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A pensão integral e a Constituição: uma proposta de
exegese aos artigos 40, § 5 e 40 § 7 (EC n19)
Marcelo Colombelli
Mezzomo
Bacharel em Direito
pela UFSM
Sumário:1- Introdução. 2- Exegese do artigo 40, § 5º da CF
na redação anterior. 2.1-Interpretação Literal. 2.2-Interpretação Sistemática.
2.3- Interpretação Teleológica. 3- A dimensão axiológica da questão para a
consecução da justiça. 4- A Nova redação do artigo 40, § 5º da CF. 5- O
Princípio da Legalidade. 6- A via do Mandado de Injunção. 7- Conclusões
1- Introdução
Atualmente um grande número de demandas corre nos pretórios
do pais versando sobre o direito à percepção de pensão por morte em valor
integral, ou seja, em valores iguais aos percebidos pelo beneficiário
instituidor se vivo fosse.
Especificamente no Estado do Rio Grande do Sul há milhares
de ações tramitando contra o Instituto de Previdência do Estado visando à
integralidade com base nos artigo 40, § 5º, com redação anterior à Emenda
Constitucional, e agora com fulcro noa artigo 40, § 7º, ambos da Constituição
Federal, bem como parágrafo 8º do mesmo dispositivo e artigo 41, §§ 3º a 6§ da
Constituição Estadual. Invoca-se ainda, analogicamente o artigo 218 da Lei
8.112/90, antigo regime único dos servidores públicos da União Frente a esta
postulação encontra-se o artigo 27 da Lei estadual nº 7.672/82 e o a artigo
195, § 5 da Constituição Federal. Procuraremos lanar alguma luzes sobre a
questão através de uma proposta de exegese dos artigos envolvidos, pois e nos
parece de todo equivocada a abordagem que se tem dado ao tema.
2-Exegese do art. 40, § 5º da CF na redação anterior
Embora já derrogado, é de importância que tratemos do artigo
citado posto que, uma vez que a prescrição contra a Fazenda Pública atinge as
parcelas anteriores a cinco anos do ajuizamento da ação ex vi do Decreto
20.910/32, ainda hoje poderemos ter demandas versando parcelas referentes a
período quando vigia aquele dispositivo. Vê-se que estamos frente a uma questão
que envolve, sobretudo, problema de exegese constitucional, envolvendo os
artigos 40, parágrafo 5º e 37, inc.XI da Constituição Federal de 1988.
Consequentemente, a solução da lide perpassa pela correta
interpretação e aplicação dos referidos dispositivos. Primeiramente é preciso
que se diga que às normas constitucionais, apesar da especialidade de que se
revestem, aplicam-se os métodos de hermenêutica como se aplicam a qualquer
outra norma, em que pese serem os métodos de interpretação e aplicação
ortodoxos, aplicados à legislação infraconstitucional, reconhecidamente insuficientes
para descortinar, in totun, o verdadeiro conteúdo das normas constitucionais.
Mas para o fim de demonstrar que a pretensão ao pagamento de pensão integral é
absolutamente descabida bastam os métodos convencionais desenvolvidos pelo
gênio de von Savgny e comumente aceitos na hermenêutica contemporânea. Isto
posto, faremos uma interpretação dos ditos dispositivos à luz dos vários
métodos de interpretação, como, aliás, convém sempre seja feito posto que não
há método que, isolado, seja capaz de propiciar o alcance dos textos
legislativos, qualquer que seja a espécie desses textos.
Concluído este trabalho hermenêutico e descortinado o
verdadeiro sentido e alcance dos dispositivos em questão haver-se-á de concluir
pelo acerto de nosso alvitre frente ao sistema legislativo pátrio.
2.1- Interpretação Literal.
A vexata quaestio reside na interpretação do artigo 40 , §
5º da CF/88. O dispositivo em questão tinha a seguinte redação:
"Art. 40. O servidor será aposentado: (...)§ 5º- O
benefício da pensão por morte corresponderá a totalidade dos vencimentos ou
proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o
disposto no parágrafo anterior."
Baseando-se em interpretação literal e errônea do
dispositivo, beneficiários da previdência têm concluído que a expressão
"até o limite estabelecido em lei" refere-se aos proventos do
servidor e não a limitação do benefício.
Primeiramente, qualquer texto legislativo, mesmo o
constitucional não pode ser interpretado isoladamente e com utilização de um só
método hermenêutico sob pena de incorrência em grave cinca.
Como lembra Carlos Maximiliano: "Nenhuma escola
Hermenêutica ousa confiar exclusivamente na excelência dos seus postulados para
exegese e aplicação correta do Direito. Nenhum repositório paira sombranceiro
aos distales dos ineptos, às fantasias dos apaixonados e as torpezas dos
improbos. Não há sistema capaz de prescindir do coeficiente pessoal. A justiça
depende, sobretudo, daqueles que a distribuem. O texto é a essência, a matéria
prima, que deve ser plasmada e vivificada pela inteligência ao serviço de um
caráter íntegro"(Hermenêutica e Aplicação do Direito,Forense, 11º ed.,
1991,p.100) A interpretação literal, por seu turno, representa método que deve
principiar qualquer interpretação, no entanto é o método mais fraco e falho
posto que o sentido da linguagem está sempre envolto em um quantum de
subjetivismo, e a palavra tem sempre um sentido contingente. Como lembra, mais
uma vez, Carlos Maximiliano: "A interpretação verbal fica ao alcance da
todo, seduz e convence os indoutos, impressiona favoravelmente os homens de
letras, maravilhados com a riqueza de conhecimentos filológicos e primores de
linguagem ostentados porque é, apenas, um profissional do Direito. Como toda a meia
ciência, deslumbra, encanta, e atrai; porém fica longe da verdade as mais das
vezes, por envolver um só elemento de certeza, e precisamente o menos
seguro" : "A interpretação verbal fica ao alcance da todo, seduz e
convence os indoutos, impressiona favoravelmente os homens de letras,
maravilhados com a riqueza de conhecimentos filológicos e primores de linguagem
ostentados porque é, apenas, um profissional do Direito. Como toda a meia
ciência, deslumbra, encanta, e atrai; porém fica longe da verdade as mais das
vezes, por envolver um só elemento de certeza, e precisamente o menos
seguro" Mas ainda que se queira analisar o dispositivo somente sob o
prisma literal, a conclusão de que a limitação que foi deferida à lei fazer
referir-se aos vencimentos ou proventos e não ao benefício é absurda. A razão é
simples: se estamos tratando em um dispositivo de determinado instituto, como
no caso a pensão por morte, é evidente que tudo o que este dispositivo contenha
deve referir-se, salvo expressa menção em contrário, ao instituto tratado e tão
somente a ele.
Afirmar-se que a expressão "até o limite estabelecido
em lei" refere-se aos vencimentos é ir longe demais na extensão do texto,
mesmo porque, como veremos no tópico seguinte, já existe dispositivo que trata
dessa limitação. Em síntese, as mais comezinhas regras da hermenêutica infirmam
que se possa ter no dispositivo citado referência a outra coisa que não o
próprio benefício. Logo, mesmo que se prestigie o método literal, a conclusão
de que não se pode limitar o benefício é incorreta.
2.2-Interpretação Sistemática.
A interpretação sistemática, embora não seja, da mesma
forma, um método infalível e completamente seguro, é bem superior à
interpretação estritamente gramatical. Procura-se na interpretação sistemática
realizar o cotejo de determinado dispositivo, capítulo ou título, com outros
dispositivos do mesmo diploma, ou mesmo com dispositivos ou diplomas
diferentes, chegando em um último nível, a buscar no todo do ordenamento
elementos para a correta inteligência dos textos. Nesta altura de nossa análise,
impende fazer o cotejo do dispositivo do artigo 40, parágrafo 5º da CF com dois
dispositivos, em especial, quais sejam, o artigo 37, inc. XI e o artigo 195, §
5º da CF/88.
O primeiro será objeto de tópico à parte. Interessa-nos
agora analisar o segundo, cuja redação é a seguinte:
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda
a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...). § 5º- Nenhum
benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total".
Ocorre que atualmente inexiste fonte de custeio para o pagamento
de pensões integrais. Não se pode, de inopino criar ou majorar benefício.Pensar
de outra forma é tornar letra morta o artigo 195, § 5 da CF. Como são
dispositivos que possuem a mesma hierarquia dentro do Sistema da Constituição
não se pode forçar uma interpretação que simplesmente suprima um dos dois
dispositivos que é o que acontece quando se defende a interpretação que vê no
dispositivo do artigo 40 um comando de imediata aplicação, sacrificando-se o
artigo 195, § 5. A única exegese que torna possível a coexistência de ambos os
dispositivos é a que defendemos, ou seja, a limitação inscrita na expressão
"até o limite estabelecido em lei" refere-se a limitações incidentes
sobre o próprio benefício.
Assim sendo, o pagamento da integralidade atrela-se necessariamente
á elaboração de lei ulterior que venha estabelecer a fonte de custeio,
consoante mandamento do artigo 195, parágrafo 5º, pois no entrechoque de
dispositivos devemos procurar exegese que evite a contradição e preserve a
ambos. O argumento de que o disposto no artigo 195, parágrafo 5º dirige-se ao
legislador, tão somente, não calha acolhida. O que se quis evitar é a criação,
majoração a extensão de benefício qualquer que seja a forma em que isto se
produza. A finalidade da limitação que impõe fonte de custeio é evitar a
criação de déficits que a médio prazo inviabilizariam o sistema previdenciário.
Isto ocorre não só através da criação, majoração ou extensão decorrentes de lei
que não preveja a fonte de custeio, mas também, como não, de sentença que crie,
majore ou estenda benefício sem fonte de custeio, em atitude que viola o artigo
2º da Constituição Federal na medida em que o julgador interfere em competência
legislativa e executiva.
A respeito das aparentes contradições da lei, já dizia Carlos
Maximiliano: "Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem;
porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo oculto
que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico. Descobrir
a correlação entre as regras aparentemente antinômicas. Sempre que se descobre
uma contradição, deve o hermenêuta desconfiar de si; presumir que não
compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis,
sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente
fazer tentativa para harmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos
da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica"
(Op. cit. p. 134)
Mas não é só o artigo 195 que, em interpretação sistemática,
infirma a pretensão da parte autora. É preciso lembrar que o IPERGS está
adstrito à observância de todas as limitações orçamentárias constantes dos
artigos 165 usque 169 da CF. E há também o artigo 37, inc.XI que tem
fundamental importância no deslinde da questão.
Após a alteração ocorrida ex vi do artigo 3º da Emenda
Constitucional n. º 19, da 4 de Junho de 1998, o dispositivo do artigo 37
passou a ter a seguinte redação:
"Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(...).XI- A remuneração e o
subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração
direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato
eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos , pensões ou outra
espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o
subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo tribunal Federal;"
Quer se dizer, na interpretação que se tem dado ao artigo
40, parágrafo 5º, que a limitação lá constante diria respeito ao vencimentos e
proventos. Ora, como se vê, tal limitação já está no texto do artigo 37,
inc.XI, o que tronaria o disposto no artigo 40 mera superfetação inútil.
Nada mais incorreto, pois "verba cum efectu sunt
accipienda". ". Não podemos presumir palavras inúteis na lei, tão
pouco repetições sem sentido. Se a limitação aos vencimentos e proventos já
está no artigo 37, é óbvio que a limitação constante do artigo 40 diz respeito
ao que lá se trata, ou seja, ao benefício de pensão por morte.
A respeito do artigo 37, inc.XI, exemplar é a lição que se
extrai de decisão proferida quando da apreciação do RMS n° 21.992-4-DF pelo
Colendo Supremo Tribunal Federal, da qual se transcreve o seguinte
excerto:
"O artigo 37, inciso XI, da Carta da República
realmente remete à lei a fixação do limite máximo e a relação de valores entre
a maior e a menor remuneração dos servidores públicos. No particular, o
dispositivo mostrou-se de eficácia contida. Todavia, o mesmo não aconteceu com
o preceito que cogita dos limites máximos no âmbito e cada Poder. Nesta parte,
a disposição funcional mostrou-se auto-aplicável, aludindo-se ao que percebido
por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo
Tribunal Federal. No que tange ao fato de a norma constitucional não versar
sobre os proventos da aposentadoria, olvida a Recorrente que a limitação é
conseqüência. Uma vez fixados os limites no tocante aos vencimentos em
atividade, por via de conseqüência tem-se a necessária observação quanto ao que
recebido em inatividade."
O mesmo raciocínio lógico se deve aplicar na análise do
inciso XI do artigo 37 em combinação com o § 5° do artigo 40, ambos da Carta
Federal de 1988. Se a limitação do inciso XI do artigo 37 é conseqüencial, como
afirma à unanimidade a Colenda 2ª Turma do STF, atingindo vencimentos e
proventos do servidor público, como já dito anteriormente, atingida pela
referida norma estão as pensões pagas aos dependentes beneficiários daqueles
que percebiam os vencimentos ou proventos limitados.
Portanto, mais uma vez se diz que a limitação expressa no §
5° do artigo 40 na locução até o limite estabelecido em lei não pode
corresponder àquela já prevista no inciso XI do artigo 37, com o que
perfeitamente constitucional os termos legais de fixação da pensão atualmente. Na
dicção de Carlos Maximiliano: " Nada de excessivo apego aos vocábulos. O
dever do juiz não é aplicar os parágrafos isolados, e, sim, os princípios
jurídicos em boa hora cristalizados em normas positivas". (Op cit, p.119)
2.3-Interpretação Teleológica.
Dentre os métodos de interpretação avulta em superioridade a
interpretação teleológica. Com efeito, se toda a norma atende a uma finalidade,
deve-se prestigiar ao máximo a interpretação que se coadune à finalidade do
texto. Em Direito Constitucional tanto mais se faz necessário recorrer-se ao
método teleológico.
Aliás, como lembra Carlos Maximiliano no seu Hermenêutica e
aplicação do Direito: "O Direito Constitucional apóia-se no elemento
político, essencialmente instável, a esta particularidade atende, com especial
cuidado, o exegeta. Naquele departamento da ciência de Papiniano preponderam os
valores juridico-sociais. Devem as instituições ser entendidas e postas em
função de modo que correspondam "O Direito Constitucional apóia-se no
elemento político, essencialmente instável, a esta particularidade atende, com
especial cuidado, o exegeta. Naquele departamento da ciência de Papiniano
preponderam os valores juridico-sociais. Devem as instituições ser entendidas e
postas em função de modo que correspondam às necessidades políticas, às
tendências gerais da nacionalidade, à coordenação dos anelos elevados e justas
aspirações do povo"(Op. cit., p. 305) Em outro trecho, falando
especificamente do texto constitucional afirma: "A técnica de interpretação
muda, desde que se passa das disposições ordinárias para as constitucionais, de
alcance mais amplo, por sua própria natureza e em virtude do objeto colimado
redigidas de modo sintético, em termos gerais.Deve o estatuto supremo condensar
princípios e normas asseguradoras do progresso, da liberdade e da ordem, e
precisa evitar casuística minunciosa, a fim de não tornar demasiado rígido, de
permanecer dúctil, flexível, adaptável a épocas e circunstâncias diversas,
destinado, como é, a longevidade excepcional. Quanto mais resumida é uma lei,
mais geral deve ser sua linguagem, e maior, portanto, a necessidade, e também a
dificuldade, de interpretação do respectivo texto "(Op. cit, p. 304)
Pois bem, onde estaria a ratio assendi da limitação
insculpida no artigo 40, parágrafo 5º? A resposta não é difícil se atentarmos
para a dimensão política do texto constitucional e para as peculiaridades do
Sistema Previdenciário. O sistema de previdência tome-se por base qualquer um,
funciona sempre com um gama de fatores em permanente mutação, de modo que se
tem projeção aproximada da demanda de recursos que ocorrerá no futuro e sobre a
qual se realizam os cálculos referentes ao custeio através de contribuições e
do orçamento. Haja vista essa dinâmica quase imprevisível do sistema de
previdência, é imprescindível uma certa flexibilização do sistema a fim de
adequá-lo a realidade, mormente quando nos vemos frequentemente envoltos com
imprevistos de ordem econômica e política como tem sido comum em nosso pais.
Não nos olvidemos da enorme quantidade de encargos sociais
carreados ao Estado pelas Constituições Federal e Estadual. Daí se compreende
que exista uma limitação aos benefícios, exatamente para adequá-los a
realidade. À lei caberá determinar limites capazes de permitir o pagamento dos
benefícios sem a "quebra do sistema". Foi concedido ao legislador,
legítimo representante do povo, um meio de flexibilização, fator este essencial
e imprescindível a qualquer sistema previdenciários tendo em vista sua natureza
dinâmica. Por mais este método se legitima o indeferimento do pedido da
presente demanda.
3- A dimensão axiológica da questão para a consecução da
justiça.
É preciso lembrar
que o texto da Constituição abraça, sem dúvida o modelo de um Estado
Democrático Social de Direito, cujo primado maior é o da prevalência do
interesse coletivo sobre o individual. No Estado Social deixa-se a visão
individualista concebida pelo Estado Liberal do século XIX e passa o indivíduo
a ser concebido como membro de uma ordem social, implicando essa visão uma
limitação aos direitos individuais, não no sentido de perda das conquistas do
indivíduo frente ao Estado, mas de limitação na medida em que entram em jogo
interesses maiores. Nessa visão de um Estado Social, a justiça individual deve
ceder passo à justiça do coletivo. O interesse individual deve ser medido
frente ao interesse do conjunto da sociedade ou de um grupo específico, no caso
sub examine, dos beneficiários do sistema previdenciário. Na justiça de poucos,
pode estar embutida a injustiça de muitos. A justiça deve tomar uma dimensão
axiológica e transcendente do modelo tradicional, sob pena de ficar aquém das
expectativas dos jurisdicionados e ter comprometida sua legitimidade frente a
sociedade. O julgador não pode perder de vista as projeções de suas decisões no
contexto da sociedade. Há uma grave responsabilidade sobre os ombros do
judiciário em casos como o de que ora se trata, onde estão em jogo umas gamas
de interesses maiores do que a primeira vista se pode vislumbrar. E não se deve
descurar, sobretudo a realidade em que o comando sentencial operará. Neste
sentido não podemos descurar dos pesados encargos sociais que foram carreados
ao Estado moderno. Ocorre que o Estado financia-se em última análise na
sociedade. Sociedade pobre, Estado pobre. Quando raciocinamos com previdência,
mais graves se tornam às contradições entre o que é possível e o que é
almejado. Produzir decisões judiciais que olvidam esse aspecto de imperiosa
observância é conduzir, a médio e longo prazo a justiça aparente de hoje a ser
a maior das iniqüidades do amanhã.
O sistema previdenciário trabalha com previsões de receitas
e de gastos. Com base em projeções são calculados os descontos que financiarão
o sistema no futuro. A inserção de componentes imprevistos, como o pagamento
integral de benefícios, como foi concedido na sentença guerreada, conspira
contra um dos elementos básicos do sistema, qual seja, a previsibilidade.
Acolhidas pretensões como as que se tem visto nos pretórios, o sistema
previdenciário, já as vascas do colapso haja vista os pesados encargos que
possui, irá quebrar, prejudicando milhares de pessoas. Não há absolutamente
incúria do administrador público em procurar fontes de financiamento. Tais
fontes inexistem. É preciso que se produza uma justiça do possível, do
realizável. Uma justiça que não perca de vista a realidade.
Uma justiça do razoável, que preserve os valores assentes na
sociedade porque o direito não se resume, a contrario sensu do que dizia o Code
de Napoleón, à letra da lei. Invocáveis as lições de juristas de escol, como
Pontes de Miranda:
"O princípio de que o juiz está sujeito à lei é, ainda
onde o meteram nas Constituições, algo de ‘guia de viajantes’, de itinerário,
que muito serve, mas que nem sempre basta. Equivale a inserir-se no
regulamentos de uma fábrica uma lei de física, a que se devem subordinaras
máquinas; a alteração há de ser nas máquinas. Se entendemos que a palavra ‘lei’
substitui a que lá devera estar, ‘direito’, já muda de figura. Porque o direito
é conceito sociológico, a que o juiz se subordina, pelo fato mesmo de ser
instrumento de realização dele. É esse o verdadeiro conteúdo do juramento do
juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de
impor a letra legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia
àquilo para que foi criada; apaziguar, realizar o direito objetivo. Seria a
perfeição em matéria de braço mecânico do legislador, braço sem cabeça, sem
inteligência, sem discernimento; mas anti-social e, como a lei e a jurisdição
servem à sociedade, absurda"(Comentários ao Código de Processo Civil,
atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Forense, 3º ed., 1999, v. 1).E
Cândido Rangel Dinamarco:"
É preciso implantar um novo ‘método de pensamento’, rompendo
definitivamente com as velhas posturas introspectivas do sistema e abrindo os
olhos para a realidade da vida que passa fora do processo. É indispensável
colher do mundo político e do social a essência dos valores ali vigorantes,
seja para a interpretação das leis que temos postas, seja para com suficiente
sensibilidade e espírito crítico chegara novas situações a propor; o juiz e o
cientista político são cidadãos qualificados, de quem a sociedade espera um
grau elevado de participação política, revelando as mazelas do direito positivo
e levando , aos centros de decisão política, os frutos de sua experiência
profissional, com propostas inovadoras. Sem a sua participação, franqueado fica
o caminho para os casuísmos legislativos. Com plena tomada de consciência
teleológica, que se propõe, teremos as desejadas condições para orientar os
rumos das condutas, seja no trato de casos concretos, seja na sistematização
das normas e reconstrução do espírito do seu sistema, seja nessa esperada
crítica."(A Instrumentalidade do Processo, Malheiros, 7º ed, 1999, p.
271).
4- A nova redação do artigo 40,§ 7º, da CF/88.
A Emenda Constitucional n 20, de 18 de Março de 1999, deu
nova redação ao artigo 40 da Constituição Federal de modo que o benefício de
pensão por morte passou a ser regulado pelo parágrafo 7º e não mais pelo
quinto. Os termos em que se referia a carta política ao benefício também se
alteraram substancialmente, alteração esta que só vem corroborar o entendimento
defendido pelo estado quanto ao objeto desta demanda.
Na nova redação do dispositivo consta:
"§ 7º- Lei disporá sobre a concessão do benefício da
pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou
ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de
seu falecimento, observado o disposto no § 3º".
O parágrafo 3 º, por seu turno, determina:
"§ 3º- Os proventos de aposentadoria, por ocasião de
sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo
efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à
totalidade da remuneração".
Primeiro aspecto a chamar a atenção é o de que o legislador
fala que "lei disporá", ou seja, deixa claro que a concessão do
benefício nos termo do dispositivo está na dependência de lei que ainda não
existe, assim como era e é defendido pelo Estado quanto ao antigo § 5º, que por
não ser auto-aplicável e necessitar coadunar-se ao artigo 195 da Constituição,
carecia de lei que o regulamentasse, embora entendimento divergente do STF.
A nova redação se harmoniza perfeitamente ao texto
constitucional na medida em que atrela a concessão do benefício nos termos
pretendidos no dispositivo à existência de uma lei que trate especialmente da
fonte de custeio. Também afirma ao dispositivo que "será igual". A
utilização do verbo no futuro demonstra que pela lei, e na mens legislatoris, o
benefício ainda não é e não era igual ao valor integral dos proventos
percebidos pelo servidor. Note-se bem, o próprio legislador afirma que a
concessão do benefício com valores correspondentes à totalidade do que percebia
o servidor dependerá de lei e será igual, por que ainda não é, a contrario
sensu da interpretação que se tem dado ao dispositivo e ao antigo § 5º igual.
Mas não é só. Observe-se que o dispositivo remete ao parágrafo 3º que por sua
vez afirma que o benefício de aposentadoria corresponderá à totalidade dos
vencimentos na forma da lei. Significa dizer que a aposentadoria poderá ser
limitada por lei ordinária, pois a própria Constituição faz esta delegação. A
lei estabelecerá o limite. Nenhuma dúvida mais pode haver de que a concessão da
pensão por morte em valores correspondentes à totalidade dos percebidos pelo
servidor vivo estava e está, agora indubitavelmente, atrelada a existência de
lei, que ainda não existe, e será, no futuro, quando esta lei existir e na
forma dela, correspondente ao valor integral.
Por ora, só resta o caminho do mandado de injunção para que
dita lei seja feita. Sem lei não pode haver o pagamento, pois a Administração
Pública está adstrita ao princípio da legalidade.
5-O princípio da legalidade
Com efeito, a Administração Pública, em qualquer de suas
atividades, está jungida à observância inderrogável do Princípio da Legalidade,
que, lembremos nós, além de ser defluência automática da natureza da atividade
administrativa, na medida em que esta gere o alheio, é hoje princípio de
consagração constitucional, previsto no artigo 37 caput da Constituição Federal
ipsis verbis:
"Art.37- A Administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e, também, ao seguinte".
Mas mesmo antes da consagração legislativa, já encontrava a
legalidade como princípio basilar da Administração Pública guarida na doutrina
e jurisprudência, sendo definida na doutrina dos mais abalizados
administrativistas pátrios.
Hely Lopes Meirelles afirma que:
"A legalidade, como princípio da administração(CF art
37, caput), significa que o administrador público está , em toda a sua atividade
funcional, sujeito aos mandamentos da lei e à exigências do bem comum, e deles
não se pode afastar ou desviar sob pena de praticar ato inválido e expor-se às
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.A eficácia de
toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei . Na
Administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o
particular significa ' pode fazer assim'; para o administrador público
significa 'deve fazer assim' (...) Tais poderes ,conferidos à Administração
Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados
ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e
único objetivo de toda a ação administrativa"(Direito Administrativo
Brasileiro, Malheiros, 22 ed., 1997, p. 82)
Para Celso Antônio Bandeira de Mello:
" Este é o princípio capital para a configuração do
regime jurídico-administrativo. Justifica-se, pois, que seja tratado - como o
será - com alguma extensão e detença. Com efeito, enquanto o princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de
qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins
políticos, o da legalidade é especificamente do estado de Direito, é justamente
aquele que o qualifica e lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio
basilar do regime jurídico-administrativo, já eu o Direito Administrativo (pelo
menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma
consequência dele. É o fruto da submissão do estado á lei. É, em suma: a
consagração da idéia de que a Administração pública só pode ser exercida na
conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é
atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos
complementares à lei.
Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e
captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a
tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do
poder em concreto -o administrativo- a um quadro normativo que embargue
favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral,
abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder
Legislativo - que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive
minoritária) do corpo social - garantir que a atuação do Executivo nada mais
seja senão a concretização desta vontade geral. O princípio da legalidade
contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação
personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde
o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou
messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O princípio da legalidade é o
antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz à
idéia de soberania popular, de exaltação a cidadania. Nesta última consagra a
radical subversão do anterior esquema de poder assentado na relação
soberano-súdito. (...) Assim, o princípio da legalidade é o da completa
submissão da Administração ás leis. Esta deve tão somente obedecê-las,
cumpri-las e pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes,
desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais
modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes. Obsequiosos
cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é
a posição que lhes compete no Direito brasileiro "(Curso de Direito
Administrativo, Malheiros, 12º ed., 1999, p. 71-72)
José Cretella Júnior leciona que:
" Aplicado á Administração o princípio da legalidade
expressa a regra segundo a qual A administração neste ponto, não está a regime
diferente a que se subordinam os particulares. (...) É o grande princípio que
domina a atividade do Estado da submissão à legalidade lato sensu- sentido em
que é tomado hoje ,na linha tradicional da antiga formulação do Estado legal ou
Estado de Direito".(Tratado de Direito Administrativo, Forense, 1º ed.,
1972, t. X, p. 37 e 38).
Na lição de Diogenes Gasparini:
"Qualquer ação estatal, sem o correspondente calço
legal ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é anti-jurídica e expõe à
anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o particular. De fato,
este pode fazer o que a lei autoriza e tudo o que alei não proíbe; aquele só
pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale
dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo
situações excepcionais...A esse princípio também se submete o agente público.
Com efeito, o agente da administração pública está preso à lei e qualquer
desvio de suas imposições pode nulificar o ato e tornar seu autor responsável,
conforme o caso, disciplinar, cível e criminalmente "(Direito
Administrativo, Saraiva, 3º ed., 1993, p. 6)
Também Maria Sylvia Zanella Di Pietro não se furtou à
análise do princípio:
"Segundo o
princípio da legalidade, a administração só pode fazer o que a lei permite....
Em decorrência disso, a Administração não pode, por simples ato administrativo,
conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos
administrados; para tanto ela depende de lei".(Direito Administrativo,
Atlas, 10 ed., 1999, p. 61) E "Segundo o princípio da legalidade, a
administração só pode fazer o que a lei permite.... Em decorrência disso, a
Administração não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de
qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para
tanto ela depende de lei".(Direito Administrativo, Atlas, 10 ed., 1999, p.
61)
Esta adstrição inafastável ao primado da legalidade impede
que se pague benefício sem a correspondente lei determinando a fonte de
custeio. Algumas decisões de magistrados determinando prisões por
descumprimento de ordem judicial que determina o pagamento em valores integrais
em casos como tais são absolutamente despropositadas pois a administração esta
apenas cumprindo comando legal.
6- A via do Mandado de Injunção
O STF tem entendimento firmado pela auto-aplicabilidade dos
dispositivos referentes à pensão integral. Com a devida vênia que merece aquele
Egrégio Tribunal, reconhecidamente manancial de saber jurídico, a
jurisprudência não tem o valor que se tem querido atribuir-lhe. Estamos
adquirindo o mau costume de não mais argumentar limitando-nos a meras
"colações de jurisprudências" com se ali estivesse talhada a voz de
algum oráculo absoluto.
Basta um Tribunal superior firmar posição em uma determinada
matéria e corta-se cerce a discussão. Embora seja certo que nosso processo
outorga força cada vez maior aos precedentes podendo o relator rejeitar ou dar
provimento a recursos com base em posicionamento do próprio tribunal ou de
tribunais superiores, e que se faz necessário construir saídas para o sistema
judiciário, as vascas do colapso, não menos correto é o fato de que ainda não
temos efeito vinculante e o magistrado age com livre convicção motivada (Art.
93, inc. IX da CF). Há um grande mal neste mau vezo de substituir a
argumentação pela invocação de julgados, pois pode cair na cristalização do
direito. Os mecanismos de modificação de jurisprudência que poderiam evitar
este mal são utilizados com parcimônia processo tribunais e uma vez que
impedidas estejam as demandas de alçar aos tribunais a tendência é a
ossificação do direito.
Por isso repelimos a pura simples invocação de julgados como
base do pedir e do julgar. Há, portanto espaço para a discussão da questão.
Mormente com a nova redação do artigo 40 da CF. Pois bem, uma vez que tenhamos
firmado, sobretudo pela exegese sistemática, posição pela necessidade de lei que
disponha sobre o benefício da pensão integral surge a questão, a saber:
Enquanto esta lei não vem, ficam os prejudicados à mercê de suas vicissitudes?
A resposta é não, e a solução, conforme já fizemos menção brevemente
encontra-se no mandado de injunção. O mandado de injunção é um instrumento de
índole constitucional (é uma ação constitucional) apto a constituir em mora o
legislador. Consoante prevê o artigo 5º, inc. LXXI da Constituição Federal
"Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos diretos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania". Obviamente o direito á pensão integral é um direito
constitucional, bastando ver sua topologia no texto constitucional para se
notar que mais do que isto dos direitos fundamentais, em que pese à necessidade
de regulamentação. Logo se enquadra perfeitamente no figurino do dispositivo.
Se o exercício deste direito está sendo empecido pela ausência de norma, cabe
ao interessado voltar-se aos titulares da competência para legislar para
requerer seja expedida a competente legislação. O mandado de injunção é a via
legítima para tanto. O que não se pode permitir é a utilização de exegeses
forçadas a bem de se fazer uma "justiça" frente à ausência de norma
expressa. Como dissemos, esta justiça acaba por ser uma injustiça e a brecha
interpretativa usada pelo "homem bom para fazer o bem cedo ou tarde será
utilizada pelo mau para fazer o mal". O caminho da lei ainda se afigura
melhor do que soluções superficiais e paternalistas.
7- Conclusões
A lei é o último bastião de defesa da justiça, mesmo que nem
sempre seja ela justa. È a lei, e não critério pessoal que deve o julgador
aplicar e se ela for injusta deve interpretá-la de molde a torná-la, na medida
do possível, justa, sem, contudo ir a ponto de negar-lhe aplicação, pois não é
legislador. O instrumento de que se vale o jurista para tanto é a hermenêutica,
que não pode prescindir de todas as escolas, de todos os métodos, sob pena de,
por incompletude se produzir um entendimento parcial da norma. Os métodos
hermenêuticos aplicados com seriedade e rigor nos demonstram que o pagamento de
pensão carece de lei e que o dispositivo legal que a prevê não é
auto-aplicável.
No entanto, força-se à interpretação para produzir
"justiça". Mas a função judicante é salvo melhor juízo, serva da lei.
E o magistrado, que não é legislador, aplica a lei, não a cria. Carece a pensão
integral de lei que a regulamente, em especial que preveja fonte de custeio
para o pagamento do benefício conforme preconiza o artigo 195 da Constituição,
que norma constitucional também é. Enquanto tal norma não vier, cabe a o
prejudicado valer-se do instrumento para sanar a omissão: o mandado de
injunção. Mas enquanto tal norma não se pode violentar a letra da lei para se
obter um resultado pretendido. Por outro lado é preciso lembrar que o Estado
Social de Direito á par de prestigiar os direitos sociais, dentre os quais
estão os previdenciários, não se resume a isto. Trata-se de um modelo de Estado
que se pauta pela preponderância do interesse coletivo sobre o individual e
isto pode ocasionar choques entre direitos sociais e direitos da coletividade.
Quando isto ocorrer deve-se dar prioridade ao interesse
coletivo, pena de produzir-se uma decisão ilegítima frente as expectativas dos jurisdicionados
e ao sistema e seus valores. Mas nem sempre os jurisdicionados tem compreensão
do alcance que determinados atos podem ter na vida de todos. Ao juiz, homem
preparado (espera-se) cabe, usando do seu conhecimento sopesar as condições a
tomar a decisão mais consentânea á lei e a justiça, ainda que impopulares sejam
as suas conclusões. Antes do interesse ou do direito individual está o
interesse e o direito do todo. A previdência é um ponto sensível de atrito e no
cotejo entre os direitos individuais que não são negados, muito antes pelo
contrário, e os interesse coletivos, não se pode o magistrado guiar por outra
coisa senão a lei. Se se deixa levar pela emoção ou por considerações pessoais
impertinentes nega a sua função e se torna sua conduta tão réproba quanto à do
tirano. E a nosso ver é o que está acontecendo. Nem o Estado e muito menos a
função judicante se prestam a caridade pessoal e infelizmente a realidade cobra
alguns sacrifícios. Por ora nada se pode fazer senão aplicar a lei, pois dos
males é o menor.
Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos