indivíduos que não ostentam ligação
direta com a Administração Pública (1)<![endif]>, atingindo tanto a
administração direta quanto indireta, e, ainda, quanto a entidades que recebam
subvenção pública (2)<![endif]>.
Aos atos de improbidade, não está necessariamente
relacionado o prejuízo ao erário, tanto assim o é que o artigo 21, inc. I, da
sobredita lei expressamente ressalva a desnecessidade de que exista prejuízo
patrimonial para que encontrem ensanchas para aplicação as cominações legais
constantes do artigo 12.
Desde logo, desponta claro que as sanctio iuris podem ter
conseqüências tanto sobre o indigitado autor, como sobre seu patrimôNio.
Destarte, havendo prejuízo ao erário, o integral ressarcimento é corolário
legal inderrogável, a teor do artigo 5º (3).<![endif]>
Mas aqui é que surge o problema, pois, embora a lei 8.429/92
trate o ressarcimento do prejuízo como um das sanções legais ao ato de
improbidade, fazendo atuar o artigo 23, incs. I e II, pois que inserido o
integral ressarcimento no artigo 12, o texto da Constituição Federal, mais
precisamente o § 5º do artigo 37, parece estabelecer tratamento diverso para a
ação de ressarcimento dos prejuízos.
Desta forma, à luz do artigo 37, 5º, da CF/88, ocorre uma dicotomia de tratamento no que pertine à
prescrição entre a sanção de ressarcimento e as demais cominadas no artigo 12
da Lei 8.429/92, surgindo um aparente conflito entre o artigo 23 da Lei e o
texto da carta Magna. Tratemos, pois, destes dispositivos.
3- Os dispositivos legais
O conflito lógico (4)<![endif]> entre os artigos 12 e
23 da Lei 8.429/92 e o texto do artigo 37,§ 5º, da CF/88, advém do fato de que
se extraiu da interpretação literal deste último a ilação de que teria
estabelecido uma ressalva quando à prescrição das ações de ressarcimento por
atos de improbidade administrativa. O artigo 12 da Lei 8.429/92 elenca como um
das sanções previstas no diploma o ressarcimento integral do prejuízo, ao passo
que o artigo 23 diz que prescreve nos prazos que fixa as ações destinadas a
levar a efeito as sanções previstas " nesta lei". Veja-se o teor dos
dispositivos em apreço.
"Art. 37-....
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para
ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos
ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento."
Da Lei de Improbidade Administrativa:
"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e
administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo
ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos,
pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano,
perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer
esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos
de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do
dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do
dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de
três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da
remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de três anos."
"Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as
sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato,
de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei
específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço
público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego."
À evidência que se as normas se apresentam incompatíveis,
deverá prevalecer o texto constitucional. Mas a pergunta que fica é a seguinte:
Será que o texto constitucional, ao "ressalvar" as ações de
ressarcimento estria se referindo ao fato de estarem elas indenes a prazos
prescricionais? Tentaremos responder.
4- A interpretação dos dispositivos
A opinião da doutrina e da jurisprudência é de que a
ressalva do 5º do artigo 37 da CF/88
afasta a possibilidade de prescrição das ações de ressarcimento
(5)<![endif]>. Permissa venia, não comungo desta opinião, pois não creio
que se possa inferir esta conclusão da redação do artigo 37,§ 5º, da CF/88. A
tanto sou levado a concluir pelo caráter de exceção que ostenta a
imprescritibilidade de ações.
Deveras, a regra é que todas as ações condenatórias estão
sujeitas à prazos prescricionais, surgindo a imprescritibilidade como preceito
francamente de exceção. Ora, é cediço que as exceções interpretam-se
restritivamente, de modo que exceções não podem ser extraídas de interpretação
forçada ou literal da norma. Exceções devem estar contidas de forma clara e expressa
na lei, de forma a não se deixar qualquer margem de dúvida acerca da intenção
do precito legal que condense fórmula deste jaez.
A fórmula "ressalvadas as ações de ressarcimento"
parece-me claramente voltada a desatrelar a prescrição das ações de ressarcimento
das ações de imposição das demais sanções, propiciando que o legislador
infraconstitucional pudesse estabelecer prazos diferenciados conforme a
natureza da sanção. Ou seja, o comando normativo determina que a prescrição das
ações de imposição de sanções outras que não o ressarcimento do prejuízo ficará
a cabo, necessariamente, de lei que regulamentará o artigo 37,§ 5º, da
Constituição Federal, de tal forma que a prescrição dos ilícitos não implicará,
incontinenti, a prescrição da ação de ressarcimento. Por outras palavras, as
ações de ressarcimento não têm seu prazo de prescrição atrelado à prescrição
dos ilícitos, ou melhor, á prescrição da possibilidade de aplicação das outras
sanções elencadas no artigo 12 da Lei 8.429/92.
Ficaria o legislador impossibilitado de prazos idênticos
para a prescrição das ações de imposição da sanção de ressarcimento e das
demais? Não. O que o texto constitucional quis foi afastar a possibilidade de
que a prescrição das ilícitos administrativos tivesse necessária repercussão
sobre a esfera patrimonial. Mas isto não significa que não se pudesse
estabelecer prazos iguais para todas as espécies de sanções por atos de
improbidade, como acabou por fazer o artigo 23 da Lei 8.429/92.
A pensar-se de modo diverso, haverá um erro crasso na Lei
8.429/92, pois o artigo 12 elenca o ressarcimento como sanção e o artigo 23
refere-se às ações para aplicação de sanções previstas " nesta lei"
sem fazer qualquer distinção. A lei não contém palavra inúteis ou menções
supérfluas. Quando as encontra, deve o intérprete voltar-se a si e rever sua
interpretação.
Por fim, impende ressaltar que, a teor do Decreto 20.910/32,
todas as ações contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos. A aplicação
de um tratamento isonômico entre as partes tem por conseqüência que igual prazo
seja deferido à Fazenda quando se tratar de ações voltadas contra o
administrado.
Nem se diga que a Fazenda encontra dificuldades em buscar o
ressarcimento, o que justificaria prazo diferenciado, pois este argumento poderia
ser invocada também pelo administrado em muitos casos, nos quais a sua situação
frente ao caso concreto revela proeminência da Administração, justificando a
invocação de tratamento diverso também para o administrado em eventual posição
de hipossuficiência.
5- Solução
intermediária
Há uma solução intermediária que se nos antolha
perfeitamente válida, pelo menos frente a exegese que propugna pela
imprescritibilidade. Trata-se da hipótese de submeter a prescrição das ações de
ressarcimento resultantes de atos de improbidade ao prazo de vinte anos.
De fato, não previsto prazo de prescrição, antes de
presumir-se imprescritível a pretensão, de melhor alvitre subsumí-la ao prazo
longi temporis, que, na ausência de previsão em sentido contrário, é a regra.
Assim se decidiu na Apelação Cível nº 70000680942, do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul: “Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa.
Ressarcimento ao Erário. Prescrição Vintenária. Inaplicável o prazo
prescricional estabelecido no artigo 23, inciso I, da Lei nº 8429/92, quando os
fatos caracterizadores da improbidade administrativa forem anteriores à
publicação desta, estando submetido ao lapso prescricional vintenário, previsto
no artigo 177 e 179 do Código Civil, pois a pretensão se dirige ao
ressarcimento ao erário.”
Aliás é de notar-se que interpretando a contrário sensu a
decisão, conclui-se que se ao ato é posterior à Lei 8.429/92, seria de
aplicar-se o prazo de cinco anos.
Assim sendo, a solução pela prescrição vintenária é melhor
do que a que preconiza a imprescritibilidade. Todavia, ainda somos pela
aplicação do prazo do artigo 23 da Lei 8.429/92, pelos motivos suso
expostos.
6- Conclusões
A existência de determinadas ações imprescritíveis não é
incompatível com o sistema jurídico pátrio em que pese significar esta
possibilidade um comprometimento do valor da certeza jurídica. No entanto, não
existem direitos ou valores absolutos, pois devem sempre ser tomados dentro de
um circunstancialidade que os torna relativos.
Isto, porém, não nega o caráter de excepcionalidade da
imprescritibilidade. Este caráter de exceção tem como conseqüência a aplicação
de certas regras de hermenêutica, dentre as quais figura aquela que exige
menção expressa e clara sempre que uma regra deixa de vigorar para dar espaço à
exceção.
A interpretação que vê no artigo 37, § 5º, da CF/88, uma
imprescritibilidade força a letra da lei para encontrar na verba do dispositivo
algo que ali não está. Não há motivo plausível para que ditas ações de
ressarcimento sejam imprescritíveis, mesmo estando em jogo a res publicae.
Quando se quis prever no âmbito da Constituição Federal a
imprescritibilidade, como ocorre v.g, com as ações de grupos armados
contra ordem constitucional e o Estado
Democrático ou com os crime de racismo, se fez de forma clara e expressa.
Um “favor” desta magnitude não pode ser construído a partir
da interpretação do artigo 35, § 5º, da CF/88. Logo, restam como saídas a
invocação da prescrição vintenária, que preserva até mesmo a interpretação
literal do referido parágrafo, pois permite a validade da exceção estatuída às
ações de ressarcimento, ou, a que se nos aprece mais acertada, a que puna pela
aplicação de prazo de cinco anos.
Neste último caso, a ressalva constitucional existe apenas
para afastar a comunicabilidade necessária da prescrição da persecução
administrativa ou penal à ação de ressarcimento, cujo prazo, todavia, poderá
ser o mesmo desde que a lei o preveja sem caráter de vinculatividade, assim
como ocorrer com a Lei 8.429/92, artigo 23.
Com esta posição, aplicando o prazo qüinqüenal, preserva-se
a isonomia entre a Administração e o administrado, cuja ruptura não estaria
justificada na hipótese de ações de ressarcimento, evitando-se ainda se
perpetue a possibilidade de busca do ressarcimento, o que conspira contra a
segurança jurídica e facilita a acomodação do administrador. Observe-se que até
mesmo ilícitos penais dos mais graves estão sujeitos à prescrição. Que motivo
justifica não esteja igualmente uma pretensão de cunho patrimonial?
Esta, a nosso ver, a solução que melhor se coaduna com o
Estado de Direito e com os princípios agasalhados na ordem jurídica pátria.
7- Bibliografia
- BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito
Administrativo, Malheiros, São Paulo, 13a ed. 2001.
- DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Atlas, São Paulo 13a ed.
2001.
- MORAES, Alexandre
de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional, São Paulo,
Atlas, 2002
- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo, São Paulo, Malheiros, 12a ed,
1196.
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Notas de fim:
[1]
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que
couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta.
[2]
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer
agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou
de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão
punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às
penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de
entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão
do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
[3]
Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral
ressarcimento do dano.
[4]
Não há em verdade conflito entre o texto de uma lei
infraconstitucional e o texto da Constituição, pois, a priori, se o primeiro
contraria o segundo é nulo pelo vício da inconstitucionalidade ou não é
recepcionado pelo texto do Codex Supremo.
Em ambos os casos, surge ipso facto a supressão do suporte
de validade da lei infraconstitucional. Significa dizer que a consideração de
conflito na verdade deve ser procedida somente no campo da lógica, pois
conflito só há quando forças se contrapõe, e sob o ponto de vista da dogmática
jurídica, os textos legai que se contrapõem à Constituição, desde que sejam
infraconstitucionais na verdade ou são natimortos ou perdem validade no mesmo
exato momento de entrada em vigor da Constituição. Nada que lhe contrarie
sobrevive juridicamente.
[5]
Sufragam este posicionamento, na doutrina, dentre outros.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, in Curso de Direito Administrativo,
Malheiros, 13a ed. 2001, p. 263. DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Atlas, 13a
ed. 2001, p. 682. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo, Malheiros, 12a ed, 1196, p. 619. MORAES, Alexandre de. Constituição
do Brasil Interpretada e legislação constitucional, Atlas, 2002, p. 2655.
Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos