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Marcelo Colombelli
Mezzomo
Bacharel em Direito
pela UFSM
SUMÁRIO:1-Introdução.2-Premissa fundamental:Os princípios Constituconais.3-O
direito sucessório do companheiro.4-Irretroatividade das leis.5-Conflito entre
as leis 8.971/94 e 9.278/96?.6- Exegese Sistemática. 7-Exegese Teleológica.8-O
Código Civil frente à União Estável.9-Conclusões
1-Introdução.
O Direito, o aprendemos na início da cátedra, quer seja
visto sob a ótica de uma ciência, quer seja sob o ponto de vista de quem
analisa um método de controle social, é essencialmente dinâmico. Com efeito,
embora possua uma dimensão lúdica, acadêmica, talvez a mais interessante, não
deixa de ser um mecanismo regulador, viabilizador do convívio em sociedade e
portanto aplica-se a um conjunto social. Da mesma forma, no Estado de
Democrático de Direito, a lei, pela representatividade tende a ser o reflexo da
vontade da maioria. Claro, isso num plano deontológico, do dever ser, posto que
na prática isto não ocorre. Ora, se a lei(rectius: o direito) tende a ser um
reflexo da maioria, a sua construção tomada em um dado momento, está
intimamente interligada a aspectos culturais, sociais, econômicos e morais
restritos a este tempo e a uma dimensão espacial limitada. Com isto queremos dizer
que o Direito é essencialmente mutante e adaptativo, amoldando-se ao momento da
sociedade da qual emerge e onde é aplicado.
Alguns campos do Direito, por seu turno, apresentam uma
maior facilidade de adaptação. A intensa prática de atos negociais, por exemplo,
certamente tornam este campo extremamente dinâmico. Assim também o direito
processual, o direito cambiário, o direito administrativo, dentre outros. Ao
revés, áreas há em que as mudanças ocorrem com menor velocidade como é o caso
do Direito Sucessório, posto que uma breve consulta ao Código Civil nos dará
conta de que muito pouco se alterou desde 1.917 no Livro das Sucessões. O
Direito Sucessório, contudo, está intimamente ligado ao Direito de Família,
área em que vislumbrou-se nos últimos anos uma grande evolução. O Direito de
Família era um dos últimos bastiões de resistência ao que se pode chamar de
sociedade moderna pós-industrial. Mas com a evolução dos costumes e da moral, o
que se verificou em tempos bastantes recentes foi uma rápida evolução deste
ramo do direito com repercussões no Direito Sucessório. Assim, na esteira deste
movimento reformista, a Constituição de 1988, estabeleceu em seu artigo 226, §
3º o reconhecimento da união estável, sobrevindo, a posteriori, as leis 8.971,
de 29 de Dezembro de 1994 e 9.278,de 10 de Maio de 1996. A primeira regula o
direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, e a segunda regula o artigo
226, § 3º da CF. Em ambas temos tratativa de institutos que se encontravam no
Código Civil destinados ao conjugue sobrevivente, quais sejam, o usufruto e o
direito de habitação. A correta exegese destes institutos nos novéis diplomas e
o seu cotejo com a disciplina do Código Civil serão nossos objetos.
Defenderemos nosso ponto de vista acerca da matéria em
contraponto ás opiniões defendidas pelo colega e amigo Misael Flávio Mazetti. O
nobre colega ao tratar do assunto na aula do dia 27/03/2001, começou por
afirmar os princípios que vislumbrava no texto constitucional e acabou por
concluir que o usufruto previsto na Lei 8.971/94 estaria revogado pela Lei
9.278/96 pois estaria criando mais direitos ao companheiro do que ao cônjuge
foram deferidos pelo Código Civil. Vênia concessa, divergimos deste
posicionamento, expondo naquela ocasião o que agora passaremos a expor.
2-Premissa fundamental: Os Princípios Constitucionais
Se divergimos do colega quanto às suas conclusões, o mesmo
não se pode dizer quanto às premissas por ele levantadas. Destarte, se pode
inferir por uma simples leitura dos dispositivos constitucionais pertinentes
que: 1) A Constituição reconhece, em condições de igualdade com o casamento, a
União Estável. 2) A união estável não é equivalente do casamento, mas concede
os mesmos direitos. 3) O Estado pretende a conversão da união estável em casamento.
4) A União Estável não pode conferir mais direitos do que o casamento o que
seria um contrasenso e violaria o artigo 226, § 3, in fine, da CF/88. Em nosso
sentir, o que se pode concluir é que a Constituição quer efetivamente uma
paridade entre os institutos casamento e união estável, sem entrarmos aqui em
discussões acerca do mérito da justeza ou não desta paridade. Esta conclusão é
de fundamental importância para que tenhamos consciência da influência do
Código Civil na interpretação de ambas as leis. Se observamos que o que se
busca é uma paridade, se nos parece lícito concluir que a disciplina do C.C.
representa um forte subsídio para a interpretação destas leis. Em verdade o que
se quis nestes diplomas, penso eu, foi exatamente estabelecer direitos ao
companheiro equivalentes aos previstos para o cônjuge no Código Civil, art.
1.611, §§ 1º e 2º. Mais à frente se compreenderá os efeitos desta conclusão.
3- O direito sucessório do companheiro.
Se há um ponto em que não pode haver a menor divergência é o
fato de que agora tem o companheiro sobrevivo direito hereditário igual ao do
cônjuge. É o que determina claramente o inc. III do artigo 2º da Lei 8.971/94,
colocando o companheiro na terceira posição de vocação hereditária legítima, ou
seja, em condições de igualdade com o cônjuge. Evidentemente, só tem cabimento
considerar-se união estável a existente entre pessoas não legalmente casadas,
caso contrário teríamos o absurdo de termos cônjuge e companheiro concorrendo à
mesma herança e estaria sendo violado o artigo 1º da Lei 8.971/94.
4- Irretroatividade das leis
Segundo o artigo 1.577 do C.C, a lei que regula a capacidade
de suceder é a da abertura da sucessão. Desde que foi acolhida por Alvará de
1754, a saisina em nosso ordenamento jurídico( o vigente então eram as
Ordenações Filipinas), a sucessão considera-se aberta no exato momento da morte
de cujus. A priori, teríamos que as leis em questão não podem retroagir para
atingir sucessões abertas antes de sua vigência. Mas, conforme opinei em aula,
a questão é discutível. As leis em tese não podem retroagir. Quando
excepcionalmente se permite que tal aconteça, ressalvam-se, conforme o artigo
5º, inc. XXXVI: o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.
Certamente, frente a um comando peremptório e claro, insculpido em texto
constitucional, e mais, em uma cláusula pétrea, ninguém ousaria defender a tese
de que pode haver retroatividade frente a estas três situações. Mas há esta
possibilidade. A doutrina e a jurisprudência têm admitido a retroatividade
ainda que em ofensa ao princípio constitucional quando a lei de que se cuida
referir-se a direito público, ou que amplie direitos de fundo publicístico e
protetivo. Assim é que o artigo 51 do CDC, que determina as cláusulas abusivas,
foi aplicado para afastar cláusulas contratuais abusivas em face de seu texto
mesmo que pactuadas em avenças celebradas antes de sua vigência, e portanto
acobertadas pelo ato jurídico perfeito. Encontram-se, é verdade raramente,
hipóteses em que também se reconheceu retroatividade também em face da coisa
julgada e do direito adquirido. Não há direitos absolutos. Mesmo a vida é um
direito relativo consoante se pode ver do artigo 5º, inc. XLVII, alínea
"a" da Constituição Federal. As disposições legais que tratam de
direito de família, criando um status familiar por certo são de ordem
pública(Ver Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense,
11º ed, 1991, n 253, p.217) Retroagem. Quem se negaria a reconhecer o status de
companheira a uma pessoa que permaneceu quarenta anos vivendo com outra more
uxorio e cujo companheiro veio a falecer antes da CF/88?. Pois bem , se a norma
que alça o companheiro em união estável a uma condição equivalente em direitos
ao cônjuge retroage, os efeitos patrimoniais podem retroagir, embora não digam
diretamente com o conteúdo publicístico da norma. Isto pode ocorrer porque a
Constituição de 1967, com a Emenda n I, de 1969, já possuía previsão do
Principio da Isonomia ou da Igualdade.Logo, se a companheira pode ser
reconhecida como tal mesmo antes da Constituição e, com maior razão, antes das
leis que a regulamentam, e se o que se objetiva é uma equivalência de direitos
entre cônjuge e companheiro, incide o princípio da isonomia, já previsto na
ordem constitucional anterior, fazendo com que aquele que lá já era
companheiro, por força da retroatividade, venha a ser considerado herdeiro,
inobstante a lei ordinária da época não o considerasse como tal.
Levado a extremos este entendimento, podemos alvitrar mesmo
a revisão de partilhas já realizadas, pois frente a norma de conteúdo público,
e que ainda cria direito, embora de cunho patrimonial, atrelado a uma condição
pertinente a um status familiar, não se haveria de invocar o óbice do ato
jurídico perfeito, nem do direito adquirido. Afora esta possibilidade, não
podemos olvidar a hipótese de interpretações baseadas em princípios de direito,
mais especificamente na equidade, e que também podem levar ao mesmo ponto.
Pode-se argumentar que por um princípio de equidade as companheiras, que não
poderiam ter por lei seu direito reconhecido como herdeiras, teriam contribuído
na vida em comum do casal em condições de igualdade com um cônjuge, ou seja,
nas mesmas condições que um cônjuge teria feito. Se a razão de inserir-se o
cônjuge na ordem de vocação hereditária foi exatamente a proximidade com o de
cujus, a contribuição dada na vida em comum e o fato de buscar-se o amparo
deste nos, quiçá, difíceis tempos que virão, estes motivos estariam igualmente
presentes tratando-se de companheiro. Isto justificaria a abertura de uma
exceção ao artigo 1.577 do C.C. pois nem sempre o que é legal é justo. Nem
sempre lex est jus, ou seja, nem sempre a lei é o direito
Reconheço certamente que tais teses encontram um forte
anteparo na segurança jurídica, que é uma das pilastras e razões maiores do
Direito. Realmente cria-se com tal exceção uma insegurança jurídica a qual é
repelida pelo senso lógico comum. Para tanto preconizaria que não se pudesse
rever partilhas já feitas nem tão pouco negócios já celebrados, de tal modo que
a retroatividade só atingiria inventários em andamento, e ainda assim, com
ressalva de validação de avenças celebradas pelo herdeiro que seria, quantos as
parcelas que haveriam de ir para o companheiro, herdeiro aparente. Assim
preservaríamos os terceiros que são de todo alheios à situação da sucessão.
Tratam-se de especulações, de teses defensáveis em juízo, por que não? Mas se
me perguntarem se as subscreveria incondicionalmente respondo que não. Na
prática tudo dependerá do caso concreto e principalmente do magistrado. Mas
fica o alerta para os incautos: Não há direitos absolutos ou intocáveis no
Estado Social de Direito, que prioriza não mais o interesse individual, mas o
senso coletivo.
5- Conflito entre as Leis 8.971/94 e 9.278/96?
Verificando o texto dos diplomas em questão, observamos que
a lei 8.971 previa um tempo mínimo de convivência(cinco anos) ou a existência
de prole comum para que fosse reconhecida a união estável. Tal restrição não se
repetiu na lei 9.278/96. Quid iuris? Da mesma forma se descortina um aparente
conflito na medida em que a lei 8.971/94 previa o usufruto, tão somente, ao
passo que a lei 9.278/96 prevê somente o direito de habitação. Quid inde?
Quanto á questão do prazo e necessidade de prole, é certo que houve derrogação
pela lei posterior, de tal modo que hoje não se exige tempo mínimo. Cabe,
contudo ao arbitrium boni viri do magistrado impedir que esta ausência seja
porta larga á fraude e a considerar-se qualquer convívio união estável, o que,
convenhamos, seria desastroso. Foi a opção legislativa. Quanto ao conflito das
leis, mais uma vez pedindo a devida vênia quero manifestar-me contrário à
posição preconizada pelo nobre colega em aula. Razão lhe assiste, por outro
lado, ao afirmar que a aplicação concomitante das duas leis não pode ser
admitida. De fato, a admitir-se uma tal situação teria o companheiro mais
direitos do que o conjugue pois a lei 9.278/96 não discrimina qualquer
restrição à concessão do direito de habitação. Logo, teríamos que o companheiro
faz jus ao usufruto nas condições que determina a lei 8.971/94 e mais ao
direito de habitação. Como se pode ver no Código Civil, art 1.611 e parágrafos,
o cônjuge só tem direito à constituição de direito real de habitação ou do
direito de usufruto, alternativamente. Claro que se o que se quer é que tenham
o cônjuge e o companheiro situação semelhante, visando-se, porém, que a união
estável converta-se em casamento, não se pode admitir que o companheiro tenha
mais direitos do que o cônjuge. A solução encontrada pelo colega baseia-se na
derrogação da lei posterior no que tange ao usufruto. Indubitavelmente o
princípio de que lex posteriori derrogat lex prioir é uma das sólidas bases em
que se sustenta a resolução do conflito de leis(recomendável a leitura de F.
Gabba, "Teoria della Retroativittá delle Leggi"). Mas há princípios
de hermenêutica que conspiram contra esta solução simplista. Por reconhecer
valia e estes princípio é que não me convenço de que tenha havido ab-rogações
ou derrogações entre as leis em questão no que diz respeito aos direitos reais,
preferindo uma interpretação que busque a compossibilidade de ambas.
Há um princípio secular inscrito na parêmia "verba cun
effectu sunt accipienda" segundo o qual devemos preferir uma exegese que
mantenha a eficácia da lei à uma que implique negar-lhe vigência. Não é dado ao
interprete ficar buscando, alguns em obsessão quase patológica, antinomias e
contradições na lei. Também outro brocardo nos diz "interpretatione illa
sumenda quae absurdum evitetur", ou seja, devemos observar uma linha de exegese
que evite absurdos. Devemos tomar o máximo de cuidado ao apontar ab-rogações e
derrogações. O interprete não é legislador. Somente quando houver menção
expressa ou incompatibilidade inafastável devem ser reconhecida a negativa de
vigência de uma lei, sob pena de termos num futuro breve o governo dos juízes,
tão nefasto quanto o que se tem quando juizes não há. Pois bem, e qual seria a
exegese que preserva ambas as leis? Primeiro qualquer exegese deve ser
eclética, ou seja abranger diversos métodos de interpretação. Como dizia Carlos
Maximiliano: "Nenhuma escola Hermenêutica ousa confiar exclusivamente na
excelência dos seus postulados para exegese e aplicação correta do Direito.
Nenhum repositório paira sombranceiro aos distales dos ineptos, às fantasias dos
apaixonados e as torpezas dos improbos. Não há sistema capaz de prescindir do
coeficiente pessoal. A justiça depende, sobretudo, daqueles que a distribuem. O
texto é a essência, a matéria prima, que deve ser plasmada e vivificada pela
inteligência ao serviço de um caráter íntegro"(Hermenêutica e Aplicação do
Direito, Forense, 11º ed., 1991, p.100). Da mesma forma devemos repelir o uso
da exegese verbal. O método de interpretação literal é dentre todos o mais
fraco. Como lembra o mesmo saudoso jurista santamariense: "A interpretação
verbal fica ao alcance da todo, seduz e convence os indoutos, impressiona
favoravelmente os homens de letras, maravilhados com a riqueza de conhecimentos
filológicos e primores de linguagem ostentados porque é, apenas, um profissional
do Direito. Como toda a meia ciência, deslumbra, encanta, e atrai; porém fica
longe da verdade as mais das vezes, por envolver um só elemento de certeza, e
precisamente o menos seguro". Devemos nos pautar sobretudo pela exegese
telelógica, em qualquer caso método que avulta em superioridade e, in hoc casu,
ainda pela exegese sistemática.
6- Exegese Sistemática.
O ordenamento jurídico é um sistema integrado. Tanto assim o
é que se fala em sistemas jurídicos. Significa dizer que os diversos diplomas
legais que estão compreendidos na formação do todo de um ordenamento, devem
atuar em harmonia, compondo um sistema, ou seja um conjunto em que partes
independentes atuam com influência de cada qual no todo e do todo em cada qual
das partes. Especificamente tratando-se de sistema jurídico, visa a exegese
baseada no método sistemático evitar incongruências procurado dar sentido tal à
norma de modo a tonar sua compreensão consentânea com os princípio plasmados em
todo o ordenamento, e fazer com que se coadune com disposições que tratam de
matéria congênere ou afeita ao tema de que se trata. No que diz respeito aos
textos em exame, primeira premissa que já foi por nós essentada é a de que não
se pode criar mais direitos do que Código Civil conferiu ao cônjuge. E é precisamente
o Código Civil que nos serve de paradigma para uma interpretação sistemática.
Se no Código Civil se trata do usufruto e do direito de habitação para o
cônjuge e se o que se quer é que cônjuge e companheiro tenham os mesmos
direitos, outra não pode ser a conclusão senão a de que a disciplina do C.C
deve servir de subsídio para a interpretação dos diplomas legais que tratam da
união estável. Pois bem, se no C.C o direito de usufruto convive em perfeita
harmonia com o direito de habitação, se utilizarmos a disciplina ai preconizada
por certo há de surgir uma exegese que os torne compossíveis. Na disciplina do
C.C verificamos que não são aplicáveis concomitante os institutos, e o fator
utilizado como elemento diferenciador é o regime de bens. Assim sendo, e sendo
cabíveis na união estável os mesmos regimes(embora não se possa falar
propriamente de regime de bens no sentido utilizado no código), ou diríamos
melhor a mesmas formas de regência dos bens no que diz respeito à
comunicabilidade de patrimônios, é lícito concluir que as normas dos diplomas
que tratam da união estável devem ser interpretadas em consonância ao previsto
no Código Civil. Acolhido este alvitre, teremos que, se houverem estipulado os
companheiros uma comunhão total dos bens, como se lhes permite o artigo 5º da
Lei 9.278/96, a aplicação será do direito de habitação, afastado o usufruto. Se
houver comunicação do patrimônio obtido durante a união ou se se houver
estipulado a não comunicação de nenhum patrimônio(equivalente ao previsto para
o regime da separação total de bens), então será aplicável o direito de
usufruto para o companheiro sobrevivente, afastado o direito de habitação.
Obrando nesta interpretação estaremos ressalvando que o
companheiro não tenha mais direitos do que o cônjuge, estaremos ressalvando a
aplicabilidade de ambas as leis, como preconiza a melhor hermenêutica, e
estaremos realizando uma interpretação sistemática que guarda a coerência entre
normas que tratam de assuntos congêneres.
7- Exegese Teleológica. Dentre todos os métodos de
interpretação da lei, o teleológico é o que avulta em superioridade, sendo
fruto da escola histórico-evolutiva de hermenêutica. Toda norma jurídica se
produz com uma finalidade determinada. E deve o aplicador e intérprete
perquirir qual a finalidade plausível de um dispositivo naquele dado momento
histórico e em vista de uma determinada conjuntura social. Não que se possa
preterir os demais métodos, pois inclusive o gramatical deve ser utilizado como
primeira, porém nunca como única, fórmula de compreensão do verdadeiro sentido
da norma.
Lembremos que não pode o magistrado arvorar-se a posição de
legislador. Ao se interpretar, busca-se revelar o sentido da norma, não
recriá-lo segundo nossas conveniências e opiniões. Claro que o aplicador sempre
usa de sua gama de conhecimentos e cultura, que aliás são imprescindíveis para
que possa captar a correta interpretação da norma frente ás expectativas dos
jurisdicionados de seu tempo. No entanto, não pode ir ao ponto de violentar a
letra da lei. O texto representa um espectro mais ou menos amplo dentro do qual
pode se movimentar, aplicando seu conhecimento geral, e sobretudo jurídico, a
fim de encontrar o sentido atual da norma e, ao aplicá-la, produzir uma justiça
do caso concreto o mais próxima possível dos valores de seu tempo. Ao analisar
o texto do C.C no artigo 1.611 e parágrafos, vislumbro ali uma finalidade
protetiva do cônjuge sobrevivo. Neste passo, calha chamar a atenção para o fato
de que temos que nos reportar ao tempo em que a norma foi editada para
compreender sua finalidade e podermos avaliar se continua atual o objetivo que
almeja. Se retornarmos ao início do século passado, mais precisamente a 1917,
veremos que o quadro social é completamente diferente. Há que se notar ainda
que o projeto de Código Civil de que se originou o atual estatuto civil é
anterior a esta época.
Neste período de nossa sociedade vivíamos uma época, embora
já nos estertores, de casamentos realizados por ajustes familiares. A mulher,
lembremos nós, não muito tempo antes, era considerada juridicamente res(coisa)
e estava in manus do marido que sobre ela e sobre a prole tinha potestas nec et
vis( poder de vida e de morte). A mulher ao casar-se raramente possuia
patrimônio. Os dotes frequentemente faziam-se com cláusula de reversão ao
dotante ou com destinação à prole do casamento, principalmente aos netos do
dotante . Preferia-se instituição de fideicomissos tal era o pouco caso que se
fazia da filha como administradora do patrimônio. Este cônjuge que vinha ao matrimônio
com pouco ou nenhum patrimônio próprio disponível, se viuvasse, encontrar-se-ia
ao abandono, mormente se não possuísse filhos, ou fosse vítima de sua
ingratidão. Se o regime fosse de separação total ou comunhão parcial ou o risco
de desventura do cônjuge sobrevivo era uma possibilidade concreta. Para elidir
tal risco, se lhe deferia o usufruto que seria maior se não tivesse filhos
posto que então aumentaria o risco de não ter ninguém por si, tanto mais se
idoso. Ao revés, se fosse o regime de comunhão total, pelo menos uma quantia
equivalente à metade do patrimônio teria direito através de sua meação, o que
reduzia o risco de abandono e agruras, e por isto se deferia o menos, o direito
de habitação e limitado a hipótese de ser o imóvel residencial o único a
inventariar de sua natureza(C.C, art. 1.611, 2º). Outra não pode ser a
finalidade da distinção. Estabelecida a razão da distinção, cabe-nos questionar
se permaneceria ainda hoje. Cremos que sim. Embora se reconheça hoje uma plena
igualdade da mulher, o certo é que em muitos rincões distantes o modelo social
permanece cristalizado no tempo e por isso a preocupação tem razão de ser. Se
permanece a razão de uma providência protetiva como a construída no C.C por
certo que se há de interpretar as normas vigentes no sentido de produzir os
mesmos resultados em face das mesmas situações. Se nos parece que o legislador
ao redigir a Lei 8.971/94 não se houvera dado conta da necessidade de
discriminar a aplicação de conformidade ao regime de bens. Ao editar a Lei
9.278/96, fez menção no artigo 5º à possibilidade de existência de outros
regimes de bens que não fosse o da comunicação dos adquiridos na constância da
união. Logo haveria de dar materialidade à consequência desta possibilidade,
que é o direito de habitação, quando o regime for o da comunhão total, assim
como consta do artigo 1.611 do C.C. Já dizia o brocardo " ubi eaden ratio
legs, ubi eaden legis dispositio". Presente a mesma razão, também presente
estará uma interpretação que faça presente a mesma disciplina, embora cuidem-se
de lei que tratem de situações diversas, pois o que se quer é que da conjunção
do Código Civil e das leis resultem direitos iguais para o cônjuge e para o
companheiro. Desta forma mais uma vez salvamos a aplicação de ambas as leis e
não se produz a teratologia de ter o companheiro mais direitos que o cônjuge.
8- O Código Civil frente à União Estável.
O Código Civil pode conviver em harmonia com a s leis que
tratam da união estável. No entrechoque de algum dispositivo do Código Civil
com as novas leis, em princípio, não haveria problema, já que tratam de coisa
diversa. Mas como não se pode conceber mais direitos ao companheiro do que ao
cônjuge, podem surgir dificuldades porque então, ainda que não tratem da mesma
situação, as lei estão atreladas de modo que uma não deve outorgar mais
direitos do que a outra. O princípio de que a lei posterior revoga a anterior
não nos tem muita valia no presente caso, pois não há uma lei posterior
tratando da mesma coisa que se pudesse dizer em contradição com lei anterior. E
há uma hipótese concreta de atrito entre a disciplina da união estável e o C.C.
Como resolver?A hipótese de se cuida trata da contradição entre o artigo .1611,
§ 2 do C.C e o artigo 7º, § único da Lei 9.278/96. A restrição existente no
código condicionando a constituição do direito de habitação à existência de um
único imóvel destinado à habitação a inventariar não se repetiu na lei da união
estável. Com isto temos atribuição de mais direito ao companheiro do que ao
cônjuge, ainda que se apliquem os princípios por nós defendidos supra, e que
afastam a incidência concomitante de ambos os diplomas legais que tratam da
união estável.
Aqui temos de recorrer ao campo da sociologia jurídica e
arrimarmo-nos em Pontes de Miranda. Segundo faz menção o mestre em seu
Introdução á Sociologia Jurídica, o desenvolvimento da humanidade se faz por
ciclos, ora de maior amplitude de direitos, ora de maior restrição. Mas há
sempre uma constante que foi por ele denominada "redução do quantum
despótico" e que se consubstancia em uma tendência ao aumento paulatino da
gama de direitos. Significa dizer que a evolução é sempre no sentido da ampliação
de direitos, ou seja, os ciclos de restrição apresentam restrições cada vez
menores, ao passo que os ciclos de ampliação apresentam ampliações cada vez
maiores.
Como não podemos aplicar pura e simplesmente a lei 9.278/96
ou ampliamos o direito do código, suprimindo a restrição ou consideramos que a
restrição aplica-se à união estável. A solução frente ao princípio da redução
do quantum despótico é pela revogação da restrição existente no código, mesmo
porque não podemos considerar aplicáveis restrições implícitas." Odiosa
sunt restringenda, favorabilia sunt amplianda " Assim, hoje não vige mais,
a nosso ver, a restrição existente no código civil quanto à constituição do
direito de habitação em favor do cônjuge sobrevivo.
9- Conclusões
Podemos concluir que esta definitivamente reconhecido o
direito sucessório ao companheiro da união estável. Pode ser cogitada a
retroatividade da norma, inclusive no que diz respeito as questões
patrimoniais. As leis 8.971 e 9.278 não são incompatíveis a não ser na
exigência de tempo mínimo. O usufruto aplica-se ao companheiro que não tenha
acordado a comunicação de todo o patrimônio, passado e futuro. O direito de
habitação aplica-se ao companheiro que tenha acordado comunicação total de
patrimônio. A parte final do § 2º do art. 1611 do C.C encontra-se revogada. Há
que prevalecer a exegese sistemática e teleológica, preservando a validade das
normas. É assim que vejo a união estável frente a o direito sucessório.
Retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos